A Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988, no Título II, elevou a ordem trabalhista ao patamar de Direitos Fundamentais, sendo certo que os direitos humanos, mais conhecidos como direitos da pessoa humana, estão inseridos na primeira dimensão, ou seja, direitos clássicos, negativos ou formais, taxados como direitos de defesa.

 O rótulo Direitos Fundamentais, disposto na Lei Maior, é tido como gênero do qual decorrem as três espécies de direitos previstas nos Capítulos I, II. III e IV, do Título II, da Constituição Federal vigente, quais sejam: os direitos individuais (dentre os quais são consagrados os direitos humanos), os direitos políticos e os direitos sociais.

Historicamente, os Direitos Fundamentais sempre foram analisados como uma forma da pessoa se proteger das lesões provocadas pelo Estado, tal visão era estagnada e prejudicava as inúmeras garantias previstas no texto, já que sem utilidade prática. No entanto, esse entendimento antigo está sendo revisto e ampliado, para caracterizar a eficácia imediata da norma constitucional, uma vez que tais direitos consagram valores mínimos à condição digna da pessoa humana.

Neste sentido a norma constitucional deve ser interpretada visando à eficácia máxima social, ou seja, seguindo a idéia de primazia da Lei Maior apontada pelo Princípio da Força Normativa da Constituição.Segundo J.J. Gomes Canotilho “deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a actualização normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência”[1]

A eficácia imediata, aqui enfatizada, demonstra que o espírito moderno deixa congelada a óptica de que a Constituição Federal de 1988 seja apenas um programa, com metas a serem cumpridas, trazendo à tona a produção de efeitos práticos, no tocante àquelas normas de direitos fundamentais, que possuam densidade normativa suficiente. O artigo 5º, §1º, da CRF/88 não pode ser interpretado de forma simplista, do contrário haverá o retorno a regra geral, quando na realidade a coletividade aguarda uma ação concretizadora do legislador.

Ora, tratando os Direitos Fundamentais como uma forma do legislador dispor valores mínimos para a garantia de um direito essencial, verifica-se que tal norma constitucional traz consigo uma série de efeitos, dentre eles: a) a revogação dos atos anteriores que forem incompatíveis com o texto expresso; b) a obrigação do legislador de produzir normas de acordo com a consagração dos valores fundamentais; c) a proibição ao retrocesso como forma de demonstração do direito de defesa amparado; entre outros.

  Dentre os efeitos acima elencados, o Princípio da vedação ao retrocesso se faz substancial no estudo do tema proposto, já que a Emenda Constitucional n.º 45, de 08 de dezembro de 2004, introduziu um parágrafo terceiro ao artigo 5º, da CRF/88, impondo certos requisitos antes não existentes para a incorporação ao ordenamento interno de Convenções e Tratados internacionais.

Tal princípio (vetor hermenêutico) objetiva a proteção do núcleo essencial e intangível dos direitos fundamentais, tendo origem no próprio Estado Democrático de Direito que se define pela proteção extremada da dignidade do Homem e plena eficácia das normas implementadas.

A lição de J.J. Gomes Canotilho demonstra que “a idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de contra-revolução social ou da evolução reacionária. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo.  (...) O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas (...) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ´anulação` pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado”[2]   

Princípio, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, é “a disposição fundamental que se irradia sobre as outras normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência”[3], ou seja, são proposições ideais ordenadas para o manuseio da realidade vivenciada.

Neste mesmo sentido Paulo Bonavides pondera que “A proclamação da normatividade dos princípios em novas formulações conceituais e os arestos das Cortes Supremas no constitucionalismo contemporâneo corroboram essa tendência irresistível que conduz à valoração e eficácia dos princípios como normas-chaves de todo o sistema jurídico; normas das quais se retirou o conteúdo inócuo da programaticidade, mediante o qual se costumava neutralizar a eficácia das Constituições em seus valores reverenciais, em seus objetivos básicos, em seus princípios cardeais”[4]

Tais princípios são entendidos especificamente como a base do sistema, a sua viga-mestra, ou conforme conceitua o jurista Geraldo Ataliba[5], são “vetores para soluções interpretativas”. Neste sentido, a Ciência Jurídica apoiada nos princípios encontra a base perfeita para a possível compreensão e integração do universo normativo, uma vez que a Constituição Federal é um todo harmônico.

Ora, antes da EC nº 45/04 o artigo 5º, da CRF/88 era finalizado com o parágrafo segundo e dispunha:

“§2º do artigo 5º: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

Neste sentido, o entendimento priorizado por intelectuais do direito como Flávia Piovesan, era de que Tratados e Convenções internacionais, cujo conteúdo determinante era direitos humanos, possuía posição hierárquica superior à Lei Ordinária Federal, uma vez que tais textos legais traziam em seu bojo Direito Fundamental e, como tal, teria força de Emenda Constitucional no momento em que fosse aprovado o Decreto pelo Presidente da República.

Ressalta-se, aqui, que existe divergência quanto à posição normativa quando da entrada em vigor no ordenamento nacional de Tratados e Convenções internacionais, sendo certo que para o Supremo Tribunal Federal tais atos entrariam no ordenamento com força normativa de Lei Ordinária Federal. No entanto, segundo estudiosos, os tratados quando versem direitos humanos entrariam com força normativa de emendas, já que o § 2º do art. 5º, da CRF/88 autoriza tal tratamento.  

Conforme asseverado anteriormente, com o advento da EC nº 45/04, foi acrescentado o parágrafo terceiro ao artigo 5º, da CRF/88 que dispõe:

“§ 3º do artigo 5º: Os Tratados e Convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

Tal acréscimo trouxe uma série de requisitos que atravancam o processamento destes Tratados ao status de emenda constitucional, a uma porque aquelas convenções que vigoram em nosso ordenamento jurídico e que não passaram por esse requisito imposto com a EC nº45 não terão a possibilidade de equivalência ao nível das emendas; a duas porque tais requisitos pioraram a situação antes garantida pela CRF/88, qual seja, a de que somente o fato de tais disposições normativas tratarem de direitos humanos já os colocariam em patamar de uma emenda constitucional quando da sua vigência interna, não sendo necessários a aprovação em dois turnos e por três quintos dos membros de cada Casa do Congresso.

Assim, o § 3º, do art. 5º, da Lei Maior seria inconstitucional, e a motivação de tal fenômeno encontra-se amparado no Princípio da Vedação ao Retrocesso, já que nossa Constituição Federal garante o mínimo de direitos quando da concretização dos Direitos Fundamentais, sendo vedado ao constituinte, que não o originário, a elaboração de norma que piore direito já conquistado e disposto em norma constitucional.

Ao lado do argumento acima, o próprio artigo 60, § 4º, IV, da CRF/88 também pode servir de base, já que a emenda constitucional tendente a abolir os direitos e garantias individuais, não será objeto de deliberação, devendo tal parágrafo terceiro, do artigo quinto, da norma constitucional ser retirado da esfera jurídico-normativa federal.

Portanto, ainda que aparentemente o parágrafo em discussão tivesse solucionado a discussão entre juristas de entrar em vigência como norma constitucional ou ordinária, já que a nova redação aponta no sentido de que Tratados e Convenções internacionais que versem direitos humanos teriam status de emenda constitucional, tal reconhecimento já era visualizado antes da EC nº 45/04 e, conforme exposto, de forma mais benéfica, sendo proibido o retrocesso quando há direito fundamental mínimo previsto pela ordem constitucional vigente.       

Notas:

 

 

[1] Canotilho, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ªed. 1998

[2] Op. Cit.

[3] Mello, Celso Antonio Bandeira, Curso de Direito Administrativo, 19ªed, 2005.

[4] Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13ªed., 2003

[5] Ataliba, Geraldo, Hipótese de incidência tributária, 6ªed., 2003

 

Como citar o texto:

DUZ, Clausner Donizeti..O princípio constitucional da vedação ao retrocesso frente à constitucionalidade do artigo 5º, § 3º, da CF/88. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 160. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/990/o-principio-constitucional-vedacao-ao-retrocesso-frente-constitucionalidade-artigo-5-3-cf-88. Acesso em 16 jan. 2006.

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