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Introdução
O presente trabalho tem por objeto a análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a questão da isenção heterônoma por via de tratado internacional.
O tema é atual e relevante, pois com o fenômeno da globalização. Estuda-se também o instituto da responsabilidade internacional do Estado, no caso de não se dar aplicação a algum tratado internacional em virtude de seu direito interno, inclusive por ato de seu Poder Judiciário. Investiga-se a sistemática preconizada pelo Supremo Tribunal Federal para incorporação dos tratados internacionais no direito interno brasileiro, e suas respectivas etapas, fazendo-se uma crítica à exigência de decreto presidencial para se poder dar executoriedade ao tratado no plano do direito interno. Por fim, verifica-se a posição hierárquica dos tratados internacion??????D?terno, e não quando representa a República Federativa do Brasil, no âmbito externo; (iii) e, por último, a terceira posição, considerada intermediária, entende que para haver equilíbrio entre o princípio republicano e o princípio federativo, a União somente poderá isentar, através de tratados internacionais, tributos de competência dos Estados-membros e do Distrito Federal, e está impossibilitada de isentar, pela mesma via, os tributos municipais, já que somente os primeiros (Estados-membros e o Distrito Federal) possuem representação no Congresso Nacional, que compete, por sua vez, resolver, definitivamente, o impasse.
Capítulo 1
SISTEMA JURÍDICO INTERNACIONAL
Fundamentos do Direito Internacional Público[2]
Ao poder político[3] do estado[4] [5], no sentido de não estar submetido a nenhum outro[6], costumeiramente dá-se o nome de soberania[7]. A idéia original de soberania[8] era a de que cada ordem jurídica interna se legitimasse por si mesma, encontrando em si sua própria justificação jurídica e seu próprio fundamento.[9] Saliente-se, por oportuno, que atualmente não se concebe mais o estado[10] como uma entidade que não possa sofrer qualquer limitação em seus poderes[11], notadamente em consideração ao fenômeno da globalização[12] [13] [14].
Ser soberano[15] é poder decidir sobre o seu ordenamento jurídico, sendo o único capaz de modificar o seu próprio direito interno[16]. No caso da República Federativa do Brasil[17] é razoável interpretar a expressão soberania, contida na Constituição da República (ex vi do artigo 1o, inciso I), como a não-sujeição a qualquer poder estrangeiro, havendo, assim, um nítido sentido de independência[18].
As relações entre estados soberanos, para o direito internacional[19] [20], ou direito das gentes[21] [22], estão assentadas sob o manto do princípio do consentimento[23]. Sem ele, não haveria possibilidade de existir o próprio direito internacional[24] [25], já que na ordem jurídica internacional vige o princípio da coordenação[26], ao inverso da ordem jurídica interna (relações entre estado soberano e seus súditos), que vige o princípio da subordinação[27] .
A comunidade internacional[28] é descentrence>[21] [22], estão assentadas sob o manto do princípio do consentimento[23]. Sem ele, não haveria possibilidade de existir o próprio direito internacional[24] [25], já que na ordem jurídica internacional vige o princípio da coordenação[26], ao inverso da ordem jurídica interna (relações entre estado soberano e seus súditos), que vige o princípio da subordinação[27] .
A comunidade internacional, não existindo, desta forma, autoridade superior para declarar e tornar efetivo o direito internacional[29]. Apesar da comunidade internacional não possuir a estrutura que os estados soberanos possuem[30] (em seu ordenamento jurídico interno) para aplicar sanções pelo descumprimento de suas normas[31], isso não significa dizer que não se possa, com base no direito internacional, lançar mão de sanções[32].
A igualdade soberana entre todos os estados soberanos é um postulado jurídico no plano do direito internacional, consagrado, inclusive, na Carta das Nações Unidas[33], quando preceitua que a Organização das Nações Unidas (ONU) está fundada, entre outros, no princípio da igualdade soberana de todos os seus membros[34]. Denote-se, porém, que apesar de estar consagrado, em direito internacional, o princípio da igualdade soberana entre todos os Estados soberanos, não há como não vislumbrar a flagrante desigualdade de fato[35] existente, donde exsurge a impossibilidade, atualmente, de se aplicar qualquer sanção internacional a algum dos Estados que possuem lugar permanente[36] no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas[37].
Vigorando o princípio da igualdade soberana entre todos os Estados soberanos, tem-se investigado o fundamento de justificação e legitimidade do direito internacional. As duas principais correntes de pensamento foram divididas em dois grandes grupos: a) a doutrina voluntarista; b) e a doutrina objetivista[38].
Em síntese, doutrina voluntarista, ou voluntarismo, é o nome atribuído ao conjunto de doutrinas que defendem estar o fundamento do direito internacional na vontade dos Estados soberanos, ao passo que a doutrina objetivista, ou objetivismo, pressupõe a existência de uma norma ou um princípio acima dos estados soberanos.[39]
1.2 Fontes do Direito Internacional Público[40]
A comunidade internacional é regida por normas internacionais, as quais criam direitos e deveres para seus destinatários. As referidas normas são reveladas através do estudo das fontes do direito internacional[41], havendo nítida inter-relação entre elas[42]. Tradicionalmente se adota como parte das fontes formais[43] do direito internacional, aquelas constantes no artigo 38[44] da Corte Internacional de Justiça[45] [46], sendo: tratados internacionais; costume internacional; princípios gerais de direito; e, como meios auxiliares para determinação do significado e alcance das primeiras, as decisões judiciárias e a doutrina internacional. As fontes positivadas naquele documento não são taxativas, remanescendo, portanto, outras de igual magnitude[47]. Assim, a doutrina informa que também são fontes formais do direito internacional as declarações unilaterais dos Estados soberanos (com efeitos jurídicos no âmbito do direito internacional); e as decisões tomadas pelas organizações internacionais [48]. É oportuno salientar, a fim de se traçar um paralelo com o direito interno, que ao contrário do que ocorre no ordenamento jurídico brasileiro, onde as normas constitucionais possuem evidente supremacia sobre todas as outras, as fontes[49] do direito internacional, no entanto, possuem a mesma hierarquia[50].
Existem duas teorias que tentam explicar as fontes formais do direito internacional: a) a objetivista; e b) a positivista. A primeira distingue as fontes formais das fontes materiais do direito internacional. Para essa corrente, que, aliás, é mais aceita atualmente, “As fontes materiais[51] é que são as verdadeiras fontes do Direito, enquanto as fontes formais são meios de comprovação e se limitam a formular o direito”[52]. Para a teoria positivista existe uma vontade comum dos estados soberanos como única fonte do direito internacional, sendo que no tratado a vontade se manifestaria expressamente e no costume de modo tácito[53].
Segundo Celso D. de Albuquerque Mello “a fonte [do direito internacional] dá origem a uma norma [internacional] que em princípio ‘rege um número indeterminado de situações’.”[54] Das normas de direito internacional, interessa, nesse trabalho, somente as que se referem aos tratados internacionais[55], especialmente os que envolvam matéria tributária[56].
1.3 TRATADOS INTERNACIONAIS
1.3.1 Definição
O desenvolvimento das relações internacionais e a interdependência cada vez maior entre os estados soberanos têm feito com que os tratados se multipliquem[57]. Adota-se para categoria tratado o conceito operacional previsto na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969[58], verbis: “tratado significa um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação particular”[59].
É importante salientar que a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados[60] encontra-se em vigor internacionalmente desde 27 de janeiro de 1980. A República Federativa do Brasil apesar de tê-la assinado, ainda não depositou o instrumento de ratificação, haja vista que até o presente momento o Congresso Nacional não a aprovou[61] (ex vi do art. 49, I, da CF/88[62]).
1.3.2 Fundamento do Tratado Internacional
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 consigna expressamente, em seu artigo 26, o princípio pacta sunt servanda[63] como princípio norteador dos tratados internacionais:
PARTE III
OBSERVÂNCIA, APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE TRATADOS
Seção I
Artigo 26
PACTA SUNT SERVANDA
Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cumprido por elas de boa-fé[64].
Extraí-se do dispositivo transcrito que o “fundamento dos tratados internacionais, isto é, de onde eles tiram a sua obrigatoriedade, está na norma pacta sunt servanda”[65].
1.3.3 Terminologia
Para efeito desse trabalho o que caracteriza um ato internacional como tratado, não é sua denominação, mas sim sua natureza jurídica, conforme, aliás, está expresso no conceito operacional acima adotado. Não obstante, registra-se que parte da doutrina[66] tenta classificar as variadas denominações dadas a tratado, mediante o estudo das variadas conseqüências jurídicas que possam eventualmente ter cada qual (tratado, convenção, declaração, ato, pacto, estatuto, protocolo, acordo, modus vivendi, concordata, compromisso, troca de notas, acordos em forma simplificada, carta, convênio, entre outros). No entanto, o que se verifica na prática internacional é que as denominações dos tratados são utilizadas sem qualquer critério[67]. Tal fato se reflete, inclusive, na terminologia adotada pela Constituição da República Federativa do Brasil, onde constam variadas denominações para tratados internacionais, sendo as seguintes: tratados (art. 102, inc. III, “b”), tratados internacionais (art. 5o, § 2o), acordos firmados pela União (art. 178, caput), e as expressões: tratados, convenção e atos internacionais (art. 84, inc. VIII) e tratados, acordos ou atos internacionais (art. 49, inc. I)[68].
1.3.4 Condições de Validade do Tratado Internacional: Perspectiva sob o ângulo do Direito Internacional
Para qualquer tratado internacional ser considerado válido, imprescindível apresentar os seguintes requisitos: a) capacidade das partes contratantes; b) habilitação dos agentes signatários; c) consentimento mútuo; d) objeto lícito e possível [69].
1.3.5 Capacidade das partes contratantes
A capacidade de concluir tratados internacionais é reconhecida aos estados soberanos, à Santa Sé[70], e a outros entes internacionais[71]. Apesar de não se desconhecer a possibilidade das organizações internacionais[72] firmarem tratados internacionais, restringindo-se o trabalho somente aos tratados internacionais em matéria tributária, que é prerrogativa exclusiva dos estados soberanos (o poder de tributar e, por via de conseqüência, de isentar[73] [74]), deixa-se de analisar o teor e alcance dos mesmos[75].
1.3.6 Habilitação dos agentes signatários
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 dispõe, em seu art. 7o, I, “a”, que “uma pessoa é considerada representante de um Estado para a adoção ou autenticação do texto de um tratado ou para expressar o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado”[76], se, entre outras hipóteses, apresentar plenos poderes[77]. Esses plenos poderes atribuem aos agentes signatários o poder de negociar e concluir o tratado internacional. Em alguns casos o direito internacional considera representantes do estado soberano algumas pessoas em virtude de suas funções e independentemente da apresentação de plenos poderes[78]. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, em seu art. 7o, II, a, b e, c, enumera algumas hipóteses de dispensa de plenos poderes, sendo as seguintes:
Art. 7º [...]
II. Em virtude de suas funções e independentemente da apresentação de plenos poderes, são considerados representantes do seu Estado:
a) os Chefes de Estado, os Chefes de Governo e os Ministros das Relações Exteriores, para a realização de todos os atos relativos à conclusão de um tratado;
b) os Chefes de missão diplomática, para a adoção do texto de um tratado entre o Estado acreditante e o Estado junto ao qual estão acreditados;
c) os representantes acreditados pelos Estados perante uma conferência ou organização internacional ou um de seus órgãos, para a adoção do texto de um tratado em tal conferência, organização ou órgão.[79]
1.3.7 Consentimento mútuo
O consentimento mútuo deve existir para que o tratado internacional seja considerado válido. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 dispõe sobre os meios de manifestar o consentimento:
Artigo 11
Meios de Manifestar Consentimento em Obrigar-se por um Tratado
O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado pode manifestar-se pela assinatura, troca dos instrumentos constitutivos do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, ou por quaisquer outros meios, se assim for acordado.[80]
O acordo entre as partes não deve sofrer nenhum vício[81]. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 enumera os vícios de consentimento que podem contaminar o tratado, sendo, exemplificativamente, os seguintes: a) erro (art. 48[82]); b) dolo (art. 49[83]); c) corrupção de representante de um estado (art. 50[84]); c) coação exercida sobre representante de um estado (art. 51[85]); e d) coação exercida sobre um estado pela ameaça ou com emprego da força (art. 52[86]).[87]
1.3.8 Objeto lícito e possível
O objeto do tratado internacional para ser válido deve ser possível e lícito.[88] A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados dispõe que é nulo o tratado que conflitar, por exemplo, com uma norma imperativa de direito internacional geral:
Artigo 53
Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (Jus Cogens[89])
É nulo o tratado que, no momento de sua conclusão, conflita com uma norma imperativa de direito internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por nova norma de direito internacional geral da mesma natureza. [...]
Artigo 64
Superveniência de uma nova Norma Imperativa e Direito Internacional Geral (Jus Cogens)
Se sobreviver uma nova norma imperativa de direito internacional geral, qualquer tratado existente em conflito com essa norma torna-se nulo e extingue-se.[90]
O artigo 53 da convenção acima transcrito delineia o conceito operacional de jus cogens: “norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por nova norma de direito internacional[91] geral da mesma natureza.[92]” Não se pretende, nesse trabalho, adentrar na discussão doutrinária[93] sobre a hierarquia das normas internacionais, no entanto, convém ressaltar que na referida convenção em nenhum momento há referência a hierarquia de fontes[94]. Os dois artigos citados da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 (53 e 64) referem-se a uma hierarquia entre normas e ambos se relacionam, tão-somente, a questões referentes à validade dos tratados internacionais[95].
Em razão da Convenção de Viena não ter dado exemplos de normas imperativas (jus cogens), a fim de, provavelmente, não limitar a abrangência e a finalidade dos referidos dispositivos, a doutrina internacionalista fornece exemplo, tal como a Carta das Nações Unidas [96]. Aliás, consta da Carta das Nações Unidas, atestando a sua imperatividade, o seguinte dispositivo:
CAPÍTULO XVI - Disposições Diversas (artigos 102 a 105)
Art. 103. No caso de conflito entre as obrigações dos Membros das Nações Unidas, em virtude da presente Carta, e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional, prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente Carta. [97]
Para atestar a força derrogatória do jus cogens, as atas das sessões que antecederam a conferência, que resultou do texto final da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, deram exemplos de tratados que estariam derrogados, tais como: tratados que organizassem o tráfico de escravos, ou que legitimasse o genocídio; tratados que violassem normas de proteção aos direitos humanos; tratados que legitimassem o emprego da força, contrários aos dispositivos da Carta das Nações Unidas, entre outros[98].
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, em seu artigo 66, alínea a, dispôs que qualquer controvérsia sobre a aplicação ou interpretação dos artigos 53 ou 64 da mesma Convenção, poderá ser levada à decisão da Corte Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas – ONU, mediante pedido escrito[99]:
Artigo 66
Procedimentos de Solução Judiciária de Arbitragem e de Conciliação [...]
a) qualquer parte na controvérsia sobre a aplicação ou a interpretação dos arts. 53 ou 64 poderá, mediante pedido escrito, submetê-la à decisão da Corte Internacional de Justiça, salvo se as partes decidirem, de comum acordo, submeter a controvérsia à arbitragem. [...][100]
Guido Fernandes Silva Soares informa que apesar de ainda não ter havido um pedido conforme preceitua o artigo 66 acima transcrito, a jurisprudência internacional já se manifestou, incidentalmente, sobre a questão do jus cogens. Trata-se do Caso Barcelona Traction [101], julgado, no mérito, em 1970, pela Corte Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas, que, no que interessa para explicitação do tema, decidiu o seguinte:
Uma distinção deve ser estabelecida entre as obrigações dos Estados para com a comunidade internacional no seu conjunto e aquelas que nascem face a um outro Estado, no quadro da proteção diplomática. Por sua própria natureza, as primeiras dizem respeito a todos os Estados. Vista a importância dos direitos em causa, todos os Estados podem ser considerados como tendo um interesse jurídico em que estes direitos sejam protegidos; as obrigações de que se trata, são obrigações ‘erga omnes’ [...] tais como: a declaração de ilegalidade (‘mise hors la loi’) de atos de agressão e de genocídio [...] e [a obrigação de respeito] aos princípios e regras concernentes aos direitos fundamentais da pessoa humana, neles incluídos a proteção contra a prática da escravidão e a discriminação racial. [102]
1.3.9 Classificação Formal dos Tratados Internacionais[103]
1.3.9.1 Número de partes
Os tratados podem ser classificados sobre o seu aspecto formal em bilaterais e multilaterais (igual ou superior a três o número de pactuantes), levando em consideração o número das partes envolvidas[104]. José Francisco Rezek assevera que “a singeleza desta primeira e tradicional chave classificatória contrasta com a dimensão de sua importância, ao longo de todo o estudo do direito dos tratados.”[105]
1.3.9.2 Procedimento para sua entrada em vigor no âmbito internacional
Mister diferenciar nessa quadra que, quanto à entrada em vigor de um tratado internacional, deve-se distingui-los em dois procedimentos distintos, quais sejam: a) entrada em vigor do tratado internacional no âmbito do direito interno brasileiro; e b) entrada em vigor do tratado internacional no âmbito do direito internacional, que ora é objeto de análise.
O procedimento para entrada em vigor no ordenamento jurídico internacional[106] é objeto de regulamentação pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, já para vigência no ordenamento jurídico interno brasileiro, como se verá adiante, é matéria pertinente ao direito constitucional, que disciplina os modos e o momento da entrada em vigor do tratado internacional no ordenamento jurídico nacional[107].
1.3.9.2.1 Procedimento Bifásico: Tratados em devida forma [108]
O procedimento de conclusão de um tratado pode se dar, segundo a classificação adotada nesse trabalho, por duas formas. A primeira se divide em duas fases distintas: a) a assinatura do instrumento; b) e sua ratificação[109]. Os tratados internacionais que obedecem a esse procedimento para entrada em vigor, também são denominados tratados em devida forma, pois necessitam da troca de instrumentos de ratificação ou da prática, pelos Estados signatários, de outro ato solene posterior a sua assinatura[110].
A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 dispõe sobre essas duas fases em seus artigos 12[111] e 14[112], respectivamente[113].
No caso específico da República Federativa do Brasil, antes da ratificação de um tratado internacional devidamente assinado, necessário se faz sua aprovação pelo Congresso Nacional, desde que tal ato acarrete encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (ex vi do art. 49, inc. I, da Constituição da República).[114] No entanto, mesmo quando houver a necessidade de aprovação do tratado internacional pelo Poder Legislativo, como sói acontecer na maioria dos estados soberanos contemporâneos, que os possuem como poder independente[115], existe a obrigação de não se frustrar o objeto e a finalidade do tratado antes de sua entrada em vigor. Nesse sentido, dispõe o artigo 18 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969:
Obrigação de Não Frustrar o Objeto e Finalidade de um Tratado antes de sua entrada em Vigor
Um Estado deve abster-se da prática de atos que frustrem o objeto e a finalidade de um tratado:
a) se assinou ou trocou instrumentos constitutivos do tratado, sob reserva de ratificação, aceitação ou aprovação, enquanto não manifestar sua intenção de não se tornar parte no tratado; ou
b) se expressou seu consentimento em obrigar-se por um tratado, no período que precede a entrada em vigor, e com a condição de que esta não seja indevidamente retardada.[116]
1.3.9.2.2 Procedimento Unifásico : Tratados em forma simplificada [117]
O procedimento denominado unifásico é aquele que o consentimento definitivo se exprime, tão-somente, com sua assinatura, criando-se, a partir desse ato, todas as condições para a vigência do tratado internacional[118], prescindindo de atos posteriores, como o da ratificação[119]. Os tratados internacionais que observam esse procedimento também são denominados de tratados em forma simplificada. [120]
Embora os tratados internacionais que isentam tributos estaduais e municipais devam, em regra, observar o procedimento bifásico, pois devem ser aprovados pelo Congresso Nacional, uma vez que acarretam encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, discute-se sobre a viabilidade, na República Federativa do Brasil, da possibilidade de existência dos “acordos executivos”[121] [122], que se encontrariam na classificação unifásica.
1.3.9.2.3 Diferença entre Tratados em forma simplificada dos denominados “Acordos Executivos”
José Francisco Rezek assevera que “acordo executivo é expressão criada nos Estados Unidos para designar aquele tratado que se conclui sob a autoridade do chefe do poder Executivo, independentemente do parecer e consentimento do Senado.”[123] O referido autor diferencia o tratado em forma simples (ou em forma simplificada) do acordo executivo, informando que o primeiro não se confundirá com o segundo se os governos pactuantes estiverem agindo com apoio de aprovação do Poder Legislativo, mesmo que antes ou durante a negociação.[124]
Segundo José Francisco Rezek pode existir um tratado internacional que para uma parte seja considerado um acordo executivo, e para outra não, dependendo ou não da necessidade de aprovação pelo Poder Legislativo competente.[125] O autor fornece um exemplo desse fato, informando que ocorreu no acordo militar entre o Estado brasileiro e os Estados Unidos da América, em 15 de março de 1952. No ponto de vista norte-americano foi um acordo executivo, já que inexistiu prévia ou posterior consulta ao seu Poder Legislativo, bastando à vontade do representante do Poder Executivo norte-americano. No lado brasileiro o tratado não se caracterizou como acordo executivo, ao revés, foi necessário à observância do procedimento bifásico, pois apesar de assinado, imprescindível foi sua aprovação pelo Congresso Nacional brasileiro, antes de sua ratificação. O art. 12 do referido acordo militar, materializando esse entendimento, dispôs que o tratado iria entrar em vigor após a notificação pelo governo brasileiro ao governo norte-americano de sua ratificação[126].
Nesse sentido, dispõe a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, em seu artigo 24, sobre a entrada em vigor dos tratados internacionais:
Seção III
Entrada em vigor dos tratados e aplicação provisória
Artigo 24
ENTRADA EM VIGOR
1. Um tratado entra em vigor na forma e na data previstas no tratado ou acordadas pelas partes.
2. Na ausência de tal disposição ou acordo, um tratado entra em vigor tão logo o consentimento em obrigar-se por um tratado seja manifestado por todos os Estados negociadores.
3. Quando o consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado for manifestado depois de sua entrada em vigor, o tratado, salvo disposição em contrário, entrará em vigor em relação ao Estado nessa data.
4. As disposições de um tratado relativas à autenticação de seu texto, à manifestação do consentimento dos Estados em se obrigarem pelo tratado, à maneira ou à data de sua entrada em vigor, as reservas, as funções do depositário e aos outros assuntos que surgem necessariamente antes da entrada em vigor do tratado, são aplicadas desde a adoção do texto[127].
1.3.10 Natureza dos Tratados : Normativos ou Contratuais
Comumente se dividem os tratados internacionais em normativos e contratuais. José Francisco Rezek informa que tal distinção “vem padecendo de uma incessante perda de prestígio”[128], e, ainda, de que é “possível afirmar, com segurança, que a distinção entre tratados contratuais e tratados normativos pouco préstimo oferece ao estudo do próprio direito dos tratados” [129] [130].
Segundo Jorge Miranda, o tratado normativo, também denominado tratado-lei, estabelece “comandos de carácter geral e abstracto ou geral e concreto ou as partes submetem-se a comandos preexistentes, concretizando-os nas suas relações”[131]. No tratado contratual, ou tratado-contrato, segundo o mesmo autor, “estipulam-se prestações recíprocas e os tratados esgotam-se com a sua realização.[132]” O autor entende que “esta distinção, com a profunda complexificação que sofreram as convenções internacionais, torna-se cada vez mais fluida e acaba quase por ter utilidade apenas para efeitos de interpretação.[133]” Por outro lado, Celso D. de Albuquerque Mello propõe que “esta classificação entre tratados-leis e tratados-contratos deve ser abandonada. Esta é a opinião de Scelle, Kelsen[134], Quadri, Sereni, Morelli, etc.”[135], fundamentando que “todo e qualquer tratado é fonte de DI [Direito Internacional], uma vez que estabelecem normas de conduta.”[136] Prova do acerto da tese do referido autor é o fato de que o Estatuto da Corte Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas, quando enumera as fontes formais do direito internacional (art. 38), fala em “convenções internacionais, de caráter geral ou especial”, não fazendo qualquer distinção entre tratados normativos ou contratuais. [137]
Cabe salientar que existem muitas outras classificações de tratados internacionais, mas, por opção metodológica, tais classificações serão indicadas, tão-somente, em notas[138] [139] [140] [141] [142] [143] [144] [145]. Por não ser o foco do trabalho, também não se investigará as fases do processo de produção do tratado internacional – no âmbito internacional[146] (negociação, assinatura, ratificação, promulgação e registro[147]).
Notas:
[1] Advogado da União. Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau - FURB. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Regional de Blumenau - FURB. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL.
[2] “O reconhecimento generalizado da existência de um conjunto de regras aplicáveis às relações internacionais agrupadas sob a denominação de Direito Internacional ou das gentes, não significa, em certos sectores da doutrina, qualquer compromisso quanto á qualificação da natureza de tais regras, havendo autores que lhe negam o carácter de normas jurídicas”. (CUNHA, Silva; PEREIRA, Maria da Assunção do Vale. Manual de direito internacional público. Coimbra/Portugal: Almedina, 2000. p. 16).
[3] “O poder político não é outro senão aquele exercido no Estado e pelo Estado.” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 12. ed. reform. de acordo com a constituição federal de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 13).
[4] Para categoria Estado adota-se o conceito operacional previsto na Convenção Panamericana de Montevidéu de 1933 sobre Direitos e Deveres dos Estados, sendo: “O Estado, como pessoa de Direito Internacional, deve reunir os seguintes requisitos: a) população permanente; b) território determinado; c) Governo; e d) a capacidade de entrar em relações com os demais Estados”. (SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002. v. 1. p. 144).
[5] Cesar Luiz Pasold expõe que “Quando nós estabelecemos ou propomos uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos, estamos fixando um Conceito Operacional”. (PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 8ª ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002. p. 41).
[6] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1868.
[7] Para Celso Ribeiro Bastos “Soberania é o atributo que se confere ao poder do Estado em virtude de ser ele juridicamente ilimitado. Um Estado não deve obediência jurídica a nenhum outro Estado. Isso o coloca, pois, numa posição de coordenação com os demais integrantes da cena internacional e de superioridade dentro do seu próprio território, daí ser possível dizer da soberania que é um poder que não encontra nenhum outro acima dela na arena internacional e nenhum outro que lhe esteja nem mesmo em igual nível na ordem jurídica.” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 248).
[8] Guido Fernando Silva Soares afirma que o conceito de soberania Ilimitada de Jean Bodin, nos dias correntes, opõe-se ao entendimento de que o poder de autolimitar-se é a marca da própria soberania. (SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público, p. 51). Sobre Jean Bodin e seu contexto histórico (política e soberania), vide: BITTAR, Eduardo C. B. Doutrinas e filosofias políticas: contribuições para a história das idéias políticas. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2002. p. 130-141. A respeito da soberania através da história, vide: MELLO, Celso de Albuquerque. A soberania através da história. In: MELLO, Celso de Albuquerque (coord.). Anuário: direito e globalização, 1: a soberania. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 7-22.
[9] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 17 ed. rev., ampl. e atual. até a emenda constitucional n. 35/2001. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 107.
[10] “Tecnicamente, Estado não se confunde com país. O primeiro é formado por três elementos, conformadores de sua estrutura: povo, território, governo independente ou soberania. Já o segundo refere-se à paisagem, aos aspectos físicos e naturais, ao habitat, à flora e à fauna, às crenças, às lendas, aos mitos, manifestando a unidade geográfica, histórica, cultural, econômica e política.” (BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 5. ed. rev. e atual. até a emenda constitucional n. 39/2002. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 72).
[11] Guido Fernando Silva Soares entende que não parece corresponder à realidade afirmar que “os Estados, por serem soberanos, exercem, com sobranceira, um poder de autolimitação; o que mostra a história e os fatos atuais é que a autolimitação não advém de uma decisão soberana, mas finca suas raízes na inevitabilidade de um convívio com outras entidades soberanas e na necessidade de uma relação, no mínimo, de não permanente estado de agressão recíproca.” (SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público, p. 52).
[12] “Claro está que a questão doutrinária permanece aberta, em especial com a emergência do fenômeno do Direito Supranacional e com todas as implicações que a globalização tem trazido, para uma nova análise das questões tradicionais e perenes do Direito Internacional. Tanto e enquanto persistir a realidade denominada “Estado soberano”, que deve conviver com uma realidade, que são os outros Estados, sempre haverá a possibilidade de explicar-se a emergência de uma norma deles exigível, seja pelo viés de uma criação dos entes soberanos, seja por aquele da imposição das necessidades dos próprios relacionamentos entre eles, que por meio de uma concessão outorgada de poderes normativos a legisladores não internos, quer por uma imposição heterônima do conjunto dos Estados e dos demais atores e destinatários das normas, agentes não estatais.” (SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público, p. 53).
[13] “Sem desprezarmos a contribuição de outras circunstâncias para a relativização do conceito de soberania, a descoberta pelo próprio Estado de que ele não era o centro único de poder no mundo, ou o único ator social, e o conseqüente incremento das relações internacionais, cada vez mais intensas, acarretando, inclusive, uma sensível dependência entre os Estados, tiveram um grande papel para a confirmação da figura da soberania limitada. Um processo que Nicola Matteucci chamou de ‘eclipse da soberania’ (Matteucci, Nicola. ‘Soberania (verbete). In Bobbio, Norberto, Matteucci, Nicola & Pasquino, Gianfranco. Dicionário de Política. Trad. Carmen Varriale, Gaetano Lo Mónaco, Joao Ferreira, Luís Gerreiro Pinto Cacais & Renzo Dini. 11 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, p. 1.187).” (FERNANDES, Luciana de Medeiros. Soberania & processos de integração: o novo conceito de soberania em face da globalização. Curitiba: Juruá, 2002. p. 141).
[14] Sobre uma crítica ao tradicional conceito de soberania, vide: FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes Editora, 2002. 110p; LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização econômica, política e direito: análise das mazelas causadas no plano político-jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 35-120; ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Globalização e estado contemporâneo. São Paulo: Memória Jurídica Editora, 2001. 152p. Sobre o conceito de globalização sobre a ótica da sociologia, vide: BRIGADÃO, Clóvis; RODRIGUES, Gilberto. “Plugados no mundo”? Revista Internacional de Estudos Políticos, Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 417-420, ago. 1999; STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica : uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 59-94.
[15] Entende-se por Estado soberano.
[16] SILVA, Felipe Ferreira. Tributário: a relação entre a ordem jurídica interna e os tratados internacionais. Curitiba: Juruá, 2002. p. 71.
[17] Celso Ribeiro Bastos entende que a expressão “República Federativa do Brasil é o nome que se dá ao todo, quer dizer, à resultante do poder central mais os poderes locais ou regionais. O Texto Constitucional chama-se Constituição da República Federativa do Brasil, exatamente porque se preocupa em organizar e dar as linhas mestras do Estado brasileiro”. (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 250).
[18] Nesse sentido: FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990, v. 1, p. 78.
[19] Para categoria Direito Internacional adota-se o conceito operacional formulado por Geraldo Eulálio do Nascimento Silva e Hildebrando Accioly, sendo: “o DI [Direito Internacional] como o conjunto de normas jurídicas que regulam as relações mútuas dos Estados e, subsidiariamente, as das demais pessoas internacionais, como determinadas organizações, e dos indivíduos”. (SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 15. ed. rev. e atual. por Paulo Borba Casella. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 4).
[20] “O cop proposto [conceito operacional proposto] é aquele formulado doutrinariamente e cuja aceitação é livre, dependendo de uma série de fatores como: a sua logicidade e/ou a sua praticidade e/ou a sua cientificidade e/ou acatamento pela comunidade científica”. (PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 41).
[21] Denominação utilizada por parte da doutrina como sinônimo de Direito Internacional. (REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 3).
[22] “’Direito das Gentes”, apesar de ser expressão de alcance mais amplo que a de DI, somente teve pequena aceitação, como em Robert Redslob. O próprio Scelle, alguns anos mais tarde, retornou à de DIP; enfim, não conseguiria vencer a tradição.” (MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 6. ed. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1979. v. 1. p 39).
[23] “Consentimento, com efeito, não é necessariamente criativo (como quando se trata de estabelecer uma norma sobre a exata extensão do mar territorial, ou de especificar o aspecto fiscal dos privilégios diplomáticos). Ele pode ser apenas perceptivo, qual se dá quando os Estados consentem em torno de normas que fluem inevitável da pura razão humana, ou que se apóiam, em maior ou menor medida, num imperativo ético, parecendo imunes à prerrogativa estatal de manipulação.” (REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar, p. 3).
[24] “A expressão direito internacional (international law) surge com Jeremias Bentham, em 1780, que a utilizou em oposição a national law e a municipal law. Traduzida para o francês e demais línguas latinas como direito internacional, a expressão tem sido criticada, visto que para elas a palavra nação não tem o mesmo significado de Estado, como em inglês. Para alguns juristas, o mais correto seria falar em direito interestatal, mas atualmente a expressão se acha consagrada, e modificá-la já não se justifica.” (SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público, p. 5).
[25] Para Celso D. de Albuquerque Melo “A denominação direito internacional não é correta, mas não vemos nenhum inconveniente em mantê-la, uma vez que está consagrada [...]” (MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público, p 40).
[26] O artigo 1o da Carta das Nações Unidas, promulgada no Brasil pelo Decreto n. 19.841 de 22.10.1945, dispõe sobre os propósitos da organização internacional cimeira, sendo um deles (item 3) “conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico social, cultural ou humanitário e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.” (MAZZUOLI, Valério de Oliveira (org.). Coletânea de direito internacional. 2. ed. ampl. atual. até 01.01.2004. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 33).
[27] “As relações entre o Estado e os indivíduos ou empresas fazem com toda ordem jurídica interna seja marcada pela idéia da subordinação, onde a coordenação é o princípio que preside a convivência organizada de tantas soberanias”. [...] Dentro da ordem jurídica estatal, somos todos jurisdicionáveis, dessa contingência não escapando nem mesmo as pessoas jurídicas de direito público interno.” (REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar, p. 2).
[28] Adota-se para categoria Comunidade Internacional o conjunto de Estados soberanos, já que são os únicos entes internacionais que possuem competência para tributar. Em sentido contrário, ou seja, afirmando inexistir uma Comunidade Internacional leciona Celso D. de Albuquerque Mello: “Levando em consideração as diferenças apresentadas pelos autores acima, devemos concluir que existe uma sociedade e não uma comunidade internacional. O mundo internacional é uma constante luta entre Estados à procura de domínio e ele se rege em inúmeros domínios pelo contrato, aqui denominado de tratado. Caracterizam este ambiente internacional como sendo uma sociedade internacional: Aguilar Navarro e Truyol y Serra”. (MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público, p. 29). Ainda sobre o assunto, vide: RAMOS, Rui Manuel Gens de Moura. Da comunidade internacional e do seu direito: estudos de direito internacional público e relações internacionais. Coimbra: Coimbra Ed, 1996. 281p.
[29] “Até o presente estágio de desenvolvimento da ordem internacional, os Estados não delegaram o poder jurisdicional de que são titulares as organizações internacionais supranacionais, salvo em casos específicos e de âmbito regional, sem caráter de universalidade. O Direito Comunitário, que emana da União Européia, para lembrar a organização supranacional de maior expressão, decorre de tratados que vinculam apenas os Estados que dela fazem parte, formando organização regional típica, à semelhança dos Estados federados, embora com estes não se confundam. O mesmo pode-se dizer das cortes regionais de direitos humanos e a Corte Inter-Americana de Direitos Humanos, cujas decisões vinculam e obrigam os Estados que ratificaram os tratados que as criaram.” (MAGALHÃES, José Carlos de. O supremo tribunal federal e o direito internacional: uma análise crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 30).
[30] “O sistema jurídico internacional apresenta certos caracteres semelhantes ao direito interno: a) é uma ordem normativa; b) é dotado de sanção; c) tem idêntica noção de ato ilícito, isto é, que ele consiste na violação de uma norma. Todavia, o DI é ‘primitivo’ em relação ao direito interno e as suas sanções são ainda coletivas.” (MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público, p. 41). Hans Kelsen também entende que o Direito Internacional é um direito primitivo (KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. Trad. de Luís Carlos Borges. 1. ed. São Paulo: Editora Universidade de Brasília, 1990, p. 331).
[31] “[...] se alguém quiser informar-se a partir de que momento um valor tornou-se jurídico, por força de uma norma [internacional], a qual passou a criar direitos e deveres para seus destinatários, o caminho será buscar o modo como os valores, que se encontram embutidos naquele comportamento, são exteriormente revelados: se num tratado internacional, se num costume internacional, se num princípio geral de Direito Internacional ou se nas demais formas de revelação deste Direito.” (SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público, p. 54).
Claudinei Moser
Advogado da União. Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau - FURB. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Regional de Blumenau - FURB. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL.Código da publicação: 1075
Como citar o texto:
MOSER, Claudinei..Isenção Heterônoma por via de tratado internacional: uma análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 168. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-internacional/1075/isencao-heteronoma-via-tratado-internacional-analise-jurisprudencia-supremo-tribunal-federal. Acesso em 3 mar. 2006.
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