RESUMO
O presente ensaio pretendeu trazer algumas reflexões e críticas pertinentes a crise do ensino jurídico. Assim, objetivou-se analisar a temática confrontando a reprodução de leis e normas com o afastamento da realidade social. Nesse viés, também procurou-se denunciar e criticar a realidade do direito, quanto as decisões errôneas tomadas em virtude de uma preparação jurídica absolutamente tecnicista e positivada, mostrando os efeitos destas decisões para a toda a sociedade e para o direito. A pesquisa no direito foi analisada, devido a sua relevância como mecanismo de aproximação da ciência jurídica com a realidade. Quanto aos aspectos metodológicos, este estudo utilizou-se do método dedutivo, que parte de um enunciado geral e tenta explicar fatos particular. Por fim, enfatizou-se a necessidade de transformação desse ensino reprodutor devido a urgência da criação ou adaptação de um ensino jurídico voltado a compreensão dos fenômenos sociais em seus aspectos multifacetados e a importância do futuro operador jurídico como agente crítico e consciente da necessidade da transformação da realidade sócio-jurídica.
Palavras-chave: Ensino Jurídico. Reprodução. Pesquisa.
1 INTRODUÇÃO
Este estudo tem por objetivo trazer algumas críticas e reflexões referentes a crise do ensino jurídico, enfocando a realidade do ensino nas faculdades brasileiras e seus efeitos e/ou conseqüências para o direito e para toda a sociedade.
Os cursos jurídicos desde a sua implementação no Brasil, tiveram como característica principal a transmissão um ensino jurídico meramente reprodutor, primando em preparar um operador do direito tecnicista, prisioneiro do mundo do “dever ser”. Este ensino era composto por disciplinas altamente positivadas, baseadas em um sistema de codificações, abstrações e formalismo procedimental e técnico. A realidade e as transformações da sociedade foram ignoradas, causando um descompasso do ensino (consequentemente do direito) com a realidade (às avessas com os novos tempos), criando uma crise de paradigma do direito, tendo como corolário, sérias complicações multifacetadas.
Nesta perspectiva, este ensaio também enfatizará o papel da pesquisa como forma de aproximar o direito com a realidade, suprimindo algumas deficiências do ensino jurídico. E por fim, será realizado algumas considerações pertinentes a complexidade da crise do ensino jurídico, bem como a necessidade de transformação desse ensino para a mudança da realidade sócio-jurídica.
2 O ENSINO JURÍDICO NO BRASIL
Os cursos de direito, implantados no Brasil em 11 de agosto de 1827 em Olinda e Recife, surgiram da necessidade de preparar os jovens da elite para a assumir os cargos públicos do Estado brasileiro. Dessa forma, desde sua gênese, as faculdade de direito tinha como responsabilidade formar burocratas, que possuíam a missão de perpetuar a estrutura de poder da classe dominante. Nesse sentido, salienta Gomes (2004, p. 8) que:
[...] nota-se que a criação e implementação dos cursos de Direito aconteceu com objetivos políticos e ideológicos, desprovidos de preocupação natural que deve haver com o corpo discente, ficando o ensino jurídico dessa forma desvinculado da realidade social.
Como percebe-se nas palavras do autor, a implementação dos cursos jurídicos no Brasil, tiveram uma finalidade meramente ideológica e de poder, não tendo nenhum comprometimento com a mudança da realidade social do país ou com as preocupações dos acadêmicos. Além disso, é imperioso mencionar que o ensino jurídico sempre teve um caráter essencialmente legalista, conservador. A preocupação era em apenas transmitir conhecimentos (geralmente leis), com respostas previstas em seus manuais (códigos e doutrinas), ignorando as transformações sociais e a complexidade da vida dos indivíduos. Nesse sentido, mencionando um exemplo do ensino do direito processual civil, enfoca Schneider (2005, p. 3):
[...] apresenta-se more geométrico como se fossem verdades matemáticas, com exemplos remontados em cima de sujeitos fictícios, abstratos, como os Tícios e Caios, apresentados nos manuais de direito espalhados como uma praga de gafanhotos devastando a colheita hermenêutica do direito, em nosso ordenamento jurídico. [grifo do autor].
Assim, o ensino jurídico teve a missão de transmitir conhecimento ao aluno, de forma a ignorar a realidade e trazer este conhecimento como verdadeiro, e intransponível a todo o resto. Em virtude destes fatos, criou-se profissionais comprometidos com a estrutura de poder dominante, desvinculada com a realidade social e um verdadeiro comprometimento com a verdadeira função com direito que é a luta pela justiça e o bem-estar de toda a coletividade.
O ensino jurídico pode ser comparado pelo que Freire (2000) chama de educação bancária, ou seja, os “educando” são meros recipientes, dos quais os professores (“educadores”) enchem esses recipientes por meio de sua narração e/ou reprodução. Assim, a educação consiste em um ato de apenas depositar conhecimentos, considerados verdadeiros. Ao aluno cabe a missão de receber, memorizar e repetir esse conhecimento. Como percebe-se não existem um saber, uma vez que não há criatividade, não há transformação. Para existir um saber é necessário haver uma busca incessante, uma reinvenção, uma produção de conhecimento e não apenas um reprodução.
Assim, quando se trata do ensino jurídico, a educação bancária existiu e ainda existe quando transmite apenas a reprodução de normas, leis, e não se estimula o aluno a pensar de forma crítica, ou seja, a colocar em xeque todas essas leis, confrontando-as com a realidade. Todos tem sabem que a Constituição Federal em seu artigo 5º traz direitos e garantias fundamentais, mas quantos questionam a eficácia desse dispositivos na realidade?! Afinal, se um dos princípios mais protegidos e preservados da Constituição Federal é a dignidade da pessoa humana, como justificar o aumento dos milhões de brasileiros que vivem a baixo da linha da pobreza, convivendo com os mais perversos problemas? Quem são os alunos e professor que questionam tal princípio?
Os questionamentos aqui propostos, foram mencionados na intenção de dizer que ensinar direito não consiste em apenas reproduzir normas, mas em questioná-las no sentido de desenvolver o espírito crítico no aluno, para o mesmo criar uma postura crítica frente a todo emaranhado de normas e leis que o mesmo tem que aprende e a partir daí ter consciência de seu papel na sociedade. Quanto a função do ensino, menciona Fagúndez (2001, p.7) que:
Ensinar Direito não significa simplesmente reproduzir os dogmas. Indubitavelmente, a função principal do professor é problematizar a própria crise que afeta o direito para, a partir dela, apontar caminhos para a construção de uma sociedade nova de um Direito promotor de verdade e de justiça.
Quanto a esta reprodução de conteúdos, de normas, da opressão da escola tradicional, cria-se ou domestica-se um operador de direito servo de todo um sistema dominante, que serve a uma classe dominadora. O espírito crítico no ensino jurídico tradicional não existe pois pode comprometer estruturas dominadoras que edificaram uma ideologia considerada verdadeira no ensino. Conforme aduz Bourdieu (2000, p. 8-9), “O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem.”
Aos que não adaptam-se ou tendo posturas divergentes[2] a esse sistema dominativo e reprodutor, que simplesmente dita regras, impõe comportamentos e a crença em vários mitos, o sistema autoritário e/ou dominador exclui, descarta.[3]
É louvável também aludir, que além desse ensino reprodutor e ideológico, também configurou-se um pacto de mediocridade na relação aluno-professor (muitas vezes caracterizada com uma relação de poder), ou seja, o aluno muitas vezes acomoda-se não questionando a exposição do professor e a informação transmitida, apenas absorvendo-a e acreditando ser verdade. Além disso, o professor quer receber de volta o que o mesmo transmitiu, não interessando a subjetividade, o estilo ou o recorte do aluno. Somando-se a isto, o aluno possui um perfil acomodado, justificando sua escolha por cursar uma faculdade de direito apenas pensando nas vantagens materiais e profissionais.
Desta forma, o ensino de direito não deve consistir em apenas ensinar o aluno a decorar códigos, a ser escravo da lei, assimilando conteúdos sem ao menos questioná-los. Assim sendo, conforme Furmann (2005, p. 6), “reduz-se o papel do aluno a um mero espectador passivo, e consequentemente desinteressado, dos ensinamentos que lhe vão sendo gradativamente ministrados”. E esse aluno encontra-se em uma condição de oprimido, pois o mesmo é submetido a um tipo de ensino que empobrece e sufoca a sua capacidade de pensar de forma autônoma e de posicionar-se de forma critica diante da realidade e do próprio conteúdo desse ensino[4].
Também não pode ser ignorado que os primeiros cursos de direito forneciam ao aluno uma preparação altamente tecnicistas e dogmática, justificadas pela adoção de disciplinas meramente positivadas. Nesse sentido, assevera Schneider (2005, p. 8):
Este afastamento da cultura, da transformação social, de matérias como sociologia, ciência política, realidade econômica, e até mesmo antropologia, fizeram com que os estudantes de Direito ficassem bitolados como “cavalos de carroça” possuindo uma viseira lateral em seus olhos, para ficarem obrigados a somente vislumbrar uma única posição em linha reta, não deixando adentrar em sua visão o desvelamento de uma sociedade que se transforma a cada dia, onde se deveria ter como noção básica, que não só o direito processual civil, mas o Direito como um todo, deveria atentar para estas mudanças.
Os efeitos desta preparação positivista exacerbada são operadores do direito totalmente desvinculados e distanciados na realidade e das transformações das mais diversas natureza. “Os juízes estudam a lei e dela são escravos”[5], ou “o ensino jurídico foi desenvolvendo-se de forma de forma burocratas, pessoas que seguem leis e não se atentam ao homem[6]”. Desta forma, torna-se mister aludir que os bacharéis de direito oriundo desse ensino perverso uma vez que negligencia o aluno que pensa e também ignorar a necessidade que a sociedade tem por operadores jurídicos comprometidos com uma nova postura alusiva a efetivação de seus direitos e suas novas demandas.
Segundo Azevedo (1989, p. 13), “[...] o ensino jurídico funciona como um sistema fechado em que gravitam os conceitos jurídicos, cultivados com elevado grau de abstração que os afasta de dados sociais reais”, tornando os juristas prisioneiros do tecnicismo que engendra. Ou seja, a lei, as abstrações e os cânones que norteiam o mundo do “dever ser” são um universo isolado que é instrumento utilizado pelos “operadores de direito”. O mundo desigual, arbitrário e muito real em relação ao mundo do dever ser é absolutamente menosprezado pelo bacharel de direito, sujeitos presos em seu “castelo legal”.
Como podemos aceitar que os futuros advogados, juízes e promotores estarão preparados para lidar processualmente com uma sociedade complexa, transformada e transformante, repletas de paradoxos sócio-político-econômico, tomada de uma cultura que até hoje cultua a sua história, seus valores éticos, suas ideologias, enfim, como poderemos, afirmar que estará preparado um futuro jurista sem a quebra desse senso comum teórico. (SCHNEIDER, 2005, p. 11).
Assim, tem-se uma sociedade complexa que se transforma a cada instante, em contrapartida tem-se um operador de direito que valoriza um sistema de abstrações, legalista, ‘do qual existem manuais que ditam regras e prevêem o futuro durante os anos’. As relações sociais e as transformações da sociedade jamais poderão ser explicadas ou entendidas dentro de um universo codificado “do dever ser”. Desta forma, a complexidade desse paradigma de ensino jurídico tradicional concretiza-se quando o direito já não consegue oferecer respostas concretas aos anseios da sociedade. Nesse sentido, complementa Schneider (2005, p. 6):
Formou-se, desta maneira, uma falta de capacidade de análise em relação a uma realidade cada vez mais plural e complexa e, conseqüentemente, em relação à diversidade de conhecimento que daí surgiu. Pode-se explicar tal situação, em boa parte, pela vinculação da crítica dos responsáveis pelas universidades de Direito ao discurso dominante emanado do poder.
Para o operador do direito formado em um modelo de ensino extremamente dogmático, as transformações do mundo em várias esferas muitas vezes são ignoradas, causando consequentemente, decisões altamente reprodutoras de um sistema formado por abstrações fictícias que só oferece vantagens a classe dominante, que cria as leis e sempre esta à margem das mesmas. A maioria das pessoas que necessita de um direito justo, que consiga oferecer respostas as suas aspirações e necessidades é fortemente prejudicada por decisões de indivíduos que foram preparados com bases e valores de um mundo abstrato e não o real.
Desta forma, o ensino jurídico passa por uma grave crise que afeta o direito, a sociedade e a concretização da justiça e dos direitos de quem mais precisa de um direito justo e humanístico.
3 A realidade pesquisa jurídica
Para combater o ensino jurídico altamente dogmático e reprodutor de normas e doutrinas, instituiu-se a obrigatoriedade da pesquisa juntamente com a extensão como formas encontradas para aproximar e associar o direito com a realidade.
Mas, atualmente, a pesquisa nos cursos de direitos passa também por sérias complicações. Um dos principais obstáculos é a falta de interesse nos discentes no que concerne a realização de pesquisa, como pode-se perceber nas afirmações de Vitagliano (2001, p. 2):
Um exemplo dessa atual falta de interesse dos discentes em pesquisas, em produção científica, é o recente I Congresso de Iniciação Científica e Pesquisa, realizado pela Universidade de Ribeirão Preto em 09.11.2000. Dos 37 (trinta e sete) painéis jurídicos apresentados neste Congresso, 15 (quinze) foram obras de mestrandos (dos quais muitos deles são docentes da universidade), 03 (três) de docentes da universidade, e, 19 (dezenove) de discentes. Ou seja, de cerca de 2.700 (dois mil e setecentos) alunos na faculdade, apenas 19 (dezenove) apresentaram trabalhos de pesquisa, de produção científica.
De acordo com as contribuições trazidas pelo autor, percebe-se que o desinteresse por pesquisa científica por parte de estudantes de direito é bastante relevante. E como conseqüências da falta de interesse em pesquisa, são as monografia meramente reprodutoras de leis e jurisprudências, sem uma interligação interdisciplinar do direito com outras ciências. Por outro lado, também deve ser analisado que o aluno que não produz pesquisa desde os primeiros semestres do curso terá grande dificuldade em confeccionar o seu trabalho de conclusão de curso.
Por isso, a monografia jurídica, principal momento de dedicação dos cursos e dos discentes em pesquisa, revela como salienta Furmann (2005, p. 7), que além desta ser de péssima qualidade, “demonstram que obrigar através de legislação o aluno à pesquisa não gera muitos efeitos”. Nesse sentido, torna-se relevante mencionar que além destes obstáculos, a pesquisa jurídica consiste apenas em consulta de livros (altamente bibliográfica), cópias de citações e posturas dos discentes totalmente acrítica a tema desenvolvido. Assim, pode-se aludir que os discentes possuem uma postura ou um raciocínio inibido, do qual o mesmo nada contribui e/ou constrói para a melhoria da pesquisa do atual direito.
Faz-se mister, mencionar de que pouco vale obrigar o aluno a produzir pesquisa, através da legislação com a imposição do cumprimento de horas complementares. De forma imperiosa, aduz Furmann (2005, p. 6):
[...] institui-se duas obrigatoriedades aos cursos jurídicos. A primeira constituiu-se nas chamadas ‘horas complementares’. Seu objetivo era obrigar os alunos a realizarem atividades de extensão e de pesquisa dentro das faculdades de Direito. Já a segunda foi o trabalho de conclusão de curso, restrita a idéia de monografia (recorta e cola). Para cumpri-las, tanto a primeira quanto a segunda, os alunos e as instituições, ou por não saber exatamente o que significa pesquisa e extensão, ou por repetirem o que o ensino dogmático institui, criaram formas de burlar ou de falsear essas atividades.
Assim, torna-se notório mencionar do aumento do número de trabalhos de conclusão de curso (monografia) que são comercializados, trazendo drásticas conseqüências para o aluno e os demais agentes envolvidos na temática. Como verifica-se nas afirmações de Garschagen (2005, p. 1):
O negócio se profissionalizou de tal forma que a qualidade das monografias, teses e dissertações feitas sob encomenda é reconhecida pelas bancas examinadoras de instituições famosas pela produção intelectual qualificada. Um dos profissionais entrevistados pela Folha vendeu uma dissertação na área de economia, aprovada pela Fundação Getúlio Vargas, no Rio, e uma na de literatura, que será defendida em breve perante uma banca da Universidade de São Paulo (USP). O autor dos trabalhos é R. M., 36, mestre, doutor e professor de filosofia de uma importante universidade carioca. Ele afirmou que a empresa para a qual presta serviços de "pesquisador" é uma pequena indústria que chega a produzir teses de doutorado até na área de medicina.
Desta forma, percebe-se que a pesquisa nas universidades brasileiras também sofre uma crise, pois vem sendo desvirtuada de sua principal função, que no caso dos cursos de direito, é aproximar o direito a realidade social e compreendê-lo de diferentes formas. A complexidade da problemática da pesquisa, justifica-se pelo fato de esta não ser realizada pelo acadêmico, além de servir como forma de também contribuir para tentar driblar o desemprego.
Pesadelo para muitos professores, a elaboração de monografia é o ganha-pão de profissionais que vêem nela uma das formas para garantir renda extra ou até mesmo fugir do desemprego. O administrador de empresas Reinaldo Silva, 39, só investiu em teses quando sua empresa de informática faliu, em 1999. "Até o fim do ano, pretendo viver apenas com o meu trabalho como consultor na área empresarial", projeta. "Não é uma atividade ilegal. Mas também não acho certo fazer teses para os outros." (UNIVERSIA BRASIL, 2005, p. 1).
Assim, é imperioso questionar-se sobre os motivos que estão causando todo um desvirtuamento da pesquisa no direito. É mister aludir, que o aluno de direito deve ser incentivado a produzir pesquisa. A monografia jurídica deve ser uma pesquisa prazerosa, que traga contribuições para o aluno e para o direito, e não ser o último obstáculo enfrentado para a colação de grau ou a concretização do curso, que pode ser ultrapassado por ‘regras de transição’ criadas pelos alunos. Em contrapartida, a problemática do aluno, do professor[7] ou de outros ‘profissionais’ (os arquivos ocultos) que fazem monografias para comercializar aos acadêmicos de direito também precisa ser analisada, uma vez que muitos alunos fazem tais trabalhos para manterem-se na faculdade.
Desta forma, a problemática deve ser analisada em seus aspectos múltiplos, pois ao mesmo tempo em que deve-se investigar por que o aluno não está produzido a sua monografia ou mesmo os seus trabalhos, também deve ser examinado as causas para o surgimentos desses ‘profissionais’ que confeccionam trabalhos.
Além desses problemas, a pesquisa nos cursos jurídicos também sofre com os efeitos do ensino reprodutor e legalista. Nesse sentido aduz Campilongo; Faria (1991, apud Furmann, 2005, p. 7):
[...] a pesquisa resumiu-se a consulta de livros e cópias de citações. Repetir idéias e dogmas é a principal forma de pesquisa jurídica no Brasil. As monografias de conclusão de curso, em geral de péssima qualidade, demonstram que obrigar através de legislação o aluno à pesquisa não gera muitos efeitos. Nesse sentido, [...] a pesquisa jurídica nas faculdades de Direito, na graduação (o que se poderia, inclusive, justificar pelo nível preliminar do aprendizado) e na pós-graduação é exclusivamente bibliográfica, como exclusivamente bibliográfica e legalista é a jurisprudência de nossos próprios tribunais.
Assim, o aluno recebe um ensino meramente reprodutor e legalista e isso é transferido para suas pesquisas, ou seja, não há um desvincilhamento deste círculo vicioso. Desse modo, a pesquisa também sofre os efeitos do ensino. Se não há interdisciplinaridade no ensino, não haverá também na pesquisa? E isso compromete toda a função da introdução da pesquisa nos cursos de direito.
Segundo Streck (apud FURMANN, 2005, p. 7), “a pesquisa, [...] não está formando o espírito crítico no aluno, porque [...] a pesquisa nas faculdades de Direito está condicionada a reproduzir a ‘sabedoria’ codificada e a conviver ‘respeitosamente’ com as instituições que aplicam (e interpretam) o Direito positivo”. É importante mencionar, que não pode haver a criação de um espírito crítico onde há somente reprodução de dogmas e citações de leis e jurisprudências. É fundamental a interdisciplinaridade nas pesquisas acadêmicas, uma vez que o direito não oferece respostas para tudo, sendo necessário buscar respostas e novas perspectivas na sociologia, na filosofia, na economia, na pedagogia, entre outros ramos do conhecimento.
Portanto, frente a realidade do país e do próprio direito, que dela faz parte e tem papel importantíssimo, faz-se mister expressar as contribuições trazidas por Vitagliano (2005, p.1-2 ):
O estudante deve deixar de ser mero espectador da realidade jurídica atual, deve participar ativamente dos processos de mudança, deve pesquisar, produzir ciência, manifestar-se acerca dos fatos que estão ocorrendo em nosso país. As faculdades devem ser laboratórios de pesquisas e devem não só incentivar como propiciar meios aos alunos para produzirem ciência. E trata-se de um campo tão fértil de criatividade que não deveria ser desprezado, pois, o bom estudante desenvolve conhecimento minucioso em todas as áreas do direito, tendo condições maiores de encontrar soluções de muitos problemas do que muitos aplicadores, estagnados com a constante prática e distanciados muitas vezes da teoria, desvinculando uma da outra, em oposição ao estudante, que distancia-se da prática por, quase sempre, desconhecê-la.
Torna-se de grande relevância as palavras do autor, que salienta da pertinência da pesquisa nas faculdades de direito. Assim, cabe a universidade incentivar o aluno a pesquisar, promovendo ambientes e eventos para tais atividades. O espírito crítico do aluno deve ser estimulando, visando o compromisso com a preparação e formação de futuros operadores do direito comprometidos com as novas transformações e realidades do direito e da sociedade.
4 A COMPLEXIDADE E AS CONSEQÜÊNCIAS DA CRISE DO ENSINO JURÍDICO
A crise do ensino jurídico traz drásticas conseqüências para toda a sociedade, principalmente aqueles que precisam de um sistema jurídico formado por valores equânimes.
Segundo Junqueira; Fonseca (2000), o ensino jurídico traz efeitos nocivos ao estudante de direito, pois o idealismo do primeiro ano é substituído por valores do mercado de trabalho. Além disso, a faculdade de direito deve estar comprometida com as mudanças sociais e a concretização da justiça. Compromissos ou funções meramente mercadológicos, desvirtuam a função da universidade e prejudicam o direito e o ensino[8].
Torna-se pertinente também aduzir que para o aluno formado no padrões dogmáticos e tecnicistas, cuja crítica e a reflexão não fazem parte deste ‘ensino-aprendizagem’ comprometem até mesmo o pensamento do próprio acadêmico no que concerne ao direito.
[...] o Direito instrumentalizado pelo discurso dogmático, consegue (ainda) aparecer, aos olhos do usuário/operador do Direito, como, ao mesmo tempo, seguro, justo, abrangente, sem fissuras, e, acima de tudo, técnico e funcional. Em contrapartida, o preço que se paga é alto, uma vez que ingressamos, assim num perverso de silêncio: um universo do texto, do texto que sabe tudo, que diz tudo, que faz as perguntas e dá as respostas. (STRECK, 2004, p. 91).
Essa falsa aparência de justo, seguro, funcional para o operador do direito pode ser justificado pela falta de crítica, que muitas vezes não está presente no ensino. E a partir do momento que o indivíduo que usa e opera o direito não criticando ou contextualizando, não percebendo a sua desfuncionalidade em vários aspectos, não existe perspectiva de melhoria do direito. O direito está em crise, devido, ao seu modelo liberal-individualista dogmático não oferecer respostas aos novos anseios da sociedade, produto de uma falta de crítica do ensino tradicional entre outros fatores. Sobre a crise do ensino jurídico, que reflete toda a crise do direito, Streck (2004, p. 84), afirma:
[...] a crise do ensino jurídico é, antes de tudo, uma crise do Direito, que na realidade é uma crise de paradigmas, assentada em uma dupla face: uma crise de modelo e uma crise de caráter epistemológico. De um lado os operadores do Direito continuam reféns de uma crise emanada da tradição liberal-individualista-normativista (e iluminista, em alguns aspectos); e, de outro, a crise do paradigma epistemológico da filosofia da consciência. O resultado dessa(s) crise(s) é um Direito alienado da sociedade, questão que assume foros de dramaticidade se compararmos o texto da Constituição com as promessas da modernidade incumpridas.
Assim, percebe-se a complexidade da problemática referente a crise do ensino jurídico. Como bem assevera o autor, os efeitos da crise do ensino e do próprio direito tem natureza altamente preocupante no que refere-se a realidade do texto da Constituição e demais normas infraconstitucionais com a realidade. E isso é fruto da falta de consciência histórica oriunda de profissionais adeptos da lei e não dos homens e suas necessidades.
Nesse sentido, segundo Balbinot (2001, p. 259), “o direito representa um papel definitivamente perverso na sociedade, porque tem um discurso libertário, que pretensamente garante os direitos, mas na realidade serve para reforçar o imaginário social do bem, como [...] fosse distribuído igualmente entre os seres humanos”. Ou seja, uma ideologia totalmente perversa, que prega um conjunto de supostos direitos e garantias, que não se concretizam, pois o direito está a serviço do que detém o poder e que controlam de maneira quase invisível a reprodução do ensino para beneficiar-se.
O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer ignorado como arbitrário. Isto significa que o poder simbólico não reside nos sistemas simbólicos em forma de uma ‘illocutionary force’ mas que se define numa relação determinada — e por meio desta — entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença. (BOURDIEU, 2000, p. 14-15).
As palavras do autor, podem ser comparadas como a aparência e instrumentalização do direito aos olhos dos operadores ou estudantes. Ou seja, a reprodução e produção de uma crença ideológica (normas jurídicas) que não é questionada, que se transforma como verdadeira. É importante mencionar que o direito, traz uma ideologia de justo, funcional, mas este constitui um mecanismo de poder e dominação. O exercício da profissão jurídica faz do saber profissional “numa espécie de ’capital simbólico’, isto é, numa ‘riqueza’ reprodutiva a partir de uma intrincada combinatória entre conhecimento, prestígio, reputação, autoridade e graus acadêmicos”. (STRECK, 2004, p. 88).
Conforme Apple (2002, p. 29), “[...] os sistemas de dominação e exploração persistem e se reproduzem sem que isto seja conscientemente reconhecido pelas pessoas envolvidas”. Evidencia-se que o ensino jurídico tradicional consiste em um sistema de dominação, uma vez que os estudantes muitas vezes não tem consciência dos interesses ocultos por trás da reprodução de normas. “Trata-se do poder capaz de impor significações como legítimas, dissimulando as relações de força que estão no fundamento da força”. (STRECK, 2004, p. 89).
Uma das piores conseqüências desse ensino formal e reprodutor, é quando o estudante de direito tem que aplicar as abstrações conceituais, de leis e normas na realidade, havendo um grande choque do mundo do ‘dever ser’ e o mundo do ‘ser’, ou real. Assim, salienta Balbinot (2001, p. 260):
O apego demasiado ao formalismo proporciona aos récem graduados grande dificuldade em conciliar a teoria com a realidade, é penoso lidar com os problemas sociais que chegam às suas mãos, quando, para a maioria deles os manuais, tão prestigiados durante o curso, não apresentam as respostas. A vida das pessoas é muito mais rica e mais complexa do que as fórmulas abstratas dos códigos. É isto que urgentemente, o profissional de direito precisa entender.
Assim, percebe-se que os códigos ou manuais tão prestigiados durante o curso não apresentam as respostas para os anseios e necessidades da sociedade. Os formados pela educação a abstrata encontram enormes dificuldades em aplicar o direito de forma justa e coerente as transformações[9]. É isso também é resultado de sua educação, como aduz Marques Neto (2001, p. 57):
[...] o bacharel de direito é cuidadosamente preparado no sentido de nunca se dar conta das implicações sociais, éticas, políticas, etc., do direito. Dá-se a esse aluno uma formação puramente técnica, de ele ser, na melhor das hipóteses, um bom intérprete de leis, mas sem ter um instrumental teórico suficiente para colocar em xeque essas leis. Até que ponto essas leis são as mais adequadas? Até que ponto essas leis têm eficácia na sociedade? E, sobretudo: por que essas leis, e não outras? (Porque o Direito tanto pode ser uma força propulsora no sentido de uma transformação, como pode ser o contrário: um bloqueio à transformação e à cristalização conservadora do status quo. Ou seja, há no direito ambas as potencialidades, e o ensino jurídico geralmente só estimula o pólo conservador).
O aluno não possui e não é estimulado a um espírito crítico, a tal ponto de começar a questionar essas leis. Assim, é de suma relevância o ensino jurídico ser instrumento para explorar e construir uma outra potencialidade para o direito, ou seja, beneficiar as maiorias, ao povo, aos movimentos sociais, aos trabalhadores, aos excluídos, ou seja, aqueles que sempre estão à margem das garantias desse direito. Mas para isso o aluno precisa de uma educação adequada, realista e essencialmente crítica. Nesse sentido, deve haver a desescolarização da escola, ou seja, a escola tornar-se “um centro de discussão de idéias, aberto à sociedade, preconizador de uma educação vitalícia, essencialmente crítica e voltada para a construção de um novo tempo sempre.” (FAGÚNDEZ, 2005, p. 10).
Segundo Barbosa (2001, p. 294), a educação dominantemente alienante, pode ser observada mais especificamente nos estudantes de direito, nos quais estes “carecem de conhecimentos acerca dos fenômenos sociais, suas raízes, suas condicionantes, ainda assim se acham capazes de emitir juízos de valor totalmente desprovidos de uma base sociológica que os habilite a pensar o Direito enquanto fenômeno social”.
E a complexidade da situação se dá quando o direito baseado em um modelo liberal-individualista não consegue oferecer soluções (com a simples repetição de fórmulas) aos novos problemas que surgem de uma sociedade que transforma-se a cada instante.
A crise portanto, no âmbito do Direito, significa o esgotamento e a contradição do paradigma teórico-prático liberal-individualista que não consegue mais dar respostas aos novos problemas emergentes, favorecendo, com isso, formas diferenciadas que ainda carecem de um conhecimento adequado. (WOLKMER, 2005, p. 12).
As menções do autor ressaltam a atual crise do direito, da qual o modelo liberal-individualista não consegue oferecer respostas aos problemas que surgem e as necessidades da sociedade. Nesse sentido, é notório enfatizar que o Direito muitas vezes permanece estático enquanto que a sociedade e as transformações ocorrem rapidamente. Por isso, é de suma relevância o questionamento do direito atual confrontando com a realidade, na busca de adequá-lo para atender a todas as transformações e os problemas emergentes.
5 AS PERSPECTIVAS E O “NOVO PAPEL” DO FUTURO OPERADOR JURÍDICO
Sabendo de todas as transformações e necessidades da sociedade emergente, torna-se de suma pertinência a formação de futuros operadores do direito comprometidos com a efetivação da justiça social. Assim, aos futuros operadores do direito cabe a concretização de um “novo papel”, que inicia-se por meio de um ensino jurídico vinculado a realidade e formador de novas posturas.
Desta forma, de acordo com Ribas; Taques (2005, p. 9), “necessita-se urgente de operadores jurídicos prontos para romper essa postura conservadora [...].” E quando se fala em operadores de direito, cabe também aos professores que igualmente enquadram-se nesta denominação (já que muitos exercem outras atividades, além da docência), a necessidade de romper esta postura, ou seja, iniciar o diálogo com os aluno, estimular a crítica e busca a consciência histórica ausente em muitos e muitos anos.
É necessário aproximar o bacharel de direito com a realidade, ou seja, o mundo real, do ser e não do ‘ter’, ou ‘dever ser’. Nesse sentido, complementa Barbosa (2001, p. 294):
Do lado de dentro das suas residências de luxo, olhando o mundo através de uma tela de computador, esses pobres homens ricos, escravos da sua arrogância e na fé de que são a elite “educada”, fazem seus julgamentos sem se darem conta de que este já estava decidido antes de eles tomarem conhecimento.
É importante para a formação de bacharéis em direito comprometidos com as novas demandas sociais, o estimulo a consciência crítica sobre o direito e especialmente sobre o ensino ou o que lhe é transmitido.
Ter a consciência crítica de que é preciso ser o proprietário de seu trabalho e de que “este constitui uma parte da pessoa humana” e que “a pessoa humana não pode ser vendida nem vender-se” é dar um passo mais além das soluções paliativas e enganosas. É inscrever-se numa ação de verdadeira transformação da realidade para, humanizando-a, humanizar homens. (FREIRE, 2000, p. 183).
É salutar, que também deve existir um comprometimento dos estudantes de direito com a transformação da sociedade, mas para isso, é necessário a libertação desse sistema de ensino tradicional que aliena o aluno, sufoca e negligencia sua capacidade crítica sobre o ensino e o direito. O ensino precisa ter a finalidade de aguçar no aluno a consciência crítica para a libertação e humanização dos homens. É a busca por ações que visem humanizar para a construção e transformação da realidade. Nesse sentido, enfatiza Barbosa (2001, p. 294):
O direito pode e deve ser instrumento para viabilizar essa libertação, que deve começar pela prática do ensino do direito enquanto um fenômeno social e historicamente construído, estruturado enquanto parte da dominação mas também resultante das lutas por transformação social. Com a educação voltada para uma libertação do sujeito pode-se dar nascimento e realização de verdadeiros sujeitos de direito com o poder de escolha, uma escolha que só pode ser feita livre quando é nos retirado o véu da ideologia imposta, que nos aprisiona.
Mas para isso, é preciso retirar o véu desse ensino jurídico tradicional que aprisiona o estudante, trazendo drásticas conseqüências em vários aspectos. O ensino não deve ser mecanismo de reprodução ou aprisionamento por meio de uma ideologia, mas sim, construção de homens dispostos a mudar a realidade, com poder de escolha e com consciência crítica.
Outro aspecto bastante preocupante e que causa grande revolta é a falta de preocupação com os interesses e as necessidades das pessoas que necessitam de um benefício ou resposta de uma determinada decisão. Nessa perspectiva, salienta Dallari (2002, p. 82):
Não se percebe preocupação com os interesses e as angústias das pessoas que dependem das decisões e que muitas vezes já não têm mais condições para gozar dos benefícios de uma decisão favorável, por que esta chegou quando os interessados já tinham sidos forçados a abrir mão de seus direitos, arrastados pela circunstâncias da vida ou da morte.
Adicionado a isto, com um dos efeitos desse ensino jurídico baseado em normas abstratas, codificações, procedimentos jurídicos e técnicos, formou-se burocratas que seguem as leis e esquecem-se dos homens, de suas necessidades, da realidade que é nua e crua, ou seja, real!
Ainda é comum ouvir-se um juiz afirmar, com orgulho vizinho da arrogância, que é “escravo da lei”. E com isso fica em paz com sua consciência, como se tivesse atingido o cume da perfeição, e não assume responsabilidade pelas injustiças e pelos conflitos humanos e sociais que muitas vezes decorrem de suas decisões. Com alguma consciência esse juiz perceberia a contradição de um juiz-escravo e saberia que um julgador só poderia ser justo se for independente. Um juiz não pode ser escravo de ninguém nem de nada, nem mesmo a lei. (DALLARI, 2002, p. 82).
Assim, torna-se imperioso afirmar que existe um grande equívoco por parte dos juízes que agem seguindo a lei e esquecem ou não são preparados para questionar essa lei, ou indagar-se a quem ela realmente beneficia. As suas decisões devem ser tomadas levando em consideração a realidade, as transformações, e visar sobretudo, tomar decisões primando pela concretização da justiça social e o bem-estar de todos. As sentenças em anexos constitui formas de analisar a realidade da justiça brasileira (direito) e seus operadores. Em muitos casos percebe-se que muitos são escravos das leis e se esquecem dos homens, a sociedade, suas necessidades e transformações, não se questionando sobre o produto final de sua decisão resultaria em justiça ou se atenderia as perspectivas e necessidades das pessoas.
Segundo Dallari (2002), é de suma relevância reforçar nos cursos de direitos para todos os alunos a formação humanística, estimulando a aquisição de conhecimentos sobre a história e a realidade das sociedades humanas, para que o profissional do direito saiba o que tem sido, o que é e o que pode ser a presença do direito e da justiça no desenvolvimento da pessoa humana e nas relações sociais.
Assim, o futuro operador deve ser conscientizado da grandeza de seu papel em uma sociedade cada vez mais injusta e desumana. Para isso é necessário a superação desse paradigma tradicional de ensino que serve poder autoritário. A universidade possui a função de oferecer um ensino de qualidade que vise preparar e formar homens de bem que busquem operar e lutar por um novo direito que beneficie as maiorias. Assim, assevera Herkenhoff (2005, p. 4):
Os juristas devem lançar-se na luta por uma sociedade que respeite a pessoa humana. Os juristas devem ser corajosos, com a voz dos profetas, porta-vozes da justiça. Muitos nesta luta e por este compromisso tombaram, tornaram-se mártires. Neste sentido os juristas podem ter um papel importante, atores de um processo de transformação social, atores na construção de um novo mundo.
Desta forma, é fundamental novos operadores do direito que almejem um direito humano e solidário, com compromisso com a transformação social, a construção de um novo mundo que busque a valorização do ser humano e sua dignidade.
CONCLUSÃO
O ensino jurídico no Brasil desde sua implementação sempre teve um comprometimento com uma ideologia dominante, não tendo compromisso com a transformação da realidade. Ao aluno, refém deste ensino, coube a tarefa de reproduzir e operar as fontes do Estado, sem questioná-las.
As transformações e mudanças ocorridas na sociedade, tornaram o direito caótico, uma vez que este não conseguiu e ainda tem sérias dificuldades em dar respostas positivas as novas demandas emergentes.
A introdução na pesquisa no curso do direito consistiu em uma forma de adequar o direito a realidade. Mas, infelizmente esta também sofre com graves problemas, pois é fortemente influenciada pelo ensino jurídico tradicional, não estimulando o espírito crítico e científico do aluno, além de enfrentar outros problemas.
Assim, torna-se profícuo extirpar este ensino jurídico tradicional das faculdades de direito. É mister a criação e/ou construção de um ensino voltado a realidade e ao estímulo da consciência crítica do aluno, para que o mesmo esteja consciente da necessidade da transformação da realidade sócio-jurídica.
As proposições enfocadas neste estudo não pretendem esgotar ou categorizar a temática em suas múltiplas relações. Devido, a complexidade e relevância da problemática cabe buscar novas idéias, viesses e reflexões na busca de um ensino jurídico de qualidade que beneficie o direito, o estudante e a sociedade como um todo.
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Anexos
Caso n. 1
Inicialmente apresentando uma decisão judicial que a nós, particularmente, enche de alegria: trata-se de uma sentença proferida pelo juiz Moacir Danilo Rodrigues, de Porto Alegre, que serve de atento a todo estudante de que a justiça pode ser feita. A decisão é exemplar e deve ser guardada por todos aqueles que acreditam na justiça.
Eis o texto integral:
“M. A. D. A., com 29 anos, brasileiro, solteiro, operário, foi indiciado pelo inquérito policial pela contravenção de vadiagem, prevista no artigo 59 das Lei das Contravenções Penais. Requer o Ministério Público a expedição de Portaria Contravencional. O que é vadiagem? A resposta é dada pelo artigo supramencionado: ‘entregar-se habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho...’. Trata-se de uma norma legal draconiana, injusta e parcial. Destina-se apenas ao pobre, ao miserável, ao farrapo humano, curtido vencido pela vida. O pau-de-arara do Nordeste, o bóia-fria do Sul. O filho pobre, que é pobre, sujeito está a penalização. O filho do rico, que não precisa trabalhar, porque tem renda paterna para lhe assegurar os meios de subsistência.
Depois se diz que a lei é igual para todos. Máxima sonora na boca de um orador, frase mística para apaixonados e sonhadores acadêmicos de Direito.
Realidade dura e crua para quem enfrenta, diariamente, filas e mais filas na busca de um emprego. Constatação cruel para quem , diplomado, incursiona pelos caminhos da justiça e sente que os pratos da balança não têm o mesmo peso. M. A. mora na Ilha das Flores (?) no estuário do Guaíba.
Carrega sacos. Trabalha ‘em nome’ de um irmão. Seu mal foi estar em um bar na Voluntários da Pátria, ás 22 horas. Mas se haveria de querer que estivesse numa uisqueria ou choperia do centro, ou num restaurante de Petropólis, ou ainda numa boate de Ipanema? Na escala de valores utilizada para valorar as pessoas, quem toma um trago de cana, num bolicho da Volunta, às 22 horas, e não tem documento, nem cartão de crédito, é vadio. Quem se encharca de uísque escocês numa boate da Zona Sul e ao sair, na madrugada, dirige (?) um belo carro, com a carteira recheada de ‘cheques especiais’, é um burguês. Este, se é pego ao cometer uma infração de trânsito, constatada a embriaguez, pagar a fiança e se livra solto.
Aquele, se não tem emprego, é preso por vadiagem. Não tem fiança (e mesmo que houvesse, não teria dinheiro para pagá-la) e fica preso. De outro lado, na luta para encontrar um lugar ao sol, ficará sempre de fora o mais fraco. É sabido que existe desemprego flagrante. O zé-ninguém (já está dito) não tem amigos influentes, não há apresentação, não há padrinho, não há referências, não tem nome, nem tradição. É sempre preterido. É o Nico Bondade, já imortalizado no humorismo (mais tragédia que humor) do Chico Anísio. As mãos que produzem força, que carregam os sacos, que produzem argamassa, que se agarram na picareta, nos andaimes, que trazem calos, unhas arrancadas, não podem se dar bem nem com a caneta nem com a vida. E hoje, para qualquer emprego, exige-se no mínimo o primeiro grau. Aliás, para grau acena para graúdo. E deles é o reino da terra. Marco Antônio, apesar da imponência do nome, é miúdo. E sempre será. Sua esperança? Talvez o reino do céu. A lei é injusta. Claro que é. Mas a justiça não é cega? Sim, mas o juiz não é. Por isso: Determino o arquivamento do processo deste inquérito.
Porto Alegre, 27 de setembro de 1999.
Moacir Danilo Rodrigues. Juiz de Direito — 5º Vara Criminal”.
Caso n. 2
a) Um indivíduo foi processado criminalmente porque, na noite de Natal, foi a um baile e pagou o ingresso, que custava R$6,00 (seis reais) com um cheque de R$ 60,00 (sessenta reais), que teria sido objeto de furto (essa acusação).
O Promotor de Justiça — pasmem! — pediu ao juiz do feito a decretação da prisão preventiva do acusado (sic). Fazendo voz com Lenio, perguntamos ao estudante-leitor para imaginar o “grau de periculosidade” daquela pessoa.
Deveríamos, até mesmo, perceber o claro interesse público em proteger bailes de Natal contra criminosos desse quilate — e valor: R$ 6,00!
Por sorte o juiz não decretou a prisão preventiva, mas condenou o réu a dois anos de reclusão; sentença reformada no Tribunal por falta de provas.
b) Uma pessoa foi presa preventivamente sob a acusação de ter furtado uma garrafa de vinho, alguns metros de mangueira e um facão.
Foi presa e ficou recolhida ao xadrez por mais de seis meses. Foi absolvida em grau de recurso por falta de provas.
Ficamos assim, nós brasileiros, livres preventivamente, por seis, desse cidadão de tremenda periculosidade. Ainda bem...
c) Outro foi processado pelo crime de estelionato por ter comprado um limpador de pára-brisas, pago com um cheque de R$ 130,00 e recebido o troco de R$ 80,00. Segundo a acusação o cheque seria furtado.
Ficou, também, preso preventivamente. Este, por dez meses. Foi condenado a um ano e dez meses de reclusão, e não pôde recorrer em liberdade. Por isso, como continuava preso, ficou, no total, encarcerado por quatorze meses.
Conclusão: absolvido no Tribunal, por falta de provas.
Como é que as coisas podem acontecer, sem qualquer responsabilidade aos causadores do dano á pessoa?
d) Dois cidadãos foram condenados a dois anos de reclusão por terem “subtraído” das águas de um bucólico açude, no interior do Estado do Rio Grande do Sul, nove peixes tipo “traíra”, avaliados em — R$ 7,50!
e) Uma pessoa ficou presa por ordem da Justiça de Tubarão, Santa Catarina, pelo período de sessenta dias, pela acusação de tentativa de furto de uma cédula de R$10,00, que nunca foi encontrada.
Bela decisão, em favor da economia e finanças nacionais. Seria cômico se não fosse tão trágica.
f) O governador do Rio de Janeiro, Antony Garotinho, em visita a uma Delegacia de Polícia de seu estado, flagrou um indivíduo preso sob a acusação de ter tentado furtar um aparelho de barbear descartável.
Acrescentamos que devia estar com a barba feita com os aparelhos fornecidos pelo Estado...
g) Jaider Lopes dos Reis Lemes, inválido, por intermédio de sua mãe, requereu o benefício, que lhe assegura a Constituição Federal (art. 203, V), de um salário mínimo mensal, que á época era de R$ 120,00.
A lei referida no texto constitucional diz que a pessoa inválida pode receber um benefício, desde que a renda per capita da família não exceda 25% do salário mínimo, ou, no caso, R$ 30,00.
Quando teve início o processo administrativo de Jaider junto ao INSS, seu pai recebia a “polpuda soma” de R$ 196,20 mensais. Com esses R$169,20 o pai de Jaider “sustentava” cinco pessoas, inclusive ele próprio, inválido.
O posto do INSS, tão cioso de suas obrigações e prestador de serviço público essencial, negou o pleito, pois efetuado o cálculo previsto na lei descobriu que 25% do salário do pai de Jaider montavam a — assombrosos — R$ 33,84, acima, portanto, do teto legal. Aliás, muito acima: R$ 3,84!
A mãe de Jaider recorreu à 5ª Junta de Recursos do Distrito Federal e ganhou o benefício.
Contudo, a Divisão de Recursos e Benefícios do Ministério da Previdência — olha aí nosso cioso serviço público ... — recorreu à outra superior instância. A 2ª Coordenadoria de Consultoria Jurídica, por incrível que por isso possa parecer, entendeu que: “a família do Autor (...) não é uma família miserável, ou seja, incapaz de prover a manutenção de pessoa portadora de deficiência...” (SIC!).
Os casos acima relatados, apesar da flagrante injustiça perpetuada contra as pessoas, refletem condutas ilegais e/ou fundadas em texto que violam a Constituição Federal, se não em abstrato, com certeza in concreto, cuja solução tinha de ser outra.
Notas:
[2] Muitas vezes devido a necessidade de adequar-se ao status quo, o estudante de direito, perde suas crenças ou ideais, caracterizando a crise de identidade.
[3] Exemplo de tal afirmação é todo sistema de uma profissão jurídica. Segundo Fagúndez (2001), se o profissional não tiver um perfil comprometido com as ideologias da escola tradicional, ele não conseguirá aprovação para a magistratura, Ministério Público, etc.
[4] Cf. Marques Neto (2001).
[5] Cf. Fagúndez (2005, p. 5).
[6] Furmann (2005, p. 5).
[7] Estas afirmações podem serem melhor analisadas com a leitura da folha online que traz reportagens verídicas sobre tais informações.
[8] Exemplo desta afirmação, é o elevado número de faculdades de direito, que são criadas apenas como uma função mercadológica e não com a verdadeira função da universidade que é ”a transmissão da cultura; o ensino das profissões e a investigação e educação de novos homens de ciência. ” (ORTEGA Y GASSET, apud VITAGLIANO, 2005, p. 10).
[9] Exemplo disso são as decisões que são tomadas pelos profissionais de direito que tiveram um modelo de ensino ultrapassado e extremamente legalista. O caso n. 2 do anexo, mostra decisões tomadas operadores de direito que negligenciam a realidade e a verdadeiramente justiça.
Silvana Taques
Graduanda do Curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil, Campus Carazinho/RS.Código da publicação: 1421
Como citar o texto:
TAQUES, Silvana..A crise do ensino jurídico: uma abordagem crítico-reflexiva perante a necessidade de transformação da realidade sócio-jurídica. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 189. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/pratica-forense-e-advogados/1421/a-crise-ensino-juridico-abordagem-critico-reflexiva-perante-a-necessidade-transformacao-realidade-socio-juridica. Acesso em 30 jul. 2006.
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Pedido de reconsideração no processo civil: hipóteses de cabimento
Flávia Moreira Guimarães PessoaOs Juizados Especiais Cíveis e o momento para entrega da contestação
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