1. A Previsão da Diligência na Constituição Federal - 2. O Contexto Histórico-Sociológico - 3. A Proteção à Intimidade e à Vida Privada - 4. Os Requisitos Legais - 5. Amplitude do Conceito de Escuta Telefônica - 6. Rigidez no Emprego da Interceptação - 7. Conclusão - 8. Referências Bibliográficas.

1. A PREVISÃO DA DILIGÊNCIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A escuta telefônica está respaldada na própria Carta Magna. Na realidade, embora a mesma tenha estabelecido que a intimidade e a vida privada das pessoas, bem como o sigilo das comunicações telefônicas, são invioláveis, conforme os incisos X e XII, do art. 5º, da Lei Maior, a dita inviolabilidade, quanto a tal sigilo, é relativa, admitindo-se o emprego do aludido expediente, com finalidades específicas e desde que de conformidade com normas legalmente estipuladas a respeito do tema. Transcrevo o que prescrevem os mencionados dispositivos:

"Art. 5º ...

X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;...

XII - É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal."

Registro o pensamento de JOSÉ AFONSO DA SILVA, que assim se posicionou, em seu livro "DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO", da Malheiros Editores, 10ª edição:

"...Abriu-se excepcional possibilidade de interceptar comunicações telefônicas, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual. Vê-se que, mesmo na exceção, a Constituição preordenou regras estritas de garantias, para que não se a use para abusos. O objeto de tutela é dúplice: de um lado, a liberdade de manifestação de pensamento; de outro lado, o segredo, como expressão do direito à intimidade...".

2. O CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIOLÓGICO

É fundamental analisar o contexto histórico-sociológico vivenciado na atualidade. O mundo hodierno exige do Poder Público a viabilização da "persecutio criminis", para que se evite a formação de um verdadeiro "Estado Paralelo", onde as regras da convivência social apenas são elaboradas no sentido do atendimento aos interesses dos malfeitores, que atuam, muitas das vezes, com o respaldo de expressivos setores da sociedade, marginalizados, em razão da inoperância do Estado em suprir as necessidades mais elementares dos cidadãos.

Recentemente, têm sido introduzidos no ordenamento jurídico pátrio inúmeros instrumentos para viabilizar um combate efetivo à criminalidade. São exemplos de tais inovações a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034/95) e aquela que previu a suspensão da prescrição, quando o paradeiro do acusado é ignorado, sendo citado por edital e revel. Mas, sem dúvida, merece destaque a Lei nº 9.296/96.

A escuta telefônica tem se revelado o principal, senão o único, meio de prova disponível para a constatação da materialidade de determinados delitos e de sua autoria, notadamente aqueles que não deixam rastros materiais a serem identificados por outros meios. A sofisticação e o profissionalismo de certos criminosos, principalmente, quando integram quadrilhas estruturadas, equipadas e organizadas, reclamam, obviamente, o emprego de mecanismos também modernos de investigação criminal.

Os grupos que se dedicam ao tráfico de drogas, contrabando, crimes contra o Sistema Financeiro, corrupção, entre outros, procuram, a cada dia, aperfeiçoar, mais a mais, a prática delitiva, buscando eliminar ou reduzir ao máximo os riscos do insucesso. A gravação de conversações por telefone, utilizada, inclusive, com freqüência pela imprensa para produzir furos de reportagem, é um método bastante eficaz de constatação da materialidade e da autoria delitivas.

A sociedade brasileira reclamava uma resposta do Estado, diante do incremento da criminalidade. O Poder Judiciário, de mãos atadas, nada poderia fazer a respeito, se a lei exigida pelo acima citado inciso XII do art. 5º, da Carta Magna, ainda "adormecia" no Congresso Nacional.

Diversos magistrados, inclusive, foram injustamente execrados pela opinião pública, de forma desavisada ou, mesmo, por má-fé, quando se sabe que não compete ao Poder Judiciário legislar. Notório foi o caso dos "inhames", que repercutiu, bastante, na imprensa, em que foi demonstrada a prática de tráfico de drogas, através de escuta telefônica, e, por não ter sido, ainda, editada a lei regulamentadora do comando constitucional, o colega AGAPITO MACHADO não pôde responsabilizar criminalmente os acusados, considerando que toda a prova disponível para uma eventual condenação foi colhida por aquele meio.

Infelizmente, quis-se levar ao descrédito o aludido magistrado, quando, finalmente, o Colendo Supremo Tribunal Federal se posicionou a respeito, firmando jurisprudência no sentido da não auto-aplicabilidade do dispositivo retro-transcrito. Registro trecho do livro de minha autoria, intitulado "A REPRESSÃO AO CRIME ORGANIZADO - INOVAÇÕES DA LEI Nº 9.034/95", da Editora Juruá, sobre a questão:

"...Enquanto, a rigor, não se editar a lei reclamada pelo dispositivo da "Lex Mater", concernente ao sigilo nas telecomunicações, restará inviável a elucidação de certos crimes, em prejuízo da sociedade. É bem verdade que o Código das Telecomunicações (Lei nº 4.117/62), em seu artigo 57, II, "c", já dispunha sobre a questão, embora não tenha sido considerada recepcionada pela nova ordem constitucional, em virtude do fato, em primeiro lugar, do comando da Lei Maior reclamar a indicação, na norma legal, das situações e da forma por meio da qual se processaria a quebra do sigilo das comunicações, tendo o Código das Telecomunicações se apresentado de modo bastante genérico, não se desincumbindo de tal exigência a contento. Em segundo lugar, como bem lembra AGAPITO MACHADO, no texto retro-citado, a lei em tela não faculta dita quebra aos agentes da Polícia Judiciária, mas, tão-somente, aos servidores das empresas de telecomunicações...".

O Supremo Tribunal Federal, por outro lado, entendeu que não poderia a Polícia promover a escuta telefônica, para colher informações que levassem à produção de outras provas, não conduzindo ao feito as conclusões da aduzida escuta. Seria uma sub-reptícia forma de burlar o texto da norma constitucional, carente de regulamentação. O Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, quando do julgamento do Proc. 69.912-RS, emitiu voto, do qual importa extrair esta lição:

...33. Estou convencido de que essa doutrina da invalidade probatória do fruit of the poisonous tree é a única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita. 34. De fato, vedar que se possa trazer ao processo a própria degravação das conversas telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que, sem tais informações, não colheria, evidentemente, é estimular, e não, reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina de conversas privadas. 35. Nossa experiência histórica, a que já aludi, em que a escuta telefônica era notória, mas não vinha nos autos, servia apenas para orientar a investigação, é a palmar evidência de que, ou se leva às últimas conseqüências a garantia constitucional ou ela será facilmente contornada pelos frutos da informação ilicitamente obtida. 36. Na espécie, é inegável que só as informações extraídas da escuta telefônica indevidamente autorizada é que viabilizaram o flagrante e a apreensão da droga, elementos também decisivos, de sua vez, na construção lógica da imputação formulada na denúncia, assim como na fundamentação das decisões condenatórias...".

3. A PROTEÇÃO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA

Como já registrei, anteriormente, a "Lex Mater" prevê a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Como, a rigor, os incisos X e XII do seu art. 5º integram o mesmo núcleo de normas (Direitos e Garantias Fundamentais), não se podendo falar, assim, em uma hierarquização entre eles, impõe-se compatibilizar os seus textos, interpretando, de modo sistêmico, as aludidas regras. Destarte, não se pode violar a intimidade e a vida privada, mas é possível adotar a escuta telefônica, para fins de investigação policial e de instrução criminal. É óbvio que as normas em tela não são necessariamente excludentes.

Pode e deve o juiz, diante dos requisitos impostos pela nova lei, autorizar a escuta telefônica. Esta, porém, não pode servir para atacar a vida privada e/ou a intimidade dos indivíduos em comunicação. Logo, apenas interessa colher, pela via da escuta, os elementos imprescindíveis à descoberta do cometimento ou da iminência do cometimento de uma infração penal e à identificação de seus autores e/ou partícipes.

Desta forma, ao meu ver, será abusivo permitir, por exemplo, que órgãos de comunicação social tenham acesso a trechos das conversações captadas que exponham aspectos da intimidade dos agentes ou, o que é pior, que divulguem para a opinião pública os mencionados trechos. Aliás, deve ser repensado, a propósito, esta sanha de exposição, à curiosidade da coletividade, das diligências policiais, bem como dos indiciados ou denunciados, tanto em prejuízo do próprio curso das investigações e da instrução processual, que, em tese, reclama o sigilo para o seu sucesso, como em violação ao consagrado princípio da presunção da inocência. Não se tolera, considerando que o agente é tido como inocente até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, esta postura de vulneração ao seu direito à imagem, prejudicando-o pessoal e profissionalmente, quando, com freqüência, pode vir a ser absolvido, sendo, no entanto, severamente penalizado pela imposição da pecha de criminoso pelos meios de comunicação. Inúmeros são os exemplos.

4. OS REQUISITOS LEGAIS

Em primeiro lugar, cumpre-me destacar os requisitos impostos pela própria norma constitucional. O dispositivo multi-referido consigna que, necessariamente, a escuta telefônica deverá ser objeto de ordem judicial. É, pois, imperioso, que a autoridade responsável pela colheita da prova em tela solicite ao magistrado competente na espécie a autorização para a realização da diligência ou que o mesmo, diante do contexto identificado, de ofício, a determine. A menção à expressão "ordem" significa que o pronunciamento do julgador antecede a dita diligência, não sendo meramente homologatório, mas traduzindo uma determinação a ser cumprida, rigorosamente, nos termos ali delimitados.

Ademais, há a exigência concernente ao objetivo da escuta telefônica. Apenas é permitida a adoção de tal expediente para o exercício da investigação policial ou para a instrução criminal. Assim, é incabível postular a escuta em análise para outras finalidades. É impertinente, por exemplo, o uso da mesma por ocasião da instrução processual civil. Note-se que a norma se refere a investigação, não se exigindo, portanto, que já tenha sido instaurado o competente inquérito policial.

Outros requisitos estão impostos na Lei nº 9.296/96. O art. 1º, do mencionado diploma, consigna que a escuta telefônica dependerá de ordem judicial (que deve ser prévia, senão se descaracteriza como ordem), sob segredo de justiça. Esta cautela se justifica, por um lado, para proteger a intimidade das pessoas envolvidas, assegurada constitucionalmente, e, por outro, para que o vazamento das informações não venha a prejudicar a própria apuração dos fatos.

O Parágrafo Único, do citado artigo, esclarece o alcance da lei, estabelecendo que a mesma se aplica, não só para a interceptação de comunicações telefônicas, como para a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática. Na atual conjuntura, não se pode desprezar o avanço da informática, sendo admitida, assim, também, a colheita dos dados obtidos por intermédio dos respectivos sistemas, inclusive através da rede Internet. Saliente-se que a norma constitucional, em nenhum momento, estipula como inviolável a comunicação promovida pelos aludidos sistemas. Com as cautelas cabíveis, é legítima a colheita das informações ali transmitidas.

Além disto, o art. 2º, da Lei em exame, elenca 03 (três) situações nas quais é vedada a interceptação de comunicações prevista na mesma. Primeiramente, é indispensável que estejam presentes indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal. É fundamental, pois, que determinados elementos deixem transparecer uma razoável suspeita de que alguém tenha colaborado com a tentativa ou a prática delituosa, como autor ou partícipe, e a escuta seja exigida pelas circunstâncias, a fim de elucidar a verdade material. É lógico que não se exige a certeza, mas a simples presença de indícios.

A segunda hipótese descrita consiste na situação em que a prova pode ser obtida por outros meios disponíveis. É claro que, se há condições de descobrir a verdade material, sem precisar lançar mão da escuta, a mesma não deve ser utilizada, considerando a sua óbvia excepcionalidade. Mas, ao meu pensar, esta regra não exclui a possibilidade de se recorrer ao expediente em tela, a título complementar, quando os outros meios de prova não esclarecem, em plenitude, os fatos objeto da investigação ou da instrução criminal. Em contrapartida, se os outros meios oferecem condições para uma bem sucedida apuração integral dos fatos, é vedada a adoção da escuta telefônica.

Finalmente, também não é possível a interceptação quando o fato investigado constituir, em tese, infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. Aqui, analisa-se, de forma abstrata, evidentemente, a gravidade do delito atribuído a alguém, viabilizando o emprego da escuta tão-somente quando se trata de crime punido com pena de reclusão, "a contrario sensu". Deste modo, infrações punidas com pena de detenção, sendo, pois, por decisão política dos responsáveis pela tipificação de condutas, consideradas menos graves, estão fora do alcance do diploma em apreciação. Partindo do pressuposto de que as contravenções são infrações de menor reprovabilidade e menos severamente sancionadas, apenas sendo admitida a privação de liberdade, em prisão simples, há que se compreender como também excluídas do alcance da Lei.

Há que se indagar, portanto, qual a natureza da pena cominada, na norma tipificadora, ao delito em tese objeto da investigação ou da instrução criminal. Se não for privativa de liberdade ou, sendo, se caracterizar como prisão simples ou detenção, não é cabível a escuta.

5. AMPLITUDE DO CONCEITO DE ESCUTA TELEFÔNICA

Percebe-se, claramente, com a leitura das normas inseridas no mencionado diploma legal, que a figura da escuta telefônica reclama, necessariamente, que ocorra, de modo efetivo, a interceptação, ou seja, é fundamental que um terceiro colha os elementos da comunicação entre duas pessoas. Assim, não há escuta telefônica propriamente dita se um dos participantes da conversação, por aqueles meios de comunicação previstos na citada Lei, promove a gravação. Igualmente, não se caracteriza aquela figura quando se trata de mera informação sobre a procedência ou o destino das ligações efetuadas de ou para uma certa linha telefônica.

Registro, por reputar oportuno, o que sustentou, a respeito dos temas, ADA PELLEGRINI GRINOVER, em conferência intitulada "O REGIME BRASILEIRO DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS", proferida no Seminário "REFORMA DO DIREITO PROCESSUAL PENAL", promovido pelo Conselho da Justiça Federal, no dia 28.02.97, "in verbis":

"...Por mais amplitude que se pretenda atribuir ao conceito, permanece ele limitado à escuta e eventual gravação da escuta telefônica, quando praticada por terceira pessoa, diversa dos interlocutores. Somente a terzietá, referida pela doutrina italiana, é capaz de caracterizar a interceptação. Não diversa é a posição do ordenamento brasileiro, porquanto o art. 151, § 1º, II e III, do Código Penal, tipifica a violação de comunicação telefônica como sendo a relativa à conversação entre outras pessoas.

É irrelevante indagar a respeito da existência de conhecimento e consentimento de um dos interlocutores. É possível que nenhum deles esteja a par da operação técnica, ou que um consinta com ela. Embora a doutrina prefira falar, só no primeiro caso (interceptação executada à revelia de ambos os interlocutores), em interceptação stricto sensu, e, no segundo caso (interceptação conhecida e consentida por um deles), em escuta telefônica, em ambos os casos a terzietá está prevista, e tratar-se-á de interceptação, subsumível à lei.

Mas esta não abrange a gravação da conversa telefônica própria, feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro: essa conduta não se enquadra no conceito de interceptação e consiste, na terminologia correta, na gravação clandestina de conversa telefônica própria. Embora o caso não se enquadre na tutela do sigilo das comunicações (art. 5º, inciso XII, CF), é referível ao inciso X do mesmo dispositivo (proteção da intimidade): a gravação, em si, não é ilícita, podendo qualquer dos interlocutores executá-la livremente, por tratar-se de documentação de comunicação que lhe é dirigida. No entanto, a divulgação, sem justa causa, da conversa confidencial poderá ser ilícita, subsumindo-se a conduta ao tipo do art. 153, do Código Penal.

Do mesmo modo, a informação a respeito do registro de ligações feitas de ou para determinada linha telefônica não se enquadra na lei, podendo aí caracterizar-se violação do sigilo profissional...".

6. RIGIDEZ NO EMPREGO DA INTERCEPTAÇÃO

Evidencia-se, ao longo do texto do novo diploma legal, a excessiva preocupação em fixar rígidos limites ao uso da interceptação de comunicações. Considerando que esta representa, inegavelmente, uma violação legitimada de elementares direitos do indivíduo, é salutar a imposição de limites. Porém, há que se reconhecer que houve exagero.

Em primeiro lugar, não se justifica a vedação, como já mencionei, da utilização da escuta telefônica para a apuração da eventual prática de delito punido, em tese, com as penas de detenção ou de prisão simples, de multa ou de outras modalidades que não impliquem em privação da liberdade. As infrações de menor gravidade apenas serão investigadas através dos demais mecanismos, afastando o procedimento aqui apreciado. Não foi, por outro lado, a Lei clara quanto à possibilidade da coexistência da interceptação com outros meios de prova, o que vai gerar, com certeza, conflitos na interpretação das normas.

Em segundo lugar, pecou por não admitir a postulação da realização da diligência pelo querelante ou pelo assistente de acusação. Logicamente, portanto, ficou, de modo indireto, inviável o emprego da interceptação na ação penal privada, considerando a disponibilidade do exercício da pretensão punitiva, característica de tal modalidade. Quanto à ação penal pública, apenas o "Parquet" poderia provocar o Juízo a determinar a utilização da mesma, caso interpretado literalmente o comando normativo em questão.

Outra falha consiste no fato de que há uma estreita vinculação entre o resultado da prova e um suposto delito especificamente descrito antes de sua colheita. Analisando a Lei de forma sistêmica, percebe-se que não é possível se valer de informações obtidas na escuta telefônica a respeito de um delito distinto daquele que justificou a realização da diligência. Assim, se, por exemplo, a autoridade policial pediu que fosse efetuada a interceptação, em face de indícios veementes acerca da prática do crime de descaminho, e, finda a diligência, são identificadas conversações que demonstram a prática do crime de tráfico de drogas, o material produzido desserve para respaldar a condenação por este último delito. Trata-se, sem dúvida, de um equívoco do legislador, engessando a possibilidade de utilização do resultado da escuta.

Destaque-se que o eminente Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, do Colendo Superior Tribunal de Justiça, com toda pertinência, em artigo intitulado "INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA", publicado na Revista CONSULEX, assim se pronunciou sobre a matéria:

"...O legislador brasileiro mostrou-se cauteloso. Adotou o sistema de verificação prévia, ou seja, nenhuma interceptação será ilícita se o juiz não a autorizar. Além disso, fixou as hipóteses de consentimento judicial: I - houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; a prova não puder ser feita por outros disponíveis; o fato investigado constituir infração penal punida com pena de reclusão...

Melhor seria se a lei houvesse optado, como exceção, pelo sistema da verificação posterior da legalidade. Em outras palavras, a autoridade policial e o representante do Ministério Público poderiam tomar a iniciativa; concluída a diligência, encaminhariam-na ao magistrado; se não contivesse vício e fosse pertinente, seria anexada aos autos. Caso contrário, destruída, implicando eventual responsabilidade criminal. Nessa direção, o moderno Código de Processo Penal da Itália (art. 267.2). Com efeito, a prova é caracterização de um fato; poderá ser passageiro. O crime não tem hora marcada. Acontece a qualquer momento, mesmo fora do expediente do Judiciário. Se não for tomada medida imediata, perderá importância. Não creio que a autorização verbal (art. 4º, § 1º) possa cobrir todas as hipóteses...".

Aliás, também existe uma vedação ao emprego da interceptação telefônica, constatada a partir de uma análise do ordenamento jurídico pátrio como sistema: não é possível a dita interceptação para coletar conversação mantida com um advogado pelo acusado ou por qualquer pessoa que tenha cometido um delito, em virtude do chamado segredo profissional. Admitir a escuta, em tais condições, é, de forma indireta, permitir a violação do mencionado segredo.

Lembro a lição do preclaro Mestre LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, no artigo já mencionado, acerca deste aspecto:

"...Evidente, a interceptação não pode colher a conversa do indicado, ou do réu, com seu advogado. Vou além. De qualquer pessoa que procure o profissional a fim de aconselhar-se porque praticara uma infração penal. Será contraditório o Estado obrigar o advogado a guardar segredo profissional e imiscuir-se na conversa e dela valer-se para punir o cliente. O Direito não admite contradição lógica.

De outro lado, a prova colhida, conforme o procedimento mencionado, só pode ser utilizada na hipótese mencionada no requerimento de autorização judicial. Ou seja, imprestável para outro inquérito, ou outro processo.

Se assim não for, a cautela da lei desmorona; ter-se-á a consagração do uso dos frutos da árvore envenenada! Haveria, sem dúvida, atalho para contornar as cautelas que se evidenciam na recente lei. A propósito, lembre-se o Código de Processo Penal de Portugal, no art. 187.3 - É proibida a interceptação e a gravação de conversações ou comunicações entre o argüido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objeto ou elemento de crime. Entenda-se, porém, como interpretam os comentadores portugueses: se houver sérios indícios de o defensor haver participado da atividade criminosa. Nesse caso, não atua como profissional, mas como qualquer outro delinqüente. Conclusão, aliás, resultante de interpretação lógico-sistemática".

7. CONCLUSÃO

Não se pode deixar de reconhecer a importância da edição da Lei nº 9.296/96, que, se bem utilizada, contribuirá, e muito, para apuração de delitos. Como já disse, deve ser respeitado o seu procedimento e há que se buscar o aperfeiçoamento do diploma legal, para o qual, com certeza, a jurisprudência e a doutrina pátrias saberão apontar os eventuais equívocos que só serão detectados com o passar do tempo.

É relevante, finalmente, salientar que, a despeito do fato de que existe o interesse público na investigação de possíveis infrações, deve ser respeitado o direito das pessoas à intimidade e à vida privada. O investigado, como os seus interlocutores, é um ser humano, impondo-se, ainda que se cuide de delinqüentes, a preservação dos elementares direitos individuais, devendo, destarte, ser reprimida qualquer tentativa de enxovalhar a sua imagem, divulgando, indevidamente, o teor de suas conversações.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CERNICCHIARO, Luiz Vicente. "Interceptação Telefônica", Revista Consulex - Doutrina e Pareceres, Editora Consulex, 1996.

GRINOVER, Ada Pellegrini. "O Regime Brasileiro das Interceptações Telefônicas", Revista CEJ nº 03, Conselho da Justiça Federal, Dezembro/97.

SILVA, José Afonso da. "Direito Constitucional Positivo", Malheiros Editores, 10ª edição.

SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley de. "Repressão ao Crime Organizado, Editora Juruá, 1ª edição, 1995.

 

Como citar o texto:

SIQUEIRA FILHO, Élio Wanderley..Aspectos relevantes da escuta telefônica. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-penal/156/aspectos-relevantes-escuta-telefonica. Acesso em 28 dez. 1998.

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