Na seara dos procedimentos de licitação, observa-se o surgimento de um entendimento equivocado que defende uma certa interpretação sobre a expedição de atestados de capacidade técnica. A tese argumenta que caberia à Administração a escolha de qual entidade seria legítima para a expedição do atestados de capacidade técnica. Noutros termos, o entendimento, ora impugnado, defende que poderia a Administração limitar a aceitação de atestados emitidos apenas por entidades de direito público.

Tal entendimento não pode prevalecer, pois perverte o sentido da norma e limita a participação de licitantes nas competições públicas.

Preliminarmente, insta pontuar que a Constituição (CR) dispõe que a exigência de qualificação técnica não deve ser adotada indiscriminadamente. Portanto, seria exigível em contratos específicos e que requerem maior segurança jurídica. Esta é a lição do artigo 37, inciso XII CR, ex verbis:

Art. 37 XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública [...] o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

O escopo da norma constitucional foi desburocratizar e reduzir comprovações para processos de menor complexidade e, portanto, ampliar potencialmente o número de possíveis empresas participantes. Exposta esta preliminar, cumpre compreender como se dá a comprovação de aptidão técnica na lei específica que disciplina o dispositivo acima.

A qualificação técnica, conforme a Lei nº 8.666/93, será feita mediante atestados de capacidade técnica, segundo dispõe o seu §1º, art. 30:

“Art. 30, § 1º A comprovação de aptidão referida no inciso II do "caput" deste artigo, no caso das licitações pertinentes a obras e serviços, será feita por atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público OU privado, devidamente registrados nas entidades profissionais competentes, limitadas as exigências a:” (grifo nosso)

Com efeito, alinhado ao paradigma constitucional de se aumentar quantitativamente a participação de licitantes, a lei nº 8.666/93 estabelece que a comprovação de qualificação técnica será feita pelo licitante e mediante atestados que demonstrem o seu repositório técnico adquirido no curso de sua atividade empresarial que, notoriamente, compreende contratos com pessoas jurídicas de direito privado ou, então, de direito público.

Não caberia à Administração a limitação a partir do tipo de entidade e seu regime jurídico, pois segundo o artigo 27 da Lei 8666/93, “para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados”, ou seja, trata-se de ato administrativo vinculado e que conforme previsão legal deverá observar o disposto nos artigos seguintes, os quais estabelecem que o ônus da comprovação é do interessado licitante, outrossim, a este facultado, alternativamente, apresentar atestados de pessoas jurídicas de direito privado ou público.

Em suma, depreende-se da leitura do dispositivo reproduzido que, a Lei nº 8.666/93 confere ao licitante a possibilidade de comprovar sua aptidão mediante atestados emitidos por pessoas jurídicas tanto de direito público quanto de direito privado.

A entidade promotora da licitação, ao limitar os atestados àqueles oriundos apenas de entidades de direito público, adota interpretação que além de incorreta segue pela via da restrição ilegítima de amplitude de participação, logo,  viola abertamente o inciso I, §1º, art. 3º, o qual veda aos agentes públicos “admitir, prever, incluir [...], nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato;”.

A interpretação que defende ser prerrogativa da Administração Pública a escolha de qual entidade, pública ou privada, que o licitante deverá apresentar seus atestados é divorciada da norma prevista no §1º, art. 30 e, ainda, ganha reforços de ilegalidade ao violar a vedação do inciso I, §1º, art. 3º.

O entendimento ora apresentado é confirmado pela jurisprudência do TRF da 1ª Região que, em caso idêntico, firmou a seguinte decisão:

“Com efeito, a norma contida no item 14.3, alínea b, do Edital, que impossibilita a apresentação de atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito privado é incompatível com o artigo 30, parágrafo 1º, da Lei nº 8.666/93, que expressamente permite a apresentação de atestados fornecidos por pessoas jurídicas de direito público e privado.” (TRF da 1ª Região, Apelação em Mandado de Segurança nº 1999.01.00.014752-7/DF, 3º T. Suplementar, rel. Juiz Wilson Alves de Souza, j. em 29.05.2003, DJ de 18.06.2003) (grifo nosso)

Conclui-se que a Administração requerer atestados de capacidade técnica somente emitidos por pessoas jurídicas de direito, por exemplo, público, ou, então, apenas de direito privado viola o Princípio da Legalidade (art. 37, CR), pois os critérios habilitatórios perfazem atos administrativos vinculados ao teor do artigo 27, Lei 8.666/93 e é direito do licitante comprovar sua aptidão com atestados emitidos por entes de qualquer regime de direito.

 

Data de elaboração: abril/2009

 

Como citar o texto:

SILVA, Gustavo Pamplona..Da ilegalidade da exigência de atestado de capacidade técnica emitido exclusivamente por ente de direito público. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 10, nº 522. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/1974/da-ilegalidade-exigencia-atestado-capacidade-tecnica-emitido-exclusivamente-ente-direito-publico. Acesso em 29 jun. 2009.

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