RESUMO

O Sistema Penitenciário brasileiro vem sofrendo ao longo dos tempos a marca do descaso e do abandono por parte de autoridades que compõem os poderes constituídos do nosso país. O estado está perdendo o controle desse sistema de modo que a lei da violência está no comando e com isso, sofre a população carcerária que ainda sonha com o resgate da cidadania, onde busca no cárcere entender a punição aplicada e retornar ao convívio social. Esse estigma do caos afeta não só o encarceramento masculino por sua maioria expressiva, mas, também o cárcere de mulheres, que apesar de ser minoria na estatística prisional, é um vetor condutivo de sofrimento, desprezo e desobediência legal em razão das peculiaridades de encarceramento do gênero. Assim, o presente trabalho, objetiva mostrar de forma breve, porém, investigativa, a formação do encarceramento feminino no Brasil, em seu aspecto histórico, social e legal.

Palavras-chave: Sistema carcerário. Estado. Gênero.

1 INTRODUÇÃO

A idéia de punir existe desde os primórdios da humanidade, tendo o Estado como detentor de tal direito. A privação de liberdade ainda se constitui como pena principal, apesar de não está atingindo seu objetivo, que não se perfaz somente no cumprimento da sentença condenatória, indo mais alem, conforme expressa nossa Lei de Execução Penal. Nossos estabelecimentos penais a cada dia que passa, se estreitam mais com o crescimento da população carcerária e esse crescimento desordenado, provoca a síndrome da loucura em quem se acha confinado em ambientes perversos e impróprios para convivência humana.

Apesar de ainda ser um mal necessário, a privação de liberdade foge as regras humanas e legais, deixando morrer no papel a idéia de proteção e segurança que traz as normas constitucionais e infraconstitucionais, daí, as prisões, em especial as femininas, ficam a margem da obediência legal e humana, fugindo totalmente dos padrões determinados pelos órgãos ligados a matéria penitenciaria, tornando-se um ambiente degenerativo não só pra mulher presa, mas sim, para toda família e em especial para os filhos pequenos que necessitam conviver com a mãe encarcerada para sobreviver.

O aspecto prisional feminino no Brasil é mais hostil do que se pensa, dado ao fato da mulher ser mais dócil quanto às reivindicações, daí a discriminação em razão do gênero fala mais alto e as especificidades que determinam a lei, ficam esquecidas.

Nesse prisma, em face do dinamismo do estudo carcerário feminino brasileiro, é que buscamos contribuir pelo método indutivo na execução de uma analise histórica, social e legal sobre tal matéria, tendo por base os aspectos que evidenciaram e motivaram a prisão de mulheres no decorrer dos tempos e que ainda não tem o tratamento devido, levando em consideração que a prisões no Brasil foram construídas para homens e apenas adaptadas para mulheres.

2. Breve histórico do encarceramento feminino brasileiro

Nos vários estudos realizados sobre a origem das prisões femininas no Brasil, observa-se a vinculação histórica do discurso moral e religioso nas formas de aprisionamento da mulher, que em suas práticas criminosas desde os primórdios, destacaram-se as relações com bruxaria e com a prostituição, comportamentos que ameaçavam os papéis socialmente estabelecidos para a o gênero feminino.

A partir da década de 1930, na intenção de executar amplas reformas relacionadas ao modo de organização e regulamentação das prisões brasileiras, o governo federal instituiu varias medidas, dentre elas: aplicou, em 1930, o Regimento das Correições com a pretensão de reorganizar o regime carcerário; em 1934 criou o Fundo e o Selo Penitenciário, cujo objetivo era promover arrecadação de fundos para investir nos estabelecimentos prisionais; em 1935, editou o Código Penitenciário da República, que por sua vez, passou então a legislar sobre o ordenamento das atividades dos infratores condenados pela justiça penal e em 1941, instaurou o novo Código Penal.

Embora, o encarceramento de mulheres em salas, celas, alas e seções separadas dos homens fosse uma prática recorrente, até o ano de 1940, não havia qualquer diretriz legal que exigisse ou regulamentasse nem essa prática, nem uma instituição para tal fim específico.

Assim, as mulheres presas eram separadas ou não dos homens, de acordo com os desígnios das autoridades responsáveis no ato da prisão e de acordo com as condições físicas para tal.

A primeira norma legal foi determinada pelo Código Penal e pelo Código de Processo Penal, ambos de 1940, e pela Lei das Contravenções Penais, de 1941. Desta forma, no 2º parágrafo, do Art. 29, do Código Penal de 1940, determinou-se que “as mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção adequada de penitenciária ou prisão comum, ficando sujeitas a trabalho interno”.

A separação entre homens e mulheres na visão de Soares e Ilgenfritz (2002, p. 57), teria que acontecer para “garantir a paz e a tranquilidade desejada nas prisões masculinas, do que propriamente a dar mais dignidade às acomodações carcerárias, até então compartilhadas por homens e mulheres”.

Veiculava-se a ideia de separação das mulheres chamadas “criminosas” para um ambiente isolado de “purificação”, numa visão de discriminação de gênero assumida pela construção do papel da mulher como sexo frágil, dócil e delicado. Para Jorge Pinheiro (2012, p. 50), “a mulher que praticava o crime fugia de sua natureza e, portanto, era anormal”.

A utilização da pena de prisão deveria servir para a reprodução dos papéis femininos socialmente construídos. A intenção era que a prisão feminina fosse voltada à domesticação das mulheres criminosas e à vigilância da sua sexualidade. Tal condição delimita na história da prisão os tratamentos diferenciados para homens e mulheres (LIMA. 1983).

Segundo Espinoza (2003, p. 39), “com essa medida buscava-se que a educação penitenciária restaurasse o sentido de legalidade e de trabalho nos homens presos, enquanto, no tocante às mulheres, era prioritário reinstalar o sentimento de pudor”.  

Fica claro, então, que nos postulados da origem das prisões femininas brasileiras, havia a intenção por parte da gestão prisional, de domesticação, vigilância sexual e transformação das “mulheres pecadoras e criminosas” em “mulheres perfeitas”, reproduzindo, assim, a ótica dominante da moral e dos bons costumes, com a mulher sendo ligada ao mundo doméstico, caridoso, pacífico e dócil.

Neste pensamento, preleciona Soares e Ilgenfritz (2002, p. 58):

Dedicadas às prendas domésticas de todo tipo (bordado, costura, cozinha, cuidado da casa e dos filhos e marido), elas estariam aptas a retornar ao convívio social e da família, ou, caso fossem solteiras, idosas ou sem vocação para o casamento, estariam preparadas para a vida religiosa.

A representação da moralidade e da religiosidade presente no percurso histórico do encarceramento feminino brasileiro, portanto, reproduz e legitima a discriminação da mulher e as formas de dominação existentes no contexto da privação de liberdade até os dias atuais.

Sobre sua transgressão, recai, além de um sistema punitivo de controle e de poder, uma representação social do seu papel feminino, ocasionando, assim, uma dupla discriminação: por ser criminosa e por ser mulher. Isso não significa que a mulher não possa ser sujeito ativo de uma ação criminosa ou que uma vez praticando uma infração penal, não possa se regenerar, afinal, sua condição de gênero, não a torna melhor ou pior que ninguém, porém, mais sensível.

3 Por que as mulheres transgridem?

Sabe-se que o número de mulheres encarceradas é expressivamente menor que o dos homens, apesar de também estar aumentando em relação ao universo masculino, e segundo a Avaliação da População Prisional Brasileira - Jun/2013, publicada pelo Ministério da Justiça, através do órgão responsável pela Execução Penal (Sistema Prisional), o total de mulheres encarceradas que era de 35.039 presas em dezembro de 2012, alcançou o número de 36.135 em junho de 2013.

Registra-se inicialmente que na criminologia tradicional havia a tendência de analisar a menor taxa da criminalidade feminina dentro de uma visão centrada em questões biológicas. Essa concepção entendia que a mulher não havia evoluído como o homem e tenderia a cometer menos delitos, que na visão de Lombroso e Ferrero (apud LEMBRUBER 1983, p. 11) “não apresentava de forma concreta e em igual proporção os mesmos sinais de degenerescência encontrados no homem criminoso”.

Na tentativa de preservar a moral e o patrimônio pelo sistema penal, criou-se o discurso criminológico clássico, que originou a classificação das punições para determinados crimes. É neste momento que a mulher começa a ser vista como criminosa, igualando-se penalmente ao homem e sendo punida pelos seus delitos.

Os crimes mais condenáveis atribuídos às mulheres eram a vagabundagem, a homossexualidade, a sedução, a cumplicidade nos estelionatos e nos roubos e, em maior grau de importância, a prostituição. Sendo que a figura da prostituta é considerada a primeira figura feminina dos discursos criminológicos (MARTINS, 2009).

Ainda no início do século XX, surge outro tipo de mulher criminosa, “a vítima”, que são aquelas que não são biologicamente determinadas para o delito, mas que revestidas pela vitimização e ingenuidade, tornam-se cúmplices de seus homens, desempenhando a lealdade que lhe é esperada. Esta figura é muito freqüente até os dias de hoje (MARTINS, 2009). 

A criminologia crítica, surgida em 1970, como uma nova forma de pensar a mulher criminosa, questiona o caráter natural da desviação, afirmando que a tendência ao crime dependeria de regras e valores determinados historicamente, a partir dos quais se definem certas classes de comportamentos e de pessoas como “desviadas”. O objeto da criminologia não é mais desvendar as causas da criminalidade, mas as condições do processo de criminalização, as normas sociais e jurídicas, a ação das instâncias oficiais e os mecanismos sociais através dos quais se realiza a definição de determinados comportamentos (ESPINOZA, 2002).

Sobre a criminologia crítica feminista, Martins (2009, p. 120) afirma:

Esse discurso postula a não estigmatização tanto do criminoso nato, com tendências perigosas, quanto da vítima em sua honestidade. Isso porque, da mesma forma que apenas alguns grupos são criminalizados, apenas algumas mulheres que correspondem à figura da mulher honesta são consideradas vítimas. A seletividade ocorre para os dois lados e o discurso criminológico feminista propõe-se a desconstruir ambos.

Percebe-se, pois, que as mulheres ao cometer delito se distanciam da figura da mulher honesta difundida nos séculos XVIII e XIX, onde foram educadas para serem mãe e esposa, dedicando-se ao lar e a criação dos filhos, submetendo-se as ordens do marido, papel socialmente esperado da mulher frágil, dependente, maternal, e com vocação ao cuidado familiar. Na visão de Favaretto (2000, p.16), as funções e os deveres a serem desempenhados, estabelecidos e estruturados pela entidade familiar, e transmitidos através das gerações, “leva à solidificação do papel da mulher como responsável pela conservação e manutenção de determinados valores sociais”.

Ao enfatizar, que determinado papel é atributo feminino, pode-se lembrar a famosa frase de Simone de Beauvoir: “não se nasce mulher, torna-se”, pois à mulher é condicionada pelos valores imputados histórica e culturalmente pela sociedade a qual está inserida, tornando-se subordinada a padrões assimilados como naturais e inalteráveis, condizentes com o sexo biológico.

Os valores atribuídos pela cultura interferem infinitamente na realidade dos seres humanos, à medida que produzem rótulos, influindo na concepção do papel dos sujeitos e nas funções conferidas a estes, objetivando a assimilação e representação das condições inerentes a cada um. Importa apontar que aspectos culturais de socialização da mulher não podem ser excluídos de qualquer abordagem que envolva tal segmento, tendo em vista que a condição da mulher no bojo do sistema sociocultural é marcada por processos históricos de opressão e discriminação.

O índice de criminalidade feminina vem crescendo e ganhando espaço no cenário criminal, o que pode ser decorrente de sua maior integração na sociedade e inserção no mercado de trabalho. As taxas de criminalidade feminina aumentam à medida que há maior igualdade entre os sexos, uma vez que o crime ocorre com maior freqüência feminina à medida que as mulheres querem igualar-se aos homens. Guilhermano (2000, p.79) concorda quando expressa que:

(...) a maior liberdade aumentou a participação da mulher na esfera pública, trabalho, compras, bancos, etc., e isto poderia explicar algum dos aumentos na parcela feminina de crimes pequenos contra a propriedade, tais como furtos, roubo em lojas, fraudes, falsificação de cheques, etc.

Em meados de 1940, o papel social da mulher, expressivamente, ganhou relevância e através de conquistas de direitos políticos e acesso à educação, alcançou um espaço no mercado de trabalho, fazendo parte da esfera pública, apesar de só conquistar o direito de voto em 1934. A construção desse padrão inovador de atividade possibilitou a transição da mulher das classes médias do status antes definido de esposa e de mãe, passando a receber a denominação de trabalhadora, abrindo, assim, maiores possibilidades para o ato criminoso, momento em que a execução penal começou a valer também para elas.

No que diz respeito a pratica de crimes cometidos por mulheres até o século XX, estavam sempre ligados à maternidade e à moral familiar. Hoje, os crimes passaram do âmbito privado para o público, atualmente prevalecem os crimes relacionados ao tráfico e consumo de droga, posteriormente roubo e furto e, em seguida, homicídio qualificado.

Nos últimos 15 anos, nota-se que o tráfico de entorpecentes pode ser considerado como o maior indicador para o incremento de mulheres na prisão. Desde a década de 70, é possível verificar, que as mulheres já comercializavam drogas, contudo, em proporções bem inferiores. Ocorrendo gradativamente uma maior incidência no cometimento do crime de tráfico de drogas, do que os delitos que anteriormente permeavam no mundo feminino.

Neste contexto, Ribeiro (2003, p. 64), relata que "uma explicação possível para esse fenômeno é a facilidade que a mulher possui para circular com a droga pela sociedade, por não se constituir em foco principal da ação policial". Partindo desse pressuposto percebe-se que as mulheres são vistas como alvos fáceis pelos traficantes, pois a sociedade em geral tende a não desconfiar das mesmas, portanto, teriam mais facilidade no tráfico.

A inserção feminina nesse tipo de crime pode ocorrer de forma independente, mas comumente a mulher atua de forma coadjuvante, por influência de uma figura masculina sempre ligada por laços de afetividade, como irmãos, parceiros e parentes.

De igual modo, a mulher, a fim de solucionar assuntos pendentes relacionados ao companheiro, no ambiente externo da prisão, acaba se conectando a sua rede de trafico, como forma de agradar e satisfazer seus caprichos sentimentais, que na maioria das vezes, alem de serem “vitimas” criminosas, ainda são submetidas a chantagens, não podendo recuar ou desobedecer, tendo em vista, o temor da periculosidade do parceiro, ainda que encarcerado.

Segundo Pimentel (2008, p. 3 e 4):

A forma como as mulheres compreendem os seus papéis nas relações afetivas as leva a não se reconhecerem como criminosas quando se tornam traficantes em nome do amor que sentem por seus companheiros e pela família é no contexto das relações sociais com o homem traficante e a partir das representações sociais que formulam acerca do papel feminino na relação afetiva, que as mulheres traficantes justificam suas práticas relacionadas ao crime, mais precisamente ao tráfico de drogas, ainda que esse envolvimento seja esporádico ou relacionado ao uso de drogas.

Assim, apesar de terem a consciência de que essa prática é um crime, não se consideram transgressoras, já que o papel de mãe, companheira e filha, sobrevém ao papel de traficante e, por isso, não se identificam com o mesmo. Nesse sentido, as mulheres na função de responsáveis pelo lado afetivo do lar, das relações familiares e também do relacionamento amoroso, dão constantes provas de amor, sendo uma delas o envolvimento com práticas ilícitas (PIMENTEL, 2008).

O tema da criminalidade feminina é complexo, relaciona-se com a dinâmica de uma sociedade globalizada, podendo se caracterizar como expressão dos “problemas sociais” contemporâneos, devendo-se levar em conta diversos fatores de ordem cultural, social e individual, e primordialmente as mudanças sócio estruturais, para não cair no risco do reducionismo natural e positivista das relações sociais.

O crescimento alarmante do número de mulheres presas demonstra a relevância e urgência de nos debruçarmos sobre esta temática e fomentar a tomada de consciência sobre a necessidade de uma política criminal que corresponda às especificidades da mulher. Mais do que uma política prisional com perspectiva de gênero, é indispensável que a política criminal, entendida de forma ampla, leve em conta as particularidades das mulheres que entram em contato com o sistema de justiça criminal e, sobretudo, a necessidade de priorizar a aplicação de medidas não privativas de liberdade.

4 Um aporte da Lei de execução penal e das regras mínimas para tratamento de mulheres presas

Ao analisar as legislações que regulam as situações referentes à mulher presa, percebe-se a escassez das disposições legais sobre essa particularidade dentro do sistema penitenciário.

Em 1984 surge a Lei de Execução Penal, a primeira a consolidar a matéria no país, de conteúdo amplamente garantista e responsável pela consagração de um extenso rol de direitos, consoantes com as principais recomendações internacionais na área, reflexo de intervenções da Organização das Nações Unidas – O NU sobre a execução penal no mundo.

A LEP regula o cumprimento da pena e em consonância com a Declaração dos Direitos Humanos tem por objetivo a harmônica integração social do condenado e do internado: “Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

Nesse ordenamento jurídico incumbe ao Estado a responsabilidade de prestar várias formas de assistências (art. 11) – social, saúde, jurídica, educacional, material, religiosa – à pessoa presa, uma vez que, sob a tutela estatal, esta não consegue exercer os direitos fundamentais que são inerentes à pessoa humana. Sendo assim, a gestão penitenciária não pode confundir a privação da liberdade com a exclusão de outros direitos e garantias a que faz jus o ser humano.

Considerando as diferenças de gênero, é garantida constitucionalmente a mulher, a execução penal em estabelecimento penitenciário feminino individualizado, ou seja, a mulher presa não pode ser mantida em estabelecimento que abrigue homens, se for o caso de estarem no mesmo estabelecimento, deve ser em alas diferentes e sem comunicação entre as mesmas. São formas de proteção que demonstram a preocupação com a mulher e sua dignidade. Os estabelecimentos penitenciários femininos não possuem diferenças senão aquelas necessárias a adequação dos direitos do gênero feminino, como diz Espinoza (2004, p.148):

As interações no cárcere, mesmo feminino, se reproduzem pela regra do medo, ou seja, a doutrina de prêmios e castigos é reconstruída na sua versão mais perversa, visto que não se apela ao estímulo, mas à coerção, para produzir alterações na conduta das pessoas. A disciplina converte-se então em mecanismo justificado para o incremento do sofrimento.

No cenário internacional as Regras Mínimas para o Tratamento dos Presos adotadas no 1º Congresso das Nações Unidas, sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes realizado em Genebra, em 1955, e aprovado pelo Conselho Econômico e Social da ONU através da Resolução nº 663, de 31 de julho de 1957, tendo por objetivo estabelecer princípios e regras de uma boa organização penitenciária e da prática relativa ao tratamento de prisioneiros, trouxe uma nova concepção dos detentos, agora como sujeitos de direitos, inclusive dispondo sobre peculiaridades da mulher presa. Esse tratamento que a ONU determina, deve ser aplicado em todos os países que são signatários da organização, numa forma de obediência e respeito aos direitos humanos

A Regra 23-1 menciona que “nos estabelecimentos para as mulheres devem existir instalações especiais para o tratamento das presas grávidas, das que tenham acabado de dar à luz”.

A legislação brasileira objetivando cumprir o princípio da individualização da pena, em diversos dispositivos legais regulamenta seu cumprimento em estabelecimento específico:

A pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (CF, Art. 5º, inciso XLVIII);

 

A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal (LEP, Art. 82, parágrafo 1º).

 

Diante da necessidade da mulher exercer sua função materna, a Constituição Federal estabelece que: “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (art. 5º, L)”, tal garantia fez surgir em 1995 a Lei nº 9.046, modificando a LEP, dispondo que além da assistência educacional, laborativa, esportiva e de lazer nos estabelecimentos penais, especificamente aqueles destinados às mulheres, seriam dotados de estrutura de berçário, a fim de que estas pudessem amamentar seus filhos, (LEP, Art. 83, parágrafo 2º).

Em 17 de outubro de 1994, o Brasil passou por um grande avanço referente as diretrizes nacionais de execução penal e seguindo os princípios constantes na Declaração Universal dos Direitos do Homem, estabeleceu a Resolução nº 14 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP, dispondo sobre as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, distribuídas em 65 artigos que acrescentaram algumas previsões de atendimento de gênero omissas na LEP, entretanto tais normativas ainda estão longe de serem regulamentadas em nível nacional.

Em relação a mulher, as normas da citada Resolução assim dispuseram:

As mulheres cumprirão pena em estabelecimentos próprios (Art. 7º parágrafo 1º);

 

Serão asseguradas condições para que a presa possa permanecer com seus filhos durante o período de amamentação dos mesmos. (Art. 7º parágrafo 2 º);

 

Aos menores de 0 a 6 anos, filhos de preso, será garantido o atendimento em creche e em pré-escola (Art. 11);

 

O estabelecimento prisional destinado a mulheres disporá de dependência dotada de material obstétrico para atender à grávida, à parturiente e à convalescente, sem condições de ser transferida a unidade hospitalar para tratamento apropriado em caso de emergência. (Art. 17).

 

Mesmo diante de todas essas garantias legais conferidas as mulheres encarceradas, sua vulnerabilidade e necessidades especiais, fez surgir em outubro de 2010 uma complementação as Regras Mínimas para tratamento de pessoas presas, aprovadas na 65a Seção da Assembléia Geral das Nações Unidas, chamada de “Regras de Bangkok” (Regras mínimas da ONU para o tratamento de mulheres presas), verdadeiro marco normativo internacional de proteção às mulheres encarceradas.

Dentre os diversos dispositivos que as Regras de Bangkok trazem e que tratam especificamente da temática das mães no cárcere, destacamos, inicialmente, o direito da mulher, no momento da prisão, de poder definir como dispor sobre seus filhos e de ter acesso e reunir-se com seus familiares, possibilitando-se, inclusive, a suspensão da reclusão por um período razoável em função do melhor interesse da criança (Regra 2).

Trata-se de garantia inicial fundamental para evitar que crianças fiquem desamparadas após a prisão da mãe e sejam insertas de forma desnecessária em programas de acolhimento institucional. Para tanto, a autoridade policial deve questionar a mulher sobre a existência de filhos e os possíveis familiares que possam assumir os cuidados da criança (Regra 3).

Não havendo familiares que possam cuidar da criança ou residindo estes em outras localidades, deve-se colocar a mãe em liberdade por um tempo razoável para que ela possa providenciar os arranjos que julgar necessários aos cuidados do filho. Esse aspecto de proteção não se limita exclusivamente a encarcerada e sim, e em caráter especial, ao filho.

As Regras de Bangkok preocupam-se também com a manutenção dos vínculos entre a mãe presa e seus filhos, prevendo que o local de detenção deve ser sempre aquele mais próximo à sua residência (Regra 4). Há também disposições específicas sobre as visitas e sua importância (Regras 26 a 28).

Em relação à imposição de medidas alternativas à prisão, as Regras revelam a necessidade de pensar em alternativas para a problemática feminina, considerando que a mulher é parte de um sistema familiar e os efeitos da sentença repercutem diretamente sobre seus filhos e familiares. Estes efeitos colaterais precisam e devem ser considerados na individualização da pena e no regime prisional.

Nesse viés de fatos e dados sociais que também devem ser observados na aplicação da medida penal, Jorge Pinheiro (2012, p. 55), expressa que:

Sendo a minoria da população carcerária, as mulheres são relegadas ao esquecimento por um sistema prisional pensado exclusivamente para os homens. Esta situação torna as mulheres privadas de liberdade um grupo altamente vulnerável e invisível.

Deve-se sempre priorizar medidas não privativas de liberdade e que não gerem o rompimento dos vínculos familiares. Neste sentido, as Regras estabelecem que as responsabilidades maternas possam ser consideradas como circunstância atenuante da pena (Regra 61) e que na condenação de mulheres gestantes ou que tenham filhos sobre seus cuidados deve se dá preferência para medidas não privativas de liberdade, considerando o interesse superior da criança (Regra 64).

Convém assinalar que, sob esse aspecto, as Regras de Bangkok estão em plena consonância com o ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que, de um lado, partem da necessidade de não estender os efeitos da condenação aos filhos e familiares, necessidade positivada na Constituição como direito fundamental (artigo 5º, XLV), e, de outro lado, possibilitam que a condição de mãe seja considerada como atenuante o que é totalmente passível de conformação a partir do disposto no artigo 66 do Código Penal (a pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei).

Espera-se que as diretrizes da Organização das Nações Unidas trazidas pelas Regras de Bangkok, conjugadas com os dispositivos já existentes no ordenamento jurídico brasileiro, sejam capazes de garantir o direito fundamental de proteção à maternidade e a infância, fazendo com que a prisão feminina não seja fator determinante na separação de mães e filhos.

Para que essa esperança se torne realidade, é imperativa a sensibilização dos profissionais do direito que atuam na área, tendo em vista, que precisamos menos de mudanças legislativas e mais de mudanças profundas na mentalidade conservadora, que em pleno século XXI, ainda permite que o exercício pleno de direitos fundamentais pelos mais vulneráveis seja invariavelmente tolhido.

5 CONCLUSÃO

Não obstante a legislação que dispõe sobre as regras de convivência e permanência no Sistema Penitenciário brasileiro, sua perspectiva é negativa e de angustia para o futuro, tendo em vista, que só se houve falar dessa matéria quando os meios de comunicações mostram a estatística negativa relacionada a fuga, corrupção, tortura e mortes no interior dos estabelecimentos penais

Não ouvimos debates sobre investimento nesse sistema, apenas discutem fatos relacionados à crise, cuja proporção estar sem limite, tirando o brilho da Lei de Execução Penal, das normas constitucionais, das Regras de Bangkok dentre outras que disciplinam nosso sistema carcerário.

As prisões femininas brasileiras estão longe de atingir os objetivos de reinserção social, e mesmo, sendo menos populosas que as masculinas, seus problemas tornam-se maiores, quando se investiga as particularidades necessárias para este fim, principalmente, no que tange a assistência a mulher grávida ou que detenha filhos recém-nascidos ou deficientes, tendo em vista, que as letras que propõem e descrevem benefícios, não saem do papel, e assim, o tratamento de gênero dispensado a essa classe prisional, foge integralmente dos padrões legais, gerando maus tratos e tortura de ordem física, psíquica e moral prejudicando, por conseqüência, seu retorno ao seio familiar e social como um todo. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GUILHERMANO, Thais Ferla. Fatores associados ao comportamento criminoso em mulheres cumprindo pena em regime fechado na penitenciária feminina Madre Pelletier. Porto Alegre, 2000.

LIMA, Elça Mendonça. Origens da Prisão Feminina no Rio de Janeiro: O Período das Freiras (1942-1955). OAB/RJ, Rio de Janeiro, 1983.

MARTINS, S. A mulher junto às criminologias: de degeneradas à vitima, sempre sob controle sócio penal. Fractal: Revista de Psicologia, 2009.

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PIMENTEL, E. Amor Bandido: as teias afetivas que envolvem a mulher no tráfico de drogas. VI Congresso Português de Sociologia. Universidade Federal de Alagoas, 2008.

PINHEIRO, Jorge Augusto de Medeiros. Hounsell, Franci. Mujeres encarceladas. 1. ed. Belém: Editora da Universidade Federal do Pará, 2012.

RIBEIRO, Ludmila Mendonça Lopes. Análise da política penitenciária feminina do Estado de Minas Gerais: o caso da Penitenciária Industrial Estevão Pinto. 2003. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2003, p.64. Disponível em: . Acessado em: 05 de maio. 2014. 

SOARES, B. M.; ILGENFRITZ, I.; Prisioneiras: Vida e violência atrás das grades. Rio de janeiro: Garamond, 2002.

 

 

Elaborado em junho/2014

 

Como citar o texto:

SILVA, Iranilton Trajano da..Uma Breve Análise Histórica E Legal Sobre O Encarceramento Feminino No Brasil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1176. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/3139/uma-breve-analise-historica-legal-encarceramento-feminino-brasil. Acesso em 3 jul. 2014.

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