Este trabalho apresenta breves anotações sobre o texto “O pós-modernismo e mercado”, de autoria de Frederic Jameson.

Palavras-chave: Mercado. Ideologia. Realidade.

O texto “O pós-modernismo e o mercado” se inicia com uma análise de Frederic Jameson da linguística, na qual ele observa a utilidade da existência de um mecanismo que marque certa palavra como “palavra” ou como “idéia”. Tem-se, assim, a grafia da palavra mercado entre barras - /mercado/ - remetendo às suas várias pronúncias dialetais e suas origens epistemológicas no latim usado no comércio e nos negócios e, paralelamente, observa-se a mesma palavra entre colchetes – «mercado» - trazendo em si seu conceito, tal qual teorizado por filósofos e ideólogos ao longo do tempo.

Com a apresentação desse esquema prático de linguística, o autor elucida seu questionamento a respeito da tentativa de separar a ideologia da realidade. Segundo ele, a ideologia do mercado não é algo que se possa retirar do problema econômico; ambas as dimensões devem ser registradas juntas, tanto em sua identidade quanto em sua diferença, sendo as duas semi-autônomas.

Sendo assim, há de se falar das realidades não em separado, mas exatamente tanto quanto dos conceitos, não sendo possível separar a “palavra” da “idéia”, como proposto no sistema linguístico de barras e colchetes. Foi precisamente nesse aspecto, segundo Jameson, que o conceito marxista clássico teria desmoronado, pois se tornou puramente autônomo ao fixar-se na superestrutura enquanto a realidade continuava mais abaixo, como simples realidade dos economistas profissionais.

No próprio Marx, no entanto, existem, para o autor, vários modelos qualificados de ideologia. Sobre o tema mercado, Marx discute a relação entre as idéias e valores de liberdade e igualdade, de um lado, e o sistema de trocas, de outro, argumentando que esses conceitos e valores são reais e objetivos, organicamente gerados pelo próprio sistema de mercado e dialeticamente ligados a ele de maneira indissociável. Essa teorização sugere que a dimensão ideológica está intrinsecamente inserida na realidade, de forma que sua própria irrealidade e irrealizabilidade constituem o que nela existe de real. No sistema de mercado, portanto, destaca-se a liberdade e a igualdade como algo que todos devem almejar, devendo, porém, serem ambas irrealizáveis. Segundo Jameson, o que lhes pode acontecer, unicamente, é que o próprio sistema que as gerou desapareça, possibilitando assim que sejam abolidos os  “ideais” junto à própria “realidade”.

Para se compreender o mercado, de acordo com o autor, é preciso falar não apenas dos mercados reais mas também da metafísica, da psicologia, propaganda, cultura e das representações e dos aparelhos libidinais; o que significa passar pela filosofia política que, segundo ele, é em si uma espécie de “mercado” ideológico próprio.

Feitas as devidas ressalvas para se iniciar o estudo do mercado, Frederic Jameson aponta a inexistência de um mercado livre no âmbito dos oligopólios e das multinacionais, estando inclusive o mercado, como conceito, raramente relacionado com a escolha ou a liberdade, visto que existe uma determinação prévia ao alcance do consumidor (por exemplo, sobre novos modelos de automóveis ou brinquedos: dificilmente seria possível dizer que temos de fato alguma influência na escolha de qualquer deles). Além disso, o autor indica que o lema do mercado e toda a retórica que o acompanha foram criados para assegurar um desvio e um deslocamento decisivos da conceitualidade da produção para a da distribuição e do consumo.

A rendição às várias formas da ideologia de mercado foi alarmantemente universal. Hoje, acredita-se que nenhuma sociedade pode funcionar eficientemente sem o mercado, e que o planejamento é obviamente impossível. A proposição “o mercado está na natureza humana” deve ser questionada e, para o autor, é o terreno mais crucial na luta ideológica atual. É justamente essa associação do mercado com a natureza humana que embasa substancialmente as razões do sucesso da ideologia de mercado (no âmbito social, precisaríamos do mercado para nos desenvolver, e no âmbito pessoal, precisaríamos ter para ser).

Nesse ponto, o autor faz referência ao estudo de Becker do casamento como passível de um tipo de análise mercadológica, considerando que os semelhantes ou dessemelhantes se juntam quando isso maximiza a produção doméstica total de bens em todos os casamentos, contando com o tempo como recurso que agrega valor. Tal proposta, segundo Jameson, é coerente ao comportamento racional ou dotado de sentido da contemporaneidade, em que o irracional foi diminuído a ponto de praticamente inexistir, em que o sujeito é reduzido a “pouco mais do que uma ponta de consciência voltada para o estoque de materiais disponíveis no mundo externo”.  

Vale ressaltar que o mercado de Becker cumpre papel notável para o autor por acabar redirecionando involuntariamente nossa atenção para a história em si e para a diversidade de situações alternativas que ela oferece. Isso porque é bem possível imaginar as pessoas funcionando conforme dispõe o modelo de Becker, mas nota-se, também com facilidade, que haverão individualidades de cada família que irão criar uma particularidade a cada caso, conforme sua natureza específica.

 Nesses termos, devemos desconfiar, nas palavras do próprio autor, que “as defesas essencialistas do mercado implicam, na realidade, temas e questões completamente diferentes: os prazeres do consumo pouco mais são do que as consequências ideológicas fantasiosas acessíveis aos consumidores ideológicos que acatam a teoria do mercado, da qual eles próprios não fazem parte”.

A paixão pelo mercado sempre foi política – afirma Jameson: a “ideologia de mercado” tem mais a ver com a intervenção governamental e com os males da liberdade e da natureza humana do que com o consumo em si. A força de seu conceito reside em sua estrutura “totalizante”, capaz de oferecer um modelo de totalidade social.

O mercado é, em comparação a Thomas Hobbes, o Leviatã em pele de cordeiro; afinal, sua função não é incentivar e perpetuar a liberdade, mas reprimi-la, através de medos e ansiedades (e, podemos dizer, também através de impossibilidades práticas de inclusão – essas, fundamentais ao funcionamento do sistema). A ideologia do mercado aponta-nos que os seres humanos estragam tudo se tentam controlar seu destino, e que é uma felicidade possuirmos o mercado como mecanismo interpessoal capaz de substituir a arrogância e o planejamento humanos, e até mesmo substituir por completo as decisões humanas - basta que o mantenhamos limpo que ele cuidará de nós.

A estrutura de uma indústria comercial da cultura, através de uma associação entre mercado e meios de comunicação, forma um consumidor que não tem absolutamente nenhuma escolha, mas cuja seleção é renomeada de “livre-escolha”.

A tendência de identificar o produto com sua imagem provoca, gradativamente, uma indiferenciação entre mercado e mídia, tal que um mesmo referente parece prevalecer nas duas esferas. Hoje em dia os produtos são difundidos ao longo de todo o espaço e tempo dos segmentos de entretenimento e até de notícias. Postula-se, nesse contexto, um novo tipo de consumo: o do próprio processo de consumo, ultrapassando o seu conteúdo e os produtos comerciais imediatos. Assim, tornam-se mercadorias os próprios conteúdos dos meios de comunicação, que, por sua vez, retornam ao mercado como parte dele, confirmando e ratificando sua identificação como uma realidade tida como “literal”.  Os meios de comunicação são, então, colocados em primeiro plano e vivenciados de forma a permitir que se estabeleça uma ponte entre imagens fantasiosas do “mercado em geral” ou do “mercado como um processo unificado”.

Finalmente, o que deve-se atentar a respeito do mercado, consoante aos escritos de Frederic Jameson, é que  as teorias que o abarcam continuam utópicas pois propõem a implantação de uma estrutura estática, que é o próprio mercado como estrutura “desumanizada”. É de grande importância que se compreenda que o mercado, estrutura inerte, não pode, de forma alguma, construir um novo projeto. O que se requer, de acordo com o autor, “é um grande projeto coletivo do qual participe uma ativa maioria da população, como algo pertencente a ela e construído a partir de sua própria energia”, sem que se dissocie a idéia da realidade. 

 

 

Elaborado em junho/2012

 

Como citar o texto:

ASSAD, Carolina Spyer Vieira..Anotações sobre o texto “O pós-modernismo e o mercado” de Frederic Jameson. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1176. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-economico/3141/anotacoes-texto-o-pos-modernismo-mercado-frederic-jameson. Acesso em 3 jul. 2014.

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