O ordenamento jurídico é um sistema e por isso é necessário que suas partes, no caso, as leis, convivam de maneira harmoniosa. Hans Kelsen já estabelece em modelo de pirâmide que a Constituição é a norma suprema, a lei maior que está acima de todas as demais normas de um sistema que seguem uma estrutura escalonada.

Mas o Direito não é uma ciência exata e está sujeito a falhas, especialmente na criação das normas, que nem sempre tem um significado tão claro e por vezes a aplicação não se dá em conformidade com a Constituição.

Por isso, havendo a quebra da harmonia do sistema jurídico, o controle de constitucionalidade é um dos mecanismos de correção dessa ordem.

Tanto que toda vez que se aplica uma norma, o intérprete faz uma avaliação da sua constitucionalidade, mesmo que implícita, pois se perceber que ela não está em acordo com a Constituição poderá deixar de aplicá-la, e mesmo que a aplique, o ato poderá ser declarado inválido.

O controle de constitucionalidade consiste em aplicar a Constituição como referência para atribuição de sentido a uma norma infraconstitucional ou de parâmetro para sua validade.

A doutrina traça que para o controle das normas são necessários três pressupostos: Supremacia da Constituição, Rigidez constitucional e Órgão competente.

A supremacia da constituição revela sua posição hierárquica acima de todas as normas do sistema que rege, e por isso consiste no fundamento de validade destas. Se a Constituição não fosse a lei suprema, não faria sentido que as demais normas  devessem ter a obrigação de estar em consonância com ela.

Por força dessa supremacia, nenhuma lei ou ato normativo poderá subsistir validamente se estiver em desconformidade com a Constituição.

Além disso, a rigidez constitucional é pressuposto do controle de constitucionalidade, ou seja, a norma constitucional precisa ter um processo de elaboração diverso e mais complexo do que aquele apto a gerar normas infraconstitucionais, isso caracteriza a distinção formal entre a Constituição e as demais espécies normativas, o que também faz com que a Constituição seja a norma mais importante do ordenamento jurídico.

De nada adiantaria que ocorresse a Supremacia da constituição e a rigidez constitucional sem que houvesse um órgão competente para julgar a compatibilidade da norma perante a Constituição Federal, é possível que esse órgão tenha o fim específico de analisar a constitucionalidade ou não.

No Brasil, o STF é o principal órgão do judiciário encarregado de fazer o controle de constitucionalidade, mas isso não obsta que juízes e tribunais possam fazê-lo diante de um caso concreto.

Vistos os pressupostos, cabe analisar o primeiro precedente que ensejou o controle de constitucionalidade e que até hoje serve de fonte para a compreensão do tema.

O caso Marbury e Madison surgiu em um contexto histórico delicado nos Estados Unidos, sucedeu após as eleições do ano de 1800, em que o Presidente John Adams e seus aliados federalistas foram derrotados pela oposição Republicana, para os cargos do Legislativo e do Executivo, sendo eleito Thomas Jefferson para Presidente.

Diante disso, próximo ao término do mandato, o Presidente John Adams e seus aliados federalistas articularam para influenciar o Poder Judiciário, e por isso em 27 de fevereiro de 1801, uma nova lei autorizava o Presidente a nomear 42 juízes de paz, cujos nomes foram confirmados pelo senado em 03 de março de 1801, véspera da posse de Thomas Jefferson e, no mesmo dia, os atos de investidura deveriam ser entregues por John Marshall, secretário de Estado e recém indicado para ocupar o cargo de presidente da Suprema Corte no governo de Thomas Jefferson.

Mas ele não teve tempo de concluir a tarefa antes de se encerrar o governo de John Adams, alguns nomeados não receberam a investidura de juízes de paz e o novo Presidente Thomas Jefferson não autorizou que seu secretário de Estado, James Madison, entregasse o ato de posse àqueles que não haviam recebido. Entre eles, Marbury, que posteriormente ingressou com ação judicial para a Suprema Corte requerendo a posse como juiz de paz, embasado em uma lei de 1789 que autorizava a Corte processar e julgar ações daquela natureza.

No desenvolvimento de seu voto, o então presidente da Corte Suprema, John Marshall limitou o caso em dois pontos: 1) Se a ação – writ of mandamus –  espécie de mandado de segurança era a via própria e 2) Se a Suprema Corte teria competência para conceder o pedido.

O primeiro ponto foi provido, entendeu-se que onde a Constituição e a lei impusessem um dever ao Executivo, o Judiciário poderia determinar o seu cumprimento.

 Entretanto, Marshall entendeu que a Corte não tinha competência para julgar a ação porque a Constituição não previa essa possibilidade, embora Marbury tivesse utilizado uma lei de 1789, essa lei não poderia criar outorgar nova competência à Corte, principalmente em razão da supremacia da Constituição, portanto, foi considerada inconstitucional e com isso Marbury não tomou posse como juiz de paz.

Essa decisão inaugurou o controle de constitucionalidade moderno, ao negar aplicação de lei inconstitucional.

Diante disso, a doutrina jurídica evoluiu especificando as espécies de inconstitucionalidade, que podem ser formal, material, por ação e omissão.

No primeiro caso, existe o vício de forma, que consiste na inobservância de competência para a edição da norma, por exemplo, se um Estado da federação editar uma lei em matéria penal incorrerá em inconstitucionalidade por violação da competência da União sobre essa matéria.

Além disso, existe inconstitucionalidade formal quando o processo legislativo não é cumprido de forma correta, inclusive no tocante à iniciativa das leis, pois a Constituição Federal estabelece casos de iniciativa privativa de alguns órgãos ou agentes públicos, como o Presidente da República (art.61, §1°), o Supremo Tribunal Federal (art. 128, §5°), o Chefe do Ministério Público (art. 128, §5°).  Assim como existem matérias que só devem ser tratadas por espécie normativa especifica, por exemplo, lei complementar.

Outra forma de inconstitucionalidade é a material, quando a norma expressa incompatibilidade de conteúdo, substantiva perante uma regra ou princípio da Constituição. Por exemplo, a remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XIX), ou lei que restringe participação de candidatos em razão do sexo, em desacordo com o princípio da isonomia.

A inconstitucionalidade por ação ocorre quando é criada uma norma que estabelece um comando incompatível com o texto constitucional, revela-se uma conduta positiva do legislador ou do executivo que contraria a Constituição, enquanto na omissão, existe a inércia na elaboração dos atos normativos necessários à realização dos comandos constitucionais, de modo que cidadão não tem o amparo legal para o exercício dos direitos estabelecidos na Constituição, que dependem de norma complementar.

Com base nisso, a própria Constituição concebeu dois remédios jurídicos para enfrentar o problema da omissão: O Mandado de Injunção como via incidental (art. 5°, LXXI) e a Ação de Inconstitucionalidade por Omissão, como via principal (art. 103, §2°).

No tocante às modalidades de controle, pode ocorrer quanto à natureza, ao momento, ao órgão judicial e à forma.

Quanto à natureza, o controle pode ser político, que ocorre no âmbito do poderes executivo e legislativo ou controle judicial, através do Supremo Tribunal Federal no tocante à norma federal em contradição com Constituição Federal e nos Estados, através de seus Tribunais de Justiça, por meio do plenário ou órgão especial com competência para analisar a constitucionalidade de  leis estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual.

No âmbito do poder legislativo esse controle ocorre com o pronunciamento da Comissão de Constituição e Justiça em relação às propostas de emenda constitucional e dos projetos de lei apresentados. Também ocorre com a sustação de ato normativo do Executivo, quando este exorbita do poder regulamentar; diante da rejeição do veto do Chefe do Executivo que considerar o projeto de lei inconstitucional; com a propositura de ação direta por órgãos do legislativo, nos termos do art. 103 da Constituição, isto é pelas Mesas do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e da Assembleia Legislativa.

Em se tratando de Poder Executivo, o controle ocorre com o veto, sempre que o Chefe desse poder entender pela inconstitucionalidade da lei, nos termos do art. 66,§1° da Constituição Federal, bem como tem legitimidade para ingressar com ação direta de inconstitucionalidade perante o STF.

Quanto ao momento de exercício do controle, pode ser de modo preventivo, quando é realizado anteriormente à conversão do projeto de lei em lei e visa a impedir que um ato inconstitucional entre em vigor, o que é feito pelos poderes legislativo e executivo, ou repressivo, quando a lei já está em vigor e pretende paralisar sua eficácia, o que normalmente é feito pelo judiciário, no modo difuso ou concentrado, que se referem também ao órgão judicial que exerce o controle.

É possível que o judiciário faça o controle preventivo, sempre que um parlamentar impetrar mandado de segurança perante o STF quando a norma que está em trâmite no congresso não atende ao processo legislativo próprio e especialmente quando emendas constitucionais violam cláusula pétrea.

O controle difuso permite que qualquer juiz ou tribunal faça o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma norma, deixando de aplicá-la ao caso concreto, cujos efeitos da decisão se restringem às partes. A origem desse controle sucedeu no caso Marbury e Madison, já analisado acima e no Brasil essa modalidade existe desde a primeira Constituição sem grandes alterações até hoje.

No controle concentrado, o exame da constitucionalidade da norma é exercido por um único órgão ou por órgãos criados especificamente para esse fim, de modo que a decisão proferida passa a ser obrigatória para todos os juízes e tribunais, portanto, produz efeitos em face de todos (erga omnes).

Em se tratando da forma de controle, esta pode ser incidental, quando a análise da constitucionalidade consiste na questão principal para a resolução do litígio, podendo ser suscitada pelo autor e também como tese de defesa pelo réu. 

Por exemplo, os impostos devem ser instituídos por lei e vamos supor que o Prefeito de um Município instituiu um imposto através de um decreto, diante disso, o fisco municipal autua o contribuinte, o inscreve na dívida ativa e ajuíza ação de execução fiscal para cobrá-lo, o contribuinte em sua defesa, alega que a cobrança é fundada em lei inconstitucional, pois não poderia ter sido instituído por decreto. Como se vê, a questão principal/prejudicial do caso é saber se a criação do imposto por decreto é constitucional ou não, é essa análise que vai fornecer a solução para o caso, e como não é constitucional, o decreto é considerado inválido para esse fim.

De outro modo, o controle por via principal ou ação direta, não precisa de um caso concreto para ser exercido, ele independe de um litígio entre partes, tem por objeto a discussão da validade da lei em si, em abstrato e não a tutela de um direito requerido ou contestado pelas partes. O que se requer é o pronunciamento em tese pelo órgão competente, que avaliará se a lei é constitucional ou não, e poucos são os legitimados para essa ação, no Brasil, apenas os mencionados no art. 103 da Constituição Federal.

Visto as espécies de inconstitucionalidade e modalidade de controle, cabe analisar as principais características do controle de constitucionalidade por via incidental.

Como já foi mencionado o controle de constitucionalidade por via incidental se dá através de um caso concreto, em que a constitucionalidade da norma é a questão principal para o julgamento da ação. Desse modo, qualquer juiz ou tribunal tem o poder-dever de deixar de aplicar a norma quando conflitante com a Constituição.

Contudo, em se tratando de tribunal – órgão colegiado, é necessário que esse pronunciamento da inconstitucionalidade seja feito pela maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial – é a chamada cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da Constituição Federal.  Isso porque se presume a constitucionalidade das leis, que para ser contrariada exige o quorum qualificado do tribunal.

Nesse sentido, câmara, turma, seção ou outro órgão fracionário do tribunal pode reconhecer a constitucionalidade da norma, mas não pode declarar a inconstitucionalidade da mesma, devendo encaminhar a questão constitucional ao plenário ou órgão especial, conforme o disposto no regimento interno do tribunal e nos arts. 480 a 482 do CPC.

O Supremo Tribunal Federal realiza o controle de constitucionalidade por via direta, através das ações próprias, mas também pela via incidental e difusa, ao apreciar Recurso Extraordinário nos termos do art. 102, III da Constituição Federal, quando a decisão recorrida:

a)    Contrariar dispositivo da Constituição;

b)    Declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c)    Julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição;

d)    Julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Nesse recurso, o STF irá apreciar a questão de direito, especialmente de direito constitucional, para tanto, o Recurso Extraordinário deve envolver repercussão geral, como pressuposto para que esse tribunal possa adentrar o mérito da discussão, ou seja, é necessário que o recurso tenha relevância econômica, social política ou jurídica que transcendam os interesses das partes envolvidas no processo, como dispõe o art. 543-A do CPC.

Declarada a inconstitucionalidade através do quorum de maioria absoluta, será feita a comunicação à autoridade ou órgão interessado e, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os fins do art. 52, X da Constituição Federal, ou seja, para que haja a suspensão, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional.

Essa atuação do Senado tem caráter discricionário, por isso ele pode acatar ou não a decisão do STF a fim de que a decisão tenha efeito contra terceiros, já que as decisões proferidas em controle incidental geram efeitos apenas entre as partes.

Assim, entendemos que o controle de constitucionalidade pela via incidental, visa verificar a compatibilidade das normas a um caso concreto, para tanto, são imprescindíveis a existência de determinados pressupostos: Supremacia da constituição, rigidez constitucional e órgão competente. Tal controle por tribunais segue um procedimento próprio previsto nos arts. 480 a 482 do Código de Processo Civil, ressalvada a competência do Supremo Tribunal Federal.

Referências Bibliográficas

BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. São Paulo: Saraiva, 2014.

CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. 5ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2011.

ZANOTTI, Bruno Taufner. Controle de Constitucionalidade. Salvador: JusPodivm, 2011.

 

 

Elaborado em março/2015

 

Como citar o texto:

SANTANA, Anina Di Fernando..Considerações Sobre O Controle De Constitucionalidade Por Via Incidental No Direito Brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1243. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/3551/consideracoes-controle-constitucionalidade-via-incidental-direito-brasileiro. Acesso em 26 mar. 2015.

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