Um documentário, por definição, é um filme que registra um fato, um ambiente ou uma determinada situação. O documentário Justiça, dirigido por Maria Augusta Ramos (Brasil, 2003), registra o cotidiano da Justiça criminal brasileira.

São documentados diversos aspectos relevantes desse ambiente: violência e corrupção policial (narrada pelos réus), condições desumanas das cadeias (superlotação), ineficiência da prisão no combate ao crime (reincidência e estigmatização), seletividade do sistema penal (prisão para pobres), pena ultrapassando a pessoa do condenado (sofrimento dos familiares), distanciamento entre a comunidade e a polícia (ninguém quer ser testemunha), etc.

Entre esses aspectos relevantes, destaco o princípio da verdade real, definido no filme por um professor de direito, quando ensina aos seus alunos: "O processo penal é uma atividade de busca da verdade. Os elementos subjetivos que percorrem a figura de uma crime, todos eles, são difíceis de serem compreendidos, mas eu só posso ter um processo criminal, se eu puder provar cada um deles."

O conceito de princípio da verdade real sugere, aos alunos e a todos, que o processo penal lida com a verdade dos fatos, mais do que isso, somente existirá processo penal contra alguém se for possível provar os fatos imputados. Embora difícil, sem prova dos elementos subjetivos de um crime não existe processo penal. Enfim, a atividade desenvolvida no processo penal é objetiva - depende de prova e não da opinião do julgador ou dos demais personagens da Justiça criminal.

Contudo, o documentário registra realidade diversa. A câmara mostra que o processo penal é uma atividade burocratizada, na qual a realidade dos fatos é transformada na realidade jurídica dos autos pelos personagens da Justiça criminal. Policial, promotor, réu, defensor e juiz não atuam de forma objetiva na busca da verdade, mas segundo suas opiniões e de acordo com um ritual que os distanciam da realidade dos fatos.

A contradição entre o princípio da verdade real e a Justiça criminal está presente em todas as pequenas histórias do documentário. Desde o surpreendente início, com a acusação de furto mediante escalada contra um paraplégico preso em flagrante, até o inconcluso final, com a condenação de um réu por receptação, o sentimento é de indignação, pois o processo penal, nas cenas registradas, não é uma atividade de busca da verdade, como ensinou o professor e todos acreditamos.

Com as luzes acessas, ao término do filme, uma pergunta percorre os corredores que se esvaziam: Que Justiça é essa que nada conserta e tudo piora?!

(Elaborado em Goiânia, novembro de 2004)

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Como citar o texto:

SILVA JR, Edison Miguel da Silva..Justiça Criminal e verdade real. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 104. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-penal/413/justica-criminal-verdade-real. Acesso em 29 nov. 2004.

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