1. Conceito e classificação doutrinária de acidente de trabalho:
Para melhor entendimento da questão da responsabilidade penal em acidentes de trabalho, é importante um bom entendimento do conceito desses acidentes. O artigo 19 caput da Lei nº. 8.213/1991, traz a seguinte conceituação:
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
Analisando-se o dispositivo percebe-se que a Lei considera acidente de trabalho não somente o exercício de trabalho a serviço de empresa, mas também os ocorridos no serviço prestado individualmente, em benefício próprio, ou ainda em regime de economia familiar, mesmo que prestado por auxiliares, que podem ser terceiros ou familiares.
O artigo 20 da Lei nº. 8.213/1991 complementa a conceituação, considerando ainda como acidente de trabalho a doença do trabalho e a doença profissional. O dispositivo tem a seguinte redação:
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.
§ 1º Não são consideradas como doença do trabalho:
a) a doença degenerativa;
b) a inerente a grupo etário;
c) a que não produza incapacidade laborativa;
d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.
A doutrina, interpretando os dispositivos legais citados, classifica os acidentes de trabalho em três espécies, distinguindo as doenças do trabalho, doenças profissionais e os chamados acidentes de trabalho típicos.
Doença do trabalho é aquela resultante das condições especiais ou excepcionais em que o trabalho é desenvolvido, levando à quebra de resistência do organismo do trabalhador e ao aparecimento de uma doença, que não tem no trabalho sua causa única e exclusiva, como as pneumonias, tuberculoses, bronquites, entre outras, que podem ter diversas origens, e não somente o ambiente do trabalho.
Doença profissional é aquela que tem no trabalho a sua única causa. Surge, portanto, somente no ambiente de trabalho, em função de sua insalubridade. São exemplos a silicose, doença adquirida pela aspiração de poeira de pedra, ou a tenossinovite, inflamação da bainha de tendão.
O acidente de trabalho típico caracteriza-se pela ocorrência súbita e pelo resultado imediato, o que o difere das doenças, cujo resultado é mediato e caracterizado pela progressividade.
O artigo 21 da Lei nº. 8.213/1991, traz ainda os chamados acidentes por ficção legal.
Vale ressaltar que, segundo o § 1º do artigo 21 citado, os períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho. Assim, qualquer acidente ocorrido nesses períodos serão considerados acidentes de trabalho.
2. O Princípio da Intervenção Mínima e a necessidade de atuação do Direito Penal na prevenção de acidentes de trabalho.
Apesar dos esforços do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho, no combate a irregularidades em ambientes laborais, procurando obrigar as emprestas a efetuarem ações na prevenção de acidentes, cumprindo o dever de agir que a legislação impõe, os dados estatísticos relacionados a acidentes efetivos ocorridos no trabalho ainda são alarmantes no Brasil.
Mesmo com o aperfeiçoamento de normas regulamentadoras e o recrudescimento na fiscalização e aplicação de sanções administrativas, muitos empresários, ou seus agentes responsáveis, continuam a negligenciar, possibilitando situações de risco aos trabalhadores, deixando de realizar ações preventivas recomendadas por normas de segurança e saúde no trabalho.
Após décadas de esforço no aperfeiçoamento da repressão aos acidentes de trabalho pelas vias administrativas, sem atingir os resultados esperados, nossos legisladores, seguindo o Princípio da Intervenção Mínima e o caráter subsidiário do Direito Penal, optaram por traçar novos rumos na atuação do Estado para o combate às irregularidades nos ambientes de trabalho.
Pelo princípio da intervenção mínima, o direito penal só deve ocupar-se de situações mais importantes e necessárias para a vida em sociedade.
Os critérios políticos para escolha de condutas, tanto positivas quanto negativas, que merecem, em determinado momento histórico, a proteção do Direito Penal, variam de acordo com os interesses da sociedade.
O Direito Penal, como ensina a doutrina, só deve intervir em casos de ataques muito graves a bens jurídicos para a sociedade.
Com o Código Penal em vigência, na exposição de motivos, ao comentar o artigo 132, que trata do crime de exposição a perigo para a vida ou saúde de outrem, o legislador já havia demonstrado preocupação com os acidentes de trabalho. Exemplificou, na exposição, com o caso de empreiteiro que, para poupar-se ao dispêndio com medidas técnicas de prudência, na execução da obra, expõe o operário ao risco de grave acidente. Esclareceu ainda o legislador da época que o Código Penal Suíço, contendo um dispositivo penal incriminador complementar à legislação trabalhista, muito contribuiu para que se formulasse o artigo 132 do nosso código penal, embora reconhecendo que o tipo penal de nossa legislação não visava à época proteger apenas a integridade de trabalhadores, mas de qualquer pessoa.
Em 1991, com o advento da Lei nº. 8.213/1991, que tratou principalmente dos planos de benefício de previdência social, os legisladores da época criaram um tipo penal especial, no artigo 19 § 2º da referida lei, com a seguinte redação:
Art. 19.
§ 2º Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.
É lamentável que no país seja necessária a intervenção do Direito Penal, criando uma norma especial com este conteúdo, para obrigar os empresários e seus agentes a cumprirem normas de segurança, demonstrando a necessidade de recrudescimento do Estado no combate às irregularidades. Soluções mais civilizadas deveriam seguir pelos rumos da tomada de consciência dos empresários, valorizando os trabalhadores. O mercado moderno, com suas exigências, já não aceita posturas negligentes, que impliquem em exploração do trabalho humano.
3. A responsabilidade penal do empregador e de seus agentes, nos acidentes de trabalho.
Partindo-se de conceitos da teoria do crime, especialmente os referentes aos três elementos integradores do fato típico, ou seja, conduta, resultado e nexo causal, na análise da responsabilidade penal do empregador e de seus agentes nos acidentes de trabalho, a ocorrência de crime está condicionada à existência dos elementos citados.
No caso da conduta, que compreende o comportamento humano, comissivo ou omissivo, doloso ou culposo, nosso Direito Penal adota a teoria finalista. Exige, para a configuração do delito, que o agente tenha realizado sua atuação com vontade, livre e consciente, dirigida a uma finalidade. A doutrina da teoria finalista ensina que o Direito Penal não deseja apenas que o homem não realize condutas criminosas, mas também que realize em todas as suas atividades o direcionamento para impedir a produção de resultados lesivos, evitando assim os crimes culposos.
A contrariedade ao direito, nos acidentes de trabalho, portanto, podem ocorrer tanto em condutas dolosas, quando o agente der causa ao resultado querendo-o, ou assumindo o risco de produzi-los, quanto em condutas culposas, quando a agente falta com o dever de cuidado na realização da ação, causando o resultado lesivo.
Vale ressaltar que a vontade é elemento essencial da conduta. O direito penal abomina a responsabilidade objetiva.
Quanto ao nexo causal, a doutrina distingue a causalidade naturalística e a causalidade normativa.
A causalidade naturalística ocorre nos crimes comissivos materiais, em que há necessidade da existência de nexo causal entre a conduta do agente e o resultado danoso ocorrido.
A causalidade normativa ocorre nos delitos omissivos. A omissão, como é uma não-execução, não está apta a causar absolutamente nada. Portanto, nos crimes omissivos, a causalidade na conduta só pode ser normativa, ocorrendo pela não realização, pelo autor, de uma ação determinada pelo ordenamento jurídico, quando devia e podia agir.
Há que se fazer ainda a distinção entre crimes omissivos próprios e impróprios. Os omissivos próprios estão ligados ao dever genérico de agir. Já os omissivos impróprios estão relacionados ao dever especial de proteção. São aqueles em que o agente encontra-se na posição de garantidor, ou seja, tenha obrigação legal de cuidado, proteção ou vigilância, ou de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado, ou ainda, com seu comportamento anterior, tenha criado o risco da ocorrência do resultado.
Assim sendo, empregadores e seus agentes poderão ter responsabilidade penal em acidentes de trabalho, podendo ser-lhes imputada a prática de crime, quando existir um nexo causal entre suas condutas e o acidente de trabalho ocorrido, por crimes comissivos, ou ainda, por crimes omissivos, quando não realizarem as ações determinadas pelo ordenamento jurídico para proteção da segurança e saúde dos trabalhadores, quando podiam e deviam agir.
4. Tipos penais comuns em acidentes de trabalho.
É muito comum a ocorrência de mortes ou lesões corporais em acidentes de trabalho. A conduta dolosa ou culposa do agente que der causa a esses resultados é que determinará a tipificação penal da conduta.
Também pode ocorrer o crime de exposição da vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente, previsto no artigo 132 do Código Penal.
O simples descumprimento das regras de segurança e higiene no trabalho, independente da ocorrência de acidente, já caracteriza a contravenção penal do artigo 19 § 2º da Lei nº. 8.213/1991.
São, portanto, vários os crimes que podem ocorrer em acidentes de trabalho. Melhor para os empregadores e seus agentes evitar a persecução penal do Estado, tomando todas as medidas preventivas, com as devidas cautelas, evitando a ocorrência de acidentes, como manda legislação. Trata-se, em última análise, de preservação da dignidade dos trabalhadores.
Elaborado em 27 de junho de 2005.
Referências Bibliográficas:
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 2.ed. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2000.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte geral. V. 1. 7.ed. São Paulo:Saraiva, 2002.
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal: parte geral. V.1. 19. ed. São Paulo: Saraiva,1995.
_____________. Direito Penal: Parte Especial. Dos crimes contra a pessoa. Dos crimes contra o patrimônio. V.2. 17.ed. São Paulo: Saraiva 1995.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 4.ed. Rio de Janeiro: Impetus,2004.
SILVA, Edson Braz da. A Polícia Civil e a Investigação do Acidente de Trabalho. Disponível em: http://www.pgt.mpt.gov.br/publicacoes/seguranca/policia_civil.pdf.
Plínio Neves Angieuski
Graduação em Direito e Engenharia Agronômica pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), - Pós-Graduação em Direito Empresarial pela mesma escola superior. Advogado e Engenheiro Agrônomo autônomo.E-mail: pepita@sercomtel.com.br.
Código da publicação: 712
Como citar o texto:
ANGIEUSKI, Plínio Neves..A responsabilidade penal nos acidentes de trabalho. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 138. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/712/a-responsabilidade-penal-acidentes-trabalho. Acesso em 8 ago. 2005.
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