SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Competência Tributária. 3. Limitações ao Poder de Tributar. 4. Princípios Constitucionais Tributários. 5. Controle Difuso de Constitucionalidade em Matéria Tributária – Resolução do Senado. 6. Conclusão.
1. Introdução:
A necessidade do Estado de arrecadar recursos financeiros para o sustento de suas atividades, bem como de garantir a satisfação do interesse público como sua finalidade precípua, através da imposição de tributos às pessoas que integram a sociedade, é que se faz mister o estudo, a luz da Constituição e de seus Princípios, do poder de tributar e suas limitações frente ao Estado Democrático de Direito, no qual tanto governantes quanto governados sujeitam-se ao império da Lei.
O Poder de Tributar é irrenunciável e indelegável, porém não absoluto, pois a própria Constituição Federal define o modus operandi do exercício deste poder pelo Estado, através de comandos que garantem a harmonia e o equilíbrio na relação jurídica tributária (poder-dever).
A Constituição Federal não somente como um instrumento político de formação e organização de uma sociedade institucionalmente organizada (Estado), mas também como um organismo jurídico de sistematização, através de regras e princípios norteadores, torna imprescindível o controle político e jurisdicional, que em matéria tributária, garante ao Estado a sua legítima manutenção e, principalmente, o emprego de meios válidos para a consecução de seus fins.
2. Competência Tributária:
No Brasil, a competência delimita o Poder de Tributar, uma vez que a própria Constituição Federal (artigos 153, 155 e 156) faz a repartição da força tributante estatal entre as esferas políticas (União, Estados-membros, Municípios e o Distrito Federal), de forma específica e fechada, com a devida atenção especial ao Princípio da Legalidade (art.150, I, CF/88) como o mais importante instrumento da Segurança Jurídica, quando analisado em seu sentido mais amplo.
Existem aqueles que acreditam na impropriedade do termo “Poder de Tributar”, pois segundo esta corrente, o que se tem hoje em dia no País são as “competências tributárias”, as quais foram repartidas pela própria Carta Magna entres os entes políticos que compõem a Federação.
A competência tributária nada mais é do que como alguns doutrinadores denominam: “a aptidão para criar, in abstracto, tributos.”, ou como SAINZ DE BUJANDA (Poder financeiro, in Notas de Derecho Financeiro, t. I, v. 2º, Universidade de Madri, Seção de Publicações e Intercâmbio, 1967, p. 5 – traduzimos e esclarecemos) define “o poder tributário (competência tributária) refere-se aos entes públicos que estão facultados a estabelecer tributos, vale dizer, a editar normas tributárias”, sendo que a criação desses tributos só se fará por meio de lei, a qual deve descrever todos os elementos essências da norma jurídica tributária quais sejam: a hipótese de incidência; sujeito ativo; sujeito passivo; base de cálculo e a alíquota.
Com muita propriedade o professor ROQUE ANTÔNIO CARRAZA (Curso de Direito Constitucional Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 435) explica:
“De fato, entre nós, a força tributante estatal não atua livremente, mas dentro dos limites do direito positivo. Como veremos em seguida, cada uma das pessoas políticas não possui, em nosso País, poder tributário (manifestação do ius imperium do Estado), mas competência tributária (manifestação da autonomia da pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico-constitucional). A competência tributária subordina-se às normas constitucionais, que, como é pacífico, são de grau superior às de nível legal, que prevêem as concretas obrigações tributárias.”.
3. Limitações ao Poder de Tributar:
O Estado de Direito assim como não admite direitos que possam ser exercidos ilimitadamente, também não respalda poderes sem qualquer restrição (Poderes Absolutos).
Em matéria tributária a força tributante do Estado que se qualifica com a imposição de pagamento de tributos em face do contribuinte, seja pessoa física ou jurídica, não pode se perpetuar sem que sejam observados alguns preceitos e dispositivos trazidos pela própria Constituição Federal e demais legislações infraconstitucionais, principalmente ao se levar em consideração a natureza da relação jurídica tributária, a qual é ex lege.
Os artigos 150, 151 e 152 da Carta Magna são compostos por diversas normas e Princípios Tributários, que para muitos estudiosos podem ser vistos como verdadeiras garantias constitucionais do contribuinte em detrimento a uma possível voracidade do Estado em adentrar no patrimônio particular (exercício da competência tributária), devido a constante necessidade de arrecadar recursos para se sustentar e cumprir suas finalidades essenciais.
4. Princípios Constitucionais Tributários:
Além dos Princípios Gerais existentes em nossa Constituição, mais precisamente no seu art. 5º, no que tange o direito tributário, existem máximas constitucionais específicas para limitar o exercício do Poder de Tributar (competência tributária), as quais devem ser acatadas pela legislação infraconstitucional, sendo que merecem sucintas considerações:
Princípio da Estrita Legalidade: como se nota no art. 150, I, da CF/88: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”.
A descrição da regra-matriz de incidência tributária, bem como o aumento, majorando a base de cálculo ou alíquota vinculam-se a expedição de lei. É importante ressaltar que o Princípio da Legalidade estabelece também a necessidade de que a lei traga em seu bojo os elementos que compõe a obrigação tributária (hipótese de incidência; sujeito ativo; sujeito passivo; base de cálculo e alíquota), sendo que a este plus damos o nome de tipicidade tributária, o que para alguns doutrinadores corresponde a um outro princípio (Princípio da Tipicidade), mas que pode também ser decorrência do próprio Princípio da Estrita Legalidade.
Princípio da Anterioridade: previsto no art. 150, III, “b”, da CF/88: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III – cobrar tributos...: b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os institua ou aumentou.”.
De acordo com tal preceito é exigido que a lei que crie ou aumente tributo seja anterior o exercício financeiro em que o tributo será cobrado, visando à proteção do contribuinte contra a surpresa de alterações tributárias ao longo do exercício, o que afetaria o planejamento de suas atividades.
A própria Constituição ressalva alguns tributos que escapam à aplicação da anterioridade por serem considerados extrafiscais (política monetária e política de comércio exterior), são eles o: imposto de importação, imposto de exportação, imposto sobre produtos industrializados e o imposto sobre operações de crédito, câmbio, seguro e operações com títulos e valores imobiliários (inclusive, excepcionalmente ao princípio da reserva legal suas alíquotas podem ser alteradas por ato do Poder Executivo, dentro dos limites e condições definidas na lei), o empréstimo compulsório por motivo de guerra ou calamidade pública (Art. 150, § 1º, CF/88) e impostos extraordinários (art. 154, II).
Ademais, ressalta-se que as Contribuições (art. 149, CF/88) em regra devem se submeter ao Princípio da Anterioridade, com exceção as de Seguridade Social, as quais estão sob a égide de uma regra especial prevista no art. 195, § 6º, da Carta Magna (noventa dias).
A Emenda Constitucional nº. 42 de 19 de dezembro de 2003 acrescentou a alínea “c” no art. 150, III, da CF/88, a qual veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a cobrança de tributos antes de noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. A doutrina denomina tal preceito de anterioridade mitigada ou “noventena”, cuja exceção para a sua aplicabilidade está prevista no art. 150, §1º, parte final, do mesmo diploma (empréstimo compulsório por motivo de guerra e calamidade pública, I.I; I.E; IPI; IOF e Impostos extraordinários - art. 154, II, bem como na fixação da base de cálculo do IPVA e IPTU).
Princípio da Irretroatividade: encontra-se no art. 150, III, “a”, da CF/88, sendo que a irretroatividade da lei é Princípio Geral do Direito, com exceção somente à lei interpretativa e lei penal mais benigna ao acusado, tudo para resguardar a Segurança Jurídica ao passo que a lei não pode prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CF/88).
O eminente jurista PONTES DE MIRANDA uma vez anunciou que “o princípio vedativo da irretroatividade apanha qualquer espécie de regra jurídica, emane de qualquer autoridade estatal, ou ligada ao Estado.” (Comentários à Constituição de 1967, com a emenda nº. 1, de 1969. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. v. 5, p. 105).
Com efeito, a lei que institui ou majora um tributo não pode alcançar fato gerador (hipótese de incidência) pretérito, sob pena de absoluta inconstitucionalidade.
Princípio da proibição de tributo com efeito confiscatório: está previsto no art. 150, IV, da CF/88, estando diretamente relacionado com o Princípio da Capacidade Contributiva, e que até hoje encontra uma grande barreira qual seja a de se definir o seu conceito como limite do qual incide a sua vedação, favorecendo um maior subjetivismo em relação a sua interpretação e aplicabilidade.
Princípio da Capacidade Contributiva: está explicitado no art. 145, § 1º, da CF/88, o qual obriga o legislador a graduar, a instituição do tributo, levando-se em consideração a capacidade contributiva do contribuinte, sendo que tal graduação tem limites no respeito aos direitos e garantias individuais ou quando essa graduação torna-se com efeito confiscatório, o que eminentemente proibido.
Outrossim, para o Professor YOSHIAKI ICHIHARA (Direito Tributário. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 62):
“Este salutar princípio, além de ser o ingrediente fundamental na implementação do princípio da isonomia ou da igualdade, aparece como instrumento de realização da justiça fiscal, que acabará por desembocar na realização da justiça social.”.
“Tributar com maior ônus o detentor de maior capacidade contributiva, até no plano econômico, aparece como única forma para se buscar a melhor distribuição da renda e diminuir a desigualdade social.”.
Princípio da Uniformidade da Tributação: constante no art. 151, I, da Constituição Federal, determina que os tributos instituídos pela União sejam uniformes em todo território nacional, tendo relação, na intenção de preservar a unidade da Nação Brasileira, com o Princípio Federativo, pois “a preservação da unidade nacional recomenda que a União não distinga entre os que habitam o território brasileiro, em razão do Estado ou do Município a que se vinculam. Do contrário, a diferença de tratamento, ao privilegiar alguns em detrimento de outros, gerará forçosamente a discórdia e as dissidências que animarão propósitos secessionistas.” (Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990. v. 1, p. 172).
Princípio da não-discriminação tributária, em razão da procedência ou destino dos bens: está prevista no art. 152 da Carta Magna, o qual dispõe que as pessoas tributantes estão impedidas de graduar seus tributos, levando em conta a região de origem dos bens ou local para onde se destinem, sendo que se refere aos bens e serviços de qualquer natureza. Desta forma, a procedência e o destino são índices inidôneos para efeito de manipulação das alíquotas e da base de cálculo pelos legisladores dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
Por derradeiro, especificamente, esses são os Princípios explícitos mais importantes que garantem uma relação jurídica entre Fisco x Contribuinte mais harmônica com vistas à Segurança Jurídica como condição sine qua non à existência de um Estado de Direito, sem prejuízo, é claro, à constância de diversos outros princípios implícitos e dispositivos (imunidades e isenções) que regem a tributação, que para objeto deste trabalho se tornaram despiciendos.
5. Controle Difuso de Constitucionalidade em Matéria Tributária – Resolução do Senado:
Afinal, é de se questionar sobre os inúmeros casos de contribuintes que se sujeitam ás exações tributárias oriundas de leis inconstitucionais e os que são eximidos da obrigação tributária por leis manifestamente inconstitucionais.
Partindo-se do pressuposto que a Constituição Federal, no seu art. 52, X, prevê a competência do Senado em Suspender, no todo ou em parte, a lei declarada inconstitucional pelo STF, por decisão definitiva e que a inconstitucionalidade é matéria de Ordem Pública associada ao próprio interesse público, seria razoável entender que a natureza da Resolução Suspensiva é de ato vinculado ao dispositivo constitucional, precipuamente, e por reflexo à decisão declaratória da inconstitucionalidade, por se tratar neste caso de uma competência não dotada de voluntariedade, pois sua finalidade é a preservação da Ordem Jurídica dentro dos moldes constitucionais (Princípio da Soberania Constitucional).
Neste sentido, para os eméritos professores CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA DA SILVA MARTIS (Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 4, t. I, p. 179): “O Senado, nestas condições, em exercendo função própria do Legislativo, não se pode furtar à suspensão de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal desde que se tenham verificado os requisitos para tanto”.
Por sua vez, para PONTES DE MIRANDA (Comentários à Constituição de 1967: Com a Emenda 1, de 1969. 2.ed., revista, São Paulo: RT, 1974) ao comentar o art. 42, VII, da Constituição anterior, correspondente ao art. 52, X, da atual Constituição leciona o seguinte: “Suspender no todo ou suspender em parte não fica ao arbítrio do Senado Federal: suspende ele a parte que foi apontada como inconstitucional, ou o todo, que o foi; e nunca o todo porque uma parte foi.”
Todavia, em entendimento contrário PAULO BROSSARD (O Senado e as Leis Inconstitucionais, Revista de Informação Legislativa do Senado Federal 50/55-64, 1976) opina:
“Atribuir ao Senado papel mecânico, fazê-lo autômato, transformá-lo em carimbo, meirinho, cartório ou porteiro de auditórios, não significa atribuir-lhe uma função absolutamente subalterna, mas, e especialmente, sem qualquer significação e utilidade, tarefa que poderia ser desempenhada, com proficiência e vantagem, por qualquer funcionário da secretaria do Supremo Tribunal.”
Considerando que o Direito Tributário é munido de peculiaridades que o torna um celeiro de discussões doutrinárias e jurisprudenciais envolvendo preceitos constitucionais garantidores da sobrevivência do contribuinte na relação jurídico-tributária, a qual por natureza, é dotada de desproporcionalidade minorada pela própria Constituição, é possível se atribuir tanto efeito ex tunc quanto ex nunc à Resolução Senatorial, sendo que a definição de qual deles irá prevalecer estará vinculada à decisão direcionada ao caso concreto e posteriores casos análogos àquele já julgado, para fins de tornar efetivo o Princípio da Segurança Jurídica, da Boa Fé, da Irretroatividade Maléfica, da Coisa Julgada, da Supremacia do Interesse Público entre outros, que em direito tributário, especificamente, pelas razões já expostas, devem ser interpretados em prol do contribuinte (indivíduo), hipossuficiente, por natureza, na relação jurídico-tributária.
6. Conclusão:
A relação jurídica tributária ao ser diferida devido as suas peculiaridades, atribui aos dispositivos constituicionais implícitos e aos preceitos aqui abordados substancial importância, quando garantem a harmonia e a sobrevivência do indivíduo (contribuinte) frente ao poder estatal de invadir o seu patrimônio em virtude de suas necessidades precípuas de arrecadar para se sustentar e cumprir com as suas finalidades, o que muitas vezes é dotado de uma extrema voracidade.
Os limites constitucionalmente qualificados frente à força tributante do Estado (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), quando não observados pelos legisladores no exercício do “Poder de Tributar” (competência tributária), tornam o controle político e jurisdicional de constitucionalidade de incontestável relevância para a manutenção da proporcionalidade e razoabilidade na relação jurídica tributária, com a atenção especial à Segurança Jurídica como elemento indispensável ao Estado Democrático de Direito, definido em nossa Carta Política, certo de que toda e qualquer interpretação ou aplicação dos dispositivos legais devem está vinculados à Soberania Constitucional no sentido de garantir o bem de todos.
Bibliografia:
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BASTOS, Celso Ribeiro; TAVARES, André Ramos. As Tendências do Direito Público: No Limiar de um Novo Milênio. São Paulo: Saraiva, 2000.
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2004.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2004.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 1993.
GRECO, Marco Aurélio; PONTES, Helenilson Cunha. Inconstitucionalidade da Lei Tributária – Repetição do Indébito. São Paulo: Dialética, 2002.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
(Concluído em 15/08/2005)
Caio Rogério da Costa Brandão
Advogado em São Paulo; Especialista e Pós-graduando Lato Sensu em Direito Tributário e Direito Processual Civil.Código da publicação: 780
Como citar o texto:
BRANDÃO, Caio Rogério da Costa..O Poder de Tributar: limitações e o controle difuso de constitucionalidade – Resolução Senatorial. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 142. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/780/o-poder-tributar-limitacoes-controle-difuso-constitucionalidade-resolucao-senatorial. Acesso em 9 set. 2005.
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