Diante das divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca da divisão da sentença em capítulos ou unidades autônomas busca-se discutir a possibilidade de formação progressiva da coisa julgada, em momentos distintos ao decorrer do processo, e a consequente interposição de diversas ações rescisórias.
Antes de tratar da coisa julgada, importante demonstrar que a sentença de mérito pode ser classificada como simples ou complexa, de modo que aquela decide uma só questão principal e esta é composta por unidades independentes entre si, sendo composta por vários capítulos.[1] Nesse sentido, é possível citar Cândido Dinamarco[2]: “[...] capítulo de sentença é toda unidade autônoma contida na parte dispositiva de uma decisão judicial.”
Apesar de haver controvérsias acerca da natureza jurídica da coisa julgada, a corrente majoritária[3] entende ser uma qualidade da sentença, responsável por conferir-lhe imutabilidade e definitividade, impedindo que aquela matéria seja rediscutida em outro processo, resguardando assim, o princípio da segurança jurídica.
Para a compreensão da chamada coisa julgada progressiva, deve-se observar que sua formação ocorre ao longo do processo em que haja uma sentença com capítulos autônomos, contra a qual a parte tenha interposto apenas recurso parcial.
A doutrina e a jurisprudência clássicas firmavam pacificamente entendimento no sentido de que cada questão autônoma do julgado constituía uma sentença independente, sendo possível assim a formação, em momentos distintos, de várias coisas julgadas ao longo do processo, de maneira progressiva. Assim, tradicionalmente, aceitava-se a formação da coisa julgada progressiva decorrente da resolução parcial do mérito, já que cada capítulo autônomo da sentença era solucionado independentemente do outro.[4]
Tal entendimento está em perfeita consonância com o CPC, uma vez que é possível citar hipóteses em que se torna nítida a resolução parcial do mérito, como, por exemplo, o artigo 273, §6º que concede antecipadamente a própria tutela final de parte do pedido que se tornou incontroverso, enquanto o processo tem seguimento em relação às demais parcelas das quais ainda seja necessária discussão.[5]
Nesse sentido, podemos citar J.M. Arruda Alvim[6]: “Tenha-se presente, ainda, que o disposto nesse novo § 6º implica o expresso reconhecimento, pelo legislador, da possibilidade de cisão do ato decisório, em parte com a antecipação de tutela e o restante sucessivamente, no momento normal."
Além disso, é possível ainda o artigo 498 do referido Código, que considera transitada em julgado a parte não unânime do acórdão contra a qual não tenham sido opostos embargos infringentes, não prejudicando eventual recurso extraordinário contra a parte unânime do julgado, de modo que prosseguirá somente em relação a esta.
Assim, admite-se a formação da coisa julgada material em momentos distintos, sendo cabível ação rescisória da parcela transitada em julgado, mesmo que ainda não tenha se encerrado todo o processo. Para reforçar tal tese, cumpre citar o artigo 485 do CPC, o qual não exige a resolução completa do processo para seu manejo, mas tão somente o trânsito em julgado da decisão que se pretende rescindir.
Entretanto, em 2002, contrariando o entendimento tradicional, a 2ª Turma do STJ[7] decidiu não ser possível o fracionamento da sentença, devido ao fato de que a ação é una e indivisível, assim, haveria o trânsito em julgado e conseqüente formação da coisa julgada apenas ao final do processo, quando do julgamento do último recurso interposto, sendo ele total ou parcial.
Posteriormente, endossando tal tese, a Corte Especial do STJ se pronunciou no mesmo sentido[8], o que acabou levando à aprovação, em 2009, do enunciado 401 da súmula da jurisprudência desse egrégio Tribunal, in verbis: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.”
Apesar do STJ ter sumulado seu entendimento, visando à unicidade da coisa julgada e da ação rescisória, a doutrina aponta que só se justifica em situações nas quais os julgamentos parciais estejam vinculados por uma relação de prejudicialidade. Assim, o que determina a unicidade ou a pluralidade de coisas julgadas é a autonomia ou a subordinação dos capítulos da sentença de mérito.[9]
Corroborando a tese doutrinária, o STF[10] vem adotando orientação no sentido de que é possível a formação da cosia julgada em momentos distintos caso a decisão seja composta por capítulos autônomos, o que autoriza a interposição separada de ação rescisória em relação a cada um deles.
Ainda nesse sentido, cabe destacar que o TST já adota esse entendimento há muito trazido pela doutrina, tendo editado a súmula100, II, in verbis: "Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial".
Assim, diante dos argumentos ora esposados, é possível concluir que considerando o fato de que as decisões acerca do mérito podem ocorrer em momentos distintos, a sentença pode ter capítulos autônomos e a lei admite recursos parciais, deve haver a possibilidade do reconhecimento da formação progressiva da coisa julgada material e o consequente ajuizamento sucessivo de ações rescisórias.[11]
Referências:
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno, AR 1.699 – AgRg/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, AC. 23.06.2005, DJU 09.09.2005, p. 34; STF- Pleno, AR 9.03/SP, Rel. Min. Moreira Alves, AC. 17.06.1982, DJU 17.09.1982, p. 9.097. Disponível em: <www.stf.jus.br.> Acesso em 20 out. 2013.
______. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 404.777/DF. 2ª Turma. Rel. Min. Peçanha Martins. Ac. 21 nov.2002, RSTJ 168/215. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200200019781&pv=000000000000>. Acesso em: 20 out. 2013.
______. EREsp 404.777/DF. Corte Especial. Rel. Min. Francisco Peçanha Martins. DJU 11.04.2005, p.169. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200301254958&pv=000000000000>. Acesso em: 20 out. 2013.
______. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 100, II. Disponível em: <www.dji.com.br/normas_inferiores/enunciado_tst/tst_0100.htm>. Acesso em: 20 out. 2013.
CURIOSIDADES. Que se entende por coisa julgada progressiva? Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080325194058625&mode=print>. Acesso em: 15 set. 2013.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 6.ed. ver. e atual., vol. 2. Salvador: Podivm, 2011.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
MITIDIERO, Daniel Francisco. Sentenças parciais de mérito e resolução definitiva-fracionada da causa. Genesis: Revista de Direito Processual Civil, v. 8, n.31,jan./mar. 2004.
OLIVEIRA JÚNIOR, Délio Mota de. A coisa julgada material formada progressivamente e o prazo para a sua rescindibilidade: análise crítica da súmula nº 401 do STJ. Disponível em: <http://www.editoramagister.com/doutrina_24529559_A_COISA_JULGADA_MATERIAL_FORMADA_PROGRESSIVAMENTE_E_O_PRAZO_PARA_A_SUA_RESCINDIBILIDADE_ANALISE_CRITICA_DA_SUMULA_N_401_DO_STJ.aspx>. Acesso em: 15 set. 2013.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 54.ed. rev. e atual., vol.I. Rio de Janeiro: Forense, 2013.
[1] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 54.ed. rev. e atual., vol.1. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 787.
[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.35.
[3] DIDIER JÚNIOR, Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 6.ed. ver. e atual., vol. 2. Salvador: Podivm, 2011, p. 423.
[4] THEODORO JÚNIOR, op. cit., p.788.
[5] MITIDIERO, Daniel Francisco. Sentenças parciais de mérito e resolução definitiva-fracionada da causa. Genesis: Revista de Direito Processual Civil. v 8, n.31, jan./mar. 2004, p.22-33.
[6] ALVIM, J.M. Arruda. Manual de direito processual civil. 10. ed., vol. II. São Paulo: RT, 2006, p. 383.
[7] STJ.REsp. 404.777/DF. 2ª Turma. Rel. Min. Peçanha Martins. Ac. 21 nov.2002, RSTJ 168/215.
[8] STJ. EREsp 404.777/DF. Corte Especial. Rel. Min. Francisco Peçanha Martins. DJU 11.04.2005, p.169.
[9] THEODORO JÚNIOR, Humberto. op. cit., p. 791.
[10] STF. Pleno, AR 1.699 – AgRg/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, AC. 23.06.2005, DJU 09.09.2005, p. 34; STF- Pleno, AR 9.03/SP, Rel. Min. Moreira Alves, AC. 17.06.1982, DJU 17.09.1982, p. 9.097.
[11] CURIOSIDADES. Que se entende por coisa julgada progressiva? Disponível em: <http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080325194058625&mode=print>. Acesso em: 15 set. 2013.
Elaborado em outubro/2013
Bianca Garcia Neri
Advogada. Pós graduanda em Direito Processual Civil na Escola de Magistratura do Rio de Janeiro.Código da publicação: 2888
Como citar o texto:
NERI, Bianca Garcia..Capítulos Da Sentença e Coisa Julgada Progressiva. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1119. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/cronicas/2888/capitulos-sentenca-coisa-julgada-progressiva. Acesso em 16 nov. 2013.
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