INTRODUÇÃO
A sociedade e empresas, diariamente, recorrem ao Poder Judiciário para sanar algum problema, mas nem sempre a análise e julgamento do processo é realizado dentro do prazo esperado. Diversos fatores contribuem para a morosidade dos processos judiciais, como o excesso de demandas, a dificuldade na produção e coleta de provas e a complexidade do caso. Na tentativa de solucionar esse dilema, houve a reforma do Código de Processo Civil que trouxe muitas novidades em seu bojo, à fim de garantir maior agilidade ao processo e transparência ao Poder Judiciário.
Dentre as novidades, destaca-se o Princípio da Cooperação, previsto no artigo 6º, do referido diploma, que é alvo de alguns questionamentos dos operadores do direito, em relação ao seu conceito, obrigatoriedade e abrangência. Para muitos doutrinadores, o Princípio da Cooperação é uma derivação do Princípio do Devido Processo Legal e do Princípio do Contraditório, sendo considerado por muitos como contraditório substancial.
No âmbito jurídico brasileiro, é possível verificar a presença de apenas dois modelos processuais, o modelo inquisitorial e o modelo adversarial, mas com o advento do Código de Processo Civil, em 2015, surge-se o modelo cooperativo, à fim de igualar as partes envolvidas no processo e garantir que se obtenha em um tempo razoável uma decisão justa.
Tendo em vista, a contemporaneidade do Princípio da Cooperação no Brasil e a escassez de material, essa pesquisa busca sanar algumas obscuridades, principalmente em relação aos possíveis reflexos do Princípio da Cooperação nos processos administrativos. Dessa forma, baseando-se em uma pesquisa bibliográfica e documental, utilizando-se do método descritivo-analítico, com uma abordagem qualitativa e com caráter exploratório, o estudo será dividido em três tópicos.
No primeiro tópico, é realizada um breve contexto histórico do Princípio da Cooperação, abordando sua origem, os demais modelos de processos existentes, a introdução e a aplicabilidade do modelo cooperativo no Brasil e a previsão dos deveres, tanto para o juiz como para as partes.
O segundo tópico, trata do processo administrativo brasileiro, mais especificamente, sua definição, regulamentação e princípios. E por fim, o terceiro tópico busca analisar os possíveis reflexo do Princípio da Cooperação no processo administrativo.
1 CONTEXTO HISTÓRICO DO PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
O Princípio da Cooperação foi desenvolvido na Alemanha, e teve como um grande defensor o advogado Karl August Bettermann, que em suas obras tratava dos deveres derivados de tal princípio e sua aplicação na lei processual alemã. Além do mais, é perceptível a utilização do modelo cooperativo, em países como Europa, França e Portugal.
A maioria das normas brasileiras tiveram grande influência do Direito Português, por essa razão, ao introduzir o Princípio da Cooperação no Brasil, os legisladores buscaram as referências no Código de Processo Civil Português. No Código Português, o Princípio da Cooperação é tratado em um tópico próprio e contendo todos os seus deveres.
Art. 7-1 – Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio.
7-2- O juiz pode em qualquer altura do processo ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobra a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência.
7-3- As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no número 3 do artigo 471.
7-4-Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou cumprimento de ônus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo. (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PROTUGUÊS, p. 01)
No Código de Processo Civil Brasileiro, os deveres são tratados em diversos dispositivos do código, não restringindo apenas a um tópico. É importante ressalvar, que independentemente da exposição dos deveres, o Código de Processo Civil ao dispor sobre o Princípio da Cooperação, respeitou o Princípio do Devido Processo Legal e o Princípio do Contraditório, sendo considerado por muitos doutrinadores, como contraditório substancial.
1.1 Modelo Inquisitorial e Modelo Adversarial
No âmbito processual, a doutrina identifica dois modelos de processo, que devem estar em conformidade com as normas legais, evitando que haja abuso de poder pelas autoridades responsáveis. No modelo inquisitorial, o juiz exerce sua função de forma autoritária e individual, não dependendo da vontade das partes. Enquanto que, no modelo adversarial, as partes são responsáveis pelo desenvolvimento da maior parte das atividades, ou seja, o juiz fica condicionado a provocação e pedidos das partes, exercendo o papel de fiscalizador dos atos jurídicos que serão praticados.
Assim, quando o legislador atribui às partes as principais tarefas relacionadas à condução e à instrução do processo, diz-se que se está respeitando o denominado princípio dispositivo; tanto mais poderes forem atribuídos ao magistrado, mais condizente com o princípio inquisitivo o processo será (DIDIER JR., 2017, p. 137).
Não é possível afirma que um determinado processo é totalmente adversarial ou inquisitivo, e sim que há certa preponderância de um ou de outro em determinada atividade. O jurista Didier Jr. (2017, p. 137), cita como exemplo, “a instauração do processo e a fixação do objeto litigioso (o problema deve ser resolvido pelo órgão jurisdicional) são, em regra, atribuições da parte (arts. 2º, 141 e 492, CPC). Já em relação à investigação probatória, o CPC admite que o juiz determine a produção de provas ex officio (art. 370 do CPC)”.
Muitos doutrinadores relacionam o processo adversarial e o processo inquisitivo, a democracia e ao autoritarismo, em razão da forma como é exercido o poder em cada um deles. Não é pertinente essa ligação, visto que, o aumento ou diminuição de poder do juiz ou o exercício ativo das partes não são justificativas relevantes para tal caracterização.
Também haja quem relacione o processo adversarial ao common law e o processo inquisitivo ao civil law. Como primeiro passo, a relação é correta, mas não devem ser ignoradas as profundas influências recíprocas que esses sistemas vêm causando um no outro, a ponto de a diferenciação entre eles ficar cada vez mais difícil (DIDIER JR., 2017, p. 138).
Diante do cenário de protagonismo e insegurança, surge o garantismo processual com o objetivo de proteger o cidadão das possíveis lesões, ameaças e abuso do direito pelo Estado e para reforçar a importância da garantia do devido processo legal, do contraditória e da ampla defesa, seja qual for o modelo adotado pelo ordenamento jurídico.
1.2 Modelo Cooperativo
Com o advento do Novo Código de Processo Civil, o modelo cooperativo foi introduzido no âmbito jurídico para igualar as figuras da relação processual, ou seja, a relação das partes com o juiz deixa de ser de subordinação e passa a ser de cooperação. Conforme Didier (2017), o modelo cooperativo teve como base para sua criação os princípios do devido processo legal, da boa-fé processual, do contraditório e do respeito ao autorregramento da vontade no processo, ou seja, a atuação das partes e do juiz tem que ser pautada na boa-fé e na isonomia.
O Princípio da Cooperação está previsto no artigo 6º do Código de Processo Civil, que dispõe que “todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”, dessa forma o artigo afasta qualquer ato de individualidade que possa ser praticado durante o processo e estimula a cooperação e o diálogo. Além do mais, o Princípio da Cooperação exige uma atuação mais ativa do magistrado de forma a colaborar com o andamento do processo conjuntamente com as partes, e que haja entre eles diálogo para que possam alcançar a solução mais benéfica para o caso concreto.
A atuação cooperativa, também pode ser estendida a todos os sujeitos, que de alguma forma possa vir a atuar no processo, sendo importante ressalvar, que mesmo que o modelo prese pela cooperação, esta ocorre apenas entre a parte e o juiz, e não entre a parte e a parte, e que cada um deve respeitar os limites, os deveres e poderes impostos.
O Princípio do Contraditório, é uma figura importante no processo de cooperação, pois é através dele que as partes indiretamente irão participar do convencimento do magistrado.
Trata-se de um desdobramento do princípio moderno do contraditório assegurado constitucionalmente, que não mais pode ser visto apenas como garantia de audiência bilateral das partes, mas que tem a função democrática de permitir a todos os sujeitos da relação processual a possibilidade de influir, realmente, sobre a formação do provimento jurisdicional. É também, um consectário do princípio da boa-fé objetiva, um dos pilares de sustentação da garantia constitucional do processo justo (THEODORO JUNIOR, 2018, p. 111).
Portanto, mesmo que a decisão seja considerada um ato individual do juiz, as partes por intermédio do contraditório, poderão a todo o momento tomar conhecimento e questionar as decisões tomadas pelo magistrado, sendo assim, o contraditório é fundamental para o andamento do processo, principalmente no resultado.
Ademais, se o Princípio da Cooperação for aplicado é permitido ao intérprete do direito, analisar cada caso concreto e determinar se houve ou não violação deste e de outros princípios. Se restar comprovado que houve violação, o juiz poderá tomar as medias necessárias, por exemplo, se mesmo cumprindo todos os deveres do Princípio da Cooperação, o magistrado se deparar com uma situação que possa prejudicar o ambiente comunicativo, este deve utilizar-se dos meios coercitivos, como as multas, para impedir que as condutas de má-fé não desvalorizem todo o processo de diálogo.
1.3 Deveres no Modelo Cooperativo
Alguns autores afirmam que o modelo cooperativo é o mais adequado para o Estado Democrático de Direito, no qual não há distinção na comunidade de trabalho, tanto as partes e o magistrado estão buscando pela solução mais benéfica, no tempo mais razoável possível.
Disso surge deveres de conduta para as partes e para o órgão jurisdicional, que assume uma “dupla posição”: “mostra-se paritário na condução do processo”, no diálogo processual, e “assimétrico” no momento da decisão; não conduz o processo ignorando ou minimizando o papel das partes na “divisão do trabalho”, mas, sim, em uma posição paritária, com diálogo e equilíbrio. A cooperação, corretamente compreendida, em vez de “determinar apenas que as partes – cada uma para si – discutam a gestão adequada do processo pelo juiz, faz com que essas dele participem” (DIDIER JR., 2017, p. 142).
Mesmo com o diálogo, a decisão judicial continua sendo semelhante aos demais sistemas, apenas o juiz tem competência para proferir, mas o modelo cooperativo traz uma nova modelagem exigindo do juiz, que toda decisão seja bem fundamentada, baseada em todos os argumentos discutidos no decorrer do processo. O juiz tem que comprovar, que mesmo se tratando de um ato individual, ele preservou todos os momentos do processo e respeitou o Princípio do Contraditório.
Entretanto, em alguns casos é possível, que as partes ou o magistrado ultrapassem alguns dos limites estabelecidos, por essa razão a doutrina traz alguns deveres que devem ser observados por todos que atuarem no processo. Em relação ao magistrado, são quatro deveres: o dever de esclarecimento, o dever de consulta, o dever de prevenção e o dever de auxílio.
O primeiro, decorre das possíveis dúvidas advindas das partes sobre algum ato proferido pelo juiz, sendo este obrigado a prestar todos os esclarecimentos. Podem ser citados como exemplo do dever de esclarecimento, quando o magistrado indeferir de ofício a petição inicial, por obscuridade do pedido ou causa de pedir, sem antes oferecer prazo legal para a parte corrigir ou quando não fundamentar as decisões proferidas.
Como derivação do dever de esclarecimento, temos o dever de consulta, previsto no artigo 10 do Código de Processo Civil, que dispõe que o magistrado tem que ouvir as partes antes de se convencer sobre algo. Para alguns doutrinadores, esse dever está ligado diretamente ao Princípio do Contraditório e ao Princípio da Não Surpresa.
A concretização do princípio da cooperação é, no caso, também uma concretização do princípio do contraditório, que assegura aos litigantes o poder de influenciar na solução da controvérsia. Como cabe ao julgador a investigação oficial de algumas questões (como, p. ex., aquelas previstas no §3º do art. 485 do CPC), o respeito a esse dever revela-se fundamental (DIDIER JR., 2017, p. 146).
Quando o juiz se deparar com alguma deficiência ou inadequação no processo, indicará e oportunizará para as partes prazo razoável para suprir. Quando isso ocorrer, estaremos diante do dever de prevenção, que para Didier Jr. (2017, p. 146), pode ser aplicado na “explicitação de pedidos pouco claros, o caráter lacunar da exposição dos fatos relevantes, a necessidade de adequar o pedido formulado à situação concreta e a sugestão de certa atuação pela parte”. É pertinente ressaltar, que o dever de prevenção é a efetivação do Princípio da Primazia da decisão de mérito, como pode ser observado na jurisprudência.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. UTILIZAÇÃO EXCEPCIONAL. PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO. PREVENÇÃO AO CERCEAMENTO DE DEFESA.
1 – Julgamento antecipado. O julgamento antecipado da lide nos Juizados Especiais Cíveis somente se mostra cabível quando a produção de provas em audiência se mostre absolutamente dispensável.
2 – Princípio da Cooperação. Se os fatos da lide não estão devidamente delineados, o juiz deve agir de forma cooperativa, designando audiência para produção da prova pessoal, na forma do art. 33 da Lei 9.099/1995, com o objetivo de prevenir o cerceamento de defesa.
3 – Recurso conhecido e provido. Sentença anulada.
(RI 07071643320158070016. Relator (a) AISTON HENRIQUE DE SOUSA. Julgamento:18/12/2015. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA RECURSAL. Publicação: Publicado no DJE: 26/01/2016.)
Em relação ao dever de auxílio, o órgão julgador poderá auxiliar a parte quando esta estiver com dificuldade no exercício do ônus ou até mesmo dos seus deveres e direitos processuais. É um dever muito questionado na doutrina, pois acreditam-se que esse dever é do representante legal das partes e não do órgão julgador, sendo assim, não é recomendado a sua aplicação no direito brasileiro.
Os deveres não restringem apenas aos magistrados, as partes também têm o dever de esclarecimento, o dever de lealdade e o dever de proteção. O dever de esclarecimento corresponde a objetividade e clareza, que as partes devem ter nos pedidos processuais, para poder ter um processo célere sem muitas interrupções por obscuridades.
Em relação ao dever de lealdade, nas palavras de Didier Jr. (2017, p. 119), “os sujeitos processuais devem comportar-se de acordo com a boa-fé, que, nesse caso, deve ser entendida como uma norma de conduta”. Ou seja, as partes não podem realizar atos com má-fé, em respeito ao artigo 5º do Código de Processo Civil, e ao Princípio da Boa-Fé Processual. Além do mais, tem o dever de proteção, que se refere a cautela que as partes devem ter para evitar possíveis danos a outra parte.
2 PROCESSO ADMINISTRATIVO
A Constituição da República Federativa do Brasil, quando dispõe no artigo 5º, LV, que tanto no processo judicial como no processo administrativo, será garantido o direito ao contraditório e a ampla defesa, não está apenas tratando do Princípio do Devido Processo Legal, mas afirmando que no âmbito jurídico existe dois tipos de processo, o judicial e o administrativo. Sendo assim, é importante estabelecer as distinções entre ambos, e nas palavras de Carvalho Filho (2015, p. 1006):
[...] O processo judicial encerra o exercício de função jurisdicional e sempre há conflito de interesses, ao passo que o processo administrativo implica o desempenho de atividade administrativa, nem sempre se verificando qualquer tipo de conflito. No processo judicial, a relação é trilateral, porque além do Estado-Juiz, a quem as partes solicitam a tutela jurisdicional, nela figuram também a parte autora e a parte ré. No processo administrativo, a relação é bilateral, porque, quando há conflito, de um lado está o particular e de outro o Estado, a este incumbindo decidir a questão; o Estado é parte e juiz.
O processo administrativo, trata-se da atuação do Estado para dirimir as controvérsias surgidas com o administrado ou particular. Nas palavras de Carvalho Filho (2015, p. 1026), o processo administrativo é “o instrumento que formaliza a sequência ordenada de atos e de atividades do Estado e dos particulares a fim de ser produzida uma vontade final da Administração”. Dessa forma, pode ser classificado como processo não-litigioso e processo litigioso.
O mais recorrente no âmbito administrativo, é o processo não-litigioso, visto que tem por finalidade a apuração de fatos por meio de inquéritos e sindicâncias, além de ser caracterizado pela ausência de conflito de interesse entre o Estado e o administrado ou particular, tornando o processo mais célere. Outra característica marcante, é a não incidência do Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa.
Por outro lado, o processo litigioso é caracterizado pela presença de conflito de interesse, entre o Estado e o administrado ou particular. O litígio será solucionado pela própria Administração, desde que seja garantido ao interessado, o direito ao contraditório e a ampla defesa. Diferente do processo judicial, as decisões administrativas são mutáveis, portanto, poderá ser objeto de discussão no Poder Judiciário.
Quando a parte recorrer da decisão administrativa no Poder Judiciário, poderá haver a cooperação entre a Administração Pública e administrado ou particular, visto que com a figura do magistrado como um terceiro na relação, possibilita a efetiva adoção do Princípio da Cooperação, sem que haja parcialidade.
Ademais, a eventual falta de defesa técnica na decisão administrativa, como foi disposto na Súmula Vinculante nº 05 do Supremo Tribunal Federal, não ofende os princípios constitucionais, no entanto, impede que haja cooperação entre as partes, visto que haverá desiquilíbrio na relação processual.
2.1 Princípios Administrativos
Para que a Administração Pública possa formalizar os atos, coibir a arbitrariedade, a parcialidade, alcançar a certeza jurídica e a segurança procedimental, independentemente do processo ser litigioso ou não, deve seguir os Princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, previstos no artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, além dos Princípios da Finalidade, Motivação, Razoabilidade, Proporcionalidade, Ampla Defesa, Contraditório, Segurança Jurídica e Interesse Público, estabelecido pela Lei Federal 9.784/1999.
A Administração Pública perante a preponderância do interesse público, poderá instaurar de ofício o processo administrativo, adotar as medidas necessárias para seu desenvolvimento e rever suas decisões. Além do mais, deve respeitar o Princípio do Devido Processo Legal, que tem o intuito de garantir ao cidadão que os seus direitos serão respeitados e que as normas que regulam o processo serão aplicadas, conforme sua finalidade, caso contrário, resta comprovado o desvio de poder do administrador. Sendo assim, a autoridade responsável deve cumprir o que está previsto na lei, segundo o Princípio da Legalidade.
O processo administrativo, por ser manifestação da função administrativa, também deve respeitar os ditames legais. Quando isso não acontece, os atos praticados podem ser considerados inválidos e os responsáveis podem ser responsabilizados no âmbito administrativo (disciplinar), civil e penal (criminal), conforme o caso (ALEXANDRE; DEUS; 2018, p. 950).
O Princípio do Informalismo Procedimental permite ao administrador, diante do silêncio da lei ou atos regulamentares adotar o procedimento mais adequado ao objeto do processo, não sendo obrigado a seguir com rigor excessivo, como nos processos judiciais (CARVALHO FILHO, 2015). Dessa forma, se a autoridade responsável na busca pela verdade material ainda não estiver convencida dos fatos, poderá produzir as provas necessárias para fundamentar a decisão, sendo sempre garantido o contraditório e a ampla defesa do administrado ou particular.
A Administração Pública, deve prezar pela celeridade e economia processual, adotando em seus processos “mecanismos que possibilitem decisões mais céleres e convincentes” (ALEXANDRE; DEUS; 2018, p. 955). Na decisão da autoridade administrativa deve conter as razões de fato e de direito que a motivou, além de estar explicito que a mesma agiu com racionalidade, proporcionalidade e principalmente com honestidade, ética e boa-fé durante todo o processo administrativo.
Visando pela transparência, tanto a decisão administrativa como os demais atos da Administração devem ser divulgados, salvo se for decretado sigilo para preservar a intimidade dos envolvidos e o interesse social. O Princípio da Publicidade está diretamente ligado com o Princípio da Informação, no qual garante ao cidadão o livre acesso a informações em repartições públicas.
A Lei Federal 9.784/1999, trouxe o Princípio da Segurança Jurídica, para evitar a retroatividade de atos estatais e proteger o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, “subjetivamente, esse princípio tem o objetivo de assegurar a estabilidade e a confiança nas relações jurídicas” (ALEXANDRE; DEUS; 2018, p. 954). A lei também dispõe sobre a vedação de cobrança das despesas processuais, ou seja, o processo administrativo deverá ser gratuito. Dessa forma, a Súmula Vinculante 21, considera “inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo”, reforçando o disposto na lei.
3 PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
No processo judicial a relação processual é triangular, formada pelo autor, réu e juiz, enquanto que, no processo administrativo a relação é formada apenas pela Administração, que assume o papel de parte e julgador, e o administrado ou particular. Alguns doutrinadores afirmam, que o modelo cooperativo seria admissível apenas quando a decisão administrativa fosse objeto de questionamento no poder judiciário, com a formação da relação triangular. Outros asseguram, que a cooperação pode ser aplicada no processo administrativo litigioso, visto que, o direito ao contraditório e a ampla defesa estarão garantidos, e a Administração Pública e o administrado ou particular, não estarão em lados opostos e sim numa situação de paridade e igualdade.
Desse modo, para embasar a segunda corrente, que defende a incidência do modelo cooperativo no processo administrativo litigioso, é importante destacar, que os deveres advindos do próprio Princípio da Cooperação, podem ser extraídos da Lei Federal nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo, à fim de garantir que todos os direitos dos envolvidos sejam respeitados e impor algumas obrigações.
Em relação ao dever da autoridade responsável de esclarecer as eventuais dúvidas do administrado ou particular, a Lei Federal dispõe sobre essa obrigação, por meio do Princípio da Publicidade, no qual, a autoridade deve dar ciência do processo ao interessado, além de garantir acesso aos autos, a obtenção de cópias de documentos, produção das provas necessária e conhecer das decisão.
Negada o exercício de tais direitos, ou ainda não veiculada a informação, ou veiculada incorretamente, evidenciada estará a ofensa a direitos de sede constitucional, rendendo ensejo a que o prejudicado se socorra dos instrumentos constitucionais para garantir a restauração da legalidade – o mandado de segurança (art. 5º, LXIX, CF) e o habeas data (art. 5º, LXXII, CF) (CARVALHO FILHO, 2015, p. 27)
O dever de consulta veda a decisão de ofício sem antes as partes tomarem conhecimento da matéria, no processo administrativo, o administrado ou particular tem o direito de apresentar tanto alegações como documentos probatórios antes de qualquer decisão, tendo a autoridade que se sujeitar ao deveres da proporcionalidade, ou seja, adequar os meios e os fins, e motivar sua decisão com base na exposição dos fatos e fundamentos apresentados.
No dever de prevenção, a autoridade deve indicar na sua decisão qual é a deficiência ou vício encontrado na postulação, além de oferecer prazo razoável para que seja sanado e após a correção, proferir a decisão. No âmbito administrativo, a lei determina que haja comunicação nos casos, que possam resultar em sanção ou litígio, e dos fatos que justificaram a decisão, desde que, respeitada os direitos dos administrados e particulares.
O dever de auxílio, permite a autoridade auxiliar os interessados nos eventuais obstáculos surgidos que estejam impedindo o exercício do direito. No artigo 3º, I da Lei nº 9784/1999, dispõe que o administrado deve “ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações” (BRASIL, Lei Federal 9.784 de 1999).
Com a eventual aplicação da cooperação entre a Administração Pública e o administrado ou particular, as decisões administrativas serão proferidas em um prazo maior, em razão do atendimento aos deveres da cooperação, mas serão proferidas com maior rigor e fundamentação, reduzindo a possibilidade de discussão no poder judiciário e permitindo que sejam desde logo executada.
Isto não ignora o fato que no processo administrativo pode haver conflito entre os interessados de forma que cada qual se comporte em defesa de suas pretensões, de modo que o princípio da cooperação pode parecer inadequado, porém, no âmbito do processo eles não são obrigados a colaborar entre si e a lei não pressupõe que as partes atuarão descompromissadas com o êxito de suas pretensões ( MOURA; MARTINS, 2016, p. 338).
Portanto, diferente do processo judicial em que as partes colaboram com o juiz, no administrativo o interessado irá cooperar com a própria autoridade. Para garantir um procedimento justo, a Lei Federal impõe que a Administração Pública haja com urbanidade, e que as informações solicitadas sejam prestadas de forma eficiente e com boa-fé, à fim de colaborar com devido processo legal e a verdade material.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo principal do Princípio da Cooperação é oportunizar para as partes um contraditório mais participativo, ou seja, que haja um diálogo, no qual, permite que o juiz conclua de forma satisfatória para os interessados. Visando um processo mais rápido e com uma decisão justa, por intermédio da cooperação das partes, o Código de Processo Civil, prevê sua aplicabilidade de forma subsidiária em outros processos.
Ao analisar a Lei Federal 9.784/1999, é possível observar que os princípios que norteiam a Administração Pública são compatíveis com os deveres presentes no bojo do Princípio da Cooperação. No entanto, apenas a compatibilidade entre os princípios e os deveres não são suficientes, para que possa aplicar efetivamente o Princípio da Cooperação, visto que existem algumas peculiaridades que dificultam a adoção da cooperação no processo administrativo.
A primeira, consiste na inexistência da relação jurídica triangular no Direito Administrativo, pois a relação é formada apenas por dois sujeitos. Dessa forma, com a aplicação do Princípio da Cooperação poderia surgir conflito de interesse, visto que a Administração Pública assume o papel de julgador e parte no processo. Além do mais, a decisão administrativa pode ser revista pelo Poder Judiciário, formando assim a relação jurídica triangular, possibilitando que as partes cooperem entre si.
Tendo em vista, que o Princípio da Cooperação é uma derivação do Princípio do Contraditório, a outra peculiaridade persiste no questionamento dos doutrinadores sobre a existência ou não de litígio, sendo que quando houver litígio será possibilitado o contraditório, e por consequência haverá a cooperação. Ao contrário do processo administrativo sem litígio, que não há necessidade de contraditório.
Por outro lado, existem os que defendem que com ou sem litígio, o contraditório é um direito constitucional do interessado e que deverá ser respeitado. Independentemente do tipo de processo administrativo, no Direito Administrativo a falta de defesa técnica não ofende os direitos constitucionais do interessado, mas impede que haja a formação do processo cooperativo, por não haver equilíbrio processual entre os sujeitos.
Se todas as peculiaridades do processo administrativo pudessem ser resolvidas ou que encontrassem um meio termo, a adoção do Princípio da Cooperação acarretaria diversos benefícios ao andamento do processo administrativo, como a desnecessidade de recorrer ao Poder Judiciário, pois as decisões demorariam mais um pouco, mas seriam justas, possibilitando uma execução imediata.
No entanto, mesmo respeitando os princípios da boa-fé, da urbanidade, da eficiência, da publicidade, da verdade material, as peculiaridades impedem a cooperação entre a Administração Pública e o administrado ou particular.
REFERÊNCIAS
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Data da conclusão/última revisão: 03/01/2020
Jéssyka de Sousa Moura e Vinicius Pinheiro Marques
Jéssyka de Sousa Moura: Bacharel em Direito pela Faculdade Católica do Tocantins.
Vinicius Pinheiro Marques: Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor de Direito da Faculdade Católica do Tocantins. Advogado.
Código da publicação: 10580
Como citar o texto:
MOURA, Jéssyka de Sousa; MARQUES, Vinicius Pinheiro..Os Reflexos do Princípio da Cooperação no Processo Administrativo. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 999. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/10580/os-reflexos-principio-cooperacao-processo-administrativo. Acesso em 8 out. 2020.
Importante:
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