As estatais devem observar todos os termos da Lei nº 13.303/2016, em que se destaca a determinação constante no artigo 40, no sentido de que devem publicar e manter atualizados regulamentos internos de licitações e contratos, compatíveis com o disposto no diploma.

A Lei nº 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas estatais, estabelece regras de licitações e contratos, apresentadas no Título II com a seguinte subdivisão em três capítulos: 

- Capítulo I, segmentado em sete seções, trata das licitações das estatais (art. 28 ao art. 67);

- Capítulo II, dividido em três seções, versa sobre os contratos por elas celebrados (art. 68 ao art. 84);

- Capítulo III, que cuida da fiscalização (art. 85 ao art. 90).

Sobre o que dispõe o art. 1º, § 2º, que salienta a aplicabilidade do disposto nos Capítulos I e II do Título II à empresa pública dependente, entende-se que a intenção normativa não é excepcionar o Capítulo III do referido Título, ou mesmo o Título I, do plano de aplicação às empresas estatais dependentes, mas afirmar que, embora as empresas dependentes possam realizar suas contratações com o custeio de recursos recebidos do ente federativo controlador, tal situação jurídica não atrai o regime jurídico de licitações e de contratos que se aplica para a Administração Pública direta, vale dizer, o da Lei nº 8.666/93.

Assim é o magistério de Edgar Guimarães [1]:

“A lei tentou deixar claro o fato de que é irrelevante, para o fim de definição do regime jurídico aplicável às suas contratações, a empresa dependente receber recursos do ente federado controlador para o custeio de seus contratos com terceiros. O regime jurídico da Lei nº 13.303/16 aplica-se integralmente para as estatais dependentes, inclusive no que tange à parte referente a licitações e contratos.”

Gustavo Amorim Antunes [2] também defende que o dispositivo não afasta a aplicação das demais disposições da Lei, servindo apenas para reforçar que as empresas dependentes seguem o regime licitatório das empresas estatais:

"A Lei nº 13.303/16 se aplica a todas as empresas estatais, inclusive empresas dependentes, sendo que a única exceção é a dispensa de parte do Título I para MPME. Portanto, esse § 2º, que trata só do Título II, poderia parecer redundante e dispensável. Porém, o art. 1º, § 3º, I, "b", da LRF insere as empresas dependentes nas referências feitas aos entes da Federação, os quais possuem regime licitatório próprio, e isso poderia ser eventualmente utilizado para pretender aplicar às empresas dependentes o regime de compras dos entes da Federação. Dessa forma, esse  § 2º é relevante para deixar claro que as empresas dependentes seguem o regime licitatório das empresas estatais."

Dito isto, tem-se que as estatais devem observar todos os termos da Lei nº 13.303/2016, em que se destaca a determinação constante no artigo 40, no sentido de que devem publicar e manter atualizados regulamentos internos de licitações e contratos, compatíveis com o disposto no diploma, senão vejamos:

"Art. 40. As empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão publicar e manter atualizado regulamento interno de licitações e contratos, compatível com o disposto nesta Lei, especialmente quanto a: 

I - glossário de expressões técnicas; 

II - cadastro de fornecedores; 

III - minutas-padrão de editais e contratos; 

IV - procedimentos de licitação e contratação direta; 

V - tramitação de recursos; 

VI - formalização de contratos; 

VII - gestão e fiscalização de contratos; 

VIII - aplicação de penalidades; 

IX - recebimento do objeto do contrato. 

 

Art. 41. Aplicam-se às licitações e contratos regidos por esta Lei as normas de direito penal contidas nos arts. 89 a 99 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993."

Conforme se depreende do dispositivo acima transcrito, há um conteúdo mínimo a ser observado quando da elaboração do regulamento interno, que pode ser ampliado a depender dos objetivos estratégicos almejados pela organização, principalmente para conter normas relativas ao planejamento da contratação, em especial critérios para a identificação precisa da necessidade administrativa, para a descrição do objeto da contratação, elaboração do orçamento estimativo, tramitação de recursos, recebimento do objeto do contrato, bem como elaboração de termos de referência e de projetos básicos.

O Decreto nº 8.945/2016, que regulamentou a Lei nº 13.303/2016 no âmbito da União, também preceitua, no art. 71, matérias que devem ser tratadas no regulamento interno, estabelecendo, ainda, que o normativo deve ser aprovado pelo Conselho de Administração da empresa, se houver, ou pela assembleia geral:

"Art. 71. O regime de licitação e contratação da Lei nº 13.303, de 2016, é autoaplicável, exceto quanto a:

I - procedimentos auxiliares das licitações, de que tratam os art. 63 a art. 67 da Lei nº 13.303, de 2016;

II - procedimento de manifestação de interesse privado para o recebimento de propostas e projetos de empreendimentos, de que trata o § 4º do art. 31 da Lei nº 13.303, de 2016;

III - etapa de lances exclusivamente eletrônica, de que trata o § 4º da art. 32 da Lei nº 13.303, de 2016;

IV - preparação das licitações com matriz de riscos, de que trata o inciso X do caput do art. 42 da Lei nº 13.303, de 2016;

V - observância da política de transações com partes relacionadas, a ser elaborada, de que trata o inciso V do caput do art. 32 da Lei nº 13.303, de 2016; e

VI - disponibilização na internet do conteúdo informacional requerido nos art. 32, § 3º, art. 39, art. 40 e art. 48 da Lei nº 13.303, de 2016.

§ 1º A empresa estatal deverá editar regulamento interno de licitações e contratos até o dia 30 de junho de 2018, que deverá dispor sobre o estabelecido nos incisos do caput, os níveis de alçada decisória e a tomada de decisão, preferencialmente de forma colegiada, e ser aprovado pelo Conselho de Administração da empresa, se houver, ou pela assembleia geral."

Nestes termos, a função do regulamento é o estabelecimento de procedimentos condizentes com as diretrizes fixadas pela Lei das Estatais, detalhando os pormenores a serem considerados para a tomada de decisões, em face das inovações trazidas pela Lei.

Assim, observou Joel Niebuhr [3] que:

“Os regulamentos devem conferir norte mais seguro aos colaboradores das estatais, para que eles se sintam confortáveis e consigam assimilar as novidades legislativas, além de, com procedimentos bem definidos e claros, contribuir para a legitimidade e para a melhora da qualidade das decisões.”

Essa construção, portanto, não deve se limitar a repetir o texto legal, posto que, feita dessa forma, não atingiria ao fim desejado. A regulamentação oportunizada às estatais deve avançar na previsão de procedimentos próprios, apropriados e oportunos para a empresa, sem, no entanto, inovar na ordem jurídica e, muito menos, contrariar as disposições legais, sob pena de violação ao princípio da legalidade (inc. II do art. 5º e caput do art. 37 da CF). 

Nesse sentido, as lições de Edgar Guimarães [4]:

"O universo das estatais é bastante amplo, diverso e multifacetado. Uma das mais relevantes normas previstas na lei é a que impõe para as empresas públicas e sociedades de economia mista a edição de regulamento interno próprio de licitações e contratos. O regulamento interno de licitações e de contratos tem por fim moldar a norma às particularidades e peculiaridades jurídicas e materiais de cada uma das empresas.

É forçoso sustentar que, por força do princípio da legalidade e da competência constitucional reservada ao Poder Legislativo, seja no que tange à edição de normas gerais (competência privativa da União), seja quanto à competência concorrente dos demais entes federados, há limites de conteúdo para a edição dos regulamentos próprios que não podem ser ultrapassados. Vale dizer, não há autorização para legislar sobre licitações e contratos, mas há evidente espaço jurídico para a adequação da lei ao plano concreto das estatais."

O autor também comenta as inovações trazidas pela Lei no que tange a licitações e contratos [5]:

"A primeira inovação digna de nota de a obrigação de as estatais elaborarem um regulamento interno de licitações e de contratos. Com conteúdo mínimo previsto na lei, constituirá um importante instrumento para orientar e balizar as licitações e as contratações das empresas públicas e sociedades de economia mista, ajustando as normas legais às particularidades e peculiaridades inerentes e intrínsecas a cada uma delas.

Merecem ainda registro, entre outros, como inovações destinadas a ampliar a eficiência das contratações promovidas pelas estatais: (i) a inversão de fases em relação àquela rotina procedimental prevista na Lei nº 8.666/93; (ii) o desaparecimento das modalidades de licitação também previstas na Lei Geral de Licitações; (iii) a instituição dos modos de disputa aberto e fechado; (iv) a remuneração do contratado vinculada ao desempenho contratual; (v) os regimes de execução por contratação integrada e por contratação semi-integrada; (v) a obrigatoriedade de elaboração de matriz de riscos no caso de contratação de obras e serviços de engenharia; (vi) o aumento dos limites para contratação direta em razão do valor do objeto e a possibilidade de alteração destes valores pelo conselho de administração; (vii) os novos critérios de julgamento; e (viii) os procedimentos auxiliares da licitação.

No plano específico dos contratos, a lei determina que o regime jurídico a eles aplicado seja predominantemente o regime de direito privado - uma verdadeira inovação substancial em comparação com o tradicional regime jurídico dos contratos administrativos. Com esta orientação, desaparecem, por exemplo, as denominadas prerrogativas exorbitantes da Administração - inclusive a de alterar unilateralmente os contratos -, e há nítido privilégio para as soluções consensuais."

Notório, portanto que a Lei nº 13.303/2016 disciplinou a estrutura do procedimento licitatório de modo geral e deixou que o regulamento interno de cada estatal complementassem o procedimento, estabelecendo regras mais específicas. Cabe, então, às estatais a tarefa de elaborar soluções descomplicadas e eficientes para os procedimentos licitatórios, respeitados os limites bem definidos pela Lei nº 13.303/2016.

 

NOTAS:

[1] Guimarães, Edgar. Lei das estatais: comentários ao regime jurídico licitatório e contratual da Lei nº 13.303/2016. Edgar Guimarães, José Anacleto Abduch Santos. 1. Reimpressão - Belo Horizonte: Fórum, 2017. pág. 22.

[2] Antunes, Gustavo Amorim. Estatuto Jurídico das Empresas Estatais: Lei nº 13.303/16 comentada. Belo Horizonte: Fórum, 2017. pág. 118.

[3] Niebuhr, Joel de Menezes. Regulamento de Licitações e Contratos das Estatais. Revista Zênite: ILC - Informativo de Licitações e Contratos, Curitiba: Zênite, n. 275, p. 5-8, jan. 2017.

[4] Guimarães, Edgar. Lei das estatais: comentários ao regime jurídico licitatório e contratual da Lei nº 13.303/2016. Edgar Guimarães, José Anacleto Abduch Santos. 1. Reimpressão - Belo Horizonte: Fórum, 2017. pág. 38

[5] Guimarães, Edgar. Lei das estatais: comentários ao regime jurídico licitatório e contratual da Lei nº 13.303/2016. Edgar Guimarães, José Anacleto Abduch Santos. 1. Reimpressão - Belo Horizonte: Fórum, 2017. pág. 17.

Data da conclusão/última revisão: 09/12/2020

 

Como citar o texto:

NERI, Bárbara Dantas..Elaboração do regulamento de licitações e contratos das empresas estatais. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1031. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/11078/elaboracao-regulamento-licitacoes-contratos-empresas-estatais. Acesso em 17 mai. 2021.

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