O devido processo administrativo disciplinar como garantia fundamental
1. Processo administrativo como direito fundamental
Com o objetivo de reduzir a discricionariedade do poder público e dificultar a má utilização do poder disciplinar, o processo administrativo, com contraditório e ampla defesa, foi inserido no rol dos direitos e garantias fundamentais. Surgiu, dessa maneira, um devido processo legal administrativo, garantia contra as arbitrariedades e tiranias do poder público[i].
Reza o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Como se vê, a Constituição assegura que os princípios do contraditório e da ampla defesa devem estar presentes nos processos administrativos. No entanto, nem todas as espécies desse gênero demandam essa garantia constitucional, mister nas hipóteses de atos que venham a causar gravame a alguém.
Podemos encontrar os princípios do contraditório e da ampla defesa em todas as fases do processo administrativo disciplinar, espécie do gênero processo administrativo.
Nesse sentido, cumpre-nos atentar para o fato de que erroneamente alguns doutrinadores empregam o termo processo administrativo e, até mesmo, inquérito administrativo para designar o processo administrativo disciplinar, o que denota uma impropriedade terminológica sem tamanho[ii].
Fato é que, processo administrativo, gênero, do qual faz parte o processo administrativo disciplinar, é, segundo Di Pietro[iii], “o conjunto de atos coordenados, direcionados para a solução de uma controvérsia no âmbito administrativo”.
Sua finalidade seria garantir aos cidadãos um melhor controle dos atos administrativos que viessem interferir em sua esfera privada, tendo em vista a participação do administrado nos momentos antecedentes a decisão final.
Enquanto, o inquérito, traduz no direito, a idéia de procedimento inquisitorial (apuração de fatos e diligências, sem o escopo de ensejar um ato disciplinar), podendo ser uma etapa do processo administrativo disciplinar, mas não se coadunando bem com sentido do processo, uma vez que este, admitindo o princípio do contraditório, deverá dar ensejo ao mais amplo direito de defesa[iv].
Nesse diapasão, é indubitável o patamar jurídico em que foi colocado o processo administrativo, apresentando-se, atualmente, como uma das garantias do Estado Democrático de Direito, no sentido de que deve ser exercido dentro de determinadas formalidades que impeçam ofensas às garantias constitucionais.
2. O devido processo administrativo disciplinar
Processo administrativo disciplinar, na visão de Medauar[v], é a “sucessão ordenada de atos destinados a averiguar a realidade da falta cometida por servidor, a ponderar as circunstâncias que nela concorreram e aplicar as sanções pertinentes”. É uma das formas utilizadas para se apurar os ilícitos administrativos.
Malgrado a Lei Federal nº. 9.784/99 não ter estabelecido todos os procedimentos (forma de proceder em cada caso) a serem observados pela Administração Pública, deixando esta livre para escolher a forma de atingir seus objetivos, estabeleceu normas gerais sobre o processo administrativo.
Esclareça-se que, a despeito de não existir procedimentos para todos os atos da administração, como dito linhas acima, o poder de aplicar sanções aos seus agentes não pode ser utilizado de qualquer maneira pela Administração Pública.
A presença do processo administrativo na seara das garantias fundamentais constitucionais representa um meio para que sejam preservados e cumpridos os direitos individuais na atuação administrativa.
Entretanto, a ampla defesa e o contraditório não acompanham todo e qualquer processo administrativo. Somente naqueles que envolvem lide ou uma acusação é que estas garantias constitucionais devem estar presentes.
O poder disciplinar, sobretudo, só pode ser desempenhado através de um processo administrativo, por meio do qual a administração pública apurará e imputará o ato ilegal, oferecendo e propiciando meios de defesa ao acusado, para enfim aplicar a sanção administrativa[vi].
Perceba-se que a oportunização do contraditório e da ampla defesa, acaba por somatizar o devido processo legal (due process of law).
Nessa esteia, vale observar que a processualização administrativa refletida no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, vincula-se ao inciso LIV do mesmo artigo, que estabeleceu o devido processo legal.
Para Medauar[vii]:
“A combinação dos incisos. LIV e LV do art. 5º resulta na imposição de processo administrativo que ofereça aos sujeitos oportunidade de apresentar sua defesa, suas provas, de contrapor seus argumentos a outros, enfim, a possibilidade de influir na formação do ato final. O devido processo legal desdobra-se, sobretudo, nas garantias do contraditório e ampla defesa, aplicadas ao processo administrativo”.
Sob este prisma, a condução do processo administrativo disciplinar, ou seja, em qualquer uma de suas modalidades (sindicância ou processo disciplinar) exige das autoridades julgadoras observância às garantias inalienáveis dos servidores (devido processo legal, com todos seus consectários) que, se negligenciadas, poderão acarretar nulidade absoluta do procedimento e até mesmo das sanções.
Relevante destacarmos, a importância da sindicância administrativa que antigamente era utilizada apenas para a apuração de fatos que ensejassem a propositura do processo administrativo, caracterizando-se pelo manto do sigilo, não sendo nesta fase deferido ao servidor o direito de defesa[viii].
Hely Lopes Meirelles[ix] conceitua sindicância como sendo, “o meio sumário de elucidação de irregularidades no serviço para subseqüente instauração de processo e punição do infrator”.
Entretanto, como bem acentuou o próprio Meirelles[x], já na vigência da Constituição de 88, "a sindicância tem sido desvirtuada e promovida como instrumento de punição de pequenas faltas de servidores, caso em que deverá haver oportunidade de defesa para validade da sanção aplicada".
Portanto, em todo e qualquer procedimento administrativo não se pode permitir – estando em jogo o destino, a imagem e a carreira de um servidor público – que o espírito da lei divorcie-se do devido processo legal como corolário lógico do contraditório e da ampla defesa, estando a eles direta e conseqüentemente atrelados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, os quais norteiam, na esfera de todos os poderes, os atos administrativos em espécie (art. 37, caput da CF)[xi].
Sendo assim, o processo administrativo disciplinar é obrigatório para os casos de aplicação de penas que impliquem a perda de cargo para funcionário estável (art. 41, CF), assim como para aplicação de pena de suspensão por mais de trinta dias, demissão, cassação de aposentadoria e disponibilidade, e destituição de cargo em comissão (art. 146, da Lei nº 8.112/90), e para casos de demissão ou dispensa do servidor efetivo ou estável, comprovadamente ineficiente ou desidioso (art. 100, do Decreto-Lei nº 200/67).[xii]
3. As garantias constitucionais e o processo disciplinar
Expresso no art. 5º, LV, da Constituição Federal, os princípios do contraditório e da ampla defesa estão dispostos ainda no art. 41, § 1º, também do texto constitucional, no que se refere aos servidores estáveis. Na Lei nº 9.784/99, art. 2º, § único, inciso X, na relação dos princípios aos quais a Administração Pública se sujeita[xiii].
O princípio da ampla defesa é aplicável a qualquer tipo de processo que envolva situação de litígio ou poder sancionátorio do Estado sobre seus servidores. Já o princípio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do processo, oportunizando às partes o direito de resposta.[xiv]
O contraditório, segundo Di Pietro[xv] “exige: 1. notificação dos atos processuais à parte interessada; 2. possibilidade de exame das provas constantes do processo; 3. direito de assistir à inquirição de testemunhas; 4. direito de apresentar defesa escrita”.
Ressalte-se que, em tese, a garantia do contraditório e da ampla defesa só estaria assegurada na fase processual. Contudo, quando a sindicância for além da apuração dos fatos, aplicando penalidades aos sindicados, este direito estará garantido.
3.1. O princípio do contraditório
O princípio do contraditório propicia ao sujeito a ciência dos dados, fatos, argumentos e documentos, a cujo teor ou interpretação pode reagir, apresentando outros dados, fatos, argumentos ou documentos.
Também indica a atuação de uma garantia fundamental de justiça, estando intimamente ligado ao exercício do poder, sempre influente sobre a esfera jurídica das pessoas. É considerado pela doutrina moderna, inerente à própria noção de processo[xvi].
A Constituição de 1988 previu o contraditório e a ampla defesa num único dispositivo, aplicável expressamente aos litigantes em qualquer processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral.
Assevera Cintra, Grinover e Dinamarco[xvii], que “o texto constitucional autoriza o entendimento de que o contraditório e a ampla defesa são também garantias no processo administrativo não punitivo, em que não há acusados, mas litigantes (titulares de conflitos)”.
É traduzido pela melhor doutrina como a informação necessária e reação possível.
Os elementos configuradores de sua base são[xviii]:
- Informação geral – é o direito de conhecer os fatos do processo, seus documentos e provas; o direito a comunicação de todos os momentos processuais; a necessidade de ciência prévia dos elementos inserindo no processo para uma reação;
- Audiência das partes – que é o direito de se manifestar sobre os fatos, provas, documentos e tempo suficiente para respondê-los; e,
- Motivação – que propicia um reforço a transparência administrativa, permitindo que o servidor saiba com clareza os motivos da decisão, podendo assim, melhor e mais eficientemente, se defender.
Dessa forma, a informação dada ao sujeito para que possa reagir no processo administrativo, é uma forma de tutelar o servidor destinatário do ato final. Tal proteção enseja a colaboração do acusado no esclarecimento do ato praticado, e oferece a possibilidade de melhor combater a decisão, se lesiva ao acusado.
O contraditório não admite exceções mesmo nos caso de urgência, e o acusado ou demandando poderá exercer seu direito de defesa plenamente e sempre antes da decisão definitiva[xix].
De acordo com Cintra, Grinover e Dinamarco[xx], “em virtude da natureza constitucional do contraditório, deve ele ser observado não apenas formalmente, mas, sobretudo pelo aspecto substancial, sendo de se considerar inconstitucionais as normas que não o respeitem”.
Ainda nesse diapasão, e por analogia, comparando o processo administrativo ao inquérito policial, com muita propriedade Cintra, Grinover e Dinamarco[xxi] discorrerem:
O inquérito policial é mero procedimento administrativo que visa à colheita de provas para informações sobre o fato infringente da norma e sua autoria. Não existe acusação nessa fase, onde se fala em indiciado (e não acusado, ou réu), mas não se pode negar que após o indiciamento surja o conflito de interesses, com “litigantes” (art. 5º, inc. LV, CF). (...). Além disso, os direitos fundamentais do indiciado hão de ser plenamente tutelados no inquérito.
O contraditório contribui para que a instrução do processo se aproxime da verdade dos fatos e para que estes sejam precisos e ensejem uma decisão justa e correta.
Oportuniza, ainda, a impessoalidade no julgamento, no momento que iguala os sujeitos no que se refere a apresentação de provas e alegações, tornando mais fácil a tomada de decisões objetivas e sem conotações pessoais, colaborando, por conseguinte, para a ampliação da transparência administrativa.
Segundo Medauar[xxii] “daí estar o contraditório vinculado à democracia administrativa, sob o ângulo da cooperação dos interessados na tomada de decisão e sob o ângulo da visibilidade dos momentos que antecedem a decisão”.
3.2. O princípio da ampla defesa
Já foi maciçamente repetido o fato de que os princípios da ampla defesa e contraditório estão profundamente interligados.
Por ter o caráter prévio de defesa, a apresentação da defesa antes do ato decisório observa-se nos processos administrativos punitivos, contra servidores ou particulares, pois os mesmos podem culminar em sanções a estes sujeitos.
No que pertine, especificamente, ao processo administrativo disciplinar, mostra-se essencial a presença da ampla defesa, que obsta a imposição de penalidades, tenham estas o grau que tiverem.
Saliente-se que, o direito de interpor recurso administrativo, já é um desdobramento inerente desse princípio, assim como o direito de auto defesa e a defesa técnica.
Na autodefesa o sujeito pessoalmente realiza as condutas, implicando dois elementos: o direito de presença, em que o sujeito tem a faculdade de assistir pessoalmente à realização de provas, inquirir ou fazer inquirir testemunhas; e o direito de audiência, em que o sujeito pode falar oralmente, relatando ou explicando dados, ou seja, apresentar os argumentos em favor próprio[xxiii].
Na praxe administrativa em nosso país predomina a autodefesa, salvo em processos disciplinares, em que é obrigatória a presença de advogado.
É, justamente, nesse sentido que a defesa técnica se traduz: o direito do acusado, no processo disciplinar, ser assistido por um advogado legalmente habilitado.
Contudo, vem se firmando entendimento de que a defesa técnica, nos casos dos servidores desassistidos, só é tida como imprescindível quando se tratar de falta grave (que enseje demissão ou expulsão).
Esboça Medauar[xxiv], que, “nos demais processos, seria inviável que a Administração propiciasse defensor dativo a todos os sujeitos sem advogado próprio; daí a defesa técnica ser vista como possibilidade, não como exigência”
Diante das garantias constitucionais asseguradas ao processo administrativo (contraditório e ampla defesa (art. 5º, inciso LV, CF)), não há como corroborar com esse entendimento.
Ademais, a presença do advogado é indispensável à administração da justiça, consoante o art. 133, da CF.
Nesse sentido, com muita pertinência discorre Martins[xxv]:
Plasmava-se na doutrina o entendimento de que o advogado era imprescindível à defesa na órbita administrativa, por imperativo do disposto no artigo 5º LV da Constituição Federal, em consonância com o parágrafo 3º do artigo 71 da lei 4.215, de 27 de abril de 1963, o agora revogado Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, que dispunha "verbis": "Compete privativamente aos advogados elaborar e subscrever petições iniciais, contestações, réplicas, memoriais, razões, minutas e contraminutas nos processos judiciais, bem como a defesa em qualquer foro ou instância". Donde se inferia que o legislador infraconstitucional, ao dizer que a defesa era ato privativo de advogado em qualquer foro, estava a explicitar que a defesa no "foro" administrativo era ato da alçada dos advogados como elemento assegurador da ampla defesa, já que não se pode conceber a referida garantia, sem a defesa técnica.
Malgrado a evolução doutrinária e jurisprudencial que caminhava para abolir o odioso vezo da defesa levada a efeito por leigos nos processos administrativos sancionadores, leigos estes que a cotio eram servidores submetidos hierarquicamente à vontade da autoridade instauradora do procedimento sancionador, veio a nova lei e nada dispôs sobre ser privativa de advogados a defesa em qualquer foro (...).
Inobstante a tudo isso, cremos que os bens jurídicos envolvidos no processo administrativo disciplinar, são indisponíveis, devendo a Administração Pública, propiciar advogado dativo ao servidor desassistido.
Entendemos que, a defesa técnica é imprescindível, malgrado a Lei Federal 9.784/99 no seu art. 3º, dispor que o administrado pode se fazer assistir por advogado, ou seja, prevê assistência facultativa do advogado (inc. IV), fazendo, entretanto, exceção, “salvo quando obrigatória a representação, por força de lei”.
Aspira-se com isso, que o princípio da ampla defesa não seja mero dispositivo formal, mas sim, que seja aplicado em todos os casos concretos, como verdadeira garantia fundamental.
Ensina Figueiredo[xxvi], que no processo administrativo assegura-se o amplo contraditório porque a lei pretende seja assegurado direito amplo de defesa, formal e materialmente.
Nesse passo, o amplo contraditório seria condição sine qua non para que haja decisão justa ao final.
Dessa forma decidiu o STF[xxvii]:
DEVIDO PROCESSO LEGAL - DEFESA - PROCESSO ADMINISTRATIVO - GRADAÇÃO DA PENA. A garantia constitucional da observância do processo administrativo em sua plenitude, ou seja, considerados o contraditório e a ampla defesa, não sofre mitigação diante da pena imposta, no caso de repreensão, a decorrer de imputação da qual, logicamente, o destinatário tem interesse em defender-se. Intangibilidade da norma inserta no inciso LV do artigo 5º da Carta de 1988, no que glosada a adoção da punição sumária.
É possível se depreender, portanto, que os servidores que respondem a processo disciplinar, não devem ser punidos sem a devida assistência técnica, qualquer que seja a gravidade da penalidade.
Por isso, é dever da Administração nomear defensor dativo ao acusado desassistido em processo administrativo disciplinar, assegurando ao mesmo um devido processo legal.
Corrobora com o que pretendemos demonstrar, os ensinamentos de Figueiredo[xxviii], de que se o servidor em processo disciplinar, não se defender por advogado, deverá lhe ser nomeado defensor. Da mesma forma que, se houver revelia, ou a parte não apresente defesa, a nomeação de defensor dativo é absolutamente necessária do mesmo modo que no processo penal (art. 126, CPP).
4. Fases do processo administrativo disciplinar
Já foi destacada a necessidade da presença do contraditório e da ampla defesa em todas as fases do processo administrativo.
Deste modo, mencionaremos de forma sucinta as etapas do processo disciplinar, de maneira que seja possível visualizar a presença das garantias constitucionais ao longo do mesmo.
O processo administrativo disciplinar desdobra-s em 5 fases principais: a apuração ou instauração; a instrução; a defesa; o relatório e o julgamento ou decisão.
A instauração do processo disciplinar pode ocorrer ex officio, quando a autoridade competente toma ciência de alguma irregularidade, ou por provocação.
É uma das fases mais difíceis do processo, em que serão colacionadas ao seu bojo todas as provas elucidativas do fato que se pretende apurar.
Aqui deve ocorrer a realização de todas as diligências que se façam necessárias ao esclarecimento dos fatos, tais como: tomada de depoimentos das testemunhas, audição do denunciante, e caso haja, do acusado, colheita de provas documentais, realização de exames periciais, etc.[xxix].
Com o desiderato de se garantir o princípio do contraditório e a ampla defesa, processo disciplinar é instaurado mediante portaria que contenha o nome dos servidores envolvidos no suposto ilícito, a infração de que são acusados com descrição sucinta dos fatos e a indicação dos dispositivos legais infringidos[xxx].
A instrução, é momento em que as provas coletadas serão examinadas. O indiciado acompanhará a instrução, conhecendo e respondendo a todas as provas contra ele apresentadas. É essencial para a ampla defesa[xxxi].
Encerrada a instrução o indiciado será citado para no prazo de dez dias apresentar defesa. O indiciado tem direito a um advogado e durante todas as fases do procedimento pode interferir, em atenção a ampla defesa e ao contraditório[xxxii].
Depois de apresentada a defesa, a comissão elabora um relatório, o qual, junto com os autos do processo será remetido à autoridade julgadora. A peça deverá conter um relato de todos os fatos apurados e a conclusão da comissão a respeito da culpabilidade ou inocência do acusado. É meramente opinativo[xxxiii].
Por fim o julgamento, competência da mesma autoridade que instaurou o processo disciplinar. Nesta fase, a autoridade competente não esta jungida às conclusões a que chegaram os membros da comissão, podendo decidir em sentido contrário. Dessa forma, se acolher as sugestões expostas no relatório, este servirá de motivação para o ato. Caso contrário, a autoridade julgadora deverá motivar adequadamente sua decisão, absolvendo ou aplicando a penalidade. Podendo, ainda, declarar a nulidade do processo, determinar o saneamento ou a realização de novas diligências[xxxiv].
Destarte, não se deve considerar eficiente um processo disciplinar apenas por ter sido aplicada uma penalidade. A punição não é o objetivo final e necessário do processo administrativo.
A finalidade desse instrumento consiste, primordialmente, em permitir a apresentação de resposta pelo acusado a qualquer denúncia efetuada dentro da Administração Pública, esclarecimentos de fatos e eventual aplicação de penalidade, uma vez verificada a responsabilidade administrativa de algum agente[xxxv].
5. Conclusão
Teceremos, por fim, algumas considerações acerca do processo administrativo disciplinar diante das garantias constitucionais.
Conforme exposto, o poder disciplinar não pode ser exercido sem a intermediação de processo, pois a garantia constitucional da ampla defesa veda a imposição sumária de penas.
Entretanto, o contraditório e a ampla defesa não devem ser aplicados apenas nos casos em que se apuram condutas passíveis de penas graves (demissão ou expulsão), tendo em vista a previsão do inc.LV do art.5° da Constituição, que prevê o mais amplo direito de defesa..
Nesse diapasão, a processualização na esfera administrativa deve estar imbuída dos valores democráticos que emanam do texto constitucional, tendo em vista ter sido consagrado no rol dos direitos fundamentais.
Em sendo assim, o contraditório e a ampla defesa contribuem para que a instrução do processo busque a verdade, para que os fatos sejam mais precisos, e para possam ensejar uma decisão mais correta.
Propicia também a impessoalidade, pois iguala as oportunidades dadas aos sujeitos entre si, e os sujeitos ante a administração, para apresentar provas e alegações.
Finalmente, entendemos que a atuação da Administração Pública deve ser exercida em favor do servidor mediante processo justo e segurança dos trâmites legais, impedindo-se decisões arbitrárias, efetivando o princípio constitucional da igualdade, do amplo contraditório, da ampla defesa, e a manutenção do Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
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[i] MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 670.
[ii] COSTA, José Amando da. Teoria e Prática do Direito Disciplinar. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 328.
[iii] DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 483.
[iv] COSTA. Op. Cit., p. 328.
[v] MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 8. ed. ver. e atual. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2004. p. 362.
[vi] MEIRELES. Op. Cit., p. 124.
[vii] MEDAUAR. Op. Cit., p. 196-197.
[viii] MEIRELES. Op. Cit., p. 671.
[ix] MEIRELLES. Op. Cit., p. 671.
[x] MEIRELLES. Op. Cit., p. 671.
[xi] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 11º ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004. p. 816.
[xii] DI PIETRO. Op. Cit., p. 490.
[xiii] DI PIETRO. Op. Cit.. p. 490.
[xiv] DI PIETRO. Op. Cit,. p. 490-491.
[xv] DI PIETRO. Op. Cit. p. 491.
[xvi] CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, Antônio Carlos Araújo. Ada Pellegrini. Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 20º ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 55.
[xvii] CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO. Ibidem. p. 56.
[xviii] MEDAUAR. Op. Cit. p. 199-200.
[xix] CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO. Op. Cit., p. 57.
[xx] CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO. Op. Cit., p. 57.
[xxi] CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO. Op. Cit., p. 57.
[xxii] MEDAUAR. Op. Cit. p.199.
[xxiii] MEDAUAR. Op. Cit. p. 202.
[xxiv] MEDAUAR. Op. Cit. P. 202.
[xxv] MARTINS, Eliezer Pereira. Estatuto da Advocacia e a atividade policial . Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: . Acesso em: 12/05/2006.
[xxvi] FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 6º. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 426.
[xxvii] AI-AgR 186840 / RS - RIO GRANDE DO SUL. AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 30/03/1998. Órgão Julgador: Segunda. Turma Publicação: DJ 15-05-1998 PP-00047 EMENT VOL-01910-03 PP-00556.
[xxviii] FIGUEIREDO. Ibidem. p 431.
[xxix] COSTA. Op. Cit., p. 333.
[xxx] DI PIETRO. Op. Cit., p. 497.
[xxxi] DI PIETRO. Op. Cit., p. 497.
[xxxii] COSTA. Op. Cit., p. 333.
[xxxiii] COSTA. Op. Cit., p. 337.
[xxxiv] DI PIETRO. Op. Cit., p. 498.
[xxxv] BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Considerações sobre o processo administrativo disciplinar. Data Vênia, Paraná, 2005. Disponível em: http://www.datavenia.net/artigos/ consideracoes sobre processo admnistrativo disciplinar Acessado em: 11/05/2006.
Marcela Blumetti Matos
Acadêmica das Faculades Jorge Amado (10º semestre).