Isonomia ou isonomias: uma análise sobre o exercício do duplo grau de jurisdição pela administração pública em decisões desfavoráveis

Resumo: O presente trabalho tem o escopo de abordar a aplicabilidade do princípio da isonomia ao processo administrativo, tendo como base, a possibilidade de nova discussão por parte da administração pública, quando tida decisão desfavorável. É cediço que o sistema processual brasileiro estabelece uma série de princípios e garantias que afiguram como indissociáveis do ideário republicano democrático vigente. Neste aspecto, o presente analisa a formação do Estado Democrático de Direito, com base no princípio do devido processo legal, tendo como principal aplicação o princípio implícito do duplo grau de jurisdição. Posteriormente, sendo feita análise sobre a possibilidade ou não da Administração Pública poder rever suas decisões no Poder Judiciário. Assim, o reconhecimento do devido processo legal como corolário norteador, estabelece-se uma cláusula de preservação das partes, incluindo o Estado, na condução dos processos, bem como a exigência de uma sentença justa, motivada e imparcial. A metodologia empregada assenta-se no método dedutivo, auxiliada de revisão de literatura como técnica de pesquisa.

Palavras-chave: Duplo Grau de Jurisdição. Devido Processo Legal. Inconformismo Processual

Abstract: The present work has the scope to approach the applicability of the principle of isonomy to the administrative process, based on the possibility of a new discussion by the public administration, when an unfavorable decision is taken. It is imperative that the Brazilian procedural system establishes a series of principles and guarantees that seem to be inseparable from the prevailing democratic republican ideology. In this respect, the present article analyzes the formation of the Democratic State of Law, based on the principle of due process, having as its main application the implicit principle of double jurisdiction. Subsequently, an analysis was made of whether or not the Public Administration could review its decisions in the Judiciary. Thus, the recognition of due process as a guiding corollary establishes a clause preserving the parties, including the State, in the conduct of proceedings, as well as the requirement of a fair, motivated and impartial sentence. The methodology used is based on the deductive method, aided by literature review as a research technique.

Keywords: Double Degree of Jurisdiction. Due Process Legal. Nonconformity

 

1 INTRODUÇÃO

Em tom de comentários iniciais, cumpre ser realizada breve análise sobre a diferenciação que a doutrina faz sobre o princípio do duplo grau de jurisdição pelos contribuintes e em outra faceta pela Administração pública. Ocorre que após o término do processo administrativo, se a decisão proferida for contrária aos interesses do contribuinte, conforme garantia constante no artigo 5°, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988, poderá ser levado tal processo a apreciação do Poder Judiciário, a fim de ser reformado, caso a verdadeira justiça ainda não tenha sido alcançada.

Em primeiro ponto, foi abordado o princípio do devido processo legal como base do Estado Democrático de Direito que é a República Federativa do Brasil, sendo este, fonte de muitos outros princípios resguardados constitucionalmente, com escopo de melhorar a temática processual brasileira, além de garantir que seja evitado o arbítrio daqueles que representam o Estado, tanto como julgadores, ora como partes no processo.

         Em um segundo momento, foi abordado o princípio do duplo grau de jurisdição como sendo agora, implícito na Constituição de 1988, pois há tempos, tinha ele muito mais garantia do que atualmente. Isso ocorre principalmente pelo estudo ministrado pelos autores, Cappelletti e Garth (1988), na acepção das ondas do acesso à justiça, vez essa em que, estava sendo tornado cada vez mais moroso o processo brasileiro. Isso era devido ao grande número de demanda que haviam surgido, outrora, todo e qualquer processo por mais simples que fosse, estava sendo levada a apreciação de uma corte superior, fazendo com que os processos não mais tivessem fim.

Assim, tem-se, atualmente, a deliberação implícita do duplo grau de jurisdição, como princípio não absoluto e nem mesmo obrigatório, além de ter sido estabelecido alguns pressupostos que devem ser preenchidos pelo tutelado, para que consiga enviar esse processo para segunda instância. Neste diapasão, são apresentadas vantagens e desvantagens desse princípio na aplicação do processo brasileiro. Na última seção, foi feita análise com base na doutrina e jurisprudência de como era interpretada a possibilidade da administração ter ou não direito de apreciação do Judiciário em suas demandas.

Em tom de conclusão, foi descoberto que a doutrina majoritária, ou Tribunais superiores, embora salve alguma ressalva quanto a esse direito, estabelecem que a priori não tenha direito a Administração Pública de rever seus atos no Judiciário. Muito embora, alguns doutrinadores entendam ser afronta ao princípio da isonomia, é tido como esse entendimento utilizado atualmente no Brasil, por garantir a segurança jurídica ao contribuinte, o CTN em seu artigo 156, assevera que após fim do processo administrativo, se favorável ao contribuinte, encontra-se extinto o crédito tributário, evita-se o total caos processual, pois uma vez que o Judiciário, intervisse em processos administrativos, seria total afronta à separação e independência dos poderes, violando desta forma cláusula pétrea constitucional.

Não há que se falar na própria Administração, adentrando as portas do Judiciário contra sua própria entidade para rever ato que ela mesma decidiu. Mesmo que o funcionalismo público, não seja a própria administração emitindo sua vontade, devem ser eles, dotados de imparcialidade, senão qual seria o motivo de existir processo administrativo. Outa pergunta a ser feita, é qual o sentido de haver processo administrativo de em toda decisão proferida, tanto a administração, quanto os contribuintes, pudessem recorrer de suas decisões quando desfavoráveis a cada uma das partes? É por esse e outros motivos que é adoto pelo Brasil a premissa de não ser possível a novo discussão de processos administrativos em definitivo que foram desfavoráveis a Fazenda Pública.

 

2 O DEVIDO PROCESSO LEGAL COMO FUNDAMENTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Constante o artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, está a premissa de ser considerado este país um Estado Democrático de Direito. Sendo sua soberania emanada do povo, exercendo-se por meio do sufrágio universal e secreto, onde elegem seus representantes, que por meio de mandatos eletivos, exercem poderes, que se encontram previstos na magna carta.

Devemos inicialmente recordar a extensão da cláusula do "devido processo legal". Lembremo-nos de que o devido processo legal aparece com acepção meramente formal, em 1215, na Magna Carta, escrita em latim (exatamente para que poucos tivessem acesso a seu conteúdo), época em que o Estado era a lei. Na verdade, fazia a lei, cumpria a lei - ele mesmo - mas a lei era a que o soberano ditava. Dessarte, aparece nessa época o devido processo legal, exatamente para que o baronato tivesse a proteção da law of the land, a lei da terra, ou, como também conhecida mais tarde, a rule of the law. Os senhores feudais deveriam conhecer qual era a lei a seguir, a se submeter. Mas, verifica-se que, ainda, o devido processo legal tinha conteúdo meramente formal. Formal e sem a expressão com que, depois, passaria do Direito inglês para as colônias americanas e, mais tarde, para a Federação americana (FIGUEIREDO, 1997, p. 9).

Mas não é resguardado apenas este princípio no presente artigo, ora, diversas discussões e conceitos vem a ser trabalhados utilizando tal dispositivo como base. Neste momento, apenas a concepção de Estado Democrático de Direito será trabalhada. O conceito de Estado de Direito está relacionado com o Poder exercido pela atuação do Estado, tendo que observar seus limites e desempenhar suas funções. Cumpre ser mantido pelo Estado, as garantias e direitos daqueles que são mantidos perante seu poder hierárquico. Para que toda essa máquina funcione perfeitamente, respeitando seus deveres e garantindo seus direitos, deve-se estabelecer todo um regramento para o desempenho de suas atividades, estabelecendo um parâmetro a ser seguido. O Direito cumpre tal papel, uma vez que garante ao Estado uma premissa básica, para que seja seguido pelos servidores, que atuarão em nome dessa entidade. A ideia de Estado Democrático deve ser mantida com uma estruturação inigualável, para que o poder Estatal seja emanado de forma correta e correlato (FABIANO, 2010, s.p.).

Como se tem procurado evidenciar, inclusive com o objetivo de assegurar o respeito aos valores fundamentais da pessoa humana, o Estado deve procurar ao máximo de juridicidade. Assim é que se acentua o caráter de ordem jurídica, na qual estão sintetizados os elementos componentes do Estado. Além disso, ganham evidência as ideias da personalidade jurídica do Estado e da existência, nele, de um poder jurídico, tudo isso procurando reduzir a margem de arbítrio e discricionariedade e assegurar a existência de limites jurídicos à ação do Estado (DALLARI, 2001, p. 113).

No artigo 2º da carta magna de 88, tem-se a divisão dos poderes da federação, sendo estes o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, mas cada qual com suas atribuições e atividades. Existem os poderes, funções típicas que são exercidas quase que exclusivamente por cada um deles, sendo a função de administrar do Executivo, a de Legislar e fiscalizar do Legislativo, e a função de julgamento ao poder Judiciário. É claro que o legislador, pensando na eficiência dos atos da Administração pública e para manter a ordem e segurança jurídica entre eles, além de harmonia, criou o sistema de freios e contrapesos para que as funções típicas de um poder, pudessem existir nas atividades atípicas dos outros poderes da federação. Atendo os comentários ao Poder Judiciário e o seu monopólio jurisdicional existe o princípio do devido processo legal (FABIANO, 2010, s.p.).

Devido Processo Legal é aquele em que todas as formalidades são observadas, em que a autoridade competente ouve o réu e lhe permite a ampla defesa, incluindo-se o amplo contraditório e a produção de todo tipo de prova – desde que obtida por meio lícito -, prova que entenda seu advogado dever produzir, em juízo. Sem processo e sem sentença, ou prolatada esta por magistrado incompetente, ninguém será privado da liberdade ou de seus bens (CRETELLA JÚNIOR, 1992, p. 530 apud REIS, s.d., s.p.) .

Sobre a Jurisdição, fica a cargo do próprio Estado o poder-dever, de através dos magistrados legalmente, instituídos em seus cargos, dizer o direito em todo o território nacional.

A jurisdição, diferentemente da compreensão que lhe emprestou a doutrina tradicional do direito processual civil, não se restringe, apenas, à declaração jurisdicional do direito. Jurisdição não é só reconhecer, no sentido de declarar quem tem e quem não tem um direito digno de tutela (proteção) perante o Estado, ao contrário do que a etimologia da palavra poderia dar entender. A jurisdição envolve também, pelo menos à luz do modelo constitucional do processo civil brasileiro, as medidas voltadas concretamente à tutela (à proteção) do direito tal qual reconhecido pelo Estado-juiz (BUENO, 2007, p. 239-240).

Os princípios que são encontrados no estudo da Jurisdição, que se fazem importantes para o tema trabalhado. O basilar princípio do Devido Processo Legal, dá origem aos outros princípios que devem ser estudados, como base no Estado Democrático de Direito. Com sua previsão constitucional no artigo 5º, inciso LIV, torna-se o princípio mais importante na área processual brasileira. Embora tratado, na Constituição de 1988, não é de agora seu surgimento. Sua origem foi estabelecida na Carta Magna de João Sem Terra no ano de 1215, bem como no ordenamento conhecido como Lei-Eduardo III ou Lei inglesa de 1354. Aludido tal princípio também na Constituição americana, editada em 1787, com mesmo significado de due processo f law, mas antes era reconhecido com a expressão law of the land (COSTA, 2011, s.p.).

O devido processo legal em sentido formal é, basicamente, o direito e ser processado e a processar de acordo com as normas previamente estabelecidas para tanto, normas estas cujo processo de produção também deve respeitar aquele princípio. Os demais principais princípios são, na verdade, decorrente daquele. Como bem afirma Cruz e Tucci: Em síntese, a garantia constitucional de devido processo legal deve ser uma realidade durante as múltiplas etapas do processo judicial, de sorte que ninguém seja privado dos seus direitos, a não ser que no procedimento em que se este se materializa se constatem todas as formalidades e exigências em lei previstas (DIDIER JUNIOR, 2009, p. 30).

É assegurado doutrinariamente, sem dúvida por Acquaviva (2001) que este princípio se desenvolve acerca de duas vertentes, “gera a garantia de que todo e qualquer processo se dá em relação a fatos cuja ocorrência é posterior às leis que os regulamentam” e outrora, “significa também que o Poder Judiciário deve apreciar as lesões e ameaças à liberdade e aos bens dos indivíduos” (ACQUAVIVA, 2001 apud COSTA, 2011, s.p.).

O princípio do Devido Processo Legal é dividido em duas espécies, sendo estas, substancial e processual. Quando ao devido processo legal substancial, “considera o direito material e requer uma produção legislativa com razoabilidade, quer dizer, as leis devem satisfazer ao interesse público, aos anseios do grupo social a que se destinam” (COSTA, 2011, s.p.). Já na acepção doutrinária do devido processo legal processual, “é o princípio empregado no sentido estrito, referindo-se tanto ao processo judicial quanto ao processo administrativo, assegurando-se ao litigante vários direitos no âmbito do processo” (COSTA, 2011, s.p.).

Como, já expressado anteriormente, encontra-se na posição de princípio basal do direito processual brasileiro, o devido processo legal, por si só advém com muitas garantias, mas traz consigo diversos fundamentos em sua acepção constitucional. O princípio da ampla defesa, que comporta duas garantias, para melhor entendimento de sua utilização, sendo elas, a defesa técnica ou processual, onde é necessário a atuação de um defensor com capacidade postulatória.

E a outra faceta apresentada é quanto a defesa material ou genérica, sendo está exercitada em todo o curso processual, também denominada de autodefesa. Existe a acepção do princípio do Juiz natural, sendo esta garantia de haver em processo movido contra o indivíduo a presença de um juiz natural, como também é estendido seu entendimento garantindo também a existência de um promotor natural. Este juiz para dirimir aquela lide, deve conter a sua completa imparcialidade, garantindo que ele possa exercer a jurisdição da forma correta, inibindo a possibilidade de arbítrio do poder público.

O princípio da inafastabilidade do controle Jurisdicional, mantido no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal de 88, determinando que nenhuma lei poderá suprimir a apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito de outrem. O real significado é que todos têm direito a tutela jurisdicional, restando ao Estado o poder e dever de prestá-la aquele que motivadamente adentre as portas do Judiciário (LIMA, 2014, s.p.).

Outro princípio muito importante que, por conseguinte é assegurado pelo devido processo legal, é o do Contraditório, protegendo tanto o direito de ação quanto o de defesa.  Resguardado no artigo 5º, inciso LV, assegura sua aplicabilidade tanto em processos judiciais, quanto aos administrativos. O princípio da proibição de prova ilícita, ressalvado no inciso LVI do artigo 5º da CF/88, diz ser defeso a produção e juntada de provas que foram obtidas por meio de atos ilícitos, não importando se o processo seja penal, civil ou administrativo.

Acerca do princípio da publicidade dos atos processuais, comenta a autora Camila Rodrigues Neves de Almeida Lima, que:

O referido princípio está disposto no artigo 93, IX da CF, que trata da publicidade dos atos processuais. Contudo, como não há direitos absolutos no Estado de Direito, esse poderá ser contraposto ao direito à intimidade, tratado pelo artigo 5º, LX, que afirma que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".

Neste sentido, é garantida a publicidade dos atos processuais, onde toda a sociedade poderá ter acesso ao conteúdo dos autos de todos os processos judiciais, em tramitação ou arquivados, sendo, entretanto, mitigado quando essa publicidade puder violar o direito à intimidade das partes do processo e de seus defensores (LIMA, 2014, s.p.).

Outro princípio resguardado pelo devido processo legal é o de Duplo Grau de Jurisdição, fundando-se tal princípio na premissa de possibilidade da parte vencida, no todo ou em parte, em poder interpor recurso para reanalise do caso, deixando assim a garantia de poder ser reformada a decisão proferida, em desfavorável ao indivíduo. Esta possibilidade advém das decisões estatais, não serem plenas, ou seja, há a possibilidade de controle de seus atos, demonstrando a não imunidade de fiscalização e controle. Por último, mas não menos importante, cumpre realizar comentários do princípio da motivação das decisões judiciais. De acordo com a previsão constitucional, acerca da temática ora abordada, o artigo 93, IX da CF/88, demonstra que todas as decisões devem ser motivadas, podendo se tornar nulas, caso não sigam tal premissa. Esta norma constituição visa coibir qualquer tipo de arbítrio ou coação por parte do Estado, demonstrando que as decisões devem conter fundamentos necessários, para provar tal posicionamento. O juiz quando proferir sentença, poderá utilizar seu livre convencimento para decidir litígios, levando em conta as diligencias, alegações e provas demonstradas no decorrer processual. Ocorre que as razões que levam o juiz a decidir de certa forma, devem estar completamente motivadas, constando no ato sentencial, todo fundamento que garanta total imparcialidade no ato praticado. Não deve ser confundido com formalidades tal exigência legal, pois de acordo com o pensamento do autor Nelson Nery Jr. (1997) "o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão" (NERY JUNIOR, 1997, s.p.).

Outra parte da doutrina refere-se aos princípios por outras denominações, quando relacionados da seguinte forma pelo autor Fredie Didier Junior (2009):

Desdobram-se estas nas garantias: a) de acesso à justiça; b) do juiz natural ou pré-constituído; c) de tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo; d) da plenitude de defesa, com todos os meios de recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais e da motivação das decisões jurisdicionais; e f) da tutela jurisdicional dentro de um lapso temporal razoável (DIDIER JUNIOR, 2009, p. 30).

Posteriormente mesmo com diversas garantias constitucionais, foi sendo notado pela doutrina e jurisprudência que apenas tais fundamentos, não estavam sendo o suficiente para suprir a alta demanda processual além, de cada vez mais processos custosos, morosos e complexos tomando forma em diversos setores judiciais. Por isso foram desenvolvidas pesquisas primeiramente pelos professores Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988), acerca do tema acesso à justiça. Tomaram por base um estudo denominado ondas de acesso à justiça, onde a primeira onda tratava do acesso ao judiciário e a assistência gratuita aos necessitados. A segunda onda levava em consideração os direitos coletivos ou difusos, não podendo ser tutelados pelos mesmos instrumentos que eram utilizados pelos interesses individuais, e por último a terceira onda, que correspondia a constante necessidade de reforma do Poder Judiciário, para que o mesmo conseguisse acompanhar as tremendas mutações que vinham sofrendo a sociedade (CAPPELLETTI; GARTH, 1988 apud LIMA, 2014, s.p.).

Outras ondas estariam por vir, como entende alguma parte da doutrina, mas já é sabido que as ondas de acesso à justiça são mutáveis, para que consigam acompanhar a evolução da sociedade, fazendo com que a justiça possa caminhar de mãos dadas com a utilização do Direito.

 

3 O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO COMO PRINCÍPIO IMPLÍCITO NO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Na legislação brasileira existe um princípio chamado de duplo grau de jurisdição que tem como conceito doutrinário, em ser, um instituto que garante recurso para revisão da decisão por tribunal superior, o pressuposto processual para que seja alcançada a sua natureza jurídica, é a apreciação por juízes mais experientes e geralmente em forma colegiada.

Assim, para a referida doutrinadora, a revisão deve, necessariamente, ser feita por órgão diferente daquele que prolatou a decisão contestada, apesar de não ser imperioso que este segundo órgão pertença à hierarquia superior em relação ao primeiro, posicionamento evidenciado pela utilização do termo “normalmente”.

Já Leib Soibelman conceitua a recursividade como o princípio de ordem pública segundo o qual toda causa tem direito a um reexame por uma segunda instância, concordando com Radamés de Sá ao deixar implícito que a revisão deve ser feita por órgão diferente do primeiro, diferindo, entretanto, daquela, ao prever a necessidade desse segundo órgão ser de segunda instância, ou seja, hierarquicamente superior ao outro (LOPES, 2006, s.p.).

A garantia deste princípio está muito além de apenas haver possibilidade de recurso, mantendo conexão política, fazendo com que o Estado tenha conhecimento e talvez possa efetuar revisão das decisões proferidas sem o devido cuidado. Desta forma, faz com que a probabilidade de erro reduza drasticamente, no tocante, do juiz sabendo que sua decisão estará sujeita a uma revisão, tomará muito mais cuidado ao proferi-la. O vencido também poderá ter mais uma chance de obter Justiça, estando este inconformado, poderá conseguir um segundo julgamento desde que preenchidos os requisitos.

Embora o conteúdo dogmático do princípio não dê ensejo a maiores controvérsias, sua existência como regra obrigatória no sistema jurídico brasileiro é matéria que envolve notória divergência entre os estudiosos do direito processual civil, especialmente quando se fala em celeridade e em duração razoável do processo. Surgem, então, questionamentos acerca da conveniência de impor restrições aos recursos disponíveis aos litigantes, visando a atingir o provimento jurisdicional em um menor espaço de tempo, ou de proporcionar diversos meios de impugnação das decisões judiciais, buscando alcançar, em tese, a verdade sobre os fatos ou a melhor interpretação da norma aplicável ao caso. Ainda que se entenda tratar-se o duplo grau de jurisdição de modelo cogente em nosso sistema processual, sendo assim direito dos litigantes, devemos perquirir se os mecanismos que vêm sendo criados na tentativa de dar maior celeridade à prestação jurisdicional, limitando o cabimento de recursos, violam os dispositivos da Constituição que garantem o devido processo legal (LERRER, 2006, s.p.).

Anteriormente, era bem maior a garantia a este princípio, nesse sentido, a Constituição Republicana de 1891, expunha em seu artigo 72, § 16 o seguinte: “Aos acusados se assegurará na lei a mais ampla defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela” (RIBEIRO, 2006, s.p.), pois ao longo dos anos foi sendo restringida, já que, na Constituição da República de 1934, o artigo 113, § 24 previa desta forma: “A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os meios e recursos essenciais a esta” (RIBEIRO, 2006, s.p.), na tentativa de celeridade da justiça e em seguida, a Carta Constituinte de 1937, por sua vez, foi omissa a respeito do tema listado, por motivos políticos, já que foi outorgada, permanecendo tal decisão na carta magna vigente.

Apesar de não estar expressamente previsto, a Constituição alberga o duplo grau de jurisdição como garantia constitucional decorrente do devido processo legal. Tem-se, portanto, que o duplo grau de jurisdição é uma construção doutrinária, a fim de melhor garantir a essência do substantive due process of law. Prestigia-se, dessa forma, o modelo de organização processual em que todo litígio pode ser submetido a dois órgãos julgadores diversos. O designativo “duplo” remonta a ideia de duplicidade, já o termo “grau” nos remete a estágios sucessivos, hierarquia. Desse modo, via de regra, a decisão judicial é analisada por órgão hierarquicamente superior. O princípio do duplo grau de jurisdição assegura maiores controvérsias dentro do processo, garantindo a ampla defesa e o contraditório, contudo, sua exigência como regra obrigatória no sistema jurídico brasileiro é conteúdo que envolve notória divergência entre doutrinadores da ciência jurídica, principalmente quando se fala em celeridade e em duração razoável do processo (RIBEIRO, 2006, s.p.).

Essa tentativa se baseava em todas as demandas por mais simples que fossem, tinham direito de reavaliação, na atualidade, existem diversos requisitos para que seja conseguido recurso como valor da causa, e causa de pedir.

O princípio do duplo grau de jurisdição assegura maiores controvérsias dentro do processo, garantindo a ampla defesa e o contraditório, contudo, sua exigência como regra obrigatória no sistema jurídico brasileiro é conteúdo que envolve notória divergência entre doutrinadores da ciência jurídica, principalmente quando se fala em celeridade e em duração razoável do processo. Nesse momento, surgem interpelações acerca da conveniência de impor restrições aos recursos disponíveis aos litigantes, visando atingir o provimento jurisdicional em um menor lapso temporal ou, ainda, proporcionar vários meios de impugnação das decisões judiciais, almejando alcançar a verdade formal sobre os fatos ou a melhor técnica hermenêutica de interpretação aplicável ao fato em concreto. Diverge, ainda, a doutrina quanto à natureza jurídica do duplo grau de jurisdição, questionando se tal instituto pode ser concebido como princípio de direito processual civil, como garantia fundamental ou apenas como decorrência da escolha adotada quanto à forma de organização do Poder Judiciário (RIBEIRO, 2006, s.p.).

Na Constituição Federal de 1988, não há previsão expressa da garantia ao princípio do duplo grau de jurisdição, nem mesmo há que se falar em busca implícita de tal principio. O entendimento de principio-norma implícita reside no artigo 5°, inciso LV da CF/88, pois em processo que deu origem ao Recurso Extraordinário n° 201297-1, DJ 05.09.97, com relator o Ministro Moreira Alves, existiu decisão quanto à negativa desse entendimento. Tal afirmação defendida pela suprema corte advém da própria Constituição, quando ela admite a existência de decisões em grau único de jurisdição, apenas não serão aceitas aquelas em casos específicos, como os de ações que são arroladas ao STF (TAKOI, 2015, s.p.).

No tocante às vantagens e desvantagens da aplicabilidade do princípio do duplo grau de jurisdição ora tratado, cumpre ser realizado, breves comentários acerca de tal temática. Quanto as vantagens, devem ser asseveradas, como inquestionáveis, pois a maioria da doutrina confirma tais dados. Grande exemplo é citado pelo autor Lopes (2006), que atribui como vantagens “a maior experiência dos julgadores recursais, a maior probabilidade de acerto nas decisões, o controle psicológico exercido sobre o juiz de primeira instância e o aumento do prestígio do juiz de primeira instância” (LOPES, 2006, s.p.).

Para chegar a essa conclusão, ele se baseou na sistemática dos juízes estando ascendentes em segunda instância, aceita-se em ter estas autoridades maior experiência que os juízes de primeiro grau. Consequentemente entende-se neles uma maior condição de manter uma sentença mais justa, como também, a nova apreciação não é apreciada por um único juiz, pois via de regra todo recurso é apreciado por um órgão colegiado.

Alguns juristas fazem alusão a uma suposta pressão psicológica sofrida pelos juízes de primeiro grau, exercida, inconscientemente, pelos juízes de segunda instância. Essa afirmação encontra assento na ciência que os julgadores de primeira instância possuem de que suas decisões poderão ser apreciadas por outros magistrados. Trata-se, sim, de uma pressão psicológica, pois sendo a decisão que prolatou reformada, não sofrerá o juiz punições administrativas, mas sim meramente decorrentes de seu foro íntimo, por crer, talvez, ter cometido algum engano (LOPES, 2006, s.p.).

A respeito de desvantagens, a doutrina encontra um rol muito mais extenso, e por esse motivo, apenas algumas são apresentadas. Como primeira classificada no rol, tem-se o prolongamento demasiado da duração do processo, o motivo por encabeçar este rol, é que a interposição desnecessária de recursos, acaba por tornar o Judiciário lento, e ofendendo muitos outros princípios constitucionais. Outro prejuízo causado, é a grande possibilidade de a segunda decisão também conter erros, podendo até mesmo ser reformada uma sentença correta, que por entendimento divergente acaba por ser perdida. Uma terceira característica desvantajosa, é a falta de prestigio associada, aos juízes de primeiro grau, uma vez que tem sempre suas decisões revistas. Nas palavras do autor Mauro Cappelletti:

Outra desvantagem do duplo grau de jurisdição é o desprestígio que traz à primeira instância, na medida em que a possibilidade de qualquer decisão, - principalmente as sentenças -, ser impugnada, perante um órgão de segunda instância, que prolata uma decisão substitutiva, faz com que os resultados obtidos em primeira instância não tenham qualquer valor (CAPPELLETTI apud LOPES, 2006, s.p.).

Além desses, o sistema duplo processual prejudica também a oralidade, e outros procedimentos, ora utilizados em primeiro grau de jurisdição. Novamente, é surgido o comentário a respeito da norma-princípio implícito que se tornou o duplo grau de jurisdição. Sendo principalmente tratado doutrinariamente, como ramificação do devido processo legal, mesmo constando com quase oitenta incisos não abarcou a Constituição Federal de 88 tal princípio, sendo este localizado analogicamente na junção do artigo 5º com seu parágrafo segundo (LERRER, 2006, s.p.).

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (BRASIL, 1988).

Como pode ser interpretado, a Constituição deixa claro que os princípios ali existentes não subjugam outros que um dia existiram ou que passam a ser interpretados em casos concretos por meio dos costumes todos os princípios constitucionais vivem harmonicamente entre si.

Omitido nas sucessivas constituições da República, entende a maioria da doutrina processual que, não obstante a ausência de menção expressa na Lei Maior, decorre a garantia do sistema constitucional vigente, o qual prevê a existência de tribunais de segunda instância competentes para o julgamento dos recursos ordinário constitucional, especial e extraordinário, bem como de outros princípios constitucionais, como a ampla defesa e o devido processo legal (NOBRE, 2007, s.p.).

Outra parte da doutrina entende o princípio do duplo grau de jurisdição não obrigatório em sua aplicação, uma vez que sem sua previsão constitucional, pode o legislador infraconstitucional, dosar e limitar o quanto e em quais situações será aplicado o duplo grau. Exemplos dessa limitação são citados, como, não caber apelação em execuções fiscais de valor igual ou menor a 50 OTNs (art. 34 da lei 6.830/80) outra possibilidade é que alguns processos de certa natureza não cabem recurso. O posicionamento dos Tribunais Superiores, já existe, não restando dúvidas que não é obrigação aplicação deste princípio. Embora ainda seja muito utilizado, tem grandes possibilidades, de em outras épocas deixar de existir. O STF, manifestando seu entendimento, não considera inconstitucional que em algumas áreas processuais, não preveja possibilidade de novo julgamento em segunda instância (NOBRE, 2007, s.p.).

O real entendimento deve ser que em hipótese alguma deveria o princípio do duplo grau de jurisdição ser considerado irrestrito ou necessário e absoluto. Se fosse organizado o Processo brasileiro dessa forma, de nada adiantaria existir as comarcas com a primeira instância, já que, sendo absoluto o princípio do duplo grau de jurisdição, sabe-se que apenas de condutores do processo seriam os magistrados. Na prática o Estado Democrático de direito seria uma verdadeira bagunça. Ainda mais morosidade surgiria, uma vez que a sentença em primeiro grau não teria validade alguma (RUFINI, 2010, s.p.).

 

4 O EXERCÍCIO DO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM DECISÕES DESFAVORÁVEIS

O processo brasileiro é dotado de duplo grau de jurisdição, até mesmo no âmbito administrativo, graças à ressalva constitucional implícita advinda dos princípios do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa, bem como o reconhecimento da falibilidade dos julgadores. Na Constituição Federal de 1988, tem-se asseverado em seu artigo 5º, inciso LV que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988).

Quando proferido o termo recurso, não está sendo resguardado apenas tecnicamente a acepção da palavra, pois é assegurado realmente o duplo grau de julgamento na esfera administrativa. Ocorre que em um processo administrativo, de matéria tributária por exemplo, existe a primeira instancia, sendo o próprio órgão que está sendo recorrido o tributo. Geralmente é dado pela Delegacia da Receita Federal, este mesmo órgão emite a notificação de lançamento e auto de infração referentes ao tributo supostamente devido e a penalidade a aquele contribuinte aplicável. Posteriormente, não concordando com o explicitado em tal documento, tem a possibilidade de recorrer administrativamente o contribuinte. Processo este que seja julgado pelas DFR’s (TOCCHETO, 2007, p. 95).

De acordo com o Decreto nº 70.235/1972, em seu artigo 25I, compete às Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento - DRJ o julgamento em primeira instância de processos de exigência de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. São órgãos de deliberação interna e natureza colegiada. O Regimento Interno da RFB (Portaria MF nº 125, de 04/03/2009), em seu artigo 212, estabelece que as DRJ possuem jurisdição nacional, com competência para julgar em primeira instância os seguintes processos: 1.de determinação e exigência de créditos tributários, inclusive devidos a outras entidades e fundos, e de penalidades; 2.relativos a exigência de direitos antidumping, compensatórios e de salvaguardas comerciais; 3.de manifestação de inconformidade do sujeito passivo contra apreciações das autoridades competentes relativas à restituição, compensação, ressarcimento, reembolso, imunidade, suspensão, isenção e à redução alíquotas de tributos e contribuições (SILVA, 2013, s.p.).

Não concordando com a decisão proferida em sede de primeira instancia administrativa, tem a possibilidade de recorrer a o órgão que julga demandas em segunda instancia administrativamente, denominado de CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Via de regra, após sua decisão ser proferida, encontra-se a decisão definitiva. Porém, em algumas situações, em que ocorre julgamento diferente das jurisprudências preestabelecias pelo CARF, ou nas questões em que o entendimento utilizado for diferente do já utilizado outras vezes, caberá Recurso especial, à Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF, órgão este que tem suas deliberações bem restritas, pois seu objetivo é apenas proferir entendimento reformando decisões do CARF, de diferentes entendimentos (TOCCHETO, 2007, p. 105).

Diante da decisão terminativa contrária aos interesses do contribuinte, lhe restará uma das seguintes alternativas: i) efetuar o pagamento do débito fiscal; ii) propor medida judicial para obter do Poder Judiciário a apreciação quanto à ilegalidade e/ou inconstitucionalidade da exigência do crédito tributário; ou iii) aguardar a propositura da Execução Fiscal, quando lhe será possibilitada a oposição dos Embargos. Diferentemente do que ocorre com a Fazenda Pública, o contribuinte não está obrigado a aceitar o entendimento manifestado no julgado administrativo. Para tanto, esgotados os recursos na esfera administrativa, e não optando pelo pagamento, lhe restará se socorrer do Poder Judiciário, para afastar a cobrança do tributo que entende ser indevido (TOCCHETO, 2007, p. 125).

Posteriormente, pode ocorrer o problema, uma vez que quando a decisão proferida em última instancia administrativa, for desfavorável ao contribuinte, por intermédio do que se encontra defendido no artigo 5º, inciso XXXV da CF/88, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988). Desta forma, tem o contribuinte a possibilidade de ter sua demanda apreciada pelo poder judiciário, podendo ser revertida a situação que enseja decisão desfavorável ao mesmo. A premissa legal que permite o contribuinte tratar novamente de seus litígios administrativos, informa quais a peças processuais adequadas para a referida demanda. Nesta oportunidade poderá valer-se o contribuinte de quatro peças opcionais, cada uma para um resultado almejado diferente. Dentre ela, tem-se como medidas para assessorar o indivíduo o Mandado de Segurança, tanto preventivo quanto repressivo, ação declaratória, ação anulatória de débito fiscal e Embargos à execução fiscal.

O mandado de segurança é remédio constitucional, previsto no artigo 5º, inciso LXIX da magna carta, cabível em ações que não aceitam habeas corpus ou habeas data, e que é possível exigir afastamento de situação que venha a ferir direito líquido e certo, não importando a autoridade pública que está dificultando a situação jurídica.

Se impetrado mandado de segurança para reconhecimento de inexistência de relação tributária (seja imaginado que o contribuinte, preventivamente, pretenda a declaração de que determinada situação de fato não esteja exposta a tributação), o julgamento de procedência, mais do que proclamar a ausência de obrigação fiscal, imporá consulta negativa ao impetrado: a autoridade coatora não poderá promover o lançamento (PEREIRA, 2006, p. 259).

A ação declaratória tem constância no Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 19, que trata da seguinte previsão: “O interesse do autor pode limitar-se à declaração: I - da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica; II - da autenticidade ou da falsidade de documento” (BRASIL, 2015). Essa ação é a chance que tem o suposto contribuinte, em dizer que não figura tal relação jurídico tributária. A ação anulatória está prevista no artigo 38 da Lei nº 6.830/80, sendo está responsável por anular o ato que constitui o crédito tributário. A Execução Fiscal é uma ação movida pela Fazenda pública em face de algum contribuinte que se nega a pagar tributos com fato gerador, realizados e devidamente lançados. É disciplinada pela Lei nº 6.830/80, ora também denominada LEF – Lei de execuções fiscais. Nesta lei existe uma ação que o executado poderá se valer para defesa de seu patrimônio em casos de dívida não reconhecida. Essa ação é denominada Embargos à execução Fiscal.

Porém, após todo o curso do processo administrativo se esgotar, se a Administração Pública, sai como perdedora, nada pode fazer quanto à decisão proferida. É por isso que são citadas as decisões e quais seus efeitos, como também quando efetivamente tornam-se definitivas até mesmo aos contribuintes. Primeiramente, é trazido em tom de comentários iniciais acerca da temática, de tornar-se definitiva decisão administrativa em primeira instância. Torna-se definitiva a decisão que não poderá ser alterada por qualquer recurso na esfera administrativa, de acordo com o artigo 42 do decreto 70.235/72, quando não interposto recurso voluntário àquela decisão proferida pelas DRFs no prazo de trinta dias.

Outra possibilidade é que o assunto em que foi proferida tal decisão não ser abarcado pela possibilidade de ser interposto recurso voluntário. Já quanto a segunda instância, tornam-se definitivas as decisões que não caiba o recurso especial, ou quando houver sua possibilidade, tiver decorrido o prazo legal de 15 dias. É necessário ressaltar que não é de toda decisão que cabe recurso especial, pois quando o CERF aplicam súmulas jurisprudenciais do próprio Conselho ou Câmara Superior, torna-se irrecorrível em recurso especial. No último recurso administrativo, proferido pela Câmara Superior de Recursos Fiscais, são definitivas aquelas que não sejam cabíveis ou não sendo interpostos no prazo os embargos de declaração (SILVA, 2013, s.p.).

Não é absoluto o entendimento de a Fazenda pública não ter revisto entendimento desfavorável a sua pretensão, ora foi editada pela PGFN Portaria n° 820, de 25 de outubro de 2004 que tratava sobre a submissão das decisões proferidas pelo CARF e CSRF à apreciação do Poder Judiciário em seu artigo 2°:

Art. 2º As decisões dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais podem ser submetidas à apreciação do Poder Judiciário desde que expressa ou implicitamente afastem a aplicabilidade de leis ou decretos e, cumulativa ou alternativamente: I - versem sobre valores superiores a R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais); II - cuidem de matéria cuja relevância temática recomende a sua apreciação na esfera judicial; e III - possam causar grave lesão ao patrimônio público.

Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente a decisões proferidas dentro do prazo de cinco anos, contados da data da respectiva publicação no Diário Oficial da União (BRASIL, 2004).

Embora extremamente dotados de subjetividade, existem alguns critérios, para que possa ter a pretensão desfavorável analisada pelo Judiciário. A doutrina formula alguns pontos a serem observados quanto a possibilidade de revisão.

- o ente público também é titular de Direitos Fundamentais insculpidos no Texto Maior, tais como isonomia, amplo acesso ao Judiciário, devido processo legal, ampla defesa e contraditório;

- pelo princípio da igualdade das partes, o particular comparece ao contencioso administrativo tributário como litigante e não como subordinado, dispondo de instrumentos processuais para influir no convencimento do colegiado;

- o Estado Democrático de Direito pressupõe o controle judicial dos atos administrativos, sem que isso implique em ofensa ao princípio da separação dos Poderes;

- as decisões definitivas na esfera administrativa não produzem efeito de coisa julgada, haja vista o sistema de jurisdição única adotado em nosso país, segundo o qual toda e qualquer ameaça ou lesão ao Direito pode ser apreciada pelo Poder Judiciário;

- o Estado, se existente ameaça ou lesão a direito, dispõe da faculdade da prestação jurisdicional, pelo fato de, assim como os administrados, se submeter às leis e às decisões judiciais;

- os agentes públicos, conquanto assumam compromissos legais para atuar em nome do Estado, não se confundem com este. Portando, o Poder Público não está obrigado a aceitar decisões proferidas com desvio de finalidade, abuso de poder ou imotivadas, podendo corrigi-las, quando possível, por ação própria, senão via Judiciário;

- os órgãos julgadores administrativos (Administração Judicante) têm composição paritária, vale dizer, são integrados por representantes do Fisco e dos contribuintes, impossibilitando que a decisão deles emanada seja representativa da vontade do Poder Público (Administração Ativa); (SILVA, 2013, s.p.).

Porém, atualmente no Brasil, é utilizada concepção da corrente majoritariamente doutrinária contra a possibilidade da Administração Pública ter sua decisão revista no Poder Judiciário. O grupo de doutrinadores que são adeptos a essa corrente são Fábio Fanucchi, Hugo de Brito Machado, Ives Gandra da Silva Martins, José Eduardo Soares de Melo, Kiyoshi Hadara, Marco Aurélio Greco, Maria Beatriz Martinez, Maria Teresa de Carcomo Lobo, Marilene Talarico Martins Rodrigues, Plínio José Marafon, Ricardo Lobo Torres, Sacha Calmon Navarro Coêlho, Schubert de Farias Machado, Vittorio Cassone e Ricardo Mariz de Oliveira, dentre outros (SILVA, 2013, s.p.). Em linha gerais a doutrina majoritária formulou diversos fundamentos que são absorvidos pela legislação brasileira.

- a proteção contra lesão ou ameaça a direito insculpida no inciso XXXV, artigo 5º, CF/1988 é direito fundamental assegurado somente aos cidadãos contra possíveis arbítrios cometidos pelo Poder Estatal, e não o reverso, porquanto o Estado prescinde dessa garantia para praticar seus atos;

- a Administração tem a seu dispor o poder da autotutela, segundo o qual pode revisar (anulando ou revogando) seus próprios atos, sendo o processo administrativo fiscal instrumento para que se exerça esse controle interno;

- decisão proferida em ultima instância administrativa consiste no ato final de acertamento do crédito tributário, tendo efeito de coisa julgada para a Administração, vinculando-a em todos os seus termos;

- a decisão final administrativa favorável ao contribuinte gera para o mesmo direito adquirido. Revê-la causaria grave dano a um dos princípios medulares do Estado Democrático de Direito, qual seja, a segurança jurídica, responsável por garantir a estabilidade necessária à evolução da sociedade;

- pelo princípio da separação dos Poderes, o controle dos atos administrativos pelo Judiciário deve se ater aos aspectos da legalidade e legitimidade, não comportando juízo sobre o mérito (conveniência e oportunidade);

- significa uma violação ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que retira a legitimidade do processo administrativo tributário, desprestigia os órgãos julgadores da Administração Fazendária, tornando injustificável o gasto elevado para manutenção dos mesmos, os quais estariam fadados a inutilidade;

- o Código Tributário Nacional (art. 156, IX) elenca a decisão administrativa irreformável na órbita administrativa como uma das formas de extinção do crédito tributário, razão pela qual uma possível ação judicial não subsistiria por inexistência do objeto;

- o Poder Judiciário, ao decidir pelo restabelecimento de exigência anteriormente extinta no campo administrativo, estaria realizando o lançamento do crédito tributário, atividade privativa de autoridade administrativa (art. 142, CTN), para a qual não possui competência;

- é um contra-senso a Administração ajuizar ação contra decisão administrativa que ela mesma proferiu, já que resultou de sua própria manifestação de vontade, configurando-se falta de interesse de agir. Ademais, é juridicamente impossível a mesma parte apresentar-se como autora e ré na ação judicial;

- ausência de previsão legal expressa. Tal ação anulatória não está compreendida no direito genérico de ação, garantido a qualquer titular de bem jurídico, uma vez que se trata de excepcionalidade ao princípio da autotutela conferida à Administração (SILVA, 2013, s.p.).

Quanto à jurisprudência, é quase inexistente, entendimento proferido pelos Tribunais, quanto à possibilidade da Fazenda Pública discutir decisões desfavoráveis a suas pretensões. Desta forma, entende-se ser realmente quase impossível, que seja conseguido tal direito para Administração pública, pela falta de segurança pública que traria aos contribuintes. O maior entendimento que fica estabelecido por impedir tal utilização é da interferência e falta de independência entre os poderes, caso em que teria um Poder, adentrando na esfera de julgamento do outro, tornando o processo brasileiro um caos.

 

5 CONCLUSÃO

Após diversos estudos serem feitos, acerca da temática ora abordada, em tom conclusivo, as hipóteses apresentadas, sobre a Administração Pública poder rever decisões de seus próprios órgãos foi negada em parte. Existe sim a possibilidade de isso ocorrer, como estabelecido na Portaria emitida pela PGFN sob n° 820/04. Porém, além de o ato estar disposto sobre grande subjetividade dificilmente todos os requisitos serão preenchidos. O que determina decisão em a assertiva ser negativa. De acordo com a doutrina majoritária, e o entendimento utilizado pelo Brasil, no tocante a jurisprudência dos Tribunais Superiores, não é possível a Administração rever no Poder Judiciário as decisões que ela mesma proferiu contra seus interesses.

São muitas as desvantagens que se encontra nesse instituto, pois seria afronta a diversos princípios constitucionais, para garantir que apenas um seja cumprido. Deveras, não é aceito que os poderes inflijam à norma constitucional pétrea da separação dos poderes da República, se por acaso fosse aceito em qualquer hipótese, estaria havendo grave ameaça à independência dos três poderes. Além da à própria Administração, não estar confiando no julgamento feito por seus servidores, trazendo insegurança jurídica, aos contribuintes, e afronta ao CTN, norma geral que regula algumas partes do processo administrativo em âmbito tributário.

Diante dos fatos, qual seria a utilidade do processo administrativo, se todas as decisões pudessem ser discutidas na esfera judiciária. Seria um verdadeiro “circo infinito”, pois a cada processo por mais simples que fosse, iria a Fazenda Pública, adentrar ao Judiciário para rever tal decisão. É por este e outros princípios que e fatos abordados que se torna completamente cristalino, a falta de possibilidade que facilmente seja conseguido pela Fazenda reexame de suas decisões.

 

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Data da conclusão/última revisão: 2/5/2018

 

 

 

Joaquim Jacintho da Silveira Netto e Tauã Lima Verdan Rangel

Joaquim Jacintho da Silveira Netto: Graduando do 10º período do curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana.

Tauã Lima Verdan Rangel: Professor Orientador. Bolsista Capes. Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Especialista Lato Sensu em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos.  Especialista Lato Sensu em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Professor dos Cursos de Direito e Medicina da Faculdade Metropolitana São Carlos, campi Bom Jesus do Itabapoana-RJ, e do Curso de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo (MULTIVIX) – unidade de Cachoeiro de Itapemirim-ES.

* Trabalho vinculado ao grupo de Pesquisa: “Faces e Interfaces do Direito: Sociedade, Cultura e Interdisciplinaridade do Direito”.