INTRODUÇÃO
A desapropriação-sanção é instituto fruto do princípio constitucional da função social da propriedade, estabelecido no art. 5°, inciso XXIII da Lei Maior. Por este princípio, o direito de propriedade não se limita aos interesses subjetivos de quem o possui, mas se estende como forma ativa de contribuição à sociedade, ao que se chama de propriedade-função.
A respeito disso, Clóvis Beznos (2016, p. 117) citando Augusto Comte compreende e explica que todo cidadão como parte do corpo social é, em seu estado natural, um funcionário público, contraindo através de suas pretensões pessoais, obrigações sociais. Aquele que é proprietário, tomando como exemplo um terreno, edificando, habitando, ou exercendo sobre ele alguma atividade, exerce a função social devida. No entanto, aquele que não cumpre ou o faz mal, legitima uma intervenção governamental para obrigá-lo a cumprir sua função social de proprietário, aplicando as riquezas que possui de acordo com o que nela deva ser exercido.
É sob essa prerrogativa estatal que se encontra a desapropriação-sanção confiscatória, estabelecida pelo art. 243 da Constituição para destituir a propriedade, integralmente ou em parte, em que estiverem cultivadas plantas ditas psicotrópicas. O objetivo do presente trabalho é discorrer sobre quais requisitos são levados em consideração para que ocorra este tipo de desapropriação, como está instituída no ordenamento jurídico brasileiro e a forma com que se dá este procedimento.
DESENVOLVIMENTO
Situando-a no ordenamento jurídico nacional, a desapropriação-sanção está prevista constitucionalmente nos artigos 182, §4º, inciso III para a desapropriação urbana e no art. 184 para a desapropriação rural. No primeiro caso, há a regulamentação complementar dada pelo Direito Urbanístico, no Estatuto das cidades, em suas seções II, III e IV.
A desapropriação-sanção se encaixa na ressalva dada pelo artigo 5º, inciso XXIII da Constituição. Embora a desapropriação ocorra em ambos os casos, as razões de cada uma delas ocorrer se distinguem. Enquanto a desapropriação ocorre nas situações em que há necessidade, utilidade pública ou interesse social, reivindicando por sua natureza que ocorra assim que seja possível, a desapropriação-sanção recai como medida punitiva ao proprietário que se ausenta e como última medida de uma sucessão de atividades para que se dê o fim necessário à propriedade (BEZNOS, 2016).
A Constituição Federal, como dito, estabelece a forma como ocorrerá a desapropriação-sanção em âmbito rural e urbano. Considerando a semelhança entre ambos, torna-se didático que se analise um dos dois e, posteriormente, sublinhe-se suas disparidades. Assim, dispõe o art. 182 da Carga Magna:
Art. 182. (omissão)
§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. (BRASIL, 1988)
Comparando o texto com o que se refere à desapropriação tradicional, é possível inferir que o Estatuto da Cidade não compreendeu ser mero acaso a omissão do “justa” para a indenização , como é possível observar no art. 8º, §2º, incisos I e II. Isto porque estabeleceu como valor da base de cálculo o mesmo do IPTU, desconta possível aumento do valor do imóvel em função de obras públicas e explicita que não deve ser computados os ganhos, lucros cessantes e juros compensatórios. (BEZNOS, 2016)
A forma de expropriação do imóvel rural possui peculiaridades com relação ao urbano. Assim como esta, prescinde atender sua função social que, não ocorrendo, deverá ser punida com as medidas igualmente previstas para a propriedade urbana (BEZNOS, 2016). Neste caso há critérios definidos pela constituição para que se considere que a propriedade rural esteja cumprindo sua função social, no art. 186 da Constituição:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente, segundo os critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV- exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.(BRASIL, 1988)
A indenização deve ser efetuada em títulos, nesse caso, da dívida agrária (TDAs), resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão. Tal desapropriação deve dar-se por interesse social e é privativa da União, conforme se colhe do artigo 184, §2º, da Constituição Federal. O artigo 185, incisos I e II, do Texto exclui da desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e média propriedade rural desde que seu proprietário não possua outra, excluindo também desse tipo de desapropriação a propriedade produtiva.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Na própria Constituição se encontra mais uma ocasião em que reclama a intervenção da desapropriação para o cumprimento da função social da propriedade. O art. 243 da Constituição Federal instituiu importante mecanismo de combate ao tráfico ilícito de entorpecentes, ao permitir a imediata expropriação de quaisquer terras onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas.
Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas [...] serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. (Redação da EC 81/2014) (BRASIL, 1998)
A começar pelo enquadramento da situação ao tipo analisado, a Lei nº 8.257/91, em seu art. 3º complementa o sentido do texto constitucional quanto à parte técnica agrícola indicando que por cultura se refere a qualquer uma das etapas de preparo da terra destinada a semeadura, ou plantio, ou colheita de plantas psicotrópicas de forma ilegal.
Por plantas psicotrópicas, a Lei nº 8.257/91, art. 2º estabelece que são aquelas que permitem a obtenção de substância entorpecente proscritas, catalogadas em portaria do Ministério da Saúde em sua portaria n.º 344, de 12 de maio de 1998.
Quanto à ilicitude, há as hipóteses onde o cultivo das mesmas se encontra respaldado pelo ordenamento jurídico, ditos na Lei nº 11.343/06. O art. 3º atribui poder à União para autorizá-lo, desde que exclusivamente para fins medicinais ou científicos, também é permitida no caso estabelecido pela Convenção de Viena quando versa sobre Substâncias Psicotrópicas em 1971, quando o uso se dá em razão estritamente ritualística-religiosa.
Enquanto isso, para os casos em que incorre a ilicitude se dará processo judicial com rito processual especial para que ocorra a expropriação regido também pela Lei nº 8.257/91, aplicando-se subsidiariamente as normas do Código de Processo Civil. É incumbido à Polícia Federal promover as diligências para a localização das áreas onde ocorre o cultivo e, identificando, unir-se a representante da União e do INCRA para ajuizamento da ação expropriatória com pedido liminar de imissão da posse. Além da expropriação judicial há que se falar também da desapropriação sancionatória pelo INCRA, no art. 6º do Decreto 557.
A Lei 8.257/91 define a destinação destas terras, esclarecendo que, com a sentença expropriatória, o imóvel será incorporado ao patrimônio da União para que se utilizeespecificamente para assentamentos de reforma agrária, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos.
A falta de indenização prevista ao final do artigo atesta o caráter punitivo deste tipo de desapropriação. Além da punição prevista no artigo e da ausência de indenização, entende o juízo do TRF 5º Região que não cabe prescrição para o confisco, uma vez que a Lei que regula esse tipo de expropriação é omissa a respeito.
CONCLUSÃO
Ao analisar o ordenamento jurídico no que tange aos direitos reais, é clara a preocupação dos constituintes em fazer valer algo maior que o uso apenas subjetivo da propriedade, legislando para que se cumpra nas propriedades função social.
É desse princípio que se depreende a prerrogativa do Estado em conduzir desapropriações sublinhando em fatos que possui maior valor o que se produz em escala comunitária que a nível pessoal. Nesse ínterim, se se desapropriam as propriedades em que se faz o uso particular, que dirá as que não o fazem e, muito mais ainda, as que fazem uso considerado prejudicial a todos. São pelas razões expostas, então, que o ordenamento jurídico debruça-se a dar fim justo aos imóveis que não o possuíram sem a necessidade de intervenção estatal.
REFERÊNCIAS
BEZNOS, Clovis. Aspectos jurídicos da indenização na desapropriação. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 17 mai. 2018.
____________. Decreto nº 557, de 24 de junho de 1992. Dispõe sobre a expropriação das glebas, onde forem encontradas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, e dá outras providencias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0577.htm>. Acesso em 17 mai. 2018.
____________. Lei nº 8.257, de 26 de novembro de 1991. Dispõe sobre a expropriação das glebas nas quais se localizem culturas ilegais de plantas psicotrópicas e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8257.htm>. Acesso em 17 mai. 2018.
____________. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em 17 mai. 2018.
____________. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm>. Acesso em 17 mai. 2018.
CASTILHO, Marcela Cristina. Desapropriação: conceitos, requisitos e Panorama geral. In: Jusbrasil: portal eletrônico de informações, 2014. Disponível em: <https://mcristina.jusbrasil.com.br/artigos/146506504/desapropriacao>. Acesso em 11 mai. 2018.
Data da conclusão/última revisão: 3/7/2018
Thaciana Maria Farolfi, Gabriela Sanches de Freitas Silva e Tauã Lima Verdan Rangel
Thaciana Maria Farolfi: Graduanda do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana, 6º período;
Gabriela Sanches de Freitas Silva: Graduanda do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana, 6º período;
Tauã Lima Verdan Rangel: Professor Orientador. Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especialista Lato Senso em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Professor do Curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana.
Código da publicação: 4119
Como citar o texto:
FAROLFI, Thaciana Maria; SILVA, Gabriela Sanches de Freitas; RANGEL, Tauã Lima Verdan..A desapropriação-sanção no Direito nacional. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 29, nº 1542. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/4119/a-desapropriacao-sancao-direito-nacional. Acesso em 5 jul. 2018.
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