INTRODUÇÃO

A Administração Pública é à forma de gerência de toda a estrutura administrativa pública do país, seja na União, nos Estados, nos Municípios ou no Distrito Federal. É o meio pelo qual o Estado executa as políticas públicas e gerencia os recursos estatais. Estas atividades são desenvolvidas por agentes públicos, que são todas aquelas pessoas que, de alguma forma, ligadas à estrutura estatal, estão investidas de funções ou poderes em nome da máquina executora. Toda esta estrutura possui um pilar de funcionamento, que é a supremacia do interesse público sobre o privado, de modo que todo o Ato proveniente da Administração Pública no Brasil deve ter por fim o interesse público, devendo possuir suas razões de fato e de direito para a sua existência e ser praticado na forma em que a lei determinar (DI PIETRO, 2017).

Deste modo, a Administração Pública exerce poderes administrativos que lhe são conferidos por lei. Alguns desses poderes são vinculativos, ou seja, o Administrador ou o agente público em sentido amplo, só poderá agir naquele Ato conforme estritamente prevê a norma legal. Qualquer exorbitância na execução do poder poderá fazer com que o ato praticado se torne inválido. Entretanto, existem situações em que a Administração Pública possui capacidade de decisão própria, conforme sua conveniência e oportunidade (DI PIETRO, 2017).

Trata-se da pratica de atos do poder administrativo com certa margem de discricionariedade, em que, a depender do caso, o agente poderá agir ou deixar de agir, conforme seu arbítrio. Vale destacar, porém, que mesmo dentro da discricionariedade existem limites impostos ao exercício deste poder. A discricionariedade não é um poder absoluto e irrestrito, pelo contrário, existem restrições a serem observadas pela Administração, como a própria finalidade do ato que deve ter sempre como princípio básico o interesse público e também a licitude do objeto perseguido pela Administração Pública (GOMES; GOUVEIA, 2017). Por derradeiro, cumpre-se elucidar que, como objetivo desta análise, será melhor aborda a limitação ao exercício do poder discricionário da Administração Pública sobre seus administrados.

MATERIAL E MÉTODOS

Para a consecução deste resumo foram utilizados artigos acadêmicos retirados de revistas eletrônicas e textos doutrinários de livros de autores da área do Direito Administrativo. Com base na análise da bibliografia referenciada neste trabalho, foi possível desenvolver o tema proposto de forma qualitativa e dedutiva. 

DESENVOLVIMENTO

De acordo com o magistério de Knoplock (2017), o poder discricionário da Administração Pública é um mérito administrativo em que o agente dele incumbido tem a possibilidade e a liberdade de escolher se e quando praticar um determinado ato, de acordo com os critérios de conveniência e oportunidade para o melhor atendimento do interesse público. Esta prerrogativa é inerente ao detentor do poder de escolha, independendo de aprovações externas ou do controle prévio e concomitante do judiciário. Entretanto, destaca o autor que esta discricionariedade não é absoluta, devendo sempre o administrador agir respeitando os princípios administrativos e os preceitos legais, sob pena de estar o agente agindo com arbitrariedade e abuso de poder.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2017), o poder discricionário se refere às situações em que a lei não determina todos os aspectos da atuação administrativa, deixando margens de subjetividade para a apreciação do detentor do poder de decisão sobre aquela matéria. Trata-se de uma margem de liberdade, podendo a autoridade optar por uma solução dentre diversas possibilidades de atuação, conforme for o caso concreto. A autora destaca ainda que, além da tradicional observância da oportunidade e conveniência, o detentor do poder discricionário deve também analisar os critérios de justiça e equidade diante da situação decisória que não foi taxativamente prevista pelo legislador (DI PIETRO, 2017).

A discricionariedade é uma construção jurídico-administrativa que tem por intuito conferir maior efetividade à administração pública diante de fatos do cotidiano em que ela tem que intervir. Se toda atuação administrativa fosse regida pelo estrito cumprimento da letra da lei, poderia se tornar uma estrutura por demasiada engessada, ainda mais lenta e onerosa. A discricionariedade possui fonte na própria lei, visto que, até mesmo onde há o poder discricionário, é por força de previsão legal e não da absoluta liberalidade do administrador. Vale ressaltar a máxima de que ao particular tudo é livre, desde que a lei não proíba (KNOPLOCK 2017).

Já com o Estado e sua máquina administrativa, ocorre a situação inversa: a administração só pode agir dentro do que a lei determina, ela não possui a liberdade que o particular detém. Assim, a discricionariedade da administração tem como limitação básica o próprio ato que a confere: a lei. Deste modo, a discricionariedade atua quando a lei expressamente permite ao caso; quando a lei é omissa diante de uma situação; ou quando a lei estabelece a determinado agente a competência da decisão, mas não estabelece a forma ou a conduta a ser observada (DI PIETRO, 2017).

A rigor, pode-se dizer que, com relação ao ato discricionário, o Judiciário pode apreciar os aspectos da legalidade e verificar se a Administração não ultrapassou os limites da discricionariedade; neste caso, pode o Judiciário invalidar o ato, porque a autoridade ultrapassou o espaço livre deixado pela lei e invadiu o campo da legalidade (DI PIETRO, 2017, p. 260).

Conforme extraído da análise de Gomes e Gouveia (2017), o controle dos atos administrativos é assunto controverso e de amplo debate entre os operadores de direito, justamente pelo fato de se discutir até onde vai a discricionariedade do administrador dentro de seus critérios subjetivos de valoração do mérito administrativo. Afinal, a decisão a ser tomada é conferida pela própria lei, por tanto, presume-se que, seja qual for a decisão tomada, ela será legal, válida e apta a produzir seus efeitos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO   

Apesar do Ato discricionário ser uma decisão com base no juízo de valores do detentor deste poder, existem limites. Eles são inerentes aos próprios atos administrativos e são abordados por todos os autores analisados para a execução deste estudo. Existem limites impostos a este poder e que devem ser observados pelo administrador em benefício da coletividade geral. Gomes e Gouveia (2017), destacam que os princípios administrativos da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência são os limites básicos do ato discricionário. Não há decisão discricionária validade que venha a confrontar qualquer destes princípios.

Complementando a visão do autor ora mencionado, a inobservância de algum destes princípios, inclusive, configura a própria ilegalidade do ato, em sentido amplo, pois, se assim agisse, o administrador estaria ferindo o próprio texto constitucional que diz em seu artigo 37 que: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]” (BRASIL, 1988)

Os autores acima destacam também que nem todos os elementos que configuram um ato administrativo possuem a discricionariedade em sua estrutura. Um Ato administrativo possui cinco elementos básicos, que são: a Competência, que se refere ao sujeito quem pode, conforme preceituado em lei, tomar a decisão concreta; o objeto, que deve ser constituído por um conteúdo lícito, determinado ou determinável e possível de ser realizado; a forma, a decisão deve ser constituída de acordo com as formalidades previstas na lei; o motivo, que se refere à justificativa do ato com base nas razões de fato ou de direito que levaram o administrador a tomar tal decisão; por fim, a finalidade, que será sempre o atendimento ao interesse público (GOMES; GOUVEIA, 2017).

Deste modo, a competência, a finalidade e a forma, não são passíveis de discricionariedade do agente, devendo sempre o poder administrativo respeitar a formalidade, a competência e a finalidade das decisões discricionárias do poder administrativo. Os elementos do ato que comportam a discricionariedade são o motivo e o objeto, de forma restrita, pois, o objetivo, como visto, deverá ser sempre lícito e o motivo, legítimo. Vale ainda ressaltar que a motivação de um ato administrativo discricionário vincula o administrador à sua justificativa. Ela deve ser condizente com o objeto e a finalidade almejadas, sob o risco de comprometer a validade da decisão proferida (KNOPLOCK 2017).

De acordo com Knoplock (2017), a discricionariedade deve também observar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade nas decisões administrativas e por mais que não seja de competência do judiciário analisar critérios de conveniência e oportunidade decididos pela administração, quando o poder discricionário exorbitar os limites legais e se viciar por este motivo, poderá sim o ato ou a decisão serem objetos de controle judicial a posteriori. Como exemplo, vale observar um julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sob decisão Administrativa de excluir candidato de concurso público de forma arbitrária.

CONCURSO PÚBLICO. Exclusão de candidato de concurso da Polícia Militar por ter desvio de septo. Impossibilidade. Limites ao poder discricionário da Administração Pública. Ofensa aos princípios da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana. Exegese dos Artigos 5º, inciso II e 37 da Constituição Federal. Sentença Reformada. Recurso reconhecido e provido. (TJ-SP 10312582720158260053 SP 1031258-27.2015.8.26.0053, Relator: Vera Angrisani, Data de Julgamento: 19/12/2017, 2ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 19/12/2017).

Conforme muito bem abordado mor Maria Sylvia Zanella de Pietro (2017), os limites impostos à administração referem-se a imposições de obrigação de não fazer ou de deixar de fazer em relação ao particular, com o objetivo de criar uma conciliação entre o exercício do interesse público e do interesse privado, de forma que o Estado não atue além do necessário para a administração do mesmo, com proteção não apenas da propriedade privada, mas também da própria pessoa humana diante do poder estatal. Assim, poderá o Judiciário intervir após a decisão tomada, diante de evidências que consubstanciem a possibilidade de o agente tomador da decisão a ter feito em situações que caracterizem desvio de poder, que é quando o autor do ato se utiliza de seu poder discricionário para atingir fim diferente do que a lei prevê.

Ou, ainda, quando se utiliza de abuso de poder, exorbitando os limites da legalidade; também quando o administrador fizer falsa ou inexistente motivação do ato discricionário praticado e, ainda, quando o agente abusar na valoração de normas de direito abertas, genéricas e indefinidas em atos que são passíveis de discricionariedade, como, por exemplo, no caso de remoção de funcionário a bem do serviço público. Neste caso, a remoção é um ato discricionário e que, em regra, não deve ter intervenção do judiciário sobre o entendimento do que seria a motivação de bem público para caso, visto que se trata de um assunto da própria Administração Pública.

Existem situações extremas em que não há dúvida possível, pois qualquer pessoa normal, diante das mesmas circunstâncias, resolveria que elas são certas ou erradas, justas ou injustas, morais ou imorais, contrárias ou favoráveis ao interesse público; e existe uma zona intermediária, cinzenta, em que essa definição é imprecisa e dentro da qual a decisão será discricionária, colocando-se fora do alcance do Poder Judiciário (DI PIETRO, 2017, p. 262).

Entretanto, atualmente, tem se buscado ampliar as possibilidades de atuação do controle judiciário sobre as decisões administrativas de atos discricionários, justamente para tentar coibir práticas impessoais e abusivas no ceio da Administração estatal. Porém, sobrevém a discussão, de até que ponto se pode tolerar a infiltração da justiça em decisões que, a princípio, seriam puramente administrativas, sem que isso configure uma interferência do poder judiciário sobre o poder executivo, desequilibrando as forças do Estado.

Ora, são situações de balança de poderes, por um lado não pode a administração se utilizar da discricionariedade para ampliar demasiadamente seus poderes sob o pretexto da discricionariedade. Por outro, não pode o judiciário observar aspectos de ilegalidade em todos os atos do poder discricionário administrativo. Em todo caso, sem dúvidas, não tendo a Administração exercido seu poder de autotutela sobre um caso concreto, caberá a eventual parte lesada, ou ao Ministério Público, atuar como fiscais da justiça e movimentar o judiciário para se posicionar diante de uma situação susceptível de dúvidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das informações debatidas, pode-se inferir que a Administração Pública é dotada de Poderes Vinculados e Discricionários. Este último poder possui significativa margem de manifestação da vontade do administrador sob um juízo de valor diante do mérito em questão em um fato a ser decidido. Este mérito, deve servir de justificativa, seja como um motivo de fato e/ou um motivo de direito para a decisão a ser tomada.

Importante é que, independentemente de qual seja uma decisão, diante da possibilidade de escolha deverá o agente escolher sempre dentre a melhor das opções, sempre pautado pelos critérios de melhor conveniência e melhor oportunidade à Administração Pública. Deverá também observar os princípios que regem a administração pública e todos os aspectos de legalidade pertinentes. Lembrando sempre que, mesmo o ato discricionário é um ato previsto em lei e, antes de tudo, os limites legais devem ser sempre respeitados. Por fim, caso haja violação a algum aspecto de legalidade, sobrará ainda espaço para uma análise externa do Poder Judiciário.

REFERÊNCIAS

  1. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: . Acesso em 01 set. 2018
  2. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
  3. GOMES, Kamila Gabriely de Souza; GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de. Os limites do poder discricionário. InÂmbito Jurídico, Rio Grande, a. 20, n. 157, fev. 2017. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18448>. Acesso em 01 set. 2018.
  4. KNOPLOCK, Gustavo Mello. Manual de Direito Administrativo: teoria, doutrina e jurisprudência. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016.
  5. SÃO PAULO (ESTADO). Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Acórdão proferido na Apelação Cível nº 10312582720158260053 SP 1031258-27.2015.8.26.0053. In: Jusbrasil: portal eletrônico de informações. 2017.Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2018.

 

Data da conclusão/última revisão: 10/9/2018

 

Como citar o texto:

RIDOLPHI, Alencar Cordeiro;RANGEL,Tauã Lima Verdan..Limites do exercício do poder discricionário. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 30, nº 1565. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/4180/limites-exercicio-poder-discricionario. Acesso em 3 out. 2018.

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