RESUMO
A federação brasileira encontra-se estruturada a partir de um centro administrativo, mas com unidades parciais autônomas, dotadas de recursos próprios, e com atribuições direcionadas pela Constituição Federal de 1988. A distribuição de competência, partindo da premissa da dimensão do interesse, em alguns casos, apresenta-se desproporcional à capacidade arrecadatória do ente. A União concentra a maior renda, e por esta razão, tem o dever de compartilhar parte dos recursos por ela arrecadados. Os repasses constitucionais, realidade que condiciona os Municípios, e alguns Estados da federação, causam dependência, podendo retrair o processo de autonomia do ente. O objetivo da presente pesquisa é verificar o aspecto normativo sobre a formação dos municípios no país, a distribuição de competências constitucionais no decorrer da história e discutir sobre a aplicação do instituto do consórcio público intermunicipal como mecanismo eficaz à carência financeira municipal. Foi utilizado o método dedutivo e por meio de pesquisa bibliográfica, com leitura de artigos, livros e leis tocantes ao tema, utilizando-se, também de dados estatísticos. Evidenciou-se que, como mecanismo de equilíbrio entre atribuição e capacidade financeira, sem a relação de dependência, tem-se o instituto do consórcio público, com previsão constitucional (artigo 241 da CRFB/88). O cooperativismo entre entes do mesmo nível federativo apresenta-se como instrumento eficaz, pois se utiliza da união de interesses e do compartilhamento de demandas, para a busca de soluções mútuas.
PALAVRAS CHAVE: Consórcios Públicos Intermunicipais, Hipossuficiência Financeira, Município.
ABSTRACT
The Brazilian federation is structured from an administrative center, but with autonomous partial units, with its own resources, and with assignments directed by CRFB / 88. The distribution of competence, starting from the premise of the dimension of interest, in some cases, is disproportionate to the collecting capacity of the entity. The Union concentrates the highest income, and for this reason, it has a duty to share part of the resources it collects. The constitutional transfers, a reality that conditions the Municipalities, and some states of the federation, cause dependence, and can retract the process of autonomy of the entity. The objective of this research is to verify the normative aspects about the formation of the municipalities in the country, the distribution of constitutional competences throughout the history and to discuss about the application of the institute of the intermunicipal public consortium as an effective mechanism to the municipal financial deficiency. It was used the deductive method and through bibliographical research, with reading articles, books and laws touching on the theme. It was evidenced that, as a mechanism of balance between attribution and financial capacity, without the relation of dependence, we have the institute of the public consortium, with constitutional provision (articles 23, single paragraph and 241 of CRFB / 88). The cooperativism between entities of the same federative level, presents itself as a more effective instrument, since it uses the union of interests and the sharing of demands, for the search of mutual solutions.
KEYWORDS: Intermunicipal Public Consortia, Financial Hypnosis, Municipality.
INTRODUÇÃO
Ao analisar as cartas políticas brasileiras, percebe-se que a atual Constituição Federal trouxe em seus artigos, dispositivos legais voltados para a cooperação entre as diferentes esferas estatais[3], dividindo as competências de acordo com as peculiaridades de cada um e possibilitando a criação de mecanismos administrativos que tem o objetivo de suprir o déficit estrutural de cada ente.
Um dos principais mecanismos do novo texto constitucional, que versa sobre a cooperação federativa entre as diferentes esferas estatais, é o disposto no artigo 241 da Constituição, que trata da possibilidade de criação de consórcios públicos para a gestão conjunta de serviços públicos. A lei 11.107 de 2005 que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos, e o Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007 regulamentaram o disposto no artigo 241 da CRFB/88.
A Carta política de 1988 descentralizou o poder político-administrativo com a constitucionalização dos municípios como entes federativos autônomos e com garantias que emanam do próprio texto constitucional, dando-lhes a incumbência de promover o desenvolvimento sustentável dentro do município, para atender os anseios da população local e criar um novo arranjo político organizacional no tocante à administração pública brasileira.
Ao município foi dada a outorga de desenvolver atividades que eram precípuas dos Estados e da União, especialmente as de caráter social e de prestação de serviços, como por exemplo, a atuação prioritária no desenvolvimento do ensino fundamental e médio, conforme dispõe o artigo 211 § 2º da Constituição. Outra inovação da Carta Magna foi a flexibilização na emancipação dos Municípios, o que de acordo com Linhares et al (2017) entre 1988 e 2000 surgiram 1.438 mil novos municípios e atualmente conta com 5.570 mil.
Ocorre que do ponto de vista financeiro e fiscal, a Constituição não acompanhou o processo de descentralização político, pelo contrário, concentrou nas mãos da União o domínio financeiro, que fragilizou a capacidade dos municípios de implementarem políticas públicas capazes de suprir as necessidades mínimas dos seus habitantes, pois o repasse do governo federal muitas vezes se mostra insuficiente para a concretização das ações do governo local.
A maioria dos municípios do país enfrenta problemas estruturais na sua organização financeira, não conseguem sequer adimplir com os compromissos feitos, postergando a outros gestores as obrigações adquiridas ao longo de anos pelo município. O déficit orçamentário e a hipossuficiência financeira é um problema recorrente em todos os cantos da federação.
A Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, que regulamentou o artigo 241 da Constituição, foi criada com o intento de efetivar a cooperação entre as entidades federativas, dando-lhes subsídio jurídico para atuarem em conjunto, na persecução de ações voltadas para a prestação dos serviços públicos, e garantir a execução dos direitos básicos dos munícipes, como nas áreas da saúde, educação, saneamento básico e manejo de resíduos sólidos, que atualmente é precário em muitos municípios brasileiros.
Por isso, no presente trabalho pretende-se traçar uma linha histórica a respeito do avanço das prerrogativas atribuídas aos municípios no país, desde o período colonial até atualidade e as dificuldades encontradas com o elevado número de obrigações dispostas nos instrumentos normativos que devem ser observadas pelos gestores.
A pesquisa seguiu o viés bibliográfico, sendo utilizados artigos e livros que estão relacionados ao tema, e o método adotado foi o dedutivo. Buscou-se em dados oficiais verificar a atual situação financeira dos municípios brasileiros, sobretudo com o objetivo diagnosticar se os entes conseguem gerir suas obrigações de forma a beneficiar os munícipes, na promoção de serviços públicos essenciais ao desenvolvimento destes e da população local.
Por conseguinte, a fim de apresentar os consórcios públicos entre municípios como uma das possíveis alternativas, frente a precariedade financeira de grande parte dos municípios, demonstrando que, constantemente tem-se adotado o caminho cooperativo como mecanismo eficaz para o saneamento dos vícios comuns enfrentados pela administração pública local, principalmente nas áreas de saúde, educação, saneamento básico e manejo de resíduos sólidos, que é objeto de maior preocupação para os gestores municipais frente ao elevado número de lixões existentes no país. Por fim fora levantado índices quantitativos referentes à atuação dos consórcios constituídos no país e as dificuldades jurídicas e sociais existentes na constituição destes.
1 EVOLUÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL
O Município, surgiu no período colonial, quando o próprio Brasil, como Estado autônomo, sequer existia. Para Chacon e Rodarte (2007), a sociedade brasileira começou “debaixo para cima”, isto é, o sentimento nacionalista brasileiro não começou com a criação de um governo central instituído em terras brasileiras, mas a partir da criação de vilas e povoados que, de acordo com o autor, foi insurgindo neste período mais vilas do que as próprias capitanias hereditárias, sendo estas últimas a forma pela qual a administração portuguesa governava a colônia.
Segundo este autor, as incursões dos bandeirantes, sobretudo as que exploraram as regiões longínquas da beira-mar fez surgir várias vilas que posteriormente foram denominadas Municípios. Tais aglomerados eram governados pelas câmaras municipais ou Senado da Câmara, que segundo Faoro (2012), eram constituídas por 2 ou 4 “homens bons”, não podendo ser integrante deste órgão administrativo os judeus, estrangeiros e cristãos novos.
Fabris (2008) destaca que os Municípios começaram a funcionar na colônia a partir de 1532 ainda sob vigor das Ordenações Manuelinas, que posteriormente foram substituídas pelas Ordenações Filipinas. Para o autor, os municípios eram o palco de grandes questões políticas e administrativas, em virtude da distância dos colonos com a grande metrópole, Lisboa.
De acordo com Chacon e Rodarte (2007) os integrantes deste órgão administrativo local tinham poderes que posteriormente seriam exercidos pelo executivo municipal. Os vereadores (homens bons) tinham a incumbência de fiscalizar os demais funcionários da coroa, fixar impostos que seriam recolhidos em favor do governo português e poderiam propor suas reclamações diretamente ao conselho ultramarino de Lisboa ou diretamente ao Rei, o que os diferenciava das Câmaras de Portugal, pois em virtude da distância, faziam suas reclamações diretamente a Coroa.
O Príncipe Dom Pedro I, com o objetivo de centralizar o poder, no ano de 1828 diminuiu o papel das Câmaras Municipais e com isto, dos municípios dentro do novo arranjo político-administrativo brasileiro, declarando que as Câmaras eram apenas órgãos administrativos sujeitos completamente ao controle dos governos provinciais e do governo geral. De acordo com Cigolini (2015) embora o Brasil Imperial tenha centralizado o poder político, e transformado o município em uma entidade administrativa do governo central, nesta época houveram muitas reivindicações municipalistas a fim de dar autonomia para o poder local.
Cria-se a federação brasileira, com a queda do Império e a instalação da República no País a partir de 1889. As forças políticas não estavam interessadas em fortalecer o poder administrativo local, mas em dar autonomia aos Estados. Cigolini (2014) afirma que, com a promulgação da Constituição de 1891, o papel dos municípios foi diminuído e os estados ganharam força política, e aqueles eram considerados apenas entes administrados pelo governo estadual. Foi neste período que surgiu também a figura dos coronéis, que detinham o poder político sobre os vilarejos e pequenas cidades do interior do país; eram pessoas ricas e donas de terras que detinham o poder sobre a população de determinada localidade.
Embora o Coronelismo tenha sido fundamental para a perpetuação de determinadas oligarquias políticas, esse movimento enfraqueceu o papel dos municípios, a constituição da época não fez previsão da eletividade dos agentes políticos municipais, e sim dos estados e a estes caberia, através de lei, detalhar como os municípios funcionariam.
A Revolução de 1930 consolidou uma nova visão no tocante à administração brasileira, pois retirou dos coronéis e dos governos estaduais o domínio dos municípios, ficando a cargo do poder central controlar o poder local. Este período ficou caracterizado pelo controle excessivo do poder executivo central, Cigolini (2015) expõe os prefeitos passaram a ser nomeados pelo Governo Central.
A Carga Magna de 1937, outorgada por Getúlio Vargas em 10 de novembro, em virtude da instituição da ditadura do estado novo, segundo Fabris (2008) foi o pior texto constitucional para os municípios desde a instituição da República. Foi retirado o poder dos munícipes de elegerem seus representantes, o que caberia somente aos governadores estaduais, fazer a nomeação dos prefeitos. Outro mecanismo que diminuiu a autonomia municipal foi a redução das receitas municipais. De acordo com o autor, neste período houve grande empoderamento do governo geral em relação aos Estados e, por conseguinte afetou indiretamente na autonomia municipal.
Passado o regime ditatorial, imposto por Getúlio, o país teve que reorganizar sua política administrativa. A Constituição de 1946, ao contrário da anterior, de acordo Meirelles (2008) foi fundamental para a institucionalização de uma nova visão a respeito dos municípios, que segundo o autor, foi marcada pela autonomia do município no aspecto financeiro, político e administrativo, que representou a independência de eleger os representantes do Poder Executivo e do Poder Legislativo; autonomia no gerenciamento de prestação de serviços públicos locais e arrecadação através de tributos próprios. Neste período também foi garantida a participação nos tributos que eram arrecadados pela União e pelos Estados.
Conforme Santin e Flores (2006), os fatos ocorridos após essa época de autonomia municipal brasileira, isto é, os acontecimentos políticos posteriores a Constituição de 1946 e que precederam a instalação da ditadura militar no país em 1964, foram responsáveis pelo declínio na autonomia financeira, administrativa e governabilidade municipal. Nesta época, conforme se extrai dos ensinamentos de Meirelles (2008), não havia eleição para os prefeitos das capitais, sendo obrigatória a nomeação destes; foi aumentado os casos de intervenção dos estados e municípios; os impostos que permaneceram sob o comando dos municípios foram o IPTU e o Imposto Sobre Serviços e no campo administrativo os sujeitou a um rigoroso sistema fiscalizatório, diminuindo em parte sua autonomia.
Em que pese o regime ditatorial tenha diminuído drasticamente a autonomia dos Estados, centralizando as principais decisões administrativas no governo central, paradoxalmente instituiu a participação dos municípios nos impostos arrecadados pelos Estados e pela União através do Fundo de Participação dos Municípios.
Para Meirelles (2008) o município, dentro do contexto político brasileiro sempre teve estimada relevância, e por isso deveria também integrar o Estado como um ente federativo, garantindo assim a sua autonomia que emanaria do próprio texto constitucional. Em 1988, ano de promulgação da Constituição Cidadã, o município foi elevado a status de ente federativo, junto com os demais estados nacionais.
Santin e Flores (2006) declaram que a promulgação da atual Constituição garantiu autonomia administrativa, financeira, normativa e fiscal, pois foi garantido ao município a edição de suas próprias leis, através das Câmaras Municipais, criação de tributos próprios para a arrecadação local, autonomia administrativa para a prestação de serviços e manutenção governamental sem a interferência direta das demais esferas administrativas do país, concedeu também a autonomia política, através das eleições dos representantes do legislativo e do executivo.
Observa-se que as atribuições e competências municipais estão espalhadas por todo o texto constitucional, entretanto faz-se imperioso destacar que, de acordo com Mendes (2015) a repartição de competências dos entes federados podem ser analisadas sob seis grandes grupos, sendo que no artigo 23 da Constituição da República há a competência comum, que pode ser desfrutada por todos os entes federados do país, inclusive pelos municípios, e no artigo 30, que versa sobre as competências próprias do município.
Conforme o artigo 30 da Constituição pode o município, instituir e arrecadar tributos (inciso III); organizar e prestar, diretamente os serviços públicos de interesse local (inciso V); manter programas de educação infantil e de ensino fundamental (inciso VI); prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população (inciso VII) e promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (VIII).
Embora não esteja expressamente estampado no rol de atribuições do artigo 30 da Constituição da República, Mendes (2015) assevera a atuação dos municípios no Sistema Único de Saúde (SUS) e no sistema educacional é fundamental para o desenvolvimento pleno desses direitos sociais, haja vista que, segundo o autor a descentralização desses serviços ganha efetividade e preserva as características regionais de cada parte da nação.
Conforme Brandt (2010), outra mudança significativa após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, foi o aumento na participação dos municípios na distribuição das arrecadações dos estados e da união, através do FPM, o que aumentou consideravelmente a receita destes, pois a base cálculo sobre os repasses para os municípios passou de 17% parta 22,5% sobre o Imposto de Renda e o Imposto sobre Produtos Industrializados.
2 HIPOSSUFICIÊNCIA ORÇAMENTÁRIA E ESTRUTURA FINANCEIRA DA MAIORIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS
A Carta Magna de 1988 trouxe em seu bojo várias disposições concernentes à autonomia administrativa, política, financeira e legislativa da municipalidade, conforme já esclarecido. A flexibilização dos critérios para emancipação municipal repercutiu em todo o país, sendo que atualmente a Federação conta com 5.570 (cinco mil quinhentos e setenta) municípios. É certo que a CRFB/88 garantiu muitos benefícios para administração local, como o aumento percentual na base de cálculo do FPM, conforme fora mencionado.
Entretanto, esse fenômeno de emancipação, objetivando em primeiro plano a execução de interesses políticos, repercutiu diretamente nas finanças públicas do país e na vida da população local. O que, para Brandt (2010), poderia ter impulsionado a qualidade na prestação de serviços e incrementado a economia local, não prosperou, haja vista que grande parte dos municípios que surgiram após a promulgação da Constituição de 1988 são considerados pequenos e abrigam a camada mais pobre da sociedade brasileira.
Por serem municípios de pequeno porte, a maioria não contam com fontes diversificadas de geração de renda, o que os tornam majoritariamente dependentes dos repasses feitos pela União para suprir suas obrigações e garantir a manutenção da estrutura administrativa local. Grande parte dos municípios brasileiros gasta sua receita prioritariamente com pessoal, em detrimento da prestação dos serviços públicos essenciais, como o abastecimento e tratamento de água, manejo dos resíduos sólidos, infraestrutura, saúde e educação.
De acordo com a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro – FIRJAN, no relatório de agosto de 2017 sobre os Índices de Gestão Fiscal e o relatório emitido em junho de 2018 sobre o Índice de Desenvolvimento Municipal, a maior parte dos recursos dos municípios é gasta com pessoal. De acordo com esses diagnósticos, mais da metade das prefeituras comprometeu seus orçamentos com o pagamento do funcionalismo público, aproximando-se dos limites impostos pela lei de responsabilidade fiscal, que é de 60% da receita corrente líquida do município.
Dados recentes coletados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) destacam alguns desafios para a administração pública municipal. A pesquisa que foi realizada entre os dias 8 de janeiro a 30 de abril de 2018, com a participação 5.483 (cinco mil, quatrocentos e oitenta e três) municípios, aponta dados importantes a respeito da grande crise financeira. Na pesquisa foi levado em consideração o pagamento do salário dos servidores municipais no mês de dezembro/2017; percentuais de gasto com pessoal da máquina pública local; se o ente federado consegue pagar seus fornecedores e se deixou restos a pagar para o ano de 2018, dentre outros questionamentos utilizados na pesquisa.
Segundo com a CNM, no tocante ao adimplemento do salário dos servidores no mês de dezembro/2017, 69.4% isto é, 3.803 municípios responderam que os pagamentos foram feitos dentro do prazo legal e 16,2% (890 municípios) atrasaram e os demais 790 municípios (14,4%), não responderam o questionamento.
Com relação ao limite de gastos com pessoal imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal, 3.487 (70,2%) dos municípios entrevistados, já atingiram o limite de 60% da receita corrente líquida permitida pela lei, 717 (13,1%) já estão acima do que é permitido e 919 (16,8%) municípios não responderam este item.
No tocante ao atraso no pagamento das dívidas adquiridas pelos municípios, ficou apurado que mais da metade não conseguiu pagar todos os seus fornecedores, deixando restos a pagar para o ano subsequente. 3080 (62,3%) não conseguiram adimplir as obrigações e somente 1.844(37,3%) não atrasaram o pagamento, restando 23 municípios que não responderam esse questionário.
Como preconiza Brandt (2010) os pequenos municípios são incapazes de suprir suas necessidades mais essenciais como a manutenção da máquina pública que deixa comprometido desde logo mais da metade das receitas municipais. Segundo a autora os gastos com o funcionamento dos poderes legislativo e executivo comprometem boa parte dos recursos que deveriam ser destinados a promoção do desenvolvimento municipal e da geração de mecanismos eficientes à prestação de serviços públicos de qualidade em benefício da população local.
3 UMA ALTERNATIVA À INEXEQUIBILIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS LOCAIS
A CRFB/88 prevê mecanismos capazes de auxiliar a precariedade econômica e financeira desses entes federativos, que através de pactos comuns podem compartilhar serviços e pessoas, com o objetivo de aprimorar a prestação dos serviços públicos para a população. Tal mecanismo foi esculpido no artigo 241 da Constituição Federal, que assim dispõe:
Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. (BRASIL, 1988)
Este dispositivo foi incorporado 10 anos após a promulgação da atual Constituição, através da Emenda Constitucional n° 19 de 1998. Entretanto, as disposições a respeito da possibilidade de cooperação federativa são anteriores a atual Carta Política, e de acordo com Baldissera (2015), os mecanismos de associativismo entre as diferentes esferas políticas brasileiras nos remontam ao início do período republicano. Na Constituição 1891 já havia a possibilidade dos estados federados assinarem pactos de cooperação entre si. Contudo, somente a partir de 1970 é que esses acordos começam a ganhar visibilidade no cenário político brasileiro.
O artigo 241 da Constituição carecia de dispositivo que disciplinasse a matéria sobre a cooperação através dos consórcios públicos, esse artigo só foi disciplinado com a edição da lei 11.107 de 06 de abril de 2005 e através do Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007, que dispõe sobre as normas gerais de contratação dos consórcios públicos.
Guimarães (2010) afirma que antes da edição da lei dos consórcios públicos, já existia no Brasil muitos consórcios administrativos, que eram entendidos segundo o autor como pactos de vontade, sem a mesma segurança que é garantida na lei 11.107/05 que assegura a natureza jurídica de autarquia aos consórcios intermunicipais, se estes forem pactuados na forma pública prevista na lei. Conforme essa autora, existiam no país vários pactos administrativos, preponderantemente relativos à saúde.
Guimarães (2010) assinala que os contratos administrativos anteriores a edição da lei dos consórcios públicos não tinham a mesma segurança jurídica que estes têm, em virtude da falta de legislação específica sobre o tema, por isso mesmo, eram considerados apenas acordos bilaterais de vontades, firmados entre distintos entes federativos, objetivando o fim derradeiro que é a prestação de serviços públicos de qualidade para população comum daqueles que pactuaram o acordo.
Embora a atual Carta brasileira dispõe de forma dogmática e imperativa a edição de uma legislação que tratasse de maneira específica sobre o tema da cooperação entre os diferentes entes federativos, de acordo com Prates (2010) essa matéria já vem sendo tratada em Constituições anteriores a de 1988.
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937 traz em seu artigo 29 umas das primeiras formas de colaboração consorciada entre municípios, dispondo que eles poderiam agrupar-se para realizar serviços públicos que fossem comuns aos participantes do grupo. De acordo com o texto da antiga norma, embora esses municípios pudessem se consorciar para explorar objetivos comuns, os Estados ficavam incumbidos de regulamentar e autorizar a efetivação desses agrupamentos municipais e sua personalidade jurídica, limitadas para cumprir somente aquilo que era objeto do consorciamento.
Cunha (2004) descreve que, pelo fato das municipalidades não estarem inclusas no rol de entes federativos nas constituições anteriores, sua atuação era limitada. A primeira vez que apareceu, de forma indireta, em um texto constitucional foi no tocante à possibilidade de criação de associações públicas constituídas por municípios, nos termos da Constituição de 1891. Por conseguinte, a Constituição do Estado de São Paulo daquele mesmo ano, descrevia em seu artigo 56 que os municípios poderiam, com a autorização do legislativo estadual se associarem para buscar melhoramentos do interesse que fosse peculiar aos pactuantes:
Art. 56 As municipalidades poderão associar-se para a realização de quaisquer melhoramentos, que julguem de comum interesse, dependendo, porem, da aprovação do Congresso do Estado as resoluções que nesse caso tomarem. (São Paulo, 1891)
Portanto, as associações com o objetivo de impulsionar a administração pública local surgiram muito antes da promulgação da atual Carta Política. Em 1967 Prates (2010) descreve que os consórcios foram instituídos somente como pactos de colaboração, e celebrar-se-iam na forma de convênios com outros municípios, dependendo neste caso de aprovação prévia dos legislativos municipais de cada entes que adotava tal política.
Prates (2010) assevera que a Constituição de 1964 buscou resgatar o sentimento nacionalista e a autonomia do estado brasileiro em detrimento dos entes políticos locais, o que suprimiu a atuação dos municípios e estados.
Entretanto, Cunha (2004) dispõe que a Constituição de 1964 retomo a questão cooperativismo federativo para as discussões administrativas do País, neste período surgiu, por encomenda dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, o BRDE – Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul. Trata-se de uma proposta de instituir a cooperação e o desenvolvimento da região sul do país, sendo constituído como autarquia, e por conta disso adquiriu personalidade jurídica que era financiada com recursos dos estados que o integravam. A autora ainda destaca que a partir da década de 1970 a cooperação federativa expande-se no sul do país, especialmente os consórcios pactuados pela administração local, isto é, cooperação estabelecida entre municípios.
Neste sentido Prates (2010) classificou em cinco grupos as diversificadas formas de cooperação que passou o país até a configuração existente. Segundo ele seriam as Agências Intermunicipais; a Câmara Intermunicipal; Consórcio Intermunicipal sendo uma sociedade civil sem fins lucrativos; Rede; e por último o agrupamento intermunicipal na forma de Pacto de Cooperação. Cada uma dessas feições tinha objetivo de atender certas especificidades, sendo critério intrínseco a sua existência a aprovação pelo legislativo estadual ou municipal a depender das legislações de cada época.
Foi somente com a Constituição de 1988 que os Municípios alcançaram o status de entes federativos, e com isto foi - lhes garantido diversos mecanismos para efetivar a participação conjunta dos diferentes níveis políticos do país, a fim de impulsionar a prestação dos serviços públicos de qualidade e tutelar o bem estar social da população local.
Os consórcios públicos ganharam relevância no atual cenário político e administrativo brasileiro, em virtude da crise financeira que passa a maioria dos municípios nos últimos anos, pela falta de recursos capazes de implementarem políticas públicas capazes de suprir a necessidade de determinadas áreas de atuação que são essenciais e obrigatórios para a administração local.
É neste cenário que os consórcios públicos surgem como mecanismos capazes de suprir a carência existente em determinadas localidades, carências essas que, se forem tratadas coletivamente através da instituição de consórcios públicos horizontais, isto é, consórcios firmados entre municípios, podem melhorar a gestão pública.
De acordo com os dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, de 2011 a 2015 houve uma forte elevação no número de municípios que declararam participar de consórcios públicos intermunicipais, sendo que de acordo com o instituto, em 2011 havia em todo território nacional 2.903 e em 2015 passou para o número de 3.571 de municípios que participavam de consórcios públicos com outros municípios.
Todavia, de acordo com os mesmos dados levantados, não se pode garantir com precisão se esses consórcios estão, efetivamente funcionando, nos moldes estabelecidos pela lei 11.107/2005. Embora o elevado número de consórcios levantados na pesquisa do IBGE possam levar o leitor a inferência que exista um grande número de municípios trabalhando de forma cooperativa, a própria pesquisa apresenta que, quando é verificada a existência de CNPJ ou não daquele respectivo consórcios, o número cai drasticamente.
Baldissera (2015), colecionando dados a respeito da quantidade de consórcios existentes no território nacional, seus números destoam de maneira considerável em relação aos dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, pois o autor levantou somente os consórcios intermunicipais que estivessem devidamente cadastrados do banco de dados da receita federal.
Segundo o IBGE (2015), na área da saúde cerca de 75,9% de municípios consorciaram-se, independente de qual seja o parceiro que estava sendo utilizado pelos municípios; na área de manejo dos resíduos sólidos cerca de 35,2% dos municípios teriam algum tipo de parceiro para tratar da questão; já na área de educação, somente 10,1% optaram pelo pacto cooperativo para impulsionar a gestão administrativa.
Embora a lei 11.107/2005 para muitos estudiosos da área tenha sido o primeiro instrumento legislativo que ofereceu certa segurança jurídica aos envolvidos no consórcio, Di Pietro (2006) dispõe que a edição desta norma foi deplorável e jamais deveria ter sido promulgada com os dispositivos que nela estão descritos, ao invés de trazer estabilidade e garantir a efetiva cooperação entre os entes, de acordo com ela, do ponto de vista prático a lei trouxe em seu bojo dispositivos que são de difícil aplicação, ou ainda impossíveis para a realidade atual dos municípios brasileiros.
No direito brasileiro, antes da lei dos consórcios públicos, era pacífico o entendimento que estes não adquiriam personalidade jurídica, não constituíam - se como pessoa jurídica de direito público, e essa é a principal diferença entre os arranjos anteriores à promulgação da lei, e, embora existam entendimentos divergentes sobre a natureza jurídica que essas entidades deveriam tomar, a legislação é clara ao afirmar que, de acordo com a sua constituição os consórcios públicos intermunicipais podem adquirir personalidade de direito público ou de direito.
O artigo 6 da lei 11.107/2005 assevera que os consórcios públicos poderão adquirir personalidade jurídica de direito público, no caso de constituir associação pública, mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções, ou de direito privado, se atenderem os requisitos da legislação civil sobre o tema.
4 O MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE FORMA CONSORCIADA
O destino final dos resíduos sólidos é, atualmente, discussão de abrangência nacional, envolvendo os diferentes setores da sociedade, público ou privado, uma vez que a preocupação ambiental vem repercutindo de forma incisiva nas últimas décadas.
Conforme dados do IBGE, até 1989, cerca de 88,2% dos rejeitos tinha como destino final lixões a céu aberto, que é um problema para o estado e afeta principalmente os pequenos municípios, por não terem estrutura financeira para manter outra forma de manejo de resíduos.
Vale destacar que mais da metade dos municípios continuam utilizando lixões para descartar os resíduos sólidos, entretanto é possível visualizar o avanço na destinação final dos rejeitos urbanos. A Secretaria Nacional do Desenvolvimento, em conjunto com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento - SNIS elaboraram em 2017 um diagnóstico concernente à situação do país com relação ao manejo dos resíduos sólidos urbanos, e de acordo com os dados dispostos no relatório, 36,9% dos municípios envia seus rejeitos para aterros sanitários, 10,8% envia para aterros controlados, 19,2% dos municípios tem como destinação final os lixões a céu aberto, e 33,1% dos municípios não deram informações a este respeito.
Embora os números tenham melhorado, esse avanço se deu pelos mecanismos legislativos que foram criados com o objetivo de dar efetividade ao artigo 241 da Constituição Federal que dispõe respectivamente sobre o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional, e a criação de consórcios públicos destinados a tornar real a prestação de serviços públicos essenciais. A já citada lei 11.107/2005 e a lei 12.305 de 02 de agosto de 2010 que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos trouxeram dispositivos voltados à regionalização na prestação de serviços públicos de tratamento e manejo de resíduos sólidos, isso porque no parágrafo único do artigo 11[4], fica evidente o incentivo que a lei trouxe para a resolução de tais problemas se utilizando de consórcios públicos entre dois ou mais municípios, ou seja, os consórcios intermunicipais de gestão dos resíduos sólidos foram amplamente incentivados.
De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2017, 2.073 municípios participam de consórcios públicos intermunicipais voltados a gestão de resíduos sólidos, o que representa 37,2% do total de municípios brasileiros. Com relação ao ano de 2016 houve um avanço expressivo na quantidade de consórcios voltados para esse fim e o número de municípios participantes, 149 de consórcios em 2016 e 1.870 municípios participantes e em 2017, 168 consórcios e 2.073 municípios participantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Município, dentro da estrutura da federação brasileira, assume competências e atividades de importância e imprescindibilidade para a efetivação de princípios e garantias constitucionais. Porém, constata-se que não houve a proporcional e necessária construção da base normativa que lhe garanta a arrecadação necessária para que sejam efetivadas, e que sua atuação se implemente com independência e segurança jurídica.
É incontroverso que a Constituição de 1988 tenha consagrado o Município como ente federativo dotado de autonomia legislativa, política e financeira, podendo, em síntese, ter arrecadação própria, editar leis e eleger os membros do legislativo e executivo municipal.
Ocorre que, com as prerrogativas que lhe foram dadas também vieram inúmeras responsabilidades que deveriam ser executadas pelo poder público local, principalmente aquelas voltadas para a promoção e prestação de serviços, visando, precipuamente o bem estar da sociedade local.
As receitas arrecadadas e as oriundas de repasses feitos pelo Estado e pela União se mostram insuficientes para suprir as necessidades básicas da máquina pública, comprometendo diretamente a promoção de políticas públicas e a prestação de serviços essenciais para ao desenvolvimento da localidade.
Portanto, o instituto do consórcio público se mostra como alternativa para as imperfeições que são comuns entre municípios, principalmente naquele de médio e pequeno porte, pois o aumento na quantidade desse instituto é notória. Embora alguns apontem que a formatação legal do texto que versa sobre os consórcios públicos não seja a mais adequada, em virtude das dificuldades materiais e políticas encontradas na sua formação, percebe-se que o número de Municípios que estão adotando o caminho cooperativo aumenta cada vez mais, demonstrando a necessidade de buscar soluções conjuntas, ante o déficit que passa grande parte dos municípios brasileiros.
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[3] Artigo 23, Parágrafo Único e artigo 241 CRFB/88.
[4] “A atuação do Estado na forma do caput deve apoiar e priorizar as iniciativas do Município de soluções consorciadas ou compartilhadas entre 2 (dois) ou mais Municípios”. (Parágrafo Único, Art. 11, Lei 12.305/2010)
Data da conclusão/última revisão: 22/4/2019
Weslley Samuell Rodrigues Moraes e Fábio Barbosa Chaves
Weslley Samuell Rodrigues Moraes: Acadêmico do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins.
Fábio Barbosa Chaves: Doutor em Direito pela PUC Minas. Mestre em Direito e Relações Internacionais pela PUC Goiás. Professor do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins.
Código da publicação: 4441
Como citar o texto:
MORAES, Weslley Samuell Rodrigues; CHAVES, Fábio Barbosa..O Município brasileiro e os consórcios públicos intermunicipais. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1619. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/4441/o-municipio-brasileiro-os-consorcios-publicos-intermunicipais. Acesso em 9 mai. 2019.
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