"É apaixonante o tema Direito Disciplinar. Leva-nos ao império das ações e reações humanas; coloca-nos frente a pessoas que, de uma ou de outra forma, escorregaram no descaminho da função; entregam-se a algum tipo de fraqueza. Assumimos ora a condição do policial, na coleta da prova, na investigação do fato, na ânsia de achar o culpado. E nos vemos, em etapa seguinte, vasculhando a alma do semelhante, para melhor compreender as razões da conduta. Por fim, decidimos uma parcela da vida de um funcionário, com reflexo nos seus sonhos, na sua subsistência, no sorriso dos seus filhos, na paz do seu lar. Quem labuta nesse campo, então, tem dupla responsabilidade: a responsabilidade com o serviço público, cumprindo tecnicamente a tarefa processante; e a responsabilidade com o espírito de justiça e com a própria consciência, uma vez que estará operando não em equipamentos de uma máquina inerte, mas em elementos que constituem a honra alheia, onde, às vezes, um arranhão indevido se transforma em ferida que nunca cicatriza. Competência e cautela, profissionalismo e sensibilidade são imperativos nesse contexto".
(Léo da Silva Alves)
Este artigo tem por objetivo traçar alguns tópicos sobre o Direito Administrativo Disciplinar e também contribuir para um melhor entendimento sobre o relevante papel do processo administrativo disciplinar como instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor público por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.
Cumprindo seu importante papel social, a imprensa brasileira tem denunciado vários escândalos de corrupção que mancham a credibilidade da Administração Pública como casos de desvio do dinheiro público; violação do painel eletrônico de votação do Senado Federal; suborno de fiscais e autoridades com o crime organizado; superfaturamento de obras públicas como a do TRT de São Paulo; apreensão de milhões de reais em dinheiro vivo em um cofre de uma empresa privada, possivelmente, oriundo de caixa 2; sonegação de bilhões de reais; falências fraudulentas milionárias e tantas outras "maracutaias".
Nesse cenário explicitado, vê-se que em nosso país, a falta de rigor da justiça para com os comprovadamente corruptos vem assumindo proporções insuportáveis, levando ao descrédito os alicerces da democracia, que são os três poderes da República.
O grande político Bilac Pinto, na década de 50, já lutava pela restauração da dignidade pública nesse país, denunciava alto e bom som "Em nosso país, atualmente, ninguém se anima a denunciar as falhas de conduta moral dos políticos e servidores públicos, pela crença de que o seu zelo pela decência da administração não encontrará eco favorável nas esferas responsáveis pela direção do respectivo serviço público".
É ponto comum que a modernidade, vista como consagração do potencial de esclarecimento do homem, está em crise.
O processo administrativo disciplinar é o instrumento eficaz que objetiva a supremacia do Estado diante daqueles que o servem, submetidos ao poder disciplinar, que vem a ser a faculdade de punir inteiramente as infrações funcionais e que a sanção administrativa tem como fundamentos a regularidade do serviço público, a conservação de seu prestígio para com os seus administrados, a reeducação dos servidores públicos, difusão dos princípios éticos e a exemplificação.
Destaca-se, também, que o tema do artigo in deducta surgiu da necessidade de se ampliar às discussões, também, sobre o papel de uma corregedoria frente ao Direito Administrativo Disciplinar.
A título de informação, e no afã de citar o exemplo da Corregedoria-Geral da Secretaria da Receita Federal - Coger como órgão de correição no serviço público federal, devidamente reconhecida pela imprensa nacional, expresso que segundo o artigo 21 da Portaria MF n.º 259 , de 24 de agosto de 2001, cabe à Coger, in verbis:
"Art. 21. À Coger compete planejar, coordenar, orientar, executar, controlar e avaliar as atividades de auditoria interna correicional e demais atividades de correição, com a finalidade de promover ações preventivas e repressivas relativas à ética e à disciplina funcionais dos servidores e verificar os aspectos disciplinares dos feitos fiscais e de outros procedimentos administrativos. (Grifo nosso)
Nesse sentido, mister é se implementar um trabalho de orientação disciplinar, com a participação de todos os agentes públicos federais, que vise contribuir para um melhor entendimento acerca da dinâmica do processo administrativo disciplinar e procedimentos adotados, via de regra, pela Administração Pública, quando é compelida a apurar o ilícito administrativo e punir o respectivo agente infrator.
O poder disciplinar é força inerente à Administração Pública de apurar irregularidades e infligir sanções a pessoas adstritas ao regime disciplinar dos órgãos e serviços públicos. Esse poder é, assim, uma ferramenta fundamental na tentativa de se promover à regularidade e o aperfeiçoamento da Administração Pública. Nesse aspecto, as áreas de ética e correição devem seguir com passos largos no sentido da moralização do serviço público.
O Publicista Hely Lopes Meirelles , conceitua o poder disciplinar como sendo a faculdade de punir internamente as infrações disciplinares dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração Pública.
Ao analisar esse conceito Álvaro Lazzarini aponta que o vocábulo "faculdade" está empregado no seu significado jurídico, que exprime o próprio exercício do direito subjetivo do Administrador Público, exteriorizado na faculdade de agir (facultas agendi). Não significa, em absoluto, a possibilidade de deixar de punir o faltoso.
Cumpre-se ressaltar que a finalidade do poder disciplinar está respaldada no interesse e na necessidade de aperfeiçoamento progressivo do serviço público.
Para o Juiz Federal e Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Edilson Pereira Nobre Júnior a função administrativa, dentre as relevantes missões estatais, evidencia-se pela dinâmica de atos, praticados de acordo com a ordem normativa, no escopo de legar o bem-estar geral da coletividade.
_________Notas:
ALVES, Léo da Silva. Interrogatório e confissão no processo disciplinar. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 07.
2 Aprova o Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal - SRF.
3 COSTA, José Armando da. Contorno jurídico da improbidade administrativa. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 12.
4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 108.
5 LAZZARINI. Álvaro. Estudos de direito administrativo. São Paulo: RT, 1999, p. 398.
6 NOBRE JR., Edilson Pereira. Sanções administrativas e princípios de direito penal. In: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: FGV, jan/mar, 2000, (219): p. 127.
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Sobre o autor:
* É Auditor-Fiscal da Receita Federal, parecerista do Escritório de Corregedoria-Geral da Secretaria da Receita Federal em Recife - PE e pós-graduando em Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Recife da UFPE.
Publicado em 02/05/2003
João Bosco Barbosa Martins
Auditor-Fiscal da Receita Federal, lotado na Superintendência Regional da RF na 3ª Região Fiscal e especialista em Direito Administrativo.Código da publicação: 4690
Como citar o texto:
MARTINS, João Bosco Barbosa..Direito administrativo disciplinar na regularidade do serviço público. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 26. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/4690/direito-administrativo-disciplinar-regularidade-servico-publico. Acesso em 2 mai. 2003.
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