Considerações tópicas sobre apuração de irregularidades no Serviço Público Federal

O presente artigo tem o escopo de se reflexionar sobre o trato da apuração de irregularidades administrativas no âmbito da Administração Pública Federal, fazendo principalmente uma análise do artigo 143 da Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que disciplina a matéria e algumas incursões doutrinárias sobre o assunto.

A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância administrativa ou processo administrativo disciplinar, assegurado ao acusado a ampla defesa (Lei n.º 8.112/90, art. 143).

Giovanni Fialho Netto ao examinar o art. 143 deixa claro que "o perdão tácito não é abraçado pelo Direito Administrativo, pelo fato de não ser direito disponível, ao contrário do que ocorre com os empregados regidos pela CLT".

Como essa lei é silente para determinar quem tem a competência para instaurar o processo administrativo disciplinar, por exemplo, a Secretaria da Receita Federal - SRF, através da Portaria SRF n.º 825 , de 19 de maio de 2000, alterada pela Portaria SRF n° 3.032 , de 29 de novembro de 2001, disciplinou a matéria, dispondo sobre a instauração de sindicância administrativa e processo administrativo disciplinar no âmbito desse órgão e sobre a situação funcional dos servidores integrantes de comissões disciplinares e dos acusados. O artigo 1º da Portaria SRF n.º 825 esclarece que:

"A apuração de irregularidade de que trata o art. 143 da Lei n.º 8.112, de 11 de dezembro de 1990, no âmbito da Secretaria da Receita Federal - SRF, será feita mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar instaurados pelos Chefes de Escritório de Corregedoria-Geral - Escor, assegurados ao acusado o contraditório e a ampla defesa".

Ainda, na seara da Secretaria da Receita Federal, conforme mandamento da Portaria SRF n° 370, de 29 de março de 2001, modificada pela Portaria SRF 3.032/2001, a Corregedoria-Geral da Secretaria da Receita Federal - Coger e seus Escritórios de Corregedoria - Escor nas Regiões Fiscais, após o julgamento dos processos administrativos disciplinares de que resultarem demissão, cassação de aposentadoria, destituição de cargo em comissão ou de função comissionada de servidores, por infração aos incisos IX, X, XI, XII, XIII, XIV e XVI do art. 117, e incisos I, IV, VIII, IX, X, XI e XII do art. 132, todos da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, encaminharão os referidos processos à Divisão de Fiscalização da Superintendência Regional da Receita Federal na Região Fiscal - Difis/SRRF para fins de extração de cópia das peças de interesse fiscal com vistas à instauração de procedimento de fiscalização, em autos apartados, e posterior devolução do processo disciplinar à origem, para arquivamento.

É de bom alvitre, mencionar-se que a Portaria SRF n° 400, de 11 de abril de 2001, alterada pela Portaria SRF 3.032/2001, determina, in examine:

"Art. 1º. A Corregedoria-Geral da Secretaria da Receita Federal - Coger encaminhará à Corregedoria-Geral da União, até o dia 10 de cada mês, cópias dos documentos das sindicâncias e processos administrativos disciplinares, instaurados a partir de 03 de abril de 2001, a seguir relacionados:

I - portaria instauradora e denúncia, representação ou documento que embasou a instauração do processo disciplinar; e

II - relatório final da comissão disciplinar, julgamento e portaria de aplicação de penalidade, se houver.

Parágrafo único. Relativamente aos processos disciplinares instaurados anteriormente à data a que se refere o caput e que se encontram em andamento, deverão ser encaminhados apenas os documentos a que se refere o inciso II deste artigo".

Para Antônio Carlos Alencar Carvalho: "Como consabido, os princípios da moralidade e do interesse público, informadores da atividade da Administração Pública Federal (art. 2°, caput, Lei Federal 9.784/99), devem, reflexamente, ser primados na conduta dos agentes públicos. Com esse desiderato, o ordenamento jurídico consagrou o direito de qualquer cidadão responsável, comprometido com os sobreditos princípios éticos e com a defesa da coisa pública, formular denúncia contra servidores públicos, a ser recebida desde que com a obediência dos quesitos legais de admissibilidade".

Importante observar o parágrafo único do art. 144 da Lei n° 8.112/90 que disciplina a matéria do arquivamento de denúncia, nos seguintes termos:

"Parágrafo único. Quando o fato narrado não configurar evidente infração disciplinar ou ilícito penal, a denúncia será arquivada, por falta de objeto".

Destarte, Paulo de Matos Ferreira Diniz aborda o assunto da denúncia sobre irregularidades no serviço público federal: "As denúncias sobre irregularidades deverão conter a identificação, o endereço do denunciante e ser formulados por escrito. Quando o fato objeto da denúncia não configurar evidente infração disciplinar ou ilícito penal, a mesma será arquivada, por falta de objeto. Este princípio repudia a denúncia anônima que tantos prejuízos causam às pessoas".

Por outro lado, sabe-se que os institutos da liberdade de pensamento e do anonimato são extraídos das verbas legis do inc. IV, art. 5º da Carta Constitucional outorgada em 1988, nos seguintes termos:

"Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

omissis

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". (grifamos)

A brilhante lição de José Afonso da Silva sobre esse artigo assevera que "A liberdade de manifestação de pensamento tem seus ônus, tal como o de o manifestante identificar-se, para, e, sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros. Daí por que a Constituição veda o anonimato. A manifestação e pensamento não raro atinge situações jurídicas de outras pessoas a que ocorre o direito, também fundamental individual, de resposta. O art. 5º, V, o consigna nos termos seguintes: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem".

Já o art. 220 da Carta Magna, que trata da comunicação social, disciplina que "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição".

Na legislação infraconstitucional, vê-se que a liberdade de pensamento está disciplinada na Lei nº 5.250 , de 09 de fevereiro de 1967, que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, in examine:

"Art. 1º É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer".

É importante ressaltar que o Decreto-Lei nº 2.848 , de 07 de dezembro de 1940, dispõe sobre os crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), in verbis:

"Calúnia

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.

Difamação

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.

Injúria

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro".

Cumpre ressaltar que há a honra objetiva (conceito de que desfruta a pessoa no meio em que vive; é vulnerada com os crimes de calúnia e difamação) e a honra subjetiva (aspecto psicológico, auto-estima, conceito admitido na injúria).

O Professor Damásio Evangelista de Jesus assim expõe o seu pensamento sobre as distinções entre esses três crimes apontados, quais sejam: "Enquanto na calúnia existe imputação de fato definido como crime, na difamação o fato é meramente ofensivo à reputação do ofendido. Além disso, o tipo da calúnia exige o elemento normativo da falsidade da imputação, o que é irrelevante no delito de difamação, salvo na hipótese do parágrafo único do art. 139. Em quanto na injúria o fato versa sobre a qualidade negativa da vítima, ofendendo-lhe a honra subjetiva, na difamação e na calúnia há ofensa à reputação, versando sobre fato a ela ofensivo ou criminoso".

 

 

 

João Bosco Barbosa Martins

Auditor-Fiscal da Receita Federal, lotado na Superintendência Regional da RF na 3ª Região Fiscal e especialista em Direito Administrativo.