Domínio público – bens públicos

SUMÁRIO: 1 Da história – 2 Do domínio público – 3 Dos bens públicos – 4 Da classificação – 4.1 Bens de uso comum ou bens do domínio público – 4.2 Bens de uso especial ou bens do patrimônio indisponível – 4.3 Bens dominiais ou bens dominicais ou bens do patrimônio fiscal ou bens do patrimônio disponível – 5 Da administração dos bens públicos – 6 Da utilização dos bens públicos – 6.1 Do Uso comum do povo – 6.2 Do uso especial – 6.3 Da autorização de uso – 6.4 Da permissão de uso – 6.5 Da cessão de uso – 6.6 Da concessão de uso – 6.7 Da concessão de direito real de uso – 7 Da alienação dos bens públicos – 7.1 Conceito – 7.2 Do direito – 7.3 Das formas de alienação – 7.3.1 Da venda e compra – 7.3.2 Da doação – 7.3.3 Da dação em pagamento – 7.3.4 Da permuta, troca ou escambo – 7.3.5. Da investidura – 7.3.6 Da concessão de domínio 7.3.7 Da legitimação de posse – 7.4 Observações – 8 Da imprescritibilidade – da impenhorabilidade – Da não oneração dos bens públicos – 8.1 Da imprescritibilidade – 8.2 Da impenhorabilidade – 8.3 Da não oneração dos bens públicos – 9 Da aquisição de bens pela administração pública – 10 Das terras públicas – 10.1 Terras públicas – 10.1.1 Terras rurais públicas – 10.1.2 Terras urbanas públicas – 10.1.3 Terras devolutas – 10.1.4 Plataforma continental – 10.1.5 Terras ocupadas tradicionalmente pelos índios – 10.1.6 Terrenos de marinha – 10.1.7 Terrenos acrescidos – 10.1.8 Terrenos reservados – 10.1.9 Ilha dos rios públicos e ilhas oceânicas – 10.1.10 Álveos abandonados – 10.1.11 Faixa de fronteira – 10.1.12 – Vias e logradouros públicos – 10.1.13 Áreas ocupadas com as fortificações – 10.2 Das águas públicas – 10.2.1 Águas nacionais – 10.2.1.1 Águas internas – 10.2.1.2 Águas externas – 10.2.2 Legislação sobre águas públicas – 10.3 Das jazidas – 10.3.1 Legislação sobre jazidas – 10.4 Das florestas – 10.4.1 Legislação sobre florestas – 10.5 Da fauna – 10.5.1 Legislação sobre fauna – 10.6 Espaço aéreo – 11 Da questão ecológica – 11.1 Legislação sobre proteção ambiental – 12 Jurisprudência colacionada – 13 Bibliografia consultada.

1 Da história

Nas mais remotas sociedades sempre foi constatada a necessidade de existência de algum tipo de dominação e de regulamentação, a cargo do Estado, sobre determinados bens. Em rigor, a vida em sociedade seria praticamente impossível, não fora a presença de bens destinados ao cumprimento de finalidades de interesse coletivo.

Nos Estados Modernos, essa dominação e regulamentação advêm de um regime jurídico adequado que, além de especificar sua composição e utilização, cria regras de proteção contra atos ilegítimos, ou danosos, quer provindos de particular, quer do próprio Estado. Atualmente, todos os países conhecem um tratamento bastante minucioso dispensado à regulamentação e proteção desses bens, por meio de normas legais que garantam o atingimento dos objetivos e finalidades para os quais estão voltados e que deram origem ao seu surgimento. [1]

         No direito romano – institutas – havia referências a bens públicos, que incluíam as res communes e as res universitatis, ao lado das res publicae. Estas últimas, insusceptíveis de apropriação privada, pertenciam a todos, ao povo.

Os bens públicos – na idade média – eram considerados propriedade do rei, e não mais do povo. Porém, com base nos antigos textos romanos – que influenciaram todas as legislações ao longo da história – logo se voltou a atribuir ao povo a propriedade desses bens públicos, cabendo ao monarca, na condição de governante supremo, tão-somente o poder de polícia sobre os mesmos. [2]

O Estado, como Nação politicamente organizada, exerce poderes de Soberania sobre todas as coisas que se encontram em seu território. Alguns bens pertencem ao próprio Estado; outros, embora pertencentes a particulares, ficam sujeitos às limitações administrativas impostas pelo Estado; outros, finalmente, não pertencem a ninguém, por inapropriáveis, mas sua utilização subordina-se às normas estabelecidas pelo Estado. Este conjunto de bens sujeitos ou pertencentes ao Estado constitui o domínio público, em seus vários desdobramentos. [3]

Existe uma distinção clara entre propriedade e dominação e regulamentação.

O país somos nós, seus cidadãos, seus legítimos donos e de todas as coisas, excetuadas as da propriedade privada assegurada pelo Código Civil – art. 98 ss..

O Estado, por nossa delegação – ao escolhermos os governantes e os legisladores – estabelece as regras comuns, legais, e as executa administrativamente, em nosso nome, com vistas ao interesse coletivo.

2 Do domínio público

É noção mais abrangente que propriedade, pois aí se incluem os bens que não são do Poder Público. [4]

É o poder de dominação ou de regulamentação que o Estado exerce sobre os bens do seu patrimônio (bens públicos), ou sobre os bens do patrimônio privado – bens particulares de interesse público – ou sobre as coisas inapropriáveis individualmente, mas de fruição geral da coletividade – res nullius. Neste sentido amplo e genérico o domínio público abrange não só os bens das pessoas jurídicas de Direito Público interno como as demais coisas que, por sua utilidade coletiva, merecem a proteção do Poder Público, tais como as águas, as jazidas, as florestas, a fauna, o espaço aéreo e as que interessam ao patrimônio histórico e artístico nacional. [5]

De um lado, um poder político, superior a tudo, chamado domínio eminente, que autoriza as limitações impostas pelo Estado ao exercício de direitos em todo território nacional, e, de outro lado, um poder sobre os bens de que é proprietário ou simples administrador, conhecido como domínio patrimonial, exercido sobre os bens públicos. [6]

São poderes de soberania e em direitos de propriedade. Aqueles se exercem sobre todas as coisas de interesse público, sob a forma de domínio eminente; estes só incidem sobre os bens pertencentes às entidades públicas, sob a forma de domínio patrimonial.

O domínio eminente não constitui um direito de propriedade; é o poder que o Estado exerce potencialmente sobre as pessoas e os bens que se encontram no seu território.

Esse poder não admite restrições; contudo, o absoluto dessa potestas está condicionado à ordem jurídico-constitucional e aos princípios, direitos e garantias da Lei Fundamental.

O domínio eminente é um poder sujeito ao direito; não é um poder arbitrário.

Em nome do domínio eminente é que são estabelecidas as limitações ao uso da propriedade privada, as servidões administrativas, a desapropriação, as medidas de policia e o regime jurídico especial de certos bens particulares de interesse público.

Esse poder superior (eminente) que o Estado mantém sobre todas as coisas existentes em seu território não se confunde com o direito de propriedade que o mesmo Estado exerce sobre as coisas que lhe pertencem, por aquisição civil ou administrativa. Aquele é um domínio geral e potencial sobre bens alheios; este é um domínio específico e efetivo sobre bens próprios do Estado, o que o caracteriza como um domínio patrimonial, no sentido de incidir sobre os bens que lhe pertencem.

O domínio patrimonial do Estado sobre seus bens é direito de propriedade, mas direito de propriedade pública, sujeito a um regime administrativo especial.

A esse regime subordinam-se todos os bens das pessoas administrativas, assim considerados bens públicos e, como tais, regidos pelo Direito Público, embora supletivamente se lhes apliquem algumas regras da propriedade privada. Mas advirta-se que as normas civis não regem o domínio público; suprem, apenas, as omissões das leis administrativas.

O patrimônio público é formado por bens de toda natureza e espécie que tenham interesse para a Administração e para a comunidade administrada. Esses bens recebem conceituação, classificação e destinação legal para sua correta administração, utilização e alienação, como veremos no decorrer deste item, em que, a final, trataremos da aquisição de bens que passarão a integrar o patrimônio público.

3 Dos bens públicos

É o conjunto de coisas corpóreas e incorpóreas, móveis, imóveis e semoventes de que o Estado se vale para poder atingir as suas finalidades. [7] 

São os bens necessários à Administração Pública para o atingimento dos fins coletivos de propiciar o bem estar e a satisfação dos habitantes de seu território. São os bens do domínio públicores quorum commercium non sit, res publicæ ou loca publica, [8] federais, estaduais, distritais ou municipais, conforme a entidade política a que pertença ou o serviço autárquico, fundacional ou paraestatal a que se vinculem.

Não são somente as coisas que pertencem às pessoas jurídicas de Direito Público, ou seja, União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias, mas também aquelas coisas que, embora não pertencendo a essas pessoas, estão destinadas a prestação de serviço público. [9] 

São todas as coisas, móveis e imóveis, direitos e ações de que sejam titulares os entes públicos, mesmo não se destinando à utilização pelo público. Seu estudo corresponde ao direito administrativo das coisas. [10]

Genericamente, é toda espécie de bens, sob o domínio do Estado. Porém cabe especificar, conceituando da seguinte forma são todas as coisas corpóreas, incorpóreas, imóveis, móveis, semoventes, créditos, direitos e ações [11] , que pertençam a qualquer título às entidades estatais, autárquicas, fundacionais de Direito Público. Formam o patrimônio público e se submetem ao regime de direito público. [12] 

Em sentido estrito poderia-se incluir os bens das entidades não-públicas que desempenham serviço público, ou integram a Administração Pública indireta, no entanto, os bens das entidades paraestatais não se encaixam na categoria de públicos, por não se imputar-lhes o essencial do regime jurídico dos bens públicos, isto é, inalienabilidade, impenhorabilidade, imprescritibilidade. [13]

A soberania territorial do Estado está bastante ligada à relação bem público – domínio do Estado, no entanto, necessário se faz dizer que no Estado Democrático de Direito, o Estado cumpre, por meio de suas funções, as competências que lhe são constitucionalmente atribuídas, não tendo, por isso, um “domínio” irrestrito sobre todos os bens. [14]

Bem Público é aquele que por determinação legal ou por sua própria natureza, pode ser utilizado por todos em igualdade de condições, sem necessidade de consentimento individualizado por parte da Administração. [15]

Outros bens há, contudo, sobre os quais o Estado exerce um domínio eminente, ainda que sendo eles da propriedade privada, simplesmente pelo fato de estarem em seu território e suscitarem interesse público. Aí, a expressão de sua soberania, a manifestação do summa potestas – a qualidade que tem o poder de ser supremo dentro dos limites de sua ação. [16]

O Código Civil os reparte inicialmente em públicos e particulares, esclarecendo que são públicos os do domínio nacional, pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios, e, por exclusão, declara que são particulares todos os outros, seja qual for a pessoa a que pertencerem – art. 98 e ss.. São bens públicos os que, originariamente integrando o patrimônio nacional, os bens transferidos a autarquias e fundações públicas. [17]

Então, ainda que pertencentes a um ente público, estão franqueados para uso e fruição de todos, normalmente, sem restrições ou ônus (não desfigura sua natureza se a Administração condiciona tal a requisitos peculiares, estabelecendo condição de uso ou o pagamento da retribuição admitida no art. 103 do Código Civil). [18]

Já aos bens das entidades paraestatais – empresas públicas, sociedades de economia mista, serviços autônomos etc. – são bens públicos com destinação especial e administração particular das instituições a que foram transferidos para consecução dos fins estatutários.

A despeito de serem bens públicos, dada sua destinação especial a organizações de personalidade privada e sua administração em moldes particulares, os bens das entidades paraestatais prestam-se a oneração como garantia real e sujeitam-se a penhora por dívidas da entidade, como, também, podem ser alienados na forma estatutária, independentemente de lei. No mais, regem-se pelas normas do Direito Público, inclusive quanto à imprescritibilidade por usucapião, uma vez que, se desviados dos fins especiais a que foram destinados, retornam à sua condição originária do patrimônio de que se destacaram.

4 Da classificação

A Constituição Federal, em seus arts. 20 e 26, enumeram os bens da União e os bens dos Estados, mencionando também são as terras devolutas, aquelas que são do Estado, mas sem destinação de uso comum, uso especial, ou uso dominial. [19]

Pelo Código Civil, os bens podem ser de uso comum do povo (uso indistinto das pessoas, como praças, ruas, estradas etc), de uso especial (possuem destinação a local de prestação de serviço público) e dominicais ou dominiais (Estado é proprietário, como se fosse um particular). A afetação de um bem ao uso comum é a destinação que se lhe atribui, ou por ser de sua natureza, ou por lei, ou ato administrativo, ao uso comum do povo. A desafetação ocorre quando do trespasse do bem ao uso especial, ou dominical, por meio de lei. [20] 

Podem ser federais, estaduais ou municipais, conforme a entidade política a que pertençam ou o serviço autárquico, fundacional ou paraestatal a que se vinculem.

Todos os bens públicos são bens nacionais, por integrantes do patrimônio da Nação, na sua unicidade estatal, mas, embora politicamente componham o acervo nacional, civil e administrativamente pertencem a cada uma das entidades públicas que os adquiriram. [21]

Segundo a destinação [22] os bens públicos em três categorias:

I  –  os de uso comum do povo , atais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II – os de uso especial, tais como os edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III – os dominiais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

parágrafo único – não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

Todos os bens vinculados ao Poder Público por relações de domínio ou de serviço ficam sujeitos à sua administração. Daí o dizer-se que uns são bens do domínio público, e outros, bens do patrimônio administrativo. Com mais rigor técnico, tais bens são reclassificados, para efeitos administrativos em:

·  bens do domínio público (os da primeira categoria: de uso comum do povo);

·  bens patrimoniais indisponíveis (os da segunda categoria: de uso especial);

·  bens patrimoniais disponíveis (os da terceira e última categoria: dominiais), segundo se lê no Regulamento da Contabilidade Pública.

4.1 Bens de uso comum ou bens do domínio público         

São os de uso indistinto das pessoas, como os rios, mares, praias,  estradas, ruas e praças

Enfim, todos os locais abertos à utilização pública adquirem esse caráter de comunidade, de uso coletivo, de fruição própria do povo. Sob esse aspecto pode o domínio público definir-se como a forma mais completa da participação de um bem na atividade de administração pública.

4.2 Bens de uso especial ou bens do patrimônio indisponível 

São os que se destinam especialmente à execução dos serviços públicos e, por isso mesmo, são considerados instrumentos desses serviços. Não integram propriamente a Administração, mas constituem o aparelhamento administrativo, tais como os edifícios das repartições públicas, os terrenos aplicados aos serviços públicos, os veículos da Administração, os matadouros, os mercados e outras serventias que o Estado põe à disposição do público, mas com destinação especial.

4.3 Bens dominiais ou bens dominicais ou bens do patrimônio fiscal ou bens do patrimônio disponível

São aqueles que, embora integrando o domínio público como os demais, deles diferem pela possibilidade sempre presente de serem utilizados em qualquer fim ou, mesmo, alienados pela Administração, se assim o desejar. Daí por que recebem também a denominação de bens patrimoniais disponíveis ou de bens do patrimônio fiscal. Tais bens integram o patrimônio do Estado como objeto de direito pessoal ou real, isto é, sobre eles a Administração exerce poderes de proprietário, segundo os preceitos de direitos constitucional e administrativo.

Todas as entidades públicas podem ter bens patrimoniais disponíveis, isto é, bens não destinados ao povo em geral, nem empregados no serviço público, os quais permanecem à disposição da Administração para qualquer uso ou alienação, na forma que a lei autorizar.

5 Da administração dos bens públicos

Normalmente, o poder de utilização e conservação das coisas administradas, diversamente da idéia de propriedade, que contém, além desse, o poder de oneração e disponibilidade e a faculdade de aquisição. Daí por que os atos triviais de administração, ou seja, de utilização e conservação do patrimônio público, independem de autorização especial, ao passo que os de alienação, oneração e aquisição exigem, em regra, lei autorizadora e licitação para o contrato respectivo.

Rege-se pelas normas do Direito Público, aplicando-se supletivamente os preceitos do Direito Privado no que aquelas forem falhas ou omissas.

A transferência da propriedade dos bens imóveis se opera segundo as normas e instrumentos civis – escritura e registro – sendo os atos e procedimentos administrativos que a antecedem meras formalidades internas que não afetam a substância negocial do contrato civil realizado entre a Administração e o particular. Por essa razão é que, uma vez feita a transcrição, ou simplesmente assinadas a escritura, tornam-se irretratáveis os atos ou procedimentos administrativos precedentes e a transferência do domínio só poderá ser modificada ou invalidada por via judicial ou por acordo entre as partes.

A utilização indevida de bens públicos por particulares, notadamente a ocupação de imóveis, pode – e deve – ser repelida por meios administrativos, independentemente de ordem judicial, pois o ato de defesa do patrimônio público, pela Administração, é auto-executável, como o são, em regra, os atos de polícia administrativa, que exigem execução imediata, amparada pela força pública, quando isto for necessário.

6 Da utilização dos bens públicos

Os bens públicos ou se destinam ao uso comum do povo ou a uso especial. Em qualquer desses casos o Estado interfere como poder administrador, disciplinando e policiando a conduta do público e dos usuários especiais, a fim de assegurar a conservação dos bens e possibilitar sua normal utilização, tanto pela coletividade, quanto pelos indivíduos como, ainda, pelas repartições administrativas.

Uso comum do povo é todo aquele que se reconhece à coletividade em geral sobre os bens públicos, sem discriminação de usuários ou ordem especial para sua fruição. É o uso que o povo faz das ruas e logradouros públicos, dos rios navegáveis, do mar e das praias naturais. Esse uso comum não exige qualquer qualificação ou consentimento especial, nem admite freqüência limitada ou remunerada, pois isto importaria atentado ao direito subjetivo público do indivíduo de fruir os bens de uso comum do povo sem qualquer limitação individual. Para esse uso só se admitem regulamentações gerais de ordem pública, preservadoras da segurança, da higiene, da saúde, da moral e dos bons costumes, sem particularizações de pessoas ou categorias sociais. qualquer restrição ao direito subjetivo de livre fruição, como a cobrança de pedágio nas rodovias, acarreta a especialização do uso e, quando se tratar de bem realmente necessário a coletividade, só pode ser feita em caráter excepcional.

6.1 Do uso comum do povo

Os bens de uso comum do povo são os usados por todos, de forma igualitária, independendo de autorização administrativa. [23]     

São anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade, razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem  o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou no suportar os ônus dele resultantes.

6.2 Do uso especial 

Os bens de uso especial são aqueles onde estão instalados órgãos que prestam serviço público, podendo fazer uso deles as pessoas as quais correspondam o serviço ali prestado. [24]   

É todo aquele que, por um título individual, a Administração atribui a determinada pessoa para fruir de um bem público com exclusividade, nas condições convencionadas. É também uso especial aquele a que a Administração impõe restrições ou para o qual exige pagamento, bem como o que ela mesma faz de seus bens para a execução dos serviços públicos, como é o caso dos edifícios, veículos e equipamentos utilizados por suas repartições, mas aqui só nos interessa a utilização do domínio público por particulares com privatividade.

Todos os bens públicos, independentemente de sua natureza, são passíveis de uso especial por particulares, desde que a utilização consentida pela Administração não os leve a inutilização ou destruição, caso em que se converteria em alienação.

Ninguém tem direito natural a uso especial de bem público, mas qualquer indivíduo ou empresa pode obtê-lo mediante contrato ou ato unilateral da Administração, na forma autorizada por lei ou regulamento ou simplesmente consentida pela autoridade competente. Assim sendo, o uso especial do bem público será sempre uma utilização individual, a ser exercida privativamente pelo adquirente desse direito. O que tipifica o uso especial é a privatividade da utilização de um bem público, ou de parcela desse bem, pelo beneficiário do ato ou contrato, afastando a fruição geral e indiscriminada da coletividade ou do próprio Poder Público. Esse uso pode ser consentido gratuita ou remuneradamente, por tempo certo ou indeterminado, consoante o ato ou contrato administrativo que o autorizar, permitir ou conceder.

As formas administrativas para o uso especial de bem público por particulares variam desde as simples e unilaterais autorização de uso e permissão de uso até os formais contratos de concessão de uso e concessão de uso como direito real solúvel, além da imprópria e obsoleta adoção dos institutos civis do comodato, da locação e da enfiteuse. [25]

6.3 Da autorização de uso

É o ato unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração consente na prática de determinada atividade individual incidente sobre um bem público. Não tem forma nem requisitos especiais para sua efetivação, pois visa apenas a atividades transitórias e irrelevantes para o Poder Público, bastando que se consubstancie em ato escrito, revogável sumariamente a qualquer tempo e sem ônus para a Administração.

Essas autorizações são comuns para a ocupação de terrenos baldios, para a retirada de água em fontes não abertas ao uso comum do povo e para outras utilizações de interesse de certos particulares, desde que não prejudiquem a comunidade nem embaracem o serviço público. Tais autorizações não geram privilégios contra a Administração ainda que remuneradas e fruídas por muito tempo, e, por isso mesmo, dispensam lei autorizativa e licitação para seu deferimento.

6.4 Da permissão de uso

É o ato negocial, unilateral, discricionário e precário através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado bem público. Como ato negocial, pode ser com ou sem condições, gratuito ou remunerado, por tempo certo ou indeterminado, conforme estabelecido no termo próprio, mas sempre modificável e revogável unilateralmente pela Administração, quando o interesse público o exigir, dada sua natureza precária e o poder discricionário do permitente para consentir e retirar o uso especial do bem público. A revogação faz-se, em geral, sem indenização, salvo se em contrário se dispuser, pois a regra é a revogabilidade sem ônus para a Administração.

O ato da revogação deve ser idêntico ao do deferimento da permissão e atender às condições nele previstas.

A permissão, enquanto vigente, assegura ao permissionário o uso especial e individual do bem público, conforme fixado pela Administração, e gera direitos subjetivos defensáveis pelas vias judiciais, inclusive ações possessórias para proteger a utilização na forma permitida. Via de regra, a permissão não confere exclusividade de uso, que é apanágio da concessão, mas, excepcionalmente, pode ser deferida com privatividade sobre outros interessados, desde que tal privilégio conste de cláusula expressa e encontre justificativa legal.

Qualquer bem público admite permissão de uso especial a particular, desde que a utilização seja também de interesse da coletividade que irá fruir certas vantagens desse uso, que se assemelha a um serviço de utilidade pública, tal como ocorre com as bancas de jornais, os vestiários em praias e outras instalações particulares convenientes em logradouros públicos. Se não houver interesse para a comunidade, mas tão-somente para o particular, o uso especial não deve ser permitido nem concedido, mas simplesmente autorizado, em caráter precaríssimo. Vê-se, portanto, que a permissão de uso é um meio-termo entre a informal autorização e a contratual concessão, pois é menos precária que aquela, sem atingir e estabilidade desta. A diferença é de grau na atribuição do uso especial e na vinculação do usuário com a Administração.

6.5 Da cessão de uso

É a transferência gratuita da posse de um bem público de uma entidade ou órgão para outro, a fim de que o cessionário o utilize nas condições estabelecidas no respectivo termo, por tempo certo ou indeterminado. É ato de colaboração entre repartições públicas, em que aquela que tem bens desnecessários aos seus serviços cede o uso a outra que deles está precisando.

Entre órgãos da mesma entidade, não se exige autorização legislativa e se faz por simples termo e anotação cadastral, pois é ato ordinário de administração através do qual o Executivo distribui seus bens entre suas repartições para melhor atendimento do serviço. Quando, porém, a cessão é para outra entidade, necessário se torna autorização legal para essa transferência de posse, nas condições ajustadas entre as Administrações interessadas. Em qualquer hipótese, a cessão de uso é ato de administração interna que não opera a transferência da propriedade e, por isso, dispensa registros externos.

6.6 Da concessão de uso

É o contrato administrativo pelo qual o poder Público atribui a utilização exclusiva de um bem de seu domínio a particular, para que o explore segundo sua destinação específica.

O que caracteriza a concessão de uso e a distingue dos demais institutos assemelhados – autorização e permissão de uso – é o caráter contratual e estável da outorga do uso do bem público ao particular, para que o utilize com exclusividade e nas condições convencionadas com a Administração.

Pode ser remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, mas deverá ser sempre precedida de autorização legal e, normalmente, de concorrência para o contrato.

Sua outorga não é nem discricionária nem precária, pois obedece a normas regulamentares e tem a estabilidade relativa dos contratos administrativos, gerando direitos individuais e subjetivos para o concessionário, nos termos do ajuste. Tal contrato confere ao titular da concessão de uso um direito pessoal de uso especial sobre o bem público, privativo e intransferível sem prévio consentimento da Administração, pois é realizado intuitu personae, embora admita fins lucrativos.

É o que ocorre com a concessão de uso remunerado de um hotel municipal, de áreas em mercado ou de locais para bares e restaurantes em edifícios ou logradouros públicos.

6.7 Da concessão de direito real de uso

É o contrato pelo qual a Administração transfere o uso remunerado ou gratuito de terreno público a particular, como direito real resolúvel, para que dele se utilize em fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social. [26]   

É transferível por ato inter vivos ou por sucessão legítima ou testamentária, a título gratuito ou remunerado, como os demais direitos reais sobre coisas alheias, com a só diferença de que o imóvel reverterá à Administração concedente se o concessionário ou seus sucessores não lhe derem o uso prometido ou o desviarem de sua finalidade contratual. Desse modo, o Poder Público garante-se quanto à fiel execução do contrato, assegurando o uso a que o terreno é destinado e evitando prejudiciais especulações imobiliárias dos que adquirem imóveis públicos para aguardar valorização vegetativa, em detrimento da coletividade.

Pode ser outorgada por escritura pública ou termo administrativo, cujo instrumento ficará sujeito a inscrição no livro próprio do registro imobiliário competente. Desde a inscrição o concessionário fruirá plenamente o terreno para os fins estabelecidos no contrato e responderá por todos os encargos civis, administrativos e tributários que venham a incidir sobre o imóvel e suas rendas.

A concessão, embora erigida em direito real, não se confunde com a enfiteuse ou aforamento, [27] que é instituição civil bem diversa e menos adequada ao uso especial de bem público por particulares.       

7 Da alienação dos bens públicos

A administração dos bens públicos compreende normalmente a utilização e conservação do patrimônio público, mas, excepcionalmente, pode a Administração ter necessidade ou interesse na alienação de alguns de seus bens, caso em que deverá atender às exigências especiais impostas por normas superiores.

7.1 Conceito

Alienação é toda transferência de propriedade, remunerada ou gratuita, sob a forma de venda, permuta, doação, dação em pagamento, investidura, legitimação de posse ou concessão de domínio.

Qualquer dessas formas de alienação pode ser utilizada pela Administração, desde que satisfaça as exigências administrativas para o contrato alienador e atenda aos requisitos do instituto específico.

Inicialmente, toda alienação de bem público depende de lei autorizadora, de licitação e de avaliação da coisa a ser alienada, mas casos há de inexigibilidade dessas formalidades, por incompatíveis com a própria natureza do contrato.

Existe uma forma excepcional de alienação de bem público, restrita a terras devolutas, que é a denominada legitimação de posse.

7.2 Do direito

A alienação de bens imóveis está disciplinada, em geral, na legislação própria das entidades estatais, a qual, comumente, exige autorização legislativa, avaliação prévia e concorrência, inexigível esta nos casos de doação, permuta, legitimação de posse e investidura, cujos contratos, por visarem a pessoas ou imóvel certo, são incompatíveis com o procedimento licitatório. Cumpridas as exigências legais e administrativas, a alienação de imóvel público a particular formaliza-se pelos instrumentos e com os requisitos da legislação civil – escritura pública e transcrição no registro imobiliário – e qualquer modificação ou invalidação do contrato translativo da propriedade só poderá ser feita por acordo entre as partes ou por via judicial. Ilegal é a anulação ou revogação unilateral dos atos administrativos que precederam a alienação, com pretensos efeitos modificativos ou invalidatórios do contrato de transferência do domínio imobiliário, que é contrato civil em que, apenas, uma das partes é a Administração.

A alienação de bens móveis e semoventes não tem normas rígidas para sua realização, salvo, em princípio, a exigência de avaliação prévia, autorização legal e licitação, podendo a Administração interessada dispor a esse respeito como melhor lhe convier. As vendas são geralmente feitas em leilão administrativo, sem maiores formalidades, e entregando-se no ato a coisa ao licitante que oferecer o melhor preço acima da avaliação, em lance verbal, para pagamento à vista.

7.3 Das formas de alienação

7.3.1 Da venda e compra

É o contrato civil ou comercial pelo qual uma das partes (vendedor) transfere a propriedade de um bem à outra (comprador), mediante preço certo em dinheiro. [28] Toda venda, ainda que de bem público, é contrato de Direito Privado. Não há venda administrativa; há, tão-somente, venda e compra civil ou comercial em que o vendedor é a Administração, mas isto não transforma a operação em contrato administrativo. É, e será sempre, contrato de Direito Privado, apenas realizado pelo Poder Público com formalidades administrativas prévias, exigidas para a regularidade da alienação do bem público.

As formalidades administrativas para a venda de bem público imóvel são  a autorização competente; a avaliação prévia e a concorrência – nos termos da legislação pertinente. Tratando-se de bem de uso comum do povo ou de uso especial, haveria necessidade de desafetação legal, que poderá constar da mesma norma que autorize a alienação. A avaliação deverá ser feita por perito habilitado ou órgão competente da entidade estatal, responsável por seu patrimônio. A concorrência obedecerá às normas gerais do Decreto-lei Federal 2.300/86, no que couber, e às especiais do Estado ou do Município, se as tiver, aplicáveis à espécie.

Quanto à venda de bens móveis e semoventes, exigem-se também, em princípio, autorização legal, avaliação e licitação prévia.

A autorização, entretanto, poderá ser genérica, isto é, dirigir-se a bens indiscriminados, como ocorre com os materiais inservíveis. O procedimento licitatório poderá ser qualquer um dos legalmente previstos, inclusive o leilão administrativo, que é o mais simples e recomendável.

7.3.2    Da doação

É o contrato pelo qual uma pessoa (doador), por liberalidade, transfere um bem do seu patrimônio para o de outra (donatário), que o aceita. [29]  É contrato civil, e não administrativo, fundado na liberalidade do doador, embora possa ser com encargos para o donatário. A doação só se aperfeiçoa com a aceitação do donatário, seja pura ou com encargo.

A Administração pode fazer doações de bens móveis ou imóveis desafetados do uso público, e comumente o faz para incentivar construções e atividades particulares de interesse coletivo. Essas doações podem ser com ou sem encargos e em qualquer caso dependem de lei autorizadora, que estabeleça as condições para sua efetivação, e de prévia avaliação do bem a ser doado, não sendo exigível licitação para o contrato alienativo. Só excepcionalmente poder-se-á promover concorrência para doações com encargos, a fim de escolher-se o donatário que proponha cumpri-los em melhores condições para a Administração ou para a comunidade.

Em toda doação com encargo é necessária a cláusula de reversão para a eventualidade do seu descumprimento.

7.3.3 Da dação em pagamento

É a entrega de um bem que não seja dinheiro para solver dívida anterior. A coisa dada em pagamento pode ser de qualquer espécie e natureza, desde que o credor consinta no recebimento em substituição da prestação que lhe era devida. [30]   

A Administração pode utilizar-se da dação em pagamento, com prévia autorização legislativa e avaliação do bem a ser empregado no resgate da dívida. Fixado o valor da coisa dada em pagamento, as relações entre as partes reger-se-ão pelas normas da compra e venda, e, se aquela for título de crédito, a transferência importará cessão, sujeitando-se, então, aos preceitos deste instituto. [31]  

7.3.4 Da permuta, troca ou escambo

É o contrato pelo qual as partes transferem e recebem um bem, uma da outra, bens esses que se substituem reciprocamente no patrimônio dos permutantes. Há sempre na permuta uma alienação e uma aquisição de coisa, da mesma espécie ou não. A permuta pressupõe igualdade de valor entre os bens permutáveis, mas é admissível a troca de coisa de valores desiguais com reposição ou torna em dinheiro do faltante. Essa complementação em pecúnia, para igualarem-se os valores das coisas trocadas, não desnatura a permuta, desde que a intenção precípua de cada parte é obter o bem da outra.

A permuta de bem público, como as demais alienações, exige autorização legal e avaliação prévia das coisas a serem trocadas, mas não exige licitação, pela impossibilidade mesma de sua realização, uma vez que a determinação dos objetos da troca não admite substituição ou competição licitatória.

Qualquer bem público, desde que desafetado do uso comum do povo ou de destinação pública especial, pode ser permutado com outro bem público ou particular, da mesma espécie ou de outra. O essencial é que a lei autorizadora da permuta identifique os bens a serem permutados e a avaliação previa atribua-lhes corretamente os valores, para a efetivação da troca sem lesão ao patrimônio público.

7.3.5 Da investidura

É a incorporação de uma área pública, isoladamente inconstruível, ao terreno particular confinante que ficou afastado do novo alinhamento em razão de alteração do traçado urbano. Esse clássico conceito doutrinário merece, atualmente, ampliação, no sentido de abranger qualquer área inaproveitável isoladamente, remanescente ou resultante de obra pública [32]   uma vez que esta pode afetar também os terrenos rurais. Assim sendo, área inaproveitável isoladamente é aquela que não se enquadra nos módulos estabelecidos por lei para edificação urbana ou aproveitamento para fins agropecuários, concluindo que a inaproveitabilidade da área, isoladamente, é justificativa suficiente para a alienação e também para a dispensa de licitação, pois não poderia ser usada por outrem que não o proprietário do imóvel lindeiro.

Realmente, essa situação cria para o proprietário confinante o direito de adquirir por investidura a área pública remanescente e inaproveitável segundo sua destinação natural, visto que só ele pode incorporá-la ao seu lote e utilizá-la com o todo a que ficou integrada. Por isso mesmo, a investidura, embora seja forma de alienação e aquisição de imóvel público, exige autorização legislativa, dispensando a concorrência, uma vez que a transferência de propriedade só se pode fazer ao particular lindeiro e pelo preço apurado em avaliação prévia, segundo os valores correntes no local. Esse caráter de incorporação compulsória permite aos beneficiários da investidura a plena utilização da área a ser investida, desde o momento da retração do alinhamento ou da conclusão das obras, de que resultaram sobras inaproveitáveis de terrenos públicos na divisa ou no meio das propriedades particulares.

A formalização da investidura se faz por escritura pública ou termo administrativo, sempre sujeitos a transcrição no registro imobiliário.

7.3.6 Da concessão de domínio 

É forma de alienação de terras públicas que teve sua origem nas concessões de sesmaria da Coroa e foi largamente usada nas concessões de datas das Municipalidades da Colônia e do Império. Atualmente, só é utilizada nas concessões de terras devolutas da União, dos Estados e dos Municípios, [33] consoante prevê a tais concessões não passam de vendas ou doações dessas terras públicas, sempre precedidas de lei autorizadora e avaliação das glebas a serem concedidas a título oneroso ou gratuito, além da aprovação do Congresso Nacional quando excedentes de dois mil e quinhentos hectares.

Quando feita por uma entidade estatal a outra, a concessão de domínio formaliza-se por lei e independe de transcrição; quando feita a particulares exige termo administrativo ou escritura pública e o título deve ser transcrito no registro imobiliário competente, para a transferência do domínio.

A concessão de domínio de terras públicas não deve ser confundida com a concessão administrativa de uso de bem público, nem com a concessão de direito real de uso de terrenos públicos, que já estudamos precedentemente, porque importa alienação do imóvel, enquanto estas – concessões de uso como direito pessoal ou real – possibilitam apenas a utilização do bem concedido, sem a transferência de sua propriedade.

7.3.7 Da legitimação de posse

É modo excepcional de transferência de domínio de terra devoluta ou área pública sem utilização, ocupada por longo tempo por particular que nela se instala, cultivando-a ou levantando edificação para seu uso. A legitimação da posse há que ser feita na forma da legislação pertinente, sendo que, para as terras da União, o Estatuto da Terra [34] disciplina o procedimento e a expedição do título [35] para o devido registro do imóvel em nome do legitimado. Quanto às terras estaduais e municipais, são igualmente passíveis de legitimação de posse para transferência do domínio público ao particular ocupante, na forma administrativa estabelecida na legislação pertinente.

Expedido o título de legitimação de posse, que, na verdade, é título de transferência de domínio, seu destinatário ou sucessor, deverá levá-lo a registro. No registro de imóveis podem apresentar-se quatro situações distintas

a)      o imóvel não estar registrado;

b)      o imóvel estar registrado em nome do próprio legitimado;

c)      o imóvel estar registrado em nome do antecessor do legitimado;

d)      o imóvel estar registrado em nome de terceiro estranho ao legitimado.

No caso “a”, registra-se normalmente o título de legitimação.

No segundo e no terceiro casos “b” e “c”, o registro do título de legitimação de posse substituirá os registros anteriores.

No quarto caso “d”, registra-se o título de legitimação de posse, ficando sem efeito o registro existente.

Em qualquer dos casos prevalecerão as metragens e a descrição do imóvel constantes do título de legitimação de posse, pois a finalidade precípua deste ato é a regularização da propriedade pública e das aquisições particulares por essa forma anômala, mas de alto sentido social.

Por final, não há nestes casos usucapião do bem público como direito do posseiro mas, sim, reconhecimento do Poder Público da conveniência de legitimar determinadas ocupações, convertendo-as em propriedade em favor dos ocupantes que atendam às condições estabelecidas na legislação da entidade legitimante. Essa providência harmoniza-se com o preceito constitucional da função social da propriedade [36] e resolve as tão freqüentes tensões resultantes da indefinição da ocupação, por particulares, de terras devolutas e de áreas públicas não utilizadas pela Administração.

7.4 Observações

A. Cumpre observar que os bens do domínio público, posto que à disposição do povo, da coletividade, estão e permanecem sob a responsabilidade – nos aspectos de administração, manutenção, conservação e vigilância – do Poder Público, que tem a obrigação de cuidar para que estejam sempre em condições normais de utilização pelo público em geral.

B. Esse bens podem ser objeto de limitações ao exercício do direito de uso, com base no poder de polícia do Estado, sem desnaturar o uso comum e sem transformá-lo em uso privativo. É feita uma distinção entre os bens de uso comum ordinário (abertos a todos, indistintamente, sem exigência de qualquer controle ou remuneração) e os de uso comum extraordinário (sujeitos a restrições impostas que limitem a categoria dos usuários, determinem remuneração ou exijam outorga administrativa).

C. Por conseguinte, existe a possibilidade de um bem público ficar condicionado ao uso privativo de determinada pessoa ou grupo de pessoas determinadas, sob os institutos de autorização, permissão ou concessão de uso, atos de outorga esses baixados pela Administração Pública consoante sua conveniência e senso de oportunidade.

8 Da imprescritibilidade – da impenhorabilidade – da não oneração dos bens públicos

Os bens públicos são, em regra, imprescritíveis, impenhoráveis e não sujeitos a oneração, e a razão de ser desses atributos, tem fundamentos constitucionais e legais, além de encontrarem plena justificação na prática administrativa.

8.1 Da imprescritibilidade

A imprescritibilidade dos bens públicos decorre como conseqüência lógica de sua inalienabilidade originária.

Se os bens públicos são originariamente inalienáveis, segue-se que ninguém os pode adquirir enquanto guardarem essa condição. Daí não ser possível a invocação de usucapião sobre eles. É principio jurídico, de aceitação universal, que não há direito contra Direito, ou, por outras palavras, não se adquire direito em desconformidade com o Direito.

8.2 Da impenhorabilidade

A impenhorabilidade dos bens públicos decorre de preceito constitucional que dispõe sobre a forma pela qual serão executadas as sentenças judiciárias contra a Fazenda Pública, sem permitir a penhora de seus bens. Admite, entretanto, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito, desde que ocorram certas condições processuais (CF, art. 100).

O Código de Processo Civil [37] contém seção especial para a execução contra a Fazenda Pública, [38] estabelecendo as regras para o pagamento das requisições judiciais, na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito. Isto significa que caberá ao Poder Público providenciar os recursos necessários à execução, que se realiza sem penhora de qualquer bem público.

8.3 Da não oneração dos bens públicos

A impossibilidade de oneração dos bens públicos – das entidades estatais, autárquicas e fundacionais – é uma questão indiscutível, diante da sua inalienabilidade e impenhorabilidade.

Penhor, anticrese e hipoteca são, por definição legal, direitos reais de garantia sobre coisa alheia. [39]   Como tais, tipificam-se pelo poder de seqüela, isto é, de acompanhar a coisa em todas as suas mutações, mantendo-a como garantia da execução. O que caracteriza esta classe de direitos reais é a íntima conexão em que se acham com as obrigações cujo cumprimento asseguram. É por vincularem a coisa, diretamente, à ação do credor, para a satisfação de seu crédito, que lhes cabe, adequadamente, a denominação de direitos reais de garantia.

Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, a coisa dada em garantia fica sujeita, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação. [40] 

Só aquele que pode alienar poderá hipotecar, dar em anticrese ou empenhar; só as coisas que se podem alienar poderão ser dadas em penhor, anticrese ou hipoteca [41]  

Ficam afastados, os bens de uso comum do povo e os de uso especial, que são, por natureza, inalienáveis.

Restam, portanto, os dominiais e as rendas públicas.

Quanto a estes existe o obstáculo constitucional da impenhorabilidade em execução judicial. Se tais bens, embora alienáveis, são impenhoráveis por lei, não se prestam a execução direta, que é consectário lógico de vínculo real, que se estabelece entre a coisa e a ação do credor hipotecário, pignoratício ou anticrético.

Exige o interesse público – a CF o resguardou – que o patrimônio das pessoas públicas fique a salvo de apreensões judiciais por créditos de particulares. Para a execução de sentenças condenatórias da Fazenda Pública, a Lei Magna e o Código de Processo Civil instituíram modalidade menos drástica que a penhora, porém não menos eficaz que esta, ou seja, a da requisição de pagamentos, à conta dos créditos respectivos, e o subseqüente seqüestro de dinheiro, se desatendida a requisição. Ressalvaram-se, assim, os interesses da Administração, sem se descuidar dos direitos de seus credores.

9 Da aquisição de bens pela administração pública

O Estado, no desempenho normal de sua administração, adquire bens de toda espécie e os incorpora ao patrimônio público para a realização de seus fins.

Os bens públicos são adquiridos pelas mesmas formas previstas no Direito Privado – compra, venda, doação, etc – e pelas normas específicas de Direito Público, como a desapropriação ou a determinação legal. [42]

Essas aquisições ou são feitas contratualmente, pelos instrumentos comuns do Direito Privado, sob a forma de compra, permuta, doação, dação em pagamento, ou se realizam compulsoriamente, por desapropriação ou adjudicação em execução de sentença, ou, ainda, se efetivam por força da lei, na destinação de áreas públicas nos loteamentos e na concessão de domínio de terras devolutas. Essas modalidades de aquisição e alienação já foram vistas nos tópicos anteriores, restando apenas advertir que cada modalidade de aquisição tem forma e requisitos específicos para sua efetivação, segundo se trate de móvel ou imóvel e de acordo com o valor do bem a ser adquirido.

Toda aquisição de bens pela Administração deverá constar de processo regular no qual se especifiquem as coisas a serem adquiridas e sua destinação, a forma e as condições de aquisição e as dotações próprias para a despesa a ser feita com prévio empenho, [43] nos termos do contrato aquisitivo, precedido de licitação, quando for o caso. [44]  O desatendimento das exigências legais na aquisição de bens para o patrimônio público poderá dar causa a invalidação do contrato, até mesmo por ação popular [45] e a responsabilização do infrator por emprego irregular de verbas ou rendas públicas, [46] além do ressarcimento do dano, se houver lesão aos cofres públicos.

Os bens imóveis de uso especial e os dominiais adquiridos por qualquer forma pelo Poder Público ficam sujeitos a registro no registro imobiliário competente; os bens de uso comum do povo – vias e logradouros públicos – estão dispensados de registro enquanto mantiverem essa destinação. [47]  

10 Bens do domínio público

10.1 Terras públicas

10.1.1 Terras rurais públicas 

São aquelas destinadas, originariamente, à agricultura e à pecuária, podendo servir a outros usos ou manter-se intocadas para preservação da flora, da fauna e de outros recursos naturais, com jurisdição da União – por intermédio do INCRA.

10.1.2 Terras urbanas públicas 

São as que se destinam, precipuamente, ao uso da própria Administração Pública, bem como as áreas ocupadas pelos chamados edifícios públicos. A jurisdição sobre os terrenos urbanos ou urbanizáveis é da competência dos Municípios (Constituição Federal/88, art. 30), o que permite, assim, transformar, por lei específica da edilidade, áreas rurais em áreas urbanas.

10.1.3 Terras devolutas 

São todas as terras que pertencem ao domínio público, de qualquer das entidades estatais, e que não se achem utilizadas pelo Poder Público, nem destinadas a fins administrativos específicos.

10.1.4 Plataforma continental 

O leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além de seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância. [48] 

Os recursos naturais existentes ou encontrados na plataforma continental são considerados bens da União, de acordo com a Constituição Federal, neles se incluindo o petróleo off-shore e fauna marinha.

10.1.5 Terras ocupadas tradicionalmente pelos índios 

São as porções do território nacional necessárias à sobrevivência física e cultural das populações indígenas que as habitam, onde enterraram e cultuam seus mortos e mantêm suas tradições.

Um dos grandes problemas brasileiros consiste na demarcação das reservas indígenas.

10.1.6 Terrenos de marinha 

Todos os que, banhados pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, em sua foz, vão até a distância de 33 metros para a parte das terras, contados desde o ponto em que chega o preamar médio. [49]  

10.1.7 Terrenos acrescidos

Todos aqueles que se formam com a terra carreada pela caudal. [50] 

Os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagos, em seguimento aos terrenos de marinha. [51] 

Os que acrescem terrenos de marinha pertencem à União.

10.1.8 Terrenos reservados

Fica reservada para a servidão pública nas margens dos rios navegáveis e de que se fazem os navegáveis, fora do alcance das marés, salvas as concessões legítimas feitas até a data da publicação da presente lei a zona de sete braças contadas do ponto médio das enchentes ordinárias para o interior e o Governo autorizado para concedê-la em lotes razoáveis na forma das disposições sobre os terrenos da marinha. [52] 

São faixas de terras particulares que margeiam rios, lagos e canais públicos, oneradas com a servidão de trânsito na largura de quinze metros, que corresponde, aproximadamente, a sete braças. [53]  

10.1.9 Ilhas dos rios públicos e ilhas oceânicas 

As ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras. [54]

São bens dos Estados-membros as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros. [55]

Ilhas marítimas oceânicas são as que se encontram afastadas da costa e não resultam do relevo continental, ou da plataforma submarina – as que resultam do relevo continental ou da plataforma submarina recebem a denominação de ilhas costeiras.

10.1.10 Álveos abandonados

Entende-se por álveo a faixa de terra ocupada pelas águas de um rio ou lago, isto é, o leito das águas perenes.

Abandonado, passa ao Poder Público se a mudança do primitivo leito do rio ou lago ocorreu por obra do Poder Público.

10.1.11 Faixa de fronteira

É uma faixa de 150 (cento e cinqüenta) km de largura, ao longo das fronteiras terrestres, considerada fundamental para defesa do território nacional, [56] e cuja ocupação e utilização sofrem restrições legais.

10.1.12 Vias e logradouros públicos

São as terras ocupadas com as vias e logradouros públicos e que pertencem à Administração da esfera que os construiu. As terras ocupadas pelas vias férreas seguem a natureza da estrada a que se destinam, podendo pertencer ao domínio público de qualquer das entidades estatais, ser de propriedade particular ou, ainda, exploradas mediante concessão federal ou estadual.

10.1.13 Áreas ocupadas com as fortificações

Correspondem aos terrenos em que foram, são ou vierem a ser construídas fortificações e outras construções bélicas necessárias à defesa nacional e que pertencem à União.

10.1.14 Legislação sobre terras públicas

10.2 Das Águas Públicas

10.2.1 Águas Nacionais 

          As águas nacionais – externas ou internas, segundo o Direito Internacional Público –conforme o uso que a elas se dê e o domínio que as caracterize, são classificadas em públicas, comuns e particulares.

          Segundo este critério, águas públicas são todas as que pertencem a uma pessoa jurídica de Direito Público ou têm destinação pública (uti universi); águas comuns são as correntes não navegáveis nem flutuáveis e de que essas não se façam; águas particulares são as nascentes e todas as demais situadas em propriedade privada, desde que não estejam classificadas entre as públicas ou as comuns. [57]

10.2.1.1 Águas internas

           São aquelas que banham exclusivamente o território nacional ou lhe servem como fronteira e linha divisória com Estados estrangeiros, abrangem os rios, lagos e mares interiores, os portos, canais e ancoradouros, as baías, golfos e estuários cujas aberturas não ultrapassem os limites adotados em Convenções Internacionais.

10.2.1.2 Águas externas

          São que contornam o continente, compreendem o mar territorial, a zona contígua, a zona econômica exclusiva e o alto-mar.

          Como mar territorial, convencionou-se que compreende uma faixa até um limite que não ultrapasse 12 milhas marítimas, medidas a partir de linhas de base, ou seja, da linha de baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro, onde o Brasil exerce sua soberania.

          A zona contígua, que é uma faixa de igual largura, pois não pode estender-se além de 24 milhas marítimas, contadas das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.

           A zona econômica exclusiva, compreendendo a faixa que vai das doze às duzentas milhas, obedecendo a mesma contagem para o mar territorial e zona contígua.

  Por alto-mar ficou convencionado serem consideradas todas as partes do mar não incluídas na zona econômica exclusiva, no mar territorial ou nas águas interiores de um Estado, nem águas arquipelágicas de um Estado arquipélago.

   Separando os diversos continentes, e como res nullius, são águas de uso comum, sem que sobre elas qualquer Nação possa sequer pretender exercer direitos de soberania ou domínio individual. [58]

    Não se deve esquecer dois aspectos referentes às águas, principalmente as internas: seu potencial hidroelétrico como fonte de energia de interesse coletivo e nacional, e ser o meio em que se processa a pesca, não menos relevante para o povo.

10.2.2 Legislação sobre águas públicas

(*) implicam alterações e modificações do Código de Águas.

10.3 Das jazidas

          Entende-se como jazida toda massa individualizada de substância mineral ou fóssil, aflorando à superfície ou existente no interior da terra e que tenha valor econômico. [59]    

  Mina é a jazida em lavra.

  A jazida é fenômeno geológico, da natureza, enquanto a mina é o resultado de exploração da jazida, traduzindo uma atividade econômica e produtiva. [60]

  CF, art. 176. – As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

parágrafo 1º – A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.

parágrafo 2º – É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei.

parágrafo 3ºA autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente.

parágrafo 4º – Não dependerá de autorização  ou  concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida. [61]

Tem-se então, nos dispositivos constitucionais [62] e respectivos parágrafos, estabelecendo serem da propriedade da União os minérios, ainda que os solos sobre os quais se encontrem pertençam a particulares, podendo serem explorados pelo sistema de autorização ou concessão, com direito de participação no resultado da lavra. [63]

Como toda concessão, a de lavra é um ato unilateral pelo qual o Presidente da República confere ao concessionário o direito de lavrar determinada jazida ou mina. O título de concessão de lavra é um bem jurídico de valor econômico que se integra no patrimônio de seu titular, ficando a União obrigada a indenizar o concessionário da lavra toda vez que suprimir ou restringir a concessão.

O regime de monopólio é disciplinado por leis especiais e compreende, [64] a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, bem como a pesquisa, a lavra o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados.

O dois mais expressivos tipos de jazidas, pela importância estratégica e econômica, são as de petróleo e de minerais nucleares, não se podendo deixar de citar todos os minerais de alto valor econômico, os metais nobres, os raros e aqueles indispensáveis ao desenvolvimento de qualquer nação (ouro, prata, ferro, tungstênio, manganês, etc.).

 

 

 

Wanildo José Nobre Franco

Bacharel em Direito das FIC – Faculdades Integradas Claretianas de Rio Claro – SP;
Especialista em Direito Internacional e Relações Internacionais na UNIMEP – Universidade Metodista de Piracicaba – Piracicaba – SP