I. Teoria Geral do Direito Agrário

 

II. Propriedade Imobiliária no Brasil

III. Institutos Agrários

IV. Usucapião Especial Rural

V. Aquisição da Propriedade Rural por Pessoas Estrangeiras

VI. Reforma Agrária

I. Teoria Geral do Direito Agrário

1. Considerações Iniciais

Direito Agrário é o conjunto, acervo, sistemático de normas jurídicas que visam disciplinar as relações do homem com a terra, tendo em vista o progresso social e econômico do rurícola e o enriquecimento da comunidade.

Os fatos jurídicos que emergem do campo, decorrentes de atividade agrária, estrutura agrária, empresa agrária, tudo o que caracteriza a relação jurídica agrária, ou seja, as relações do homem com a terra que geram efeitos, configurando-se o objeto do direito agrário.

“Atividade agrária é o resultado da atuação humana sobre a natureza, em participação funcional, condicionante do processo produtivo” - Emílio Alberto Maya Gischkow.

As atividades agrária podem ser classificadas em:

a) Explorações rurais típicas: lavouras, pecuária, extrativismo vegetal e animal e hortigranjeira (atividades normalmente primárias);

As lavouras podem ser classificadas como temporárias/transitórias (ex: arroz, milho etc) e permanentes/duradouras (ex: café, abacate, cacau). O critério de classificação depende da necessidade de retorno e o tempo de renovabilidade ou não do solo.

A pecuária pode ser classificada como pequeno (ex: galinhas), médio (ex: porcos) e grande (ex: bois) porte.

Esta classificação “exploração rural típica” possui extrema relevância para a fixação dos prazos de contratos agrários (matéria a não ser explorada neste compilado, pois em geral não é cobrado na prova da professora...)

O extrativismo rural também é considerado exploração típica e consiste na extração de produtos vegetais e captura de animais, ex: extração de castanha e pesca.

b) Exploração rural atípica: agroindústria (processo industrializante desenvolvido nos mesmo limites territoriais em que são obtidos os produtos primários, ex: produção de rapaduras, farinha de mandioca etc);

c) Atividade complementar da exploração rural: que compreende o transporte e a comercialização de produtos. A atividade complementar da expl. rural é também chamada por parte da doutrina de “conexa”.

Observação:

O termo “agricultura” em sentido estrito é sinônimo de plantio, e em sentido lato é sinônimo de atividade agrária.

A idéia de “rural” dá uma noção de estático, parado, físico, uma percepção de local, espaço. Área rural é toda área que ainda não foi “vítima” da urbanização.

Agrário passa a idéia de movimento, conduta. Agrário é todo e qualquer lugar onde se desenvolve uma atividade do homem com a terra, independente de onde aconteça (ex: mesmo em zonas urbanas, existem áreas rurais, propriedades rurais, classificada assim para fins de ITR – Imposto Territorial Rural)

2. Natureza Jurídica

O Direito Agrário é matéria de natureza híbrida, prevalecendo a característica de direito público, por dois fundamentos: o acervo de normas cogentes (a quantidade de normas de direito público) é mais amplo do que as de direito privado; o direito agrário, em seu âmago, possui um caráter inerentemente sociológico/socialista. Aspectos estes que não podem ser negados. A terra clama por ser destinada a um interesse público. A Constituição prevê em suas letras esse caráter (art. 5º, XXIII). Então, mesmo que nos dias atuais, com a preponderância evidente concretizada do capitalismo, o direito agrário ainda mantém seu caráter socialista, moderado, mas “borbulhante”.

3. Fontes

A fonte atualmente vista como primordial é a lei.

Mas, como a produção legislativa em matéria de direito agrário é muito pobre, o que ocasiona, na prática, os costumes serem revelados como fonte primordial do direito agrário.

Observação: a União detém o monopólio legislativo em matéria agrária (art. 22, I e II CF)

4. Princípios

Dois princípios se sobrepõe no Direito Agrário:

a) Princípio da Adequação da Propriedade Imobiliária ao Progresso Social e ao Desenvolvimento Econômico.

Este princípio ensina como deve ser explorado o imóvel rural, é usado para dirimir qualquer conflito agrário.

A base para este princípio é que a terra não está ali para ostentar patrimônio, e sim gerar riqueza.

b) Princípio da Redistribuição das Propriedades Imobiliárias Inadequadas e Reestruturação das Tituloriedades Fundiárias no País.

Este princípio possui caráter sancionatório. Se não há capacidade de se adequar as propriedades imobiliárias, a terra será desapropriada – característica socialista.

O art. 5° da Constituição em seu inciso XXII garante o direito à propriedade, mas logo abaixo no inciso XXIII coloca uma condição a essa garantia. A propriedade há de ser protegida, desde que atendida à sua função social.

O que a CF expõe é que uma vez inadmitida a terra para ostentação de patrimônio, TODA e qualquer pedaço de chão deverá ter um fim específico, como gerar frutos, riqueza. A terra deve ser trabalhada, gerando assim empregos e rendas. Aquele que não cumprir a orientação, assume para si o risco de sofrer sanções. A sanção prevista em lei é a desapropriação agrária, que consiste em instrumento para a Reforma Agrária, que por sua vez, é uma tentativa de correção ao pífio quadro latifundiário do país. “O acervo de medidas jurídicas pautadas na reforma da realidade de terras não-utilizadas”.

II – A Propriedade Imobiliária no Brasil

1. Breve síntese histórica

A história do Direito Agrário no Brasil começa com o Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494 pelo rei de Portugal (D. João) e pelos reis da Espanha (D. Fernado e D. Isabel).

Era uma vez, e essas duas Coroas assinaram um acordo dizendo que a partir daquela data, seria traçada uma linha imaginária, contando 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde, e que todas as terras que fossem encontradas a margem direita pertenceria à Portugal, e as terras à esquerda pertenceriam à Espanha.

O grande ponto chave deste documento, é que como seis anos após a sua assinatura, o Brasil foi “descoberto” por Pedro Álvares Cabral, adquirindo assim para Portugal o domínio sobre as terras recém-encontradas. Embora a efetiva posse tenha sido apenas simbólica, já que a efetivação do direito real a propriedade sobre as terras descobertas, se deu com a homologação pelo papa Alexandre VI ao tratado de Tordesilhas, que, sendo a Igreja Católica, o maior instituto à época, garantia ao documento, validade jurídica.

Após a garantia do título de domínio sobre o território recém descoberto, a Coroa Portuguesa tratou de ocupar a nova terra, incumbindo para esta função Martin Afonso de Souza, nos idos de 1531, ficando este pobre infeliz a dura tarefa de colonizar o Brasil.

Por causa da grande extensão territorial do pedaço de chão encontrado, que o Governo português iniciou o processo de colonização doando em caráter irrevogável, ao seu colonizador – considerado o primeiro – uma “pequena” extensão de cem léguas de terras, através de uma carta datada de 1535. Esta “módica” doação é considerada uma das causas para o processo latifundizante do país a partir de sua colonização, para fazer uma noção é só pensar que cem léguas de sesmarias, naquela época, media nada menos do que 660 km. Essa medida, é claro, era apenas para na linha horizontal da costa marítima, pois conforme os termos da carta de doação, não havia limites para o interior. “Quanto puderem entrar”.

 

2. O regime sesmarial

Como forma de colonização, Portugal decidiu que o sistema de sesmarias seria o mais eficiente. Embora em Portugal o sistema havia sido praticado com sucesso, o mesmo não se deu aqui.

No Brasil o regime sesmarial possuía semelhanças com o instituto da enfiteuse, pois o que era transferida não era a propriedade, e sim, apenas o direito real de uso (domínio útil). Martin Afonso, recebeu do rei de Portugal a permissão de conceder terras (com apenas o direito de uso, impossibilitado de dispor sobre elas) às pessoas que com ele viessem e aqui quisessem viver e povoar, inclusive com a possibilidade de transmissão causa mortis. Mas tais direitos vinham com a cláusula de que poderiam ser revogados, e as terras dadas a outras pessoas, acaso o sesmeiro não as aproveitassem no prazo de dois anos.

Além desta cláusula, o sesmeiro ficava também obrigado a colonizar a terra, ter nela sua moradia habitual e cultura permanente (estes dois últimos institutos guardam particular semelhança com os requisitos para usucapião rural, art. 191 CF), demarcar os limites das respectivas áreas, submetendo-se a posterior confirmação, e ainda, pagar os tributos exigidos à época. Caso ocorresse do sesmeiro não cumprir suas obrigações, caía em comisso, tendo por efeito o retorno do imóvel ao patrimônio da Coroa portuguesa, para ser redistribuído a futuros interessados.

Contudo, o regime sesmarial deu terrivelmente errado. As terras ficavam por si só, e muitos concessionários, valendo-se da política de clientelismo vigorante desde aquela época, se tornaram inadimplentes. Tantos prejuízos que essa política adotada trouxe para a Coroa e o Brasil que, às vésperas da Independência, mais precisamente em 17 de julho de 1822, o regime sesmarial foi declarado extinto, ao passo que apenas foi editada uma legislação para regular a propriedade rural em 18 de novembro de 1850, 28 anos depois.

O período na demora da concepção legislativa causou a ocupação desenfreada e desordenada do vasto território nacional. Ocasionando o seguinte quadro:

• Proprietários legítimos, por títulos de sesmarias concedidas e confirmadas, com todas as obrigações adimplidas por sesmeiros.

• Possuidores de terras originárias de sesmarias, mas sem confirmação, por inadimplência das obrigações assumidas por sesmeiros (devedores que se aproveitaram da falta de cobrança e mantiveram suas terras).

• Possuidores sem nenhum título hábil adjacente (pessoas que chegaram e simplesmente tomaram “posse”).

• Terras devolutas, aquelas que, dadas em sesmarias, foram devolvidas, porque os sesmeiros caíram em comisso (os sesmeiros foram despossados de suas terras antes da revogação da lei por haverem caído em comisso, após a perda, as terras foram devolvidas e como depois logo a colônia se tornou nação, não houve a quem devolver – haverá explicações ainda neste capítulo).

A Lei 601 de 1850 – Lei de Terras – que veio a ser regulamentada pelo Decreto nº 1.318 de 30 de janeiro de 1854, demarcou, de uma vez por todas, a definição de qual terra era de direito público e qual de direito privado. A solução foi a seguinte:

• Todos aqueles que já possuíam concessão de domínio antes da extinção do instituto de sesmarias (proprietários legítimos), e que não caíram em comisso, foi confirmada a propriedade (lembrem-se que antes, no regime sesmarial, o sesmeiro apenas possuía o direito real de uso, ou seja, apenas possuíam o domínio útil da terra, não podendo dispor sobre ela). Com o advento da Lei 601 de 1850, a propriedade foi declarada aos antigos sesmeiros;

• Todos aqueles que possuíam a concessão na forma da lei vigente, e cumpriram todas as obrigações à elas inerentes (trabalhavam a terra, moravam nela...), ganharam a confirmação da propriedade;

• Aqueles que caíram em comisso, mas por ato discricionário do imperador (que concedeu à quase todo mundo), ganharam a propriedade;

• Todos que invadiram, posseiros que comprovassem a moradia ou exploração da terra, e que o imperador aceitasse o plano de viabilidade (que praticamente aceitou todos) converteram-se em domínio. Ou seja, ficariam em período de “teste”, até que fosse comprovado a exploração útil ou e decorrido o tempo necessário com a moradia, o concessionário detinha apenas a posse da terra, a ser convertida em propriedade;

• O resto, que não foram convertidas em propriedades privadas, tornaram-se terras públicas.

Terras Devolutas são todas as terras que foram convertidas em domínio privado, mas por não serem exploradas economicamente ou como moradia, foram devolvidas ao Estado. A idéia inspirada por Ruy Barbosa era que as terras devolutas seriam propriedade dos entes federados (estados) – idéia surgida após a Proclamação da República -, exceto aquelas reservadas à União por motivos de segurança nacional.

Observação: Não cabe usucapião de bem público (art. 191, Parágrafo Único CF) e das terras devolutas.

III - Institutos Jurídicos Agrários

1. Reforma Agrária x Política Agrícola

Política Agrícola é o rol de medidas, ações públicas, voltadas para premiar, promover a produtividade. Rol de medidas com as quais o Estado age para promover, ampliar, incentivar o aumento da produção.

Reforma Agrária é o conjunto de medidas (algumas de caráter sancionatório) para promover a redistribuição de propriedades fundiárias. Não é sinônimo de desapropriação, e sim, rol de medidas, instrumentos, dentre os quais está a desapropriação.

Desapropriação agrária é instrumento do qual Reforma Agrária é gênero.

A Reforma Agrária não é necessariamente implementada pelo Estado, pode ocorrer também por iniciativa privada.

• Iniciativa estatal – desapropriação (caráter sancionatório), colonização oficial ou pública;

• Iniciativa privada – colonização privada, usucapião rural.

A colonização pode ser pública ou privada. Trata-se da convocação de famílias de camponeses para uma determinada região não utilizada, com a intenção de criar institutos de vida urbana.

Os conceitos de Reforma Agrária e Política Agrária não se ambiguam, e sim se completam.

2. Imóvel Rural

O art. 4º, inciso I do Estatuto da Terra deu a seguinte definição de imóvel rural: “Imóvel rural, prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine a exploração extrativa agrícola, pecuária, ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através da iniciativa privada.”

A Lei nº 8629/93, também em seu art. 4º, inciso I, deu a seguinte definição: “móvel rural, prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa, vegetal, florestal ou agroindustrial.”

Então, fazendo-se uma ponderação entre os dois artigos, imóvel rural é todo imóvel onde se desenvolva uma atividade agrária independente de sua localização. O imóvel rural é conceituado como “imóvel rústico”, “prédio rústico”, pois a área rural é rústica, primitiva, o que torna possível o desenvolvimento de uma atividade agrária.

O destaque que se dá quanto a não importância da localização do imóvel rural, ocorre pelas duas seguintes observações:

Primeiro, não cabe mais dizer hoje que o imóvel rural em área urbana possa ser usucapido segundo os requisitos da usucapião especial rural, motiva-se isto ao fato da Constituição afirmar que só se aplica usucapião especial ou usucapião rural em imóveis adstritos em zonas rurais (art. 191 CF c/c art. 1239 do Código Civil).

A segunda observação faz jus ao fato de que mesmo o imóvel rural em área urbana não possa ser usucapido nos termos da usucapião rural, para o Direito Tributário cabe o ITR (Imposto Territorial Rural), pois o ITR não computa as construções feitas no solo, e sim a terra “crua”, pois também o Decreto-Lei 57/66 em seus arts. 6º e 15, declara que “qualquer imóvel rural paga ITR, mesmo em área urbana”.

Houve uma grande discussão sobre este tema, pois a Lei 9393/96 diz que ao imóvel rural em área urbana cabe IPTU, entendimento revogado pelo STF, que optou pelo entendimento do Decreto-Lei 57/66, ou seja, para o imóvel rural em área urbana cabe ITR. O STF se baseou no fato de que mesmo o Decreto Lei seja em sua origem lei ordinária, foi recepcionado pela nossa Constituição como Lei Complementar, assim como Código Tributário Nacional, cuja origem também é de lei ordinária. Nestes termos, tendo o DL 57/66 caráter material de lei complementar, só poderia ser revogado, ou, ter seus termos alterados por outra lei complementar. O que não ocorreu, pois a Lei 9393 é uma lei ordinária.

Por fim, o ITR adota como critério funcional a destinação do solo.

3. Propriedade Produtiva

Classifica-se como propriedade produtiva toda propriedade rural que gera resultados satisfatórios. A Constituição imuniza a propriedade produtiva quanto à desapropriação agrária (art. 185, inciso II CF), pois a produtividade é um dos três elementos que se aglutinam para cumulativamente tornarem-se a função social da propriedade.

O primeiro requisito para a produtividade é o Grau de Eficiência de Exploração (GEE), que de acordo com a tabela do INCRA deve ser de 100% ou mais, não atingindo este patamar, não há produtividade. O cálculo se faz seguindo as medidas do art. 6º da Lei 8.629/93:

Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente.

§ 1º O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel.

§ 2º O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento), e será obtido de acordo com a seguinte sistemática:

I - para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;

II - para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais - UA do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;

III - a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração.

Como visto no § 2º do art. supra mostrado, o segundo requisito é o Grau de Utilização de 80% da Área Aproveitável (GUT APP 80%). Ex: um fazendeiro que possuí uma área de terra de 1000 hectares, diz-se que 50 % do solo não pode ser utilizado para nenhum tipo de atividade agrária. O fazendeiro, para sua terra ser considerada utilizada, deve fazer uso de pelo menos 80% dos 50% que foi considerado aproveitável (obs: não é computado para definição de terra utilizada a área não possível de ser aproveitada – art. 10 da Lei 8.629/93).

O art. 10 da Lei 8629/93 versa:

Art. 10. Para efeito do que dispõe esta Lei, consideram-se não aproveitáveis:

I - as áreas ocupadas por construções e instalações, excetuadas aquelas destinadas a fins produtivos, como estufas, viveiros, sementeiros, tanques de reprodução e criação de peixes e outros semelhantes;

II - as áreas comprovadamente imprestáveis para qualquer tipo de exploração agrícola, pecuária, florestal ou extrativa vegetal;

III - as áreas sob efetiva exploração mineral;

IV - as áreas de efetiva preservação permanente e demais áreas protegidas por legislação relativa à conservação dos recursos naturais e à preservação do meio ambiente.

Só é considerada produtiva, então, a terra que se faça uso de no mínimo 80% da área aproveitável, e que tenha 100% ou mais em eficiência e exploração.

4. Função Social da Propriedade

Dar função social a uma propriedade é agir se relacionando com ela, de modo que esta relação nunca venha atingir a dignidade da pessoa de alguém e que esta relação gere e dê oportunidades de empregos, para movimentação de renda (conceito genérico). Dar função social é implementar um modo de relação com a terra que nunca viole a integridade de alguém, e que procure efetivar direitos fundamentais de algumas pessoas.

O art. 186 da CF c/c o art. 9º da Lei 8629/93 definem a função social da propriedade. Em seus incisos estabelecem como requisitos para a função social o aproveitamento racional e adequado do solo, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio-ambiente, e, a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (caráteres econômico/produtividade – art. 186, I c/c art. 9º, I, da Lei 8629/93 da ; natural – art.186, II c/c art. 9º, II, da Lei 8629/93; e o caráter social – art. 186, III c/c art. 9º, III e IV, da Lei 8629/93).

Os parágrafos do art. 9º da Lei 8629/93 dizem:

§ 1º Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja os graus de utilização da terra e de eficiência na exploração especificados nos §§ 1º a 7º do art. 6º desta Lei.

§ 2º Considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade.

§ 3º Considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas.

§ 4º A observância das disposições que regulam as relações de trabalho implica tanto o respeito às leis trabalhistas e aos contratos coletivos de trabalho, como às disposições que disciplinam os contratos de arrendamento e parceria rurais.

§ 5º A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel.

O termo “uso racional e adequado” são adjetivos para a função social.

A Constituição em seu art. 5º protege a propriedade, desde que esta propriedade atenda à sua função social (art. 5º, inciso XXII e XXIII). Então trata-se de uma proteção condicionada (propriedade + função social = proteção legal). A terra não existe como forma de ostentação de riqueza. O caráter de um imóvel nunca pode ser objeto de glorificação. Uma terra deve ser utilizada, deve ser trabalhada. A terra deve gerar frutos, renda econômica. É dispendioso para o país um grande terreno parado, sem utilidade, enquanto outras pessoas não possuem um mínimo disponível. O latifúndio é um câncer para o progresso econômico. Ele causa despesa, gera segregação social, porque divide as pessoas em grupos, os que possuem patrimônio e os que carecem de um mínimo rentável. Aí se aplica o caráter social da terra, protegido pela Constituição e implementado através da Reforma Agrária. A propriedade produtiva, que gera riquezas, atendendo a sua função social é amparada contra a desapropriação pelo art. 185, inciso II, e, em seu Parágrafo Único, garante-lhe tratamento especial.

O art. 2º da Lei 8629/93 versa que a propriedade que não atender a sua função social, sob os termos de seu art. 9º, será objeto de desapropriação.

5. Classificação e dimensionamento do Imóvel Rural

5.1. Módulo Rural

Citando Raymundo Laranjeira, “módulo rural é uma medida de área, diretamente afeita à eficácia desta, no meio rurígena. A sua finalidade precípua está em evitar a existência de glebas cujo tamanho, em regra, não se ache suscetível de render o suficiente para o progresso econômico-social do agricultor brasileiro”.

O art. 4º, inciso III, do Estatuto da Terra, não foge muito desta definição.

“Módulo Rural, a área fixada nos termos do inciso anterior”.

O inciso anterior versa sobre a propriedade familiar, em suas letras:

“Propriedade Familiar, o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, eventualmente trabalhada com a ajuda de terceiros”.

Assim, propriedade familiar é aquele imóvel cujas dimensões são capazes de absorver o trabalho de uma família, gerando sua subsistência. É o padrão mínimo de qualidade que se possa ver a propriedade sem o receio da desapropriação. Contrastado o conceito de propriedade familiar, basta observar um minifúndio é um imóvel sem dimensões suficientes para absorver uma família e gerar seu sustento a partir de sua força de trabalho.

A ajuda de terceiros é entendida sob a luz de que é possível, quando assim demandar, a contratação de terceiros para auxílio na mão-de-obra, desde que esses terceiros não se configurem trabalhadores permanentes e que estes também tirem da terra o seu sustento (ex: pequeno agricultor que por motivo de época da colheita, contrata dois ajudantes temporários).

Diante de tudo que foi dito, pode-se compreender que a idéia de um módulo rural é a de uma área, que segundo estudos técnicos, ali possa gerar uma capacidade de sustento de uma unidade familiar. É a dimensão de área fixa, que é delimitada para permitir que ali seja possível a absorção a força de trabalho de uma família e que desta conjugação de trabalho e terra, a família tire sua subsistência.

As dimensões de um módulo rural é definida de região para região, conjugando a questão da localidade (qualidade do solo, clima etc) mais o tipo de atividade agrária ali possível de desenvolver.

O módulo rural padrão é aquele mínimo de área necessária a uma propriedade familiar.

O módulo médio da propriedade é o módulo factível onde se desenvolva as cinco atividades agrárias (agricultura, pecuária etc). Seiscentas vezes a dimensão de um módulo médio é o cálculo usado para a medida de latifúndio por dimensão.

O módulo rural não pode ser fracionado, uma vez que sua divisão acarretaria no surgimento de minifúndios, configurando-se em objetos de desapropriação.

 

5.2 Módulo Fiscal

O Módulo Fiscal nasceu apenas com a finalidade de atuar como base para cálculo do ITR, hoje ele define as dimensões da pequena, média ou grande propriedade rural.

O art. 4º, inciso II alínea “a” da Lei 8629/93 usa o módulo fiscal como unidade de medida para pequena, média e grande propriedade. Sendo que a medida para a pequena propriedade fiscal é de 1 a 4 módulos fiscais, para a média 4 até 15, e de 15 em diante configura-se grande propriedade.

Não serão nunca desapropriada a pequena ou média propriedade que seja única do proprietário (art. 185, Parágrafo Único CF).

É possível a existência de pequena propriedade latifundiária e pequena propriedade minifundiária (pelo fato de, em algumas peculiaridades, existem diferenças entre as dimensões de um módulo rural e um módulo fiscal).

5.3. Minifúndio

O minifúndio, segundo definição expressa do Estatuto da Terra, art. 4º, inciso IV, é o imóvel rural de área e possibilidades inferiores às da Propriedade Familiar. Ou seja, o minifúndio é uma área de terra, cujas dimensões não são suficientes para absorver o trabalho da família e garantir o seu sustento.

O minifúndio é combatido e desestimulado, pois se constitui uma distorção no sistema fundiário brasileiro, eis que uma terra que não consegue ser trabalhada e gerar o sustento suficiente para uma unidade familiar, não cumpre sua função social. Além disso, o minifúndio não gera impostos, nem viabiliza a obtenção de financiamentos bancários para o minifundiário.

O grau de lesividade/nocividade do minifúndio possui três aspectos:

1. o minifúndio é condutor de uma renúncia de produtividade, derivada de suas míseras dimensões de área espacial;

2. o minifúndio prejudica o crescimento/desenvolvimento de uma região onde está localizado;

3. o interesse coletivo converge para a destruição do minifúndio, pois este é nocivo ao interesse público. A propriedade minifundiária afeta a sociedade como um todo, eis que este inviabiliza a maior efetividade do objetivo do direito agrário, que é a terra ser explorada e gerar riquezas.

Segundo o Princípio da Indivisibilidade do Imóvel Rural (art. 65 do Estatuto da Terra), de sorte que não se gere imóvel rural inferior ao módulo rural. O art. 65 é bem didático quanto aos seus termos:

Art. 65. O imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural.

§ 1º Em caso de sucessão causa mortis e nas partilhas judiciais ou amigáveis, não se poderão dividir imóveis em áreas inferiores às da dimensão do módulo de propriedade rural.

§ 2º Os herdeiros ou os legatários, que adquirirem por sucessão o domínio de imóveis rurais, não poderão dividi-los em outros de dimensão inferior ao módulo de propriedade rural.

§ 3º No caso de um ou mais herdeiros ou legatários desejar explorar as terras assim havidas, o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária poderá prover no sentido de o requerente ou requerentes obterem financiamentos que lhes facultem o numerário para indenizar os demais condôminos.

§ 4º O financiamento referido no parágrafo anterior só poderá ser concedido mediante prova de que o requerente não possui recursos para adquirir o respectivo lote.

Este princípio versa sobre o fato de que nenhum imóvel rural possa ser desmembrado, cujo desmembramento gere minifúndios. Caso bastante ocorrente, é um pequeno proprietário rural, cujo imóvel tenha a dimensão exata de um módulo rural, e este proprietário venha a falecer, deixando a terra para seus herdeiros. O imóvel deverá ser vendido e o valor repassado aos sucessores, ou, um assumir para si e indenizar os demais, nunca poderá ocasionar de o imóvel ser repartido entre os espoliantes, pois como suas dimensões não são extensas o suficiente para gerar várias propriedades familiar, o imóvel na verdade gerará minifúndios, e como já dito, a lei combate o minifúndio, tal qual é impensável a permissão da existência de um, para depois este ser objeto de desapropriação.

Observação:

A Lei 11.444/07 acresceu os §§ 5º e 6º ao art. 65 do Estatuto da Terra (Lei 4504/64), e ali se criou exceções legalmente previstas em relação ao minifúndios:

§ 5º Não se aplica o disposto no caput deste artigo aos parcelamentos de imóveis rurais em dimensão inferior à do módulo, fixada pelo órgão fundiário federal, quando promovidos pelo Poder Público, em programas oficiais de apoio à atividade agrícola familiar, cujos beneficiários sejam agricultores que não possuam outro imóvel rural ou urbano.

§ 6º Nenhum imóvel rural adquirido na forma do § 5º deste artigo poderá ser desmembrado ou dividido.

A exceção diz que o imóvel rural motivado pelo parcelamento oficial para atender a agricultura de subsistência familiar, gerando a função mínima de terra legalmente tolerada (aí que entra a figura da pequena propriedade minifundiária, que é aquela inferior a 1 módulo rural, mas superior a um módulo fiscal).

5.3.1. Usucapião e minifúndio

Embora a lei que regula a usucapião especial rural (Lei 6.969/81) se choque com a Constituição (art. 191) ao determinar as medidas mínimas para uma área rural ser usucapida (a lei dita a área mínima de 25 hectares, a CF dita 50 hectares, isto pois a lei veio antes do advento da CF 88, e, embora a lei tenha sido recepcionada pela CF, no que consiste a área, a CF sobrepujou a lei, valendo os limites de 50 hectares). A discussão reside no fato de que quando o limite mínimo impetrado pela CF de 50 hectares, for menor do que a área de um módulo rural em determinada região, neste caso deve-se prevalecer o limite mínimo da área de um módulo rural (esta tese não é acompanhada pelas bancas examinadoras de concurso em provas objetivas, portanto este tema só deve ser abordado em prova discursiva).

5.4. Latifúndio

O latifúndio é o imóvel rural, definido pelo art. 4º, inciso V do Estatuto da Terra, é o imóvel rural que tem área igual ou superior ao módulo rural, e é mantido inexplorado ou com exploração inadequada, ou ainda, insuficiente às suas potencialidades. Ou seja, latifúndio é imóvel rural que tem área igual ou superior ao módulo rural, e não atende a sua função social.

Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:

V - Latifúndio, o imóvel rural que:

a) exceda à dimensão máxima fixada na forma do art. 46, § 1º, alínea b, desta Lei, tendo-se em vista as condições ecológicas, sistemas agrícolas regionais e o fim a que se destine;

b) não excedendo o limite referido na alínea anterior, e tendo área igual ou superior à dimensão do módulo de propriedade rural, seja mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com fins especulativos, ou seja deficiente ou inadequadamente explorado, de modo a vedar-lhe a inclusão no conceito de empresa rural;

O Decreto nº 84.685/80 que regulamentou a Lei nº 6.746/79, em seu art. 22, estabelece como definição de latifúndio, o imóvel que:

• exceda à seiscentas vezes o módulo fiscal calculado na forma do art. 5º (600 vezes o tamanho médio dos imóveis da região);

• não excedendo o limite de 600 vezes o tamanho médio dos imóveis da região, e tendo dimensões iguais ou superiores a um módulo fiscal, seja mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com fins especulativos, ou seja, deficiente e inadequadamente explorado, de modo a vedar-lhe a inclusão no conceito de empresa rural.

Como se observa com a nova redação dada pela lei ao art. 4º do Estatuto da Terra, houve substituição do termo módulo rural, por módulo fiscal, com seus parâmetros adicionais de áreas distintos.

Com base nos dispositivos legais, tem-se duas classificações para o latifúndio:

1. Latifúndio por extensão: o que supera em seiscentas vezes o módulo médio da propriedade (tamanho médio dos imóveis da região);

2. Latifúndio por exploração: o configurado assim pela não-exploração ou exploração ineficiente, ou seja, pelo mau uso da terra.

O termo latifúndio por deficiência de exploração diz respeito à propriedade rural que escapou de ser minifúndio, mas não chega a possuir dimensões suficientes a classificar-lhe como latifúndio por extensão, e também não gera produtividade (função social). É graças ao latifúndio por deficiência de exploração que se pode falar em “pequena” ou “média” propriedade latifundiária.

Assim como os minifúndios, os latifúndios são combatidos por sua nocividade à economia ao não cumprir sua função social, e, quando se fala de latifúndio por extensão, este é ainda mais combatido por gerar repulsa e ser estorvo econômico, pois mantêm uma larga estrutura fundiária de concentração sem uso, ao descaso, ao passo que o déficit de terra continua alto.

São utilizados dois instrumentos eficazes no combate ao latifúndio: a desapropriação e a tributação, o imposto pesado sobre essas extensas áreas sem uso, obedecendo os critérios de “progressividade” e “regressividade” (art. 49 do Estatuto da Terra).

Os latifúndios podem ser objeto de desapropriação, exceto:

1. Latifúndio produtivo (embora seja muito difícil comprovar a produtividade na prática);

2. Latifúndio inapropriável (pequena propriedade latifundiária que seja a única do proprietário – art. 185, I CF);

3. Média propriedade latifundiária que seja única (ver o mesmo art. 185, I CF);

4. art. 4º, Parágrafo Único, alínea “b” do Estatuto da Terra – área de preservação florestal ou para tombamento.

5.5. Empresa Rural

Como o tema de empresa rural não costuma ser muito cobrada em provas, sejam acadêmicas ou concursos, serei breve.

Empresa rural é o empreendimento de pessoa jurídica ou física, pública ou privada,que explore econômica e racionalmente o imóvel rural, dentro das condições de cumprimento da função social da terra e atendidos simultaneamente os seguintes requisitos:

• tenha grau de utilização da terra igual ou superior a 80%;

• tenha grau de eficiência na exploração igual ou superior a 100%;

• cumpra integralmente a legislação que rege as relações de trabalho e os contratos de uso temporário da terra.

Feitas estas observações, pode-se concluir que a empresa rural possui as seguintes características:

1. é um empreendimento que se consubstancia na exploração de atividades agrárias;

2. pressupõe um estabelecimento, composto de uma área de imóvel rural, pertencente ou não ao empresário;

3. tem por finalidade o lucro;

4. é de natureza civil, portanto, não é comercial nem industrial.

5.6. Colonização

A colonização é outro assunto pouco cobrado, sua definição é dada pelo Prof. Rafael Augusto de Mendonça Lima “colonização é uma forma de política agrária dirigida ao povoamento de terras desabitadas ou pouco povoadas, virgens, ou incultas, objetivando introduzir nelas a infra-estrutura necessária para permitir a organização de um parcelamento de terras que permita o racional aproveitamento ou utilização, bem como a introdução de serviços públicos e privados adequados, para o assentamento de uma população rural”.

As características da colonização podem ser resumidas nas seguintes:

1. é uma ação estatal ou particular, sendo assim, pode o Poder Público executar projetos de colonização com a iniciativa privada;

2. é uma ação de caráter permanente, vale dizer, não se realiza de uma só vez, mas compreende todo um processo que vai se desenvolvendo através de diversas etapas sequenciadas;

3. tal ação obedece a um prévio e cuidadoso planejamento;

4. depende de uma grande inversão de capital, decorrente dos enormes gastos para tal empreitada;

5. responde a um objetivo claro, a intenção é povoar a terra com exploração econômica;

6. não deve ter o lucro como motivação imediata, ou seja, ser movida por fins especulativos e comerciais, pois o que a inspira é o interesse social, mesmo quando executada por particulares;

7. em regra, é realizada sobre terras públicas, preferencialmente devolutas;

8. não importa em mudança de estrutura no plano institucional, como acontece na reforma agrária. Sendo este o traço marcante na diferenciação destes dois institutos.

IV. Usucapião Especial Rural

1. Noções Gerais

A usucapião rural é um instrumento de Reforma Agrária, que se move por iniciativa privada, atuando o Estado, apenas como homologador.

É um instrumento de Reforma Agrária, pois sua estrutura ideológica é baseada no conceito de que aquele, que mesmo não sendo o proprietário real do imóvel, tornou-se de fato, por aquele imóvel ter sido entregue ao léu, e ocupado por alguém que lhe dê uma função.

A usucapião rural é disciplinada pelo art. 191 da CF, que em seus termos: “Aquele que não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-à propriedade”. A mesma disciplina é trazida no art. 1.239 do Código Civil.

2. Requisitos

À primeira leitura do art. 191, o estudante comete o erro de passar os olhos rápido demais pelo verbete, não prestando a devida atenção em suas peculiaridades. Ao passo que, uma leitura correta do artigo seria:

“Aquele que: não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano / possua como seu / por cinco anos ininterruptos / sem oposição / área de terra em zona rural / não superior a cinquenta hectares / tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família / tendo nela sua moradia / adquirir-lhe-à propriedade”.

A necessidade de pausas revelam-se pelo fato de que cada espaço entre as orações corresponde a um dos requisitos para que seja configurada a usucapião rural, logo far-se-à então, a análise de cada requisito separadamente.

“não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano” - para ser possível a usucapião rural, o usucapiente não deve possuir imóvel de qualquer tipo. Sendo a usucapião rural um instrumento de reforma agrária, seria um absurdo considerar seu uso indevido para enriquecimento. Já foi dito antes, terra não existe para ostentar patrimônio, por isso há a necessidade de ser possível um instrumento como este, mas o Estado, que deve fornecer os meios para a reforma agrária, e mais, também é o fiscalizador desta, não pode permitir que haja ilícitos, ou injustiças. Pensa-se, que a pessoa disposta a ocupar e tornar útil uma área abandonada, não disponha de outro patrimônio. Esta é única justificativa aceita para a sociedade, já que é melhor entregar a terra à alguém que carece, do que deixá-la abandonada, porque para seu dono, este patrimônio não se faz necessário.

“possua como seu” - a pessoa que ocupa a terra desamparada, deve querê-la para si, demonstrando seu animus domini (intenção de ser ou agir como dono). A ocupação não seria justificada sem essa vontade de possuir o imóvel. Não pode uma pessoa que pretende a usucapião, na verdade, não desejar a terra para si, pois aí estaria configurada fraude. A usucapião, como instrumento de modificação social, deve ser destinada a quem não tem e a quem quer.

“por cinco anos ininterruptos” - trata-se de requisito temporal. Para ser configurada a usucapião, o interessado deve, além de preenchidos os requisitos materiais, cumulando estes com a posse da terra, estar nela, permanecer nela, por um período mínimo de cinco anos, sem haver interrupção, ou seja, em nenhum momento poderia ter deixado a terra (“deixado” refere-se à pessoa que abandona a terra, para depois retorná-la, propondo a usucapião, nestes termos, conta-se o prazo de cinco anos a partir do zero a partir de seu retorno, não podendo existir “pausa” na contagem de prazo).

“sem oposição” - durante o período de permanência, a “posse” não pode ser contestada. Se o verdadeiro proprietário, antes de deflagrado os cinco anos mínimos, reclamar o imóvel, estaria aí desconfigurada a usucapião.

“área de terra em zona rural” - a usucapião especial (rural) só pode ser proposta aos imóveis em zona rural. Mesmo para o imóvel rural em zona urbana não cabe a usucapião rural, devendo o interessado pleitear a usucapião tradicional.

“não superior a cinquenta hectares” - um dos requisitos materiais. Versa-se na impossibilidade de ser a usucapião um meio para o enriquecimento, já que esta se baseia na ideologia da terra corresponder apenas às necessidades de uma unidade familiar. Neste ponto, há uma contradição entre o art. 191 CF e o a Lei 6.969. A lei define 25 hectares como limite máximo, a Constituição estabelece, 50 hectares, vigorando esta última, como o limite máximo legal.

“tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família” - com base na função social, a terra deve ser produtiva. O interessado deve torná-la produtiva. O art. ao dispor o trabalho do usucapiente ou de sua família, não veda a possibilidade da contratação dos trabalhadores temporários, como em épocas de colheitas, onde é necessário um aumento da força de trabalho, desde que essa força de trabalho não se torne permanente, pois, a usucapião segue os moldes de uma propriedade familiar.

“tendo nela sua moradia” - o interessado deve fixar moradia na terra que pretende usucapir.

Diante do que foi explicado, para maior didática, os requisitos para a usucapião especial rural são:

- Requisitos temporais:

• 5 anos (possuindo e cumulando os requisitos materiais para ser configurada a usucapião rural)

- Requisitos materiais:

• Posse e trabalho na terra;

• Gerar produtividade;

• Fixando moradia na terra;

• Ser em área rural, não superior a 50 hectares (ao imóvel rural em área urbana não cabe a usucapião especial rural);

• Animus Domini;

• A posse não pode ser contestada;

• A pessoa não pode ser proprietária de outro imóvel.

Para ser configurada a usucapião rural todos os requisitos devem ser preenchidos cumulativamente.

O parágrafo único do art. 191 CF, versa sobre a exceção aos bens possíveis de serem usucapidos, protegendo assim, os imóveis públicos, não podendo estes serem objeto de usucapião especial rural (também em desacordo com a Lei 6.969 que prevê esta possibilidade, prevalecendo a doutrina da Constituição).

3. Ação de Usucapião Rural (Lei 6.968/81 e arts. 941 ao 945 do Código de Processo Civil)

O objeto da ação é o reconhecimento pelo Estado-Juiz de uma situação já consumada de fato, que quando consumada, gera o reconhecimento de um direito. Na ação de usucapião, o que se deseja é a mera declaração, o reconhecimento de uma ação fática.

Observação: A ação declaratória não é a única via de ser reconhecida a usucapião. Ex: em uma ação reivindicatória, na qual o réu alega a usucapião, e o juiz a defere, este tem o seu direito reconhecido pela via incidental.

Observação 2: Faz-se necessário para aprofundamento do tema, uma distinção entre domínio e propriedade. A propriedade é o direito que o homem tem sobre a coisa e o expõe ao mundo (caráter externo). Domínio é a faceta interna da propriedade, revelando a relação entre homem e coisa, de forma que possa exercer seus direitos sobre ela (caráter interno). O domínio é a causa de pedir na Ação de Usucapião (pois na ação de usucapião o que se pede é o reconhecimento deste domínio - posse), a propriedade é conseguida após o reconhecimento do domínio, com o devido registro no cartório de imóveis. Estando neste registro, o nascimento da propriedade por usucapião.

A competência para a Ação de Usucapião é do juiz da Comarca onde se encontre o imóvel (art. 4º da Lei 6.969). Duas posições se contradizem na doutrina nos casos de interesse da União, a primeira diz que se há interesse da União no bem, a ação seria proposta na Justiça Federal; a segunda posição nega esta hipótese, preservando a competência do juiz da comarca onde está localizado o imóvel.

3.1. Procedimento na Ação de Usucapião Rural

São as seguintes diretrizes que devem ser observadas na ação de usucapião rural:

1. A competência é a do juiz da Comarca da situação do imóvel;

2. O rito é sumaríssimo. Embora na prática o que se verifique é a ocorrência do procedimento ordinário;

3. É admissível a realização de audiência de justificação prévia da posse, com vista à concessão de sua manutenção em caráter liminar (o autor, com base na Lei 6.969/81, art. 5º, § 1º, poderá requerer ou não a audiência preliminar, fazendo também o pedido para continuar com a posse do imóvel, até o trânsito em julgado do processo);

4. Deve acontecer a citação pessoal daquele em cujo nome esteja registrado o imóvel objeto da usucapião, dos réus ausentes, incertos e desconhecidos, sob a égide estabelecida no art. 232 do CPC, valendo para todos os atos do processo;

5. O prazo para contestar a ação é contado a partir da intimação da decisão que declara justificada a posse (segundo a Lei 6.969, essa intimação seria da audiência de justificação prévia, art. 4º da Lei 6.969, sendo esta facultativa, caso não ocorra, na prática, admite-se o prazo para contestação até a audiência de julgamento);

6. Se o autor pedir a assistência judiciária gratuita, envolve esta até os emolumentos para o registro da sentença favorável que for prolatada;

7. O usucapiente pode invocar, como matéria de defesa, o seu direito de usucapir o imóvel, valendo a sentença que o reconhecer como título registrável.

Observações:

Na petição inicial de usucapião rural é expressamente devida a dispensa da planta do imóvel (art. 5º, § 1º Lei 6.969), assim como a audiência de justificação prévia é uma mera faculdade, e não um pressuposto da ação, diferindo-se assim, da usucapião tradicional regulada no CPC.

A petição inicial também deverá constar a apresentação de todos os documentos que comprovem o preenchimento dos requisitos materiais e temporais, que já foram ou estão sendo consumados.

A citação (art. 5º, §§ 2º e 3º da Lei 6.969), é de modo licitatória, devendo ocorrer a citação do réu, dos vizinhos (conflitantes e confrontantes), do Estado (Fazenda Pública).

A citação do proprietário e dos vizinhos deve acontecer pessoalmente (súmula 391 STF). A citação da Fazenda Pública deve ocorrer por meio postal.

Se o réu é incerto, desconhecido ou ausente, não tendo êxito em lograr a citação pessoal, esta ocorrerá através de edital.

O atual / eventual possuidor também deverá ser citado (súmula 263, para entender melhor o assunto, sugiro olhar os precedentes da súmula)

O Ministério Público deverá se manifestar em cada etapa do processo, sob pena de nulidade dos atos. A manifestação será de caráter custos legis (guardião ou fiscal da lei).

A usucapião pode ser arguida em defesa (súmula 237 STF). Esta súmula combinada com o art. 7º da Lei 6.969, admite o registro da sentença que declara a usucapião pela alegação em matéria de defesa (via incidental, decorrente de uma ação autônoma reivindicatória).

V. Aquisição da Propriedade Rural por Pessoas Estrangeiras

 

A pessoa física estrangeira não pode adquirir mais de 50 módulos de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua. Este limite, porém, poderá ser aumentado mediante autorização do presidente da república, ouvido o Conselho Nacional, quando se tratar de imóvel rural vinculado a projetos julgados prioritários em face dos planos de desenvolvimento do país (art. 12, § 3º da Lei 5.709/71).

A pessoa jurídica estrangeira (art. 23, § 2º da Lei 8.629), por sua vez, poderá adquirir imóvel além de 100 módulos de exploração, sendo que a autorização virá do Congresso Nacional. Porém, se a área for superior a três módulos e inferior a 50, a autorização somente poderá ser dada quando o pretendente à sua aquisição apresentar projeto da exploração que irá desenvolver (art. 7º, § 2º Decreto 74.965/74). Mas a área não superior a três módulos ou em caso de sucessão legítima, poderá ser adquirida livremente, salvo se for em área considerada indispensável à segurança nacional, caso em que dependerá do Conselho de Defesa Nacional (art. 91, § 1º, inciso III CF c/c arts. 1º, § 2º e 7º da Lei 5.709/71.

Os portugueses, por força do Decreto 70.436/72 , art. 13, alínea “h”, que versa sobra a igualdade de direitos entre portugueses e brasileiros, poderão adquirir, sem restrições, imóveis rurais no território nacional.

As pessoas jurídicas estrangeiras somente poderão adquirir imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários. Devendo ser aprovados pelo Ministério da Agricultura, ouvido o órgão competente de desenvolvimento regional da respectiva área (SUDAM, SUDENE …). E, se for projeto industrial, será ouvido o Ministério da Indústria.

Se for pessoa jurídica que explore a atividade de colonização de terras, no mínimo 30% da área total deverá ser ocupada por brasileiros.

A soma das áreas rurais pertencentes à pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas, não poderá ultrapassar ¼ da superfície dos municípios onde se situem (Lei 5.709/71, art. 12, § 2º, inciso III). Se as pessoas estrangeiras forem da mesma nacionalidade, não poderão ser proprietárias, em cada município, de mais de 40% daquele limite de ¼ da superfície, salvo se o adquirente tiver filho brasileiro ou for casado com pessoa brasileira sob regime de comunhão de bens.

Com exceção dos casos previstos na legislação de colonização, onde os estrangeiros se estabeleçam como agricultores imigrantes, é proibida a doação de terras pertencentes à União ou aos estados.

VI. Reforma Agrária

1. Noções

O § 1º do art. 1º do Estatuto da Terra dá a seguinte definição:

“Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.”

Stefanini dá a seguinte definição: “Reforma agrária seria um conjunto de medidas administrativas e jurídicas levadas a efeito pelo poder público, visando à modificação e à regência de alguns institutos jurídicos, à revisão das diretrizes da administração ou à parcial reformulação das normas e medidas, com o objetivo precípuo de sanear os vícios intrínsecos e extrínsecos do imóvel rural e de sua exploração sem a derrogação dos princípios que asseguram a propriedade imóvel”.

A doutrina aponta dois métodos para se fazer a reforma agrária:

• coletivista, que se fundamenta na doutrina socialista, e consiste na nacionalização da terra, passando a propriedade para o Estado. Sendo os meios de produção do Estado, cabe ao campesino apenas o direito de uso;

• privatista, onde se admite a propriedade privada, adotando-se a seguinte ideologia: a terra é de quem trabalha, seja pequeno, médio, grande produtor. Os bens existem para a satisfação do homem, que deve se apropriar deles, não sendo, porém, um direito absoluto, porque está condicionado ao bem comum. Método utilizado pelo Brasil em suas tentativas de Reforma Agrária.

A RA tem por objetivo básico, em nosso país, é promover a justiça social e o aumento da produtividade, esses objetivos estão expressos no art. 16 do Estatuto da Terra:

Art. 16. A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do País, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio.

O art. 18 do Estatuto da Terra, tratando sobre a desapropriação, que nada mais é do que senão um instrumento para a RA, versa:

Art. 18. A desapropriação por interesse social tem por fim:

a) condicionar o uso da terra a sua função social;

b) promover a justa e adequada distribuição da propriedade;

c) obrigar a exploração racional da terra;

d) permitir a recuperação social e econômica de regiões;

e) estimular pesquisas pioneiras, experimentação, demonstração e assistência técnica;

f) efetuar obras de renovação, melhoria e valorização dos recursos naturais;

g) incrementar a eletrificação e a industrialização no meio rural;

h) facultar a criação de áreas de proteção à fauna, à flora ou a outros recursos naturais, a fim de preservá-los de atividades predatórias.

Óbvio que os reais objetivos da RA são muito mais abrangentes do que a lei poderia especificar.

 

2. Características

A Reforma Agrária tem as seguintes características:

1. é uma forma de intervenção do Estado na propriedade privada, sendo os principais instrumentos a desapropriação e a tributação;

2. é peculiar a cada país, ou seja, o que se faz em determinado país, pois cada qual tem sua formação territorial diferenciada, não se aplica ao outro;

3. é transitória, para cada época é feito um tipo diferente de Reforma Agrária, que melhor atenda às necessidades atuais;

4. passa por um redimensionamento de áreas mínimas e máximas (um módulo no mínimo e seiscentos no máximo);

5. depende de uma Política Agrícola eficiente. Devem ser compatibilizadas as ações da Política Agrícola e Reforma Agrária (art. 187, § 2º CF). A Reforma Agrária não se esgota na simples distribuição de terras aos beneficiários. É necessário dar-lhes as condições mínimas para desenvolverem as atividades agrárias com vistas a alcançarem seus objetivos.

6. A Reforma Agrária tem como finalidade o cumprimento da função social da propriedade imobiliária rural.

3. Beneficiários

O art. 19 da Lei 8.629/93, em suas linhas diz:

Art. 19. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou ambos, independentemente de estado civil, observada a seguinte ordem preferencial:

I - ao desapropriado, ficando-lhe assegurada a preferência para a parcela na qual se situe a sede do imóvel;

II - aos que trabalham no imóvel desapropriado como posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários;

III - aos ex-proprietários de terra cuja propriedade de área total compreendida entre um e quatro módulos fiscais tenha sido alienada para pagamento de débitos originados de operações de crédito rural ou perdida na condição de garantia de débitos da mesma origem;

IV - aos que trabalham como posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários, em outros imóveis;

V - aos agricultores cujas propriedades não alcancem a dimensão da propriedade familiar;

VI - aos agricultores cujas propriedades sejam, comprovadamente, insuficientes para o sustento próprio e o de sua família.

Parágrafo único. Na ordem de preferência de que trata este artigo, terão prioridade os chefes de família numerosa, cujos membros se proponham a exercer a atividade agrícola na área a ser distribuída.

A distribuição dos imóveis rurais desapropriados, aos beneficiários, tanto pode ser feita através de títulos de domínio (venda, doação ou outras formas de transmissão da propriedade imóvel), como por meio de instrumento de concessão de uso (Decreto-lei nº 271/67, art. 7º). Em qualquer desses instrumentos, é obrigatória a inserção de uma cláusula de inegociabilidade pelo prazo de dez anos. Além disso, os beneficiários assumem a obrigação de cultivar o imóvel recebido, direta e pessoalmente, ou através de seu núcleo familiar, mesmo que através de cooperativas, bem como a obrigação de não ceder o seu uso a terceiros, a qualquer título, pelo prazo de dez anos.

4. Desapropriação Agrária

4.1. Noções Gerais

A Desapropriação Agrária é um instrumento de Reforma Agrária. Tem por natureza jurídica ser um instrumento de intervenção do Estado na propriedade privada, com o escopo de promover a redistribuição de terras, reestruturando a plataforma das propriedades fundiárias no Brasil, sob a ótica de se priorizar a posse com função social, em detrimento de uma propriedade inócua.

A competência para a Desapropriação é da União, conforme o art. 184 da CF, e sua natureza punitiva é evidente, posto que a indenização da terra crua é paga com Títulos da Dívida Agrária (TDA).

4.2. Procedimento

Ver Leis Complementares 76/93 e 88/96

O procedimento de desapropriação tem duas fases.

Inicia-se a fase administrativa com o ato executivo do Presidente da República, que declara certos imóveis como objeto de interesse social, com vias de redistribuição para RA.

Após o decreto (ato do presidente), a Administração deve diligenciar a inspeção dos imóveis através do INCRA, e, o Estado deve analisar se o bem goza de alguma imunidade, e o valor econômico do imóvel (para fins de justa indenização)

O art. 184, § 1º da CF diz que todas as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. O valor da terra e as benfeitorias feitas em detrimento de lazer ou voltadas para o proprietário serão pagas em Títulos da Dívida Pública.

Antes de qualquer desapropriação, deve-se haver prévia notificação do proprietário do imóvel para que seja respeitado o direito à defesa. A notificação deve ser pessoal e prévia, para que se possa levantar a nulidade do objeto da desapropriação ou o valor da indenização. A justificativa é que deve ser preservado o direito à defesa, pois o proprietário do imóvel objeto de desapropriação, assim poderá defender-se perante a qualquer ilegalidade ou ato arbitrário do oficial responsável pelo estudo do valor do terreno. Pois o oficial, após seu estudo, deverá expedir um laudo, sendo o valor deste laudo o valor correspondente do depósito prévio, ou seja, todas aquelas benfeitorias resguardadas pelo § 1º do art. 184 CF. O depósito deve ser prévio à indenização e ser em dinheiro. O valor do depósito (mais uma vez) está vinculado ao laudo, e a importância da presença do proprietário, assim como de qualquer perícia ou estudo comprovado pela via documental, justificam o motivo de sua notificação ser prévia. O proprietário ficaria cerceado em seu direito de defesa, e sem meios de comprovar o real valor de sua indenização em dinheiro, sem ter disposto de tempo necessário para suas devidas diligências. A preocupação maior consiste que todo valor excedente ao laudo, adquirido posteriormente por sentença judicial, terá seu pagamento por precatória.

Expedido o decreto, não há na lei, tempo expresso para a notificação prévia.

Se o proprietário não for encontrado, notifica-se o representante, este não sendo encontrado notifica-se o preposto, nenhum destes localizados, publica-se um edital de vistoria em jornal de grande circulação local, esta publicação deve ocorrer em três vezes consecutivas (art. 2º, §§ 2º e 3º da Lei 8.629/ 93) .

O § 5º do mesmo artigo versa que não será necessária a notificação prévia quando houver exercício do poder de polícia, motivada pela situação fática.

Observação:

O § 5º não impede o direito à defesa, apenas afasta a responsabilidade de haver notificação prévia, de forma que se dê o preparo da defesa.

Se os confrontantes e conflitantes não avocarem seus direitos na fase administrativa, poderá ver impugnado qualquer fundamento de fato ou de direito (Lei Complementar 76/93, art. 7º, § 4º). Sendo assim obrigatória a notificação do vizinho/conflitante/confrontante.

 

Observações finais: ler Leis 8.629/93 e 6969/81, Decreto 59.566/66, Lei Complementar 76/93, arts. 184 ao 191 da CF, arts. 1239 e seguintes do Código Civil, arts. 941 a 945 do CPC.

 

 

Fim.

 

Data de elaboração: fevereiro/2009

 

Como citar o texto:

SILVA, Thiago Paixão da..Direito Agrário sem complicações. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-agrario/2191/direito-agrario-sem-complicacoes. Acesso em 23 fev. 2011.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.