A tutela jurídica dos animais: uma visão ética não antropocêntrica
A Constituição Federal de 1988 reconheceu a necessidade de preservação dos animais, porém não os concedeu a posição de sujeitos de direito. Diante das principais leis brasileiras, os animais são primeiramente vistos como bens ou coisas de valor econômico. Está visão está permeada de tradições seculares firmadas na visão antropocêntrica pura de que o ser humano está no centro do universo. O primeiro capítulo irá tratar da evolução histórica dos direitos dos animais compilando diversos apontamentos sobre o desenvolvimento do direito ambiental e das leis que mencionavam o animal no decorrer dos séculos. A seguir será ressaltada a relação do homem com o animal na contemporaneidade e como, apesar da evolução do direito e dos costumes, essas criaturas são ainda tratadas a fim de proporcionar uma percepção e contexto dos valores dos animais. Por último, o status legal dos animais, bem como, a disponibilidade de leis e tratados protetivos e punitivos em caso de violação a estes direitos no Brasil. Este estudo será realizado como uma pesquisa bibliográfica e documental com objetivo de explorar alguns conceitos relevantes do novo ramo do direito animal. Espera-se compilar informações sobre a existência de leis protetivas e sancionarias acerca dos direitos dos animais, sendo que, a partir dos resultados extraídos da pesquisa bibliográfica pretende-se compreender aplicação na prática judiciária. O presente artigo busca apresentar uma síntese dos direitos dos animais através de uma linha história da evolução desses direitos, ressaltando a proteção da fauna e fornecendo uma compreensão dos direitos dos animais e as consequências de sua violação na prática através de uma visão ética não antropocêntrica e da análise da legislação vigente no Brasil.
INTRODUÇÃO
O direito dos animais é um vasto campo de estudo que está a consolidar-se como um novo ramo fundamental do direito moderno na medida que a proteção destas criaturas não mais se atém somente à preservação do meio ambiente, mas o respeito da vida animal em si, digna, livre e preciosa. Apesar da influência do tradicional pensamento cartesiano que retrata o animal como instrumento a disposição do ser humano, percebe-se um grande aumento do movimento pró-fauna nas edições de normas jurídicas recentes.
A Declaração Universal dos Direitos dos Animais (DUDA) de 1978 proclamada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), da qual o Brasil, dentre outros países, é signatário reconheceu mundialmente que “cada animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem”. (UNESCO, 1978)
No Brasil, a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 foi o marco na proteção normativa e principiológica no que tange o direito ao meio, tendo, inclusive, destinado o Capítulo IV do Título III exclusivamente para esta temática, destacando-se o art. 225 o qual profetiza que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (BRASIL, 1988)
A sensibilidade em relação a política de proteção fauna deve ser fomentada perante o público em geral. Trata-se de uma nova tendência de pensamento em desenvolvimento na qual se faz necessária estudos mais aprofundados sobre o tema. Consequentemente, é o tipo de informação de interesse público vez que, além de se tratar de um bem público, os problemas em relação aos animais desembarcam em ações de nível global. Esta pesquisa se faz, portanto, necessária, para que se possa ampliar a ideia de proteção aos direitos animais que os honre os valores constitucionais e os reflita, nesta geração e nas futuras.
É inegável a validade dos direitos dos animas, apesar disso, tais direitos são pouco respeitados na prática. Além das normas jurídicas, a ética e a moral são elementos essenciais para entender este novo ramo do direito. Para isso este artigo busca fornecer uma compreensão dos direitos dos animais no Direito brasileiro e as consequências de sua violação através de uma visão ética não antropocêntrica, que se inicia com uma síntese da evolução histórica dos direitos do meio ambiente e dos animais; para estudar os animais, sob a perspectiva dos princípios da ética e da moral, a fim de proporcionar uma percepção e contexto dos valores dos animais, para então verificar o status legal dos animais, bem como, a disponibilidade de leis e tratados protetivos e punitivos em caso de violação a estes direitos.
Neste estudo, será realizado como uma pesquisa bibliográfica e documental pela análise de leis, jurisprudências aliadas a artigos científicos e doutrinas nacionais e estrangeiros relacionadas ao tema. Para tanto, será utilizada uma abordagem qualitativa para interpretar as informações obtidas no processo utilizando-se o método científico dedutivo.
A presente pesquisa busca ressaltar a relevância da proteção dos direitos do animais não-humanos para respeitosamente estudá-los, não como meros objetos, mas como criaturas vivas e detentoras de direitos.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DOS ANIMAIS
O desenvolvimento do direito ambiental é recente no ordenamento jurídico brasileiro, assim como, normas especificas para a proteção dos animais, que até pouco tempo, deu-se como mero integrante do direito ambiental. Apesar do seu objeto de estudo e proteção ser tão antigo, o direito animal é uma ciência nova.
Como todos os campos de estudo, os direitos dos animais também passaram por um processo evolutivo, no entanto, ao contrário das outras ciências jurídicas, esse fenômeno não possui fases certas de como e quando ocorreram, sendo por vezes descrito como, “uma mudança no ângulo visual com que o ser humano enxerga o meio ambiente”. (RODRIGUES, 2018, p. 58) É impossível dissociar o direito dos animais do direito ambiental pois, apesar de também ser merecedor de proteção autônoma, a fauna também faz parte do meio ambiente.
Não é recente a relação do homem com os animais, seja como caça, proteção ou companhia, de maneira que “desde priscas eras, o homem esteve voltado para a agricultura e para a pesca, porque assim lograva meios de subsistência”. (MATTOS NETO, 2018, p. 16) Antes da consolidação de um direito ambiental, o que se via, salvo em alguns casos, era a tutela mediante dos bens ambientais (agua, fauna, flora, etc.), tendo em vista que o “entorno e seus componentes eram tutelados apenas na medida em que se relacionavam às preocupações egoísticas do próprio ser humano”. (RODRIGUES, 2018, p. 59)
Em épocas remotas, quando ainda habitavam as cavernas, e não dispunham de utensílios e vestuários modernos, os homens se alimentavam da caça e utilizavam-se da pele dos animais para protegerem-se do frio e da chuva. As comunidades autóctones, entretanto, usavam a carne e o couro dos animais para consumo próprio, e não com fins mercantis. Nessa época, tratava-se de uma necessidade do gênero humano, visando à garantia da própria sobrevivência. (XAVIER, 2013, p. 11)
Neste contexto, percebe-se que, por muito tempo, o direito animal esteve inserido apenas como parte integrante do direito agrário, sendo visto como meio de subsistência ou, neste caso, produto comercial, haja vista que “a atividade agrária está intimamente imbricada nas riquezas da natureza, pois a flora, a fauna, a terra, a água, o ar fazem parte do processo produtivo agrário” e mesmo assim, a proteção destes bens desenvolveu-se somente “a partir do Iluminismo, com o surgimento do racionalismo científico, pode-se dizer que o direito agroambiental tem suas origens, segundo é concebido na atualidade”. (MATTOS NETO, 2018, p. 58)
Fazendo uma retrospectiva de nossa história, podemos observar que, a partir do século XVIII, a exploração dos recursos naturais passou a ser feita de forma mais intensa e, com o aparecimento da indústria, adotou-se o modelo de produção em série. A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra, na segunda metade do século XVIII, conquanto tenha incentivado a produção em massa, inaugurando o modo de produção industrial, abriu alternativas para a confecção de vestiários, produtos e utensílios domésticos feitos de couro sintético, de maneira que, no atual momento histórico, não mais se justifica o consumo exagerado de produtos de origem animal, nem que animais sejam abatidos para que o couro seja utilizado, nos setores de produção industrial, em roupas, casacos de pele, sapatos, móveis etc. (XAVIER, 2013, p. 11)
No Brasil, desde a época do descobrimento até a segunda metade do século XX, o direito ambiental e o direito animal foram percebidos a partir de uma visão econômica, como objetos secundários e de subserviência ao ser humano, integrantes de seus bens, essa forma de proteção fica bem clara no antigo Código Civil Brasileiro de 1916, na Seção V, ao tratar por exemplo das normas que regulavam o direito de vizinhança. (BRASIL, 1916) Nesse sentido:
Basta uma rápida e aleatória leitura do Código Civil revogado para se perceber, claramente, que a preocupação com os bens ambientais foi de índole exclusivamente individualista, sob o crivo do direito de propriedade e tendo em vista o interesse econômico que tal bem representa para o homem. Tais bens, tidos até então como resnullius, passavam a ser vistos como algo de valor econômico e, por tal motivo, mereceriam uma tutela. (RODRIGUES, 2018, p. 59)
Nos anos seguintes, especificamente, de 1950 a 1980, houveram a edição de algumas leis protetivas dos animais, tais como, a Lei nº 4.771/65 (Código Florestal), o Decreto-lei nº 24.64/34 (Medidas de Proteção aos Animais), o Decreto-Lei nº 221/67 (Código de Pesca), a Lei nº 5.197/67 (Código de Caça), Lei nº 6.638/79 (Lei da Vivissecção), Lei nº 7.173/83 (Dispõe sobre o estabelecimento e funcionamento de zoológicos) e a Lei nº 7.643/87 (Lei de Proteção à Baleia), um grande avanço, mas que ainda estava marcado pela “ideologia egoística e antropocêntrica pura”, ou seja, que posiciona o homem no centro do universo, “a diferença é que, agora, a legislação ambiental era balizada não mais pela preocupação econômica, mas pela preponderância na tutela da saúde e da qualidade de vida humana”. (RODRIGUES, 2018, p. 60)
A Declaração Universal dos Direitos dos Animais da UNESCO, aprovada em 1978 em Paris, representa uma mudança de paradigma na forma de enxergar a relação entre homens e animais. (UNESCO, 1978) Sob sua influência, dentre outras, que ao final do século XX, no início dos anos 80, que surgiram verdadeiras mudanças na legislação ambiental do Brasil, sendo instaurado uma visão não antropocêntrica do meio ambiente, com a promulgação de leis como a Lei nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) e a própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
O novo ordenamento jurídico trouxe o atual conceito de meio ambiente, compreendido a partir do biocentrismo e do ecocentrismo, nos quais todas as formas de vida, fauna e flora, são dignas de proteção de forma autônoma. Assim sendo:
É apenas a partir da Lei n. 6.938/81 que podemos falar verdadeiramente em um direito ambiental como ramo autônomo da ciência jurídica brasileira. A proteção do meio ambiente e de seus componentes bióticos e abióticos (recursos ambientais) compreendidos de uma forma unívoca e globalizada deu-se a partir desse diploma. (RODRIGUES, 2018, p. 61)
No século XXI, institui-se a imagem da sociedade de risco, vigente atualmente, cuja obrigação é a de “apresentar soluções adequadas para o conflito entre o desenvolvimento tecnológico e a obrigação de estabelecer limites à própria capacidade de intervenção sobre o meio ambiente”. (TRENNEPOHL, 2019, p. 28) A ideia é que o homem não pode mais usar do meio ambiente como bem lhe aprouver, sendo que, a partir de agora, o crescimento econômico deverá ser compatibilizado com o desenvolvimento sustentável.
2. BEM-ESTAR ANIMAL E BIOÉTICA: NOÇÕES SOBRE ANTROPOCENTRISMO, ECOCENTRISMO E BIOCENTRISMO
A etimologia da palavra bioética deriva do grego bios que significa vida e ethos, relativo à ética, sendo uma ramificação da filosofia e da ética aplicada ao cuidado e proteção da vida e da saúde dos seres. Esta matéria é destinada a cuidar dos conflitos e controvérsias morais que surgem nas interações entre espécies. Neste campo de estudo, o animal surge como ser merecedor de proteção e de direitos, de forma que é através da bioética que se refletirá sobre os limites das ações humanas com as demais espécies animais, garantindo que, sejam tratados com ética e justiça.
Essa construção teórica afirma que se deve analisar o bem-estar animal tendo em mente que são seres sencientes, o que implica que sentem dor, sofrimento, alegria, frustração etc. “A senciência é uma reação emocional às sensações, e faz com que os animais experimentem coisas como: afeição à prole, medo do isolamento e aversão ao tédio” (MELO; RODRIGUES, 2019, p. 6).
Dentro do campo de estudo da bioética existem linhas centrais que buscam explicar a relação do homem e do meio ambiente. São as teorias antropocêntricas, ecocêntricas e biocêntricas. A concepção antropocêntrica é a primeira e mais antiga forma de pensamento e posiciona o homem como o centro do universo. Trata-se de um modelo comum de alguns pensamentos filosóficos e crenças religiosas que atribuem ao homem a posição no topo da pirâmide, seguidos pelos vegetais na base que serviam aos animais e estes ao homem. Dentre seus defensores pode-se citar Aristóteles, Tomás de Aquino e René Descartes (TONELLA; CONCEIÇÃO; TONELLA, 2016, p. 5-6).
Na visão ocidental, que foi fortemente influenciada pela visão aristotélica, o homem ocupa o topo da pirâmide em razão de sua capacidade intelectual, e, portanto, está acima de todas as outras criaturas. Essa visão corresponde a corrente antropocêntrica. Apesar de, serem criaturas dotadas de inteligência e sentimentos, “a razão parece ser a linha divisória que separa o homem (ser racional) dos animais (seres irracionais), surgindo a celebre frase de Aristóteles: “há milênios, que ‘o homem é um animal político’, por ser dotado de lógos (palavra)” (XAVIER, 2013, p.3).
Ainda, cabe ressaltar que no momento histórico em que a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente foi redigida, havia grande preocupação com a proteção à fauna e flora, no entanto, também havia a questão do crescimento econômico do país, justificando assim uma visão mais favorável do legislador aos interesses humanos. Esta forma de pensamento sofreu mudanças nos anos posteriores ao constatar-se que as necessidades humanas não são garantias de um futuro ecologicamente sustentável (FIORILLO, 2013, p. 490).
A visão antropocêntrica do direito constitucional presente no art. 224 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, diz lei protege o homem e não o animal de maneira que “todo ato realizado com o propósito de garantir o bem-estar humano não caracterizará a crueldade prevista no Texto Constitucional. Dessa forma, ser cruel significa submeter o animal a um mal além do absolutamente necessário” (FIORILLO, 2013, p. 288).
Devido a evolução da relação entre o homem e o meio ambiente e com a agravação da crise ecológica, surgiram outras teorias que ressaltam a importância da preservação da natureza e de todos os seres que dela fazem parte, são conhecidas por ecocentrismo e biocentrismo. O ecocentrismo de Aldo Leopold, Ramon Bogeá e Rousseau, é uma linha filosófica que representa os valores ambientais em torno da natureza, ao contrário no antropocentrismo. “Ecocentrismo vai além do biocentrismo com sua fixação em organismos, pois ecocentrismo vê as pessoas como inseparáveis da natureza orgânica/inorgânica que as encapsula” (ROWE, 1994).
A visão ecocêntrica preconiza que todos os seres que fazem parte da biosfera, animais, plantas e o homem, inclusive, são partes integrantes e iguais do mesmo sistema (CALLICOTT, 1987[3]apud TONELLA; CONCEIÇÃO; TONELLA, 2016, p. 7). Esta posição foi fortalecida com a Declaração Universal dos Direitos dos Animais em 1978, a qual fez constar em seu preâmbulo que:
Considerando que todo o animal possui direitos, considerando que o desconhecimento e o desprezo destes direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza; Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies; Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há perigo de continuar a perpetrar outros; Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante; Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais. (UNESCO, 1978)
O argumento ecocêntrico firma-se sob a crença de que apesar da indubitável importância humana, “toda a Ecosfera é ainda mais significativa e consequente: mais inclusiva, mais complexa, mais integrada, mais criativa, mais bela, mais misteriosa e mais velha que Tempo (ROWE, 1994), segundo o autor:
A integridade e a saúde dos todos requerem que suas partes os sirvam. O coração, as artérias, as veias e os corpúsculos do corpo humano conduzem ao seu bem-estar ou à doença e à sua própria morte. Por analogia, a missão da humanidade corpuscular é embelezar e manter a Terra. Caso contrário - e nossa capacidade de contemplar diferentes futuros nos dá escolha - as pessoas serão uma varíola paralisante ou mortal no mundo (ROWE, 1994).
Apesar de alguns autores empregarem ecocentrismo e biocentrismo como sinônimos, suas definições são um pouco diferentes. O ecocentrismo possui uma acepção mais abrangente, apresentando valores filosóficos de que todos os seres bióticos e abióticos possuem a mesma relevância para o meio ambiente. No entanto, o biocentrismo prega que esta visão de igualdade entre os seres, somente é aplicada aos seres com vida (AMADO, 2014, p. 30).
O biocentrismo se sustenta na existência de mais valor aos seres vivos, independente do homem. Para essa corrente, a vida é única e a natureza possui um valor intrínseco e fundamental. Do biocentrismo nasceu o movimento abolicionista que vai contra a utilização dos animais como instrumento para os homens. Ressalta-se, ainda, que para o ordenamento jurídico brasileiro, os animais não são sujeitos de direito e sim objeto de direito, mas que por serem criaturas vivas possuem um regime jurídico especial, sendo proibido serem alvos de crueldade, sendo crime ambiental praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir e mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, nos termos do art. 32, da Lei 9.605/1998 (AMADO, 2014, p. 30).
Dessas concepções, sobre a ótica da bioética, do antropocentrismo, biocentrismo e ecoturismo deve-se questionar o homem e a sociedade, como seu estilo de vida afeta o meio ambiente. Ou ainda, como os humanos e os animais poderão conviver em harmonia e igualdade no ecossistema. De início, percebe-se que é o meio ambiente é uma questão complexa, na qual se faz necessário analisar a sua proteção sem, necessariamente, privilegiar os interesses humanos para, tão somente, depois integrar todos os seres vivos no mesmo sistema.
Diante da análise dos textos pesquisados, percebe-se que há uma tendência de pensamento em prol do interesse humano sob o animal, e pior, uma resistência em admitir o valor intrínseco da natureza e sua necessidade de proteção, não apenas pelo bem-estar humano, mas por todo o ecossistema. Desta maneira, entende-se que o meio é ambiente deve ser tutelado não apenas porque é do interesse da humanidade em preservar seus recursos para as próximas gerações, mas porque todos os seres vivos são dignos e imprescindíveis para a ordem e saúde global.
2.1 Relação entre os seres humanos e os animais
Os animais têm sido tratados de formas diferentes a depender da sociedade, da cultura e da religião em que estão inseridos. Na Índia, a vaca é celebrada como um animal sagrado pela religião hinduísta sendo considerada uma grave ofensa matá-la. No budismo, o seu principal mandamento diz que não se deve maltratar nenhuma criatura viva, seja humana ou animal. O porco, de acordo com as leis islâmicas, é considerado um animal impuro, sendo proibido consumir sua carne. Na antiga Grécia o filósofo Pitágoras indicava uma alimentação isenta de carne animal (XAVIER, 2013, p. 8). Para algumas religiões africanas, os animais são considerados como oferendas aos orixás (SCHEFFER, 2019, p. 62).
2.1.1 Animais e entretenimento
O uso de animais para diversão não é novidade, no entanto, é recente a discussão sobre os direitos desses seres e suas condições de vida. Não só no Brasil, mas em outros países é comum e permitido por lei usar os animais como atração turística, caças, pesca esportiva, circos e zoológicos. No Brasil, o rodeio, a vaquejada e o laço foram elevados à condição de patrimônio cultural imaterial do país, bem como, como manifestações culturais nacionais pela Lei nº 13.364/2016 (BRASIL, 2016). Há, ainda, outras situações em que os animais foram explorados, por exemplo:
[...]nas rinhas de galo e de cães, práticas cruéis cujos maus-tratos iniciam-se muito antes de os animais entrarem nas arenas. A preparação dos cães para rinhas nos EUA era composta de treinamentos dolorosos, como eletrochoques, explosões de pólvora perto da cabeça dos animais, pimenta e alimentação com altas doses proteicas. Atualmente, os treinamentos também incluem maus-tratos, como espancamento (VIDANIMAL, [s.d.]. Quanto aos galos, são cortadas cristas e barbelas; o bico e as esporas são reforçados com aço inoxidável e, quando não estão em “treinamento”, são mantidos em minúsculas gaiolas para atuar num combate que só termina com a exaustão ou a morte de um dos competidores (LEVAI, [s.d.]) (SCHEFFER, 2019, p. 42-43).
Adiante veja-se também tantos filmes e séries nos quais houve mortes, maus-tratos ou acidentes envolvendo animais:
No filme “Tarzan of the Apes”, 1918, um leão é esfaqueado até a morte pelo protagonista. Durante as filmagens de “Ben Hur”, 1925, muitos cavalos morreram. A maioria das mortes ocorreu na filmagem da famosa cena da corrida de quadrigas. Numa cena do filme “The Silent Enemy”, 1930, um leão da montanha e um urso lutam entre si. Para a produção desse confronto, os dois animais foram mantidos em jaulas durante vários dias, sem comida, e então libertados para disputar a carcaça de um veado. Em “The Charge of the Light Brigade”, 1936, aproximadamente 25 cavalos morreram ou foram mutilados. Devido à brutalidade da cena de batalha, o congresso norte-americano debateu pela primeira vez a crueldade contra os animais em filmagens. Durante as filmagens de “Heaven’s Gate”, 1980, quatro cavalos morreram. Um deles morreu após ter sido detonado um explosivo entre suas patas. Além disso, houve brigas de galos, decapitação de galinhas e sangria de um boi (PIETRA, 2016). Em “Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra”, 2003, foram feitas tantas explosões em Petit Tabac, São Vicente e Granadinas, que peixes marinhos da região morreram. Nas filmagens de “As Crônicas de Nárnia”, 2005, cavalos também se feriram. Em um só dia, quatorze animais precisaram ser substituídos. Nas filmagens de “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada” (The Hobbit), 2012, 27 animais foram mortos. Cavalos usados nas filmagens caíram em buracos, e galinhas, ovelhas e cabras que estavam na fazenda usada para as filmagens vieram a óbito devido à má alimentação e falta de cuidados nos abrigosNa série “Luck”, produzida pela HBO, entre 2011 e 2012, o cavalo usado nas filmagens sofreu ferimentos tão graves na cabeça que foi sacrificado. Depois disso, a série foi cancelada (SCHEFFER, 2019, p. 54).
Percebe-se que em muitos desses espetáculos, os animais são explorados, lesionados e até mortos, ou ainda são espancados e obrigados pelos seus treinadores a sofrer em troca de obediência. As atrações e a beleza mostrada ao público não são sempre o retrato da realidade, De acordo com Scheffer (2019, p. 54) “animais não pediram para participar de filmes. Nem para serem atemorizados, decapitados, explodidos, enjaulados, mutilados ou mortos devido às filmagens. Não lhes fascina o estrelato. Isso é coisa do ser humano”.
Existem provas que, o uso dos animais são fonte de entretenimento, veja-se “o sucesso estrondoso do Cirque du Soleil, fundado no Canadá em 1984 e que não usa animais em suas apresentações, compreende-se que não há mais justificativa para a utilização de animais em circos” (SCHEFFER, 2019, p. 43). Assim, parece um contrassenso a conduta humana de adotar cães, gatos, e outros animais de estimação, e ainda abater outras espécies de animais para satisfazer seus desejos.
2.1.2 Animais para alimentação
O animal é uma das principais fontes de alimento para a raça humana, é comum ver pinturas rupestres relatando caças em grupos de bois e cervos. No entanto, com o crescimento da população mundial em escala crescente, o aumento da demanda de proteína animal e com o avanço da exploração industrial percebe-se que os animais passaram a ser vistos como meros produtos de consumo.
A argumentação apresentada por alguns pesquisadores para justificar o abate de animais encontra-se assentada em premissa falsa, visto que os animais, do ponto de vista jurídico, em todas as suas variantes, são injustamente colocados em patamares inferiores e submissos ao homem, e que servem aos trabalhos manuais e satisfação dos apetites dos seres humanos, difundindo-se a ideia de que a alimentação carnívora é essencial à sobrevivência humana, incutindo-se a noção de que, quando se alimenta de carne animal, o ser humano apenas responde a um impulso natural (XAVIER, 2013, p. 3).
Nos locais de criação de animais para alimentação, conhecidos como abatedouros, de acordo com Scheffer (2019, p. 78) “é determinante que os animais dispendam o mínimo de esforço possível para que ganhem peso em pouco tempo e gerem lucro. Isso significa confinamento. E maus-tratos, apesar de considerados legais do ponto de vista jurídico”.
Já a chamada “farra do boi”, continua a ocorrer, apesar de proibida em todo o estado de Santa Catarina desde 1997 por meio do Recurso Extraordinário nº 153.531, do Supremo Tribunal Federal. O boi é perseguido por uma multidão entre ruas de cidades e vilarejos, em matas e praias. É provocado e agredido com pedradas e pauladas, numa barbárie que pode durar dias, até, geralmente, ser morto e ter sua carne distribuída entre os “farristas” (SCHEFFER, 2019, p. 43).
As vidas de frangos e galinhas são ainda mais curtas. São criaturas que, se tidas somente como fonte de alimento, existem apenas para serem comidas, sendo que, muitas vivem amontoadas em galpões, superalimentadas para ganhar peso o mais rápido possível e que depois são abatidas ao atingir a sua cota na produção.
2.1.3 Animais em cultos religiosos
A liberdades de crença e de culto são asseguradas no inciso VI do art. 5º da Constituição Federal de 1988 o qual consta que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. No entanto, a mesma Constituição, em seu art. 225, §1º, VI, prevê o direito ao meio ambiente ecologicamente e a proteção à fauna (BRASIL, 1988). Ademais, tem-se o art. 32 da Lei nº 9.605/98, que proíbe a prática de maus-tratos aos animais (BRASIL, 1998).
O uso de animais em rituais religiosos como sacrifícios em algumas religiões de matriz africana é largamente praticado no Brasil. No caso do uso de animais em cultos religiosos não existe regulamentação para evitar o sofrimento destas criaturas, levando seus praticantes a sacrificá-los da maneira que entenderem adequada. Portanto, “podemos dizer que há uma morte mais “regulamentada” – nos matadouros – e outra, nos sacrifícios religiosos, nos quais não há diretrizes” (SCHEFFER, 2019, p. 62-64).
A prática e os rituais relacionados ao sacrifício animal são patrimônio cultural imaterial e constituem os modos de criar, fazer e viver de diversas comunidades religiosas, particularmente das que vivenciam a liberdade religiosa a partir de práticas não institucionais. A dimensão comunitária da liberdade religiosa é digna de proteção constitucional e não atenta contra o princípio da laicidade. O sentido de laicidade empregado no texto constitucional destina-se a afastar a invocação de motivos religiosos no espaço público como justificativa para a imposição de obrigações. A validade de justificações públicas não é compatível com dogmas religiosos. A proteção específica dos cultos de religiões de matriz africana é compatível com o princípio da igualdade, uma vez que sua estigmatização, fruto de um preconceito estrutural, está a merecer especial atenção do Estado. Tese fixada: ‘É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana’. [RE 494.601, rel. p/ o ac. min. Edson Fachin, j. 28-3-2019, P, DJE de 19-11-2019.][4]
Há poucos anos, ouviu-se falar do abate humanitário nos matadouros, que é uma forma mais civilizada e, em tese, sem sofrimento desnecessário de cessar a vida dos animais para alimentação. No entanto, nem todas as situações que envolvem a morte animal seguem ou são reguladas por este preceito.
2.1.4 Animais e experimentação científica
É comum o uso de animais como sujeitos para o desenvolvimento de pesquisas em laboratórios, sendo utilizados para testes de medicamentos e cosméticos e vivisseção, as experiências desse tipo são mais realizadas em macacos, coelhos, hamsters, cães, ratos, sapos e camundongos (XAVIER, 2013, p. 18).
Na União Europeia, existem cinco liberdades e três conceitos Rs que embasam a legislação sobre animais usados em experiências científicas em laboratórios. As cinco liberdades (5L) cuidam do bem-estar animal, de forma que “todos os animais devem: a) ser livres de medo e estresse; b) ser livres de fome e sede; c) ser livres de desconforto; d) ser livres de dor e doenças; e) ter liberdade para expressar seu comportamento natural” (RAMOS, 2006[5] apud MELO; RODRIGUES, 2019, p. 9). Em consoante, as bases do conceito do princípio dos 3Rs diz que:
a) deve-se progressivamente reduzir o número de animais em experimentos; b) substituir o uso de animais em experimentos por alternativas sem animais; c) buscar diligentemente a diminuição da dor e sofrimento dos animais através do refinamento dos protocolos experimentais (RAMOS, 2006 apud MELO; RODRIGUES, 2019, p. 9).
Atualmente, a Lei 11.794/2008 regulamenta o uso de animais em pesquisas científicas estabelecendo providências para o uso científico de animais, de forma que quaisquer experimentos feitos fora dos parâmetros legais, constitui uma violação à ordem jurídica. Esta lei foi criada para regulamentar o inciso VII do §1º do art. 225 da Constituição Federal de 1988.
3. STATUS LEGAL DOS ANIMAIS
Como dito anteriormente, a ligação entre homens e animais é antiga, se tornando cada vez mais próxima com os anos, de forma que, em alguns caso, o animal possui status de membro da família. Ainda assim, e apesar do aumento da recriminação dos maus tratos contra os animais, os índices de abusos contra estes seres não deixam de subir.
A Declaração Universal dos Direitos dos Animais de 1978, em seu preâmbulo e os seus quatorze artigos seguintes, refere-se ao respeito devido as animais como seu semelhante, a prevenção de crimes contra eles, reconhece a necessidade de coexistência entre as espécies, e incentiva a educação, desde a infância, “a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais” (UNESCO, 1978).
Porventura, o art. 64 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/41) pune com prisão simples de dez dias a um mês ou multa, a conduta de maus tratos aos animais, o qual dispõe que:
Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:
Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis.
§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.
§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público. (BRASIL, 1941)
A fauna foi legalmente reconhecida como recurso ambiental pelo art. 3º, inciso V, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), a qual determina que para os fins desta lei são recursos ambientais, “a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”. (BRASIL, 1981)
Em consonância, a Constituição Federal de 1988 diz em seu artigo 225, §1°, incisos VI e VII, que cabe ao Poder Público:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; e
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (grifo nosso) (BRASIL, 1988)
No inciso VII, o legislador cuidou de proteger tanto a função ecológica da fauna e sua essencialidade para um meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas também se preocupou com o bem estar animal ao vedar, expressamente, a sua submissão a atos de crueldade. De fato, vedar práticas cruéis contra os animais, não possui relação com a função ecológica deles, no entanto, essa inclusão no texto constitucional já revela uma pequena mudança no pensamento legal pois, alinha-se claramente a uma visão biocêntricas do meio ambiente, que respeita todas as formas de vida em sua totalidade (RODRIGUES, 2018, p. 88-89).
Existe também, a Lei de Proteção à Baleia (Lei 7.643/87) proíbe a pesca de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras, sendo penalizada com a pena de “2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusão e multa de 50 a 100 Obrigações do Tesouro Nacional - OTN, com perda da embarcação em favor da União, em caso de reincidência”.
Alguns dos crimes contra a fauna estão previstos no Capítulo V, Seção I, nos arts. 29 a 37 da Lei Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), que definiu no art. 32 que será punida com detenção de 03 (três) meses a 01 (um) ano e multa, a pessoa que “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”. (BRASIL, 1998)
A fauna e a flora são bens jurídicos de natureza difusa, são bens públicos, mas não pertencem à União, e devem ser tutelados como direitos multidimensionais, pois atingem todas as pessoas do planeta. Tanto a doutrina quando a lei consideram o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental diferenciado, afastando totalmente a noção patrimonialista dos bens ambientais no Direito Civil de que, por exemplo, ditam que “os animais de caça e pesca podem ser coisas sem dono (res nullius ou coisa de ninguém) e sujeitas à apropriação através do instituto da ocupação (CC, art. 1.263[6])”. (XAVIER, 2013, p. 15)
De acordo com o Código Civil Brasileiro de 2002, o animal possui status legal de coisa, no sentido expresso de objeto e bem econômico, como se percebe nos arts. 82 e 1.228:
Art. 82. São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. (grifo nosso) (BRASIL, 2002)
O Código Civil divide os bens em duas categorias: bens imóveis e móveis. Bens imóveis são aqueles que “não podem ser transportados de um lugar para outro sem alteração de sua substância (um lote urbano)”. Os bens móveis são os “passíveis de deslocamento, sem quebra ou fratura (um computador)”. E os bens que são “suscetíveis de movimento próprio, enquadráveis na noção de móveis, são chamados de semoventes (um animal de tração)” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 118).
Um levantamento realizado pela Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (DEPA)[7] de São Paulo registrou um aumento de 81,5% nas denúncias de maus tratos de janeiro a julho de 2020, em relação a mesma época do ano de 2019. De acordo com as informações divulgadas, 12.581 queixas somente até a metade de 2020, sendo que foram um total de 12.065 do ano todo de 2019 (LOPES, 2020).
Por fim, recentemente, em resposta a crescente indignação contra os males sofridos por estas criaturas, foi promulgada a Lei nº 14.064 (Lei Sansão), de 29 de setembro de 2020, que altera a Lei nº 9.605 (Lei dos Crimes Ambientais), de 12 de fevereiro de 1998, para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato acrescento o §1º-A ao art. 32 que § 1º-A “quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda” (BRASIL, 2020).
A Lei Sansão foi assim batizada em homenagem a um cão pitbull que teve as duas patas traseiras decepadas por um homem em Confins no Estado de Minas Gerais. Apesar de tardia, é bem vinda a chegada desta lei, que finalmente veio para destacar os direitos e quebrar paradigmas em relação aos animais, e que se mostre como um exemplo que está na hora de deixar ver estas criaturas como propriedade humana para que se possa fazer o que lhe aprouver com elas, e sim como seres vivos que sentem sofrem e fazer jus a proteção legal em sua totalidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos últimos anos, tem se notado uma crescente mudança no tocante aos direitos dos animais, o que comprova a necessidade da evolução da lei diante dos antigos costumes e ideias. Por muito tempo, preponderou-se a noção de que os animais eram meros instrumentos da vontade humana, possuindo pouca significância no mundo, além da necessidade. O homem via-se como ser supremo e único possuidor de direitos.
Esta visão antropocêntrica reinou absoluta por séculos, com relevantes, mas poucos opositores. Os animais foram, e ainda são vistos de diversas maneiras, como fonte de entretenimento, meio de alimentação, sacrifícios religiosos e experimentos científicos, mas poucas vezes como seres vivos e sensitivos, de rica inteligência emocional e social, que merecem ser respeitados tanto, ou mais, que os humanos.
Este status inferior prejudicou o avanço da tutela legal dos seres não humanos, o que limitou significativamente a sua proteção contra violência, abuso e maus tratos. Essa denominação de propriedade, minimiza a importância destes seres vivos, categorizando-os como uma coisa que se usa, goza, maltrata, mata, aluga e vende.
A postura protetiva da fauna sob a visão do biocentrismo é recente no Brasil pois, como dito, sob a perspectiva das antigas leis, o animal era visto, tão somente como uma propriedade de valor econômico do Estado. Apesar disso, percebe-se um certo avanço, mesmo que lento, na legislação que tutela e conserva os direitos dos animais, domésticos ou não.
Por fim, para se que possa continuar avançando substancialmente na garantia dos direitos dos seres não vivos, é imperioso que todos, não somente o Estado, mas também população, passem a atuar com uma consciência coletiva de que os animais são parte igual do planeta, sujeitos de direitos, e não meras ferramentas a serviço da conveniência humana.
REFERÊNCIAS
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______. Lei nº 7.643, de 18 de dezembro de 1987. Proíbe a pesca de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras, e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1987. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7643.htm. Acesso em: 24 maio 2020.
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NOTAS:
[3] CALLICOTT, J. Baird. Companion to A Sand County Almanac: Interpretive and Critical Essays. Madison, WI.: University of Wisconsin Press. 1987.
[4] Disponível em: https://constituicao.stf.jus.br/dispositivo/cf-88-parte-1-titulo-8-capitulo-6-artigo-225. Acesso em: 16 set. 2020.
[5] RAMOS, J. B. Bem-estar animal: a ciência de respeito aos animais. Informativo IEA: n. 68,
ano XII, jul./ago., 2006.
[6] Art. 1.263 do Código Civil. Quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.
[7] A DEPA é um serviço via internet à disposição da população para denúncias de crimes ocorridos no Estado de São Paulo. Dísponivel em: http://www.ssp.sp.gov.br/depa. Acesso em: 15 out. 2020.
Data da conclusão/última revisão: 06/11/2020
Sayonara Garcia César e Lívia Helena Tonella
Sayonara Garcia César: Acadêmica do curso de graduação em Direito da Faculdade Serra do Carmo - FASEC;
Lívia Helena Tonella (Orientadora): Doutoranda em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Bacharel em Direito e biologia pela Universidade. Estadual de Maringá. Diretora da Fundação do Meio Ambiente de Palmas-TO e professora da Faculdade Serra do Carmo - FASEC.