Função Social da Propriedade e Sustentabilidade

RESUMO: A propriedade passa do cunho individual e do direito inviolável e absoluto para a propriedade de cunho civilizado e comedido, aos novos direitos tutelados pela ordem jurídica, onde se inserem os direitos difusos de ordem ambiental, adquirindo novos contornos sócio-ambientais. A função social está inserida na “função ambiental” como elemento marcante do direito da propriedade que passa a ser exercida com funções econômicas e sociais de modo que sejam preservados a flora, a fauna,  o solo, o ar e a água de maneira sustentável.

Palavras—chave: função social, propriedade, sustentabilidade

ABSTRACT: The property passes of the individual matrix and the inviolable and absolute right for the property of civilized matrix and comedido, to the new rights tutored people for the jurisprudence, where if they insert the diffuse rights of ambient order, acquiring new partner-ambient contours. The social function is inserted in the “ambient function” as marcante element of the social right of the property that passes to be exerted with economic functions and in way that is preserved the flora, the fauna, the ground, the air and the water in sustainable way.

Key word: social function, property, sustentabilidade

Introdução.

Na história da humanidade, o homem sempre buscou  adquirir suas propriedades e se instalar em regiões de solo fértil e abundante em água, onde as suas atividades se desenvolviam com mais  facilidade. O aumento populacional e o desenvolvimento humano e industrial impôs uma necessidade cada vez maior de dispor dos recursos naturais, entre eles solo e a água.

Com a evolução sócio-econômica, o homem necessariamente teve que se adaptar as novas exigências, principalmente a novos direitos. Desta forma, a legislação brasileira, através dos tempos, contemplou a propriedade sob diferentes aspectos, até chegar a Constituição Federal de 1988, onde foi atribuído a propriedade a função social, como um bem-estar social.

O texto tem como objetivo examinar  a função social da propriedade principalmente quanto a proteção e uso da água. Os alertas sobre o uso irracional dos recursos naturais  em quantidades cada vez maiores, estão gerando a escassez do solo fértil  e principalmente da água potável do planeta, o que  está comprometendo o futuro e a continuidade de todas as formas de vida.

As conferências mundiais, tais como:  Estocolmo, 1972, Brundlant ,1987, Madrid, 1991 ,Rio, 1992 – Cúpula da Terra, Paris, 1991 – Ya Wananchi, Conferência Global de Organizações Não-Governamentais, Johanesburgo, 2002, e outras internacionais, apontam para inúmeras medidas ambientais urgentes a serem tomadas  e grandes preocupações, tanto dos países ricos como de países pobres, a respeito dos abusos, uso, comercialização, incorporações, da escassez e da grande devastação associada a poluição da água .

A Sustentabilidade é uma chave de justiça social da estabilidade do meio ambiente e da diversidade cultural. A  sustentabilidade e muito mais do que  um elemento econômico, quando falamos na função social da propriedade, atribuímos ao indivíduo o cuidado especial de preservar e manter na propriedade os recursos naturais nela existentes.

Diante destas preocupações ambientais quanto ao uso da água potável, discorremos sobre os novos direitos tutelados pela ordem jurídica brasileira, qual seja, a propriedade e a função social  que adquiriu os contornos sócio-ambientais, dando especial atenção a água.

I -  Função Social da Propriedade

Aristóteles escreveu: “O que é comum ao maior número de indivíduos constitui objeto de menor cuidado. O homem tem maiores cuidados com o que lhe é próprio e tende a negligenciar o que lhe é comum.”[3], foi o precursor da função social da propriedade, sendo posteriormente reforçado por Santo Thomás de Aquino e as Encíclicas Papais da Igreja Católica.

Orlando Gomes[4] “ a propriedade foi um dos direitos de cunho individualista mais promunciado. Considerando um dos direitos naturais do homem, consistia no poder de gozar, fruir e dispor das coisas de maneira absoluta.”

Radbruch,[5],”

A propriedade não tem apenas um lado positivo, o do gozo das coisas; tem também um lado negativo, o da exclusão de todos os demais desse gozo. Ora, sabido é que, na  sua forma, sociológica chamada “capital”, a propriedade, no seu aspecto negativo, exclui os outros não proprietários, não só da propriedade de certas coisas. Como da propriedade duma maneira geral.

A tragédia dos bens comuns pode igualmente exprimir-se sob uma outra forma: ela conduz não apenas a subtrações excessivas, a consumo cada vez maiores, mas ao esgotamento dos recursos naturais.[6]

II– Função Social da Propriedade na Legislação Brasileira.

Oliveira,[7]  ensina que, “ no curso do tempo, o Direito brasileiro, público e privado, acompanhou a evolução do instituto e, partindo da sua concepção individualista, progressivamente realizou e afirmou a função social da propriedade privada”

Cronologicamente das principais regras  que estabelecem a função social.

1916 – Código Civil brasileiro.

1934 – Constituição Federal ( art. 20,II)

1934 – Código das águas.

1937 – Constituição Federal( art. 36,b)

1946 – Constituição Federal ( art. 34, I)

1964 – Estatuto da Terra.

1965 - Código Florestal

1967 – Constituição Federal ( art. 4º, II)

1969 -  Emenda Constitucional nº 01/1969 ( art. 4º ,I)

1975 – Decreto 75.700 de 03 de maio de 1975 –estabelece área de proteção para fontes de água mineral.

1977. – Decreto nº 79.367 de 09 de março de 1977,  determina normas e o padrão de potabilidade de água.

1981 – Lei da política Nacional do meio Ambiente nº 6938

1986 – Resolução CONAMA – nº 20 de 18/06/1986.

1988 – Constituição Federal

1997 – Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos  nº 9.433 de 08/01/1997.

2000 – Lei 9.984/2000  Agência Nacional de Águas – ANA de 17/07/2000.

2002 – Código Civil – Lei 10.406 de 10/01/2002.

 

No Brasil a Constituição Federal Brasileira de 1934, difundiu a idéia , sendo definitivamente implantada com a Lei do Estatuto da Terra, em  1964,. no seu  artigo 2º : que estabelece:

“A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:

a) favorece o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela trabalham, assim como de suas famílias;

b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;

c)       assegura a conservação dos recursos naturais;

d)      observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e cultivam”.

O Código Florestal ( Lei 4.771/65), artigo 2º, estabelece:

“Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação naturais situadas: ....” Esta proteção dada a por este artigo da cobertura vegetal e florestas a margem dos rios, lagos , lagoas e nascentes, é essencial para o equilíbrio das águas e deve ser feita de maneira apropriada à região, considerando-se sua bacia hidrográfica, Tendo em vista  a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável.

A Constituição Federal de 1988, proclamou de maneira veemente o uso da propriedade  ao bem-estar social;

Art 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXII-  é garantido o direito de propriedade.

XXIII- a propriedade atenderá sua função social

Art 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:,

II-  propriedade privada;

III- função social da propriedade

VI- defesa do meio ambiente

Art. 182 (...)

§2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Reafirma a função social no capítulo da política agrícola e fundiária e à reforma agrária, como segue:

Art.186-A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos;

I – aproveitamento racional e adequado.

II- utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente..

Fachin,[8] _  “A doutrina da função social da propriedade corresponde a uma alteração conceitual do regime tradicional; não é, todavia, questão de essência, mas sim pertinente a uma parcela da propriedade que é a sua utilização”.

É complemento pela Lei da Política Agrícola, que em seu artigo 2º ..., dispôs que a atividade agrícola subordina-se a normas e princípios de interesse público, de forma que seja cumprida a função social e econômica da propriedade. E como objetivos da política agrária previu o da proteção ao meio ambiente com garantia de uso racional e de recuperação dos recursos naturais.

A Lei da Reforma Agrária, Lei nº  8.629, em seu art. 9º, parágrafo 2º e 3º, estabelece:

Parágrafo 2º - Considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade.

Parágrafo  3º – considera-se preservação do meio ambiente, das características próprias dos meio natural e qualidade de recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas”.

A Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei nº 9433/97, regulamentou o artigo 21, inciso XIX da Constituição Federal/1988, que representa um dos mais importantes instrumentos de preservação e proteção da água. Esta Lei tratou da água como um recurso natural limitado de valor econômico e de domínio público. Onde as diretrizes gerais são: gestão sistemática aliando qualidade e quantidade, diversificação regionais do país, integração da gestão hídrica com a gestão ambiental.

O Código Florestal – Lei 4.771/65, considerou várias áreas como de preservação permanente ( arts. 2º e 3º).

III – Função Social da Propriedade no Código Civil.

No Código Civil Brasileiro de 1916, que vigou até início de janeiro de 2002, afirmava a concepção individualista da propriedade. A propriedade era inviolável., dava ao seu proprietário o direito de dispor e gozar  como bem lhe conviesse.

O novo código civil em vigor desde 10 de janeiro de 2002,  contempla a  função ambiental como elemento marcante do direito de propriedade. Ao prescrever tal direito estabelece:

Art. 1.288, § 2º - “deve ser exercido em consonância com suas finalidades sociais e econômicas e de modo que sejam preservados a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

 

Quadro comparativo entre o Código Civil de 1916 e  2002.

Código Civil 1916

Propriedade cunho individualista,

Direito inviolável e absoluto,

Característica do direito moderno e Estado Liberal,

Primeira geração do direitos  individualista.

 

 

 

Código Civil 2002.

Propriedade de cunho civilizado e comedido,

Direito limitado dentro da proteção legal do meio ambiente.

A propriedade adquire a função social e ambiental

Segunda e terceira Geração de direitos – direitos sociais, difusos e coletivos respectivamente.

 

No atual ordenamento jurídico, a função social e ambiental não constitui um simples limite ao exercício de direito de propriedade, como na anterior restrição tradicional, na qual se permite ao proprietário, no exercício de seu direito, fazer tudo que não prejudique a coletividade e o meio ambiente, ela vai além, autoriza até que se imponha ao proprietário comportamentos positivos no exercício de seu direito, para que sua propriedade concretamente adeque-se à preservação do meio ambiente, a preservação dos recursos naturais.

A contemplação tutelada do direito de propriedade só é legitimado quando não ocorre mau uso da mesma. Ou seja, esse direito só é reconhecido quando cumprida a função social e ambiental da propriedade, como pressuposto e elemento integrante, sob pena de impedimento ao livre exercício e até a perda desse direito.

Exemplo. Um proprietário rural, se for suinocultor, deverá obter licenciamento ambiental e adequar as instalações das pocilgas as normas ambientais para evitar danos a propriedade, ao meio ambiente e logicamente a coletividade.

Um proprietário de área urbana não poderá locar sua área para a colocação de resíduos industriais de uma fábrica de tingimento de tecidos, por serem estes resíduos  carregados de chumbo e outros químicos que danificarão o solo e emitirão gases, prejudicando o meio ambiente que é bem comum de todos.[9]

Canotilho[10],

a idéia de um direito de propriedade absoluto e ilimitado, fruto das concepções político-econômicas do liberalismo, tem vindo a descaracterizar-se pela acentuação do fim social daquele direito, em paralelo com a evolução dos sistemas político-econômicos para formas mais solidárias de participação dos cidadões e das instituições.

IV - Da  Desapropriação da Propriedade por Interesse Social.

A Constituição Imperial de 1824, no art. 179, inc XXII, estabeleceu:

“XXII. É garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será ele previamente indenizado do valor dela. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta única excepção, e dará as regras para se determinar a indenização.”[11]

Primeiro exemplo de expropriação, ou seja, da intervenção na propriedade privada, o que na época já se prestava para fins da preservação ambiental

Hoje, a propriedade corre o risco de ser desapropriada com previsão legal no artigo 184 da Constituição Federal, que estabelece:

Compete a União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévio e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.”

A produtividade de uma propriedade é medida sob os critérios econômicos e produtivos, da utilização e eficiência . A desapropriação ocorre para fins sociais ou  ambientais através de Áreas de Preservação Permanentes, onde se encontram nascentes de água  importantes, fauna abundante ou sítios arquiológicos, onde se entende ser necessário a preservação da biodiversidade.

Citamos como exemplo de desapropriação da área de Preservação Permanente: Reserva do Taim no Rio grande do Sul e da Reserva Biológica do Poço das Antas no município de Silva Jardim, Rio de Janeiro, que é administrado pelo IBAMA.

Para Hely Lopes MEIRELLES,[12]

desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória da propriedade particular para o poder Público ou seus delegados, por utilidade ou necessidade pública , ou ainda, interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro ( CF , art. 5º,XXVIV)

V – Sustentabilidade  e Patrimônio Planetário.

A humanidade vive uma crise ambiental em suas sociedades marcada pela ingerência do homem no meio ambiente, desrespeitando os limites impostos pela natureza, visando a busca de um poder econômico e esquecendo do fator primordial de todos, a preservação das espécies e de um meio ambiente sustentável para as gerações presentes e futuras.

O homem está voltado para a uma visão antropocêntrica, onde o mesmo se considera ser supremo e senhor de tudo esquecendo-se de viver em harmonia com a  Natureza. Neste ponto de vista, a relação entre o Homem e a Natureza é uma forma de dominação de parte do primeiro.

Como afirma o autor Renato Nalini, “pode-se afirmar que a destruição do ambiente decorre de duas causas principais. Se uma delas é a cupidez – utilizar-se da natureza como se esta fora um supermercado gratuito -, a outra é a ignorância.”[13]

Portanto, o planeta Terra vive um momento de grandes transformações. A verdade é que seu equilíbrio ecológico está, de certa maneira, sendo rompido, acarretando graves conseqüências e perigos para a humanidade. Constata-se que existe, de certa maneira, uma variedade de fatores que se somam ao processo de desequilíbrio e perturbação do meio ambiente.

O progresso tem seu preço, mas quanto se deve pagar? Da forma como vem sendo explorado esta destruindo o meio ambiente, e com isso o planeta Terra e a Natureza, o que parece ser um preço muito alto.

Destarte a degradação ambiental surge do crescimento desordenado e da globalização da economia, originando uma crise de civilização que questiona a racionalidade dos sistemas sociais, os modos de produção, os valores e os conhecimentos que o sustenta.

Na concepção de Enrique Leff:

A Natureza se levanta de sua opressão e toma vida, revelando-se à produção de objetos mortos e à coesificação do mundo. A superexploração dos ecossistemas, que os processos produtivos mantinham sob silêncio, desencadeou uma força destrutiva que em seus efeitos sinérgicos e acumulativos gera as mudanças globais que ameaçam a estabilidade e sustentabilidade do planeta: a destruição da biodiversidade, a rarefação da camada estratosférica de ozônio, o aquecimento global. O impacto dessas mudanças ambientais na ordem ecológica e social do mundo ameaça a economia como um câncer generalizado e incontrolável, mais grave do que as crises cíclicas do capital.[14]

A questão ecológica não se esgota na necessidade de ofertar novas bases ecológicas aos processos produtivos, de inovar tecnologias para reciclar os resíduos contaminados, de incorporar normas ecológicas aos agentes econômicos, ou mesmo de valorizar o patrimônio de recursos, não só naturais, como também culturais, para que se possa chegar a um desenvolvimento sustentável em harmonia com a natureza. O desenvolvimento sustentável tenta buscar uma forma de conciliar o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente, além de buscar o fim da pobreza no mundo.

Como afirma Carlos Gomes de Carvalho:

Para atingir o desenvolvimento sustentável, e mais alta qualidade de vida para todos, os Estados devem reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e consumo e promover políticas demográficas adequadas. [15]

O desenvolvimento sustentável preocupa-se com uma melhor condição de vida para todos, mas claro, levando em consideração uma qualidade ambiental, o mesmo acredita na humanização do ser humano e não nas riquezas, as quais devem ser eliminadas, pois são elas que corrompem o ser humano, que acredita que o poder, o dinheiro, o progresso são as únicas coisas importantes em suas vidas, das quais não deve abrir mão, não se preocupando com os valores que deviam estar incrustados em seu ser, valores estes, de justiça, igualdade, fraternidade, preservação, entre outros.

Como manifesta Carlos Gomes de Carvalho, para se alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do meio ambiente deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente em relação a ele.[16]

A superação da crise ambiental sobrepuja modificações nas prioridades dos Estados, impõe mudanças individuais, uma vez que o ser humano é o principal agente das transformações ambientais e que as suas escolhas pessoais ou mesmo sociais e políticas continuam sendo, de certa maneira, trilhadas em um caminho  ecologicamente insustentável.

Segundo o autor Edward Wilson,

A riqueza do mundo, se medida pelo produto interno bruto e pelo consumo per capita, está aumentando. Entretanto, se calculada pelo estado da biosfera, está diminuindo. O estado da segunda economia, que poderia ser chamada de economia natural, em contraste com a primeira, a economia de mercado, pode ser medido pelo estado dos ecossistemas florestais, fluviais e marítimos. Extraído dos arquivos de dados do Banco Mundial e dos programas de Desenvolvimento e Ambiente das Nações Unidas, e condensado em um índice do Planeta Vivo, o resultado desta medida constitui uma importante alternativa para índices mais conhecidos, como o PIB e os índices das bolsas de valores. Entre 1970 e 1995, o índice, calculado pelo fundo Mundial pela Natureza, caiu 30%. No início da década de 1990, a taxa de queda havia aumentado para 3% ao ano. Tudo indica que a tendência irá se manter nos próximos anos.[17]

É importante a busca de uma visão mais realista no que se refere ao equilíbrio entre o crescimento do progresso e a humanidade, tornando-se de suma importância que se busque a conscientização e a tão desejada sobrevivência planetária.

Indo além, na ótica de Edward Wilson,

Hoje em dia, tornou-se necessária uma visão mais realista do progresso humano. Por toda parte, a superpopulação e o desenvolvimento desordenado estão destruindo os hábitats naturais e reduzindo a diversidade biológica. No mundo real, governado igualmente pela economia natural e pela economia de mercado, a humanidade está travando uma guerra feroz contra a natureza. Se continuar assim, obterá uma vitória de Pirro, na qual primeiro sofrerá a biosfera e depois a humanidade.[18]

Destarte, neste contexto, percebe-se o quão necessário se faz à preservação da biodiversidade natural e, a busca de um crescimento sustentado, onde a economia de mercado cresça, mas de forma ordenada, menos cruel e antagônica.

Assim, este momento, se mostra um momento de crise, não somente de cunho ecológico, mas de valores onde coincide também com o paradoxo de se buscar esperança na continuidade das espécies.

O despertar de uma nova consciência faz-se necessário, a ruptura de antigos paradigmas, buscando-se, desta forma, um consumo e um crescimento sustentado e ordenado.

Importante enfocar que o drama humano cresce a cada dia, com a ameaça da escassez da água no planeta, com ciclones, furacões, com a contaminação dos solos e lençóis freáticos, com a poluição industrial, enfim, com as diversas catástrofes naturais e as aceleradas pelo homem. Assim, neste contexto, busca-se uma nova ética de valores humanos, uma nova face para o poder e a busca de uma sustentabilidade para a relação de consumo humano com base na racionalidade.

Sob este ponto de vista, verifica-se o decréscimo do ser humano frente ao poder. O mesmo não se desvinculou do poder, não sabendo de que maneira lidar com o mesmo e, assim, cometendo grandes atrocidades em nome de um progresso e de uma relação de consumo baseada na satisfação pessoal sem a preocupação com o ente Natureza, ou seja, o homem age sem a verdadeira racionalidade buscando única e exclusivamente o poder.

É importante analisar que a natureza não deve ser observada somente sob o aspecto econômico e como um bem de consumo. A relação de consumo evoluiu no decorrer dos tempos, mas é importante que a mesma busca uma racionalidade para atingir a sustentabilidade, da qual, poderá haver futuras operações de consumos.

Na concepção de Enrique Leff,

O princípio de sustentabilidade surge no contexto da globalização como a marca de um limite e o sinal que reorienta o processo civilizatório da humanidade. A crise ambiental veio questionar a racionalidade e os paradigmas teóricos que impulsionaram e legitimaram o crescimento econômico, negando a natureza. A sustentabilidade ecológica aparece assim como um critério normativo para a reconstrução da ordem econômica, como uma condição para a sobrevivência humana e um suporte para chegar a um desenvolvimento duradouro, questionando as próprias bases da produção.[19]

Urge, perceber a verdadeira importância do equilíbrio entre o progresso, a relação de consumo com o meio ambiente, para a que as futuras gerações possam usufruir do mesmo, sendo que é um direito deles e um dever nosso de proporcionar um meio ambiente saudável.

Para Leff,

O discurso da sustentabilidade busca reconciliar os contrários da dialética do desenvolvimento: o meio ambiente e o crescimento econômico. Este mecanismo ideológico não significa apenas uma volta de parafuso a mais da racionalidade econômica, mas opera uma volta e um torcimento da razão; seu intuito não é internalizar as condições ecológicas da produção, mas proclamar o crescimento econômico como um processo sustentável, firmado nos mecanismos de livre mercado como meio eficaz de assegurar o equilíbrio ecológico e a igualdade social.[20]

Desta forma, percebe-se que o crescimento sustentado pressupõe que a economia em suas diversas faces busque um equilíbrio e uma estratégia para com o meio ambiente.

O desenvolvimento sustentável surge como uma idéia inovadora que pretende promover o equilíbrio e o bem-estar do ser humano com a preservação da natureza. Tem-se que impor limites ao progresso econômico e a relação de consumo, os recursos naturais devem ser considerados na sua integralidade, pois são de extrema importância para a preservação humana e dos seres mudos da natureza.

Como salienta José Renato Nalini, só existe economia, porque a ecologia lhe dá suporte. A ecologia permite o desenvolvimento da economia. A exaustão da primeira reverterá em desaparecimento da segunda. [21]

É importante que se valorize e se preserve a natureza se abandonando o consumismo exacerbado e buscando um crescimento sustentado na sua plenitude.

Assim, verifica-se, que os seres humanos e o meio ambiente estão em rota de colisão, pois essas atividades humanas, voltadas para a busca de um poder econômico vão se extinguir junto com a humanidade e, essas mesmas atividades provocam sérios e irreversíveis danos ao meio ambiente.

São necessárias mudanças fundamentais e urgentes. Se quer-se evitar a destruição é preciso uma educação ambiental para todos os cidadãos, iniciando–se no ensino fundamental, para conscientizar a sociedade que não está preocupada nessas questões. Também, é preciso um governo compromissado com a defesa ecológica e com o homem; um planejamento e fiscalização do uso dos recursos naturais; um controle rígido sobre a poluição industrial, como por exemplo, os despejo de dejetos nas águas, a poluição do ar, entre outros.

É necessária, também, a melhoria das condições de vida e de trabalho das populações menos favorecidas, dando-lhes condições de saúde, acesso à educação, nos três níveis de ensino, a cultura e ao lazer. Vê-se que a melhor forma de tratar essa questão é assegurar a participação de todos os cidadãos interessados, tanto em nível nacional como internacional, pois é preciso que haja integração entre os povos e nações.

Na opinião de Fernando Gabeira:

­Viver na Pré-História indica que o mais importante ainda está por vir e que os habitantes do futuro contemplarão com paciência nossos primeiros passos, nossas primeiras quedas. Resta desejar que tenham condições de contemplar alguma coisa no fim desse longo processo de luta pela sobrevivência planetária. [22]

Por fim, percebe-se que a natureza se levanta da opressão, mostrando ao ser humano sua inferioridade. A realidade é nítida numa sociedade voltada ao consumo, ao poder econômico, ao progresso.

O capitalismo, a globalização e a pós-modernidade trouxeram benefícios, mas também, um legado de destruição e uma seqüela de degradação ambiental muito grande no planeta.

Considerações Finais.

Neste século entramos na história, com um período de expansão tecnológica e científica amplo, com descobertas geniais, mas com o legado de um desequilibro ambiental que ameaça a continuidade da vida dos seres humanos no planeta Terra.

Percebe-se que o desenvolvimento econômico-social trouxe, além dos benefícios, a degradação ambiental e a seqüela de um subdesenvolvimento de várias nações.

 Em resposta a crise ambiental a sociedade deve buscar o envolvimento de todos os setores que a compõe, além de iniciar uma nova relação entre o homem e o meio ambiente que o cerca.

Devido à complexidade das questões ambientais, o desenvolvimento só é possível se haver equilíbrio nas relações entre as dimensões sociais, políticas, ecológicas, econômicas, espaciais e culturais.

É preciso que haja uma forte conscientização com a educação ambiental, desde os ensinos fundamentais até o superior. A educação é base de uma sociedade equilibrada e economicamente desenvolvida.

A superação da crise ambiental sobrepuja modificações nas prioridades dos Estados, impõe mudanças individuais, uma vez que o ser humano é o principal agente das transformações ambientais e que as suas escolhas pessoais ou mesmo sociais e políticas continuam sendo, de certa maneira, trilhadas em um caminho  ecologicamente insustentável.

A busca para o desenvolvimento sustentável exige uma habilidade para equilibrar a relação entre as dimensões. Também, deve-se começar a valorizar a economia dos recursos naturais e preservar as biodiversidades, a fauna, a flora, o ar, o solo...

Portanto, o desenvolvimento sustentável depende de políticas de governo comprometidas em conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental e a eqüidade social, procurando assim atender às necessidades das gerações atuais e futuras.

As novas estratégias do desenvolvimento devem buscar um planejamento regional e mundial, devendo pensar globalmente através de ações locais. Percebe-se que a ameaça ao meio ambiente não vem somente da tecnologia, mas das formas, das condições em que ela se cria e como a mesma é utilizada. Dessa maneira, o desenvolvimento sustentável depende de uma construção de novos paradigmas tanto pessoais, como governamentais e estruturais, de vontades políticas e de uma participação dos cidadãos.

Assim, o processo histórico do homem sobre a terra, ao longo do tempo,  foi demonstrado através do domínio, do poder, das invasões, escravidões e guerras , tudo em nome  do ter e do poder. A propriedade, os territórios, as nações fizeram e fazem parte esta conquista incessante.

As relações sociais, econômicas e jurídicas se firmaram através de normas, cuja  evolução exige a constante atualização destas  normas. Mas antes de cada norma existe o princípio. E no presente tema, os princípios são: princípio da responsabilidade, prevenção e precaução.

A legislação brasileira, evolui muito ao tutelar a função social da propriedade, pois esta função está voltada principalmente para a questão sócio/ambiental. O ordenamento jurídico se apresenta como um direito renovado, pois mesmo nos grandes empreendimentos que geram empregos e contribuem significativamente para a economia local, regional ou nacional, há uma maior cautela do poder público quanto aos licenciamentos ambientais.

Morin[23], “ um elo inseparável deve unir, doravante, duas finalidades aparentemente antagônicas. A primeira é a sobrevivência da humanidade; a segunda, é a procura da hominização.

“O amor à vida é uma regra”.[24] E a vida só será possível através da água.

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WWW.Greenpeace. consulta em 12/11/2005

Notas:

 

 

[3] Citado por M.Falque, Introduction in Ecologie et Liberté. P.5

[4] GOMES, Orlando.Introdução ao Direito Civil, 3 ed.Rio de Janeiro:Forense, 1975.p.445

[5] R RADBRUCH,Gustav.Filosofia do Direito, 6 ed.Trad.L.Cabral de Moncada.Coimbra:Armênio Amado.1979.p.276.

[6] OST, Fronçois, A natureza à margem da Lei, Instituto Piaget,Lisboa,1995,p.151

[7] OLIVEIRA, Fernando Andrade. Limitações Administrativas à Propriedade Privada Imobiliária. RJ, Forense, 1982, p.174

[8] FACHIN, Luiz Edson. A função Social da Posse e a Propriedade Contemporânea.Porto Alegre, Fabris, 1988,p 18.

[9] Os exemplos citados ocorreram  nos municípios de Nova Petrópolis e Caxias do Sul, e demonstram  que  as pessoas visam muito mais o lado econômico  sem a preocupação com o meio ambiente. A degradação atinge a todos de forma planetária. Daí a importância da observação e aplicação da lei.

[10] CANOTILHO, J.J.Gomes. Proteção do Ambiente e Direito de Propriedade. Coimbra: Goimbra Ed. 1995,p.10

[11] A transcrição do artigo foi literalmente como está previsto na Constituição de 1824.

[12] MEIRELLES Hely Lopes, Direito Administrativo, Malheiros, SP. 2001

[13] NALINI, José Renato. Poder Judiciário. In. . TRIGUEIRO, André (coord). Meio Ambiente no século 21. 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento, p.292

[14] LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade racionalidade, complexidade, poder. 2ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2002, p.56.

[15] CARVALHO, Carlos Gomes de. op.cit., p.80.

[16] CARVALHO, Carlos Gomes de. op.cit. (p.146)

[17] WILSON, Edward Osborne. O futuro da vida: um estudo da biosfera para a proteção de todas as espécies, inclusive a humana. Trad. Ronaldo Sérgio de Biasi. Rio de Janeiro: Campus, 2002.p. 63

[18] WILSON, Edward Osborne. Op. cit. p. 64

[19] LEFF, Enrique. Saber Ambiental. Rio de Janeiro: Vozes, 2004. p.15

[20] LEFF, Enrique. Op. cit. p.27

[21] NALINI, José Renato. Ètica Ambiental. Campinas: Millennium, 2001.p 143.

[22] GABEIRA, Fernando. Poder Legislativo. In. . TRIGUEIRO, André (coord). Meio Ambiente no século 21. 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento, p.285.

[23] MORIN, Edgar,Kern,Anne Brigite, Terra Pátria, 2. ed. Piaget, 2001, p.109

[24] PAVIANI, Jayme, Cultura, Humanismo &Globalização, EDUCS, 2005, p.60

 

 

 

Cleide Calgaro e Eliane Willrich Hoffmann

Cleide Calgaro: Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS); Mestranda em Direito Ambiental e Biodireito; Componente do Grupo de Pesquisa Metamorfose Jurídica na referida universidade;
Eliane Willrich Hoffmann: Professora de Direito e Legislação Imobiliária da UCS, Especialista em Direito Ambiental (FEEVALE) Mestranda de Direito Ambiental (UCS)