Resumo: O escopo do presente artigo é abordar a temática da proteção do meio ambiente com base no holismo ambiental para manutenção do equilíbrio ecológico e, consequente efetivação do art. 225, caput, da Constituição Brasileira de 1988.  Para tanto, há que se reconhecer que, tradicionalmente, o meio ambiente foi considerado a partir de uma perspectiva antropocêntrica-utilitarista, ou seja, a manutenção e a preservação se davam a fim de atender as necessidades humanas. Contudo, a partir de 1972, com a Declaração de Estocolmo, o meio ambiente passa a receber maior atenção, sobretudo no que toca à necessidade de preservação, com efeito de assegurar um habitat para o desenvolvimento não apenas da espécie humana, mas de todas as demais. Igualmente, ao se reconhecer a fundamentalidade do acesso ao meio ambiente e sua condição como direito humano típico de terceira dimensão, passa-se a fortalecer a premissa de preservação para as futuras gerações, inaugurando um paradigma de solidariedade intergeracional. Assim, o meio ambiente passa a receber proeminente atenção, notadamente na órbita internacional, com a realização de um sucedâneo de documentos em prol de sua preservação e manutenção. Neste sentido, o presente propugna uma reflexão, à luz do ordenamento jurídico nacional, sobre a acepção do termo meio ambiente como algo polissêmico e contrastante, alcançando uma diversidade de manifestações, cujo escopo maior é assegurar, mesmo na pluralidade de expressões, a concepção axiológica de meio ambiente ecologicamente equilibrado como princípio indissociável da dignidade da pessoa humana e do próprio direito à vida. Desta feita, paulatinamente, a ótica antropocêntrica-utilitarista do meio ambiente foi se enfraquecendo, cedendo espaço a uma perspectiva biocêntrica/ecocêntrica, na qual o meio ambiente passa a receber maior destaque e o ser humano passa a ser encarado como mais uma espécie componente deste meio.

Palavras-chave: Meio Ambiente. Holismo Ambiental. Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado. Biocêntrismo.

1 INTRODUÇÃO

Houve seguramente uma grande evolução com a passagem do crescimento econômico a qualquer custo para as formas de desenvolvimento menos agressivas ao meio. As estruturas políticas, sociais e econômicas tornaram-se insensíveis à degradação generalizada do mundo natural. (MILARÉ, 2013). Neste sentido, observa-se uma nítida relação existente entre meio ambiente, dignidade da pessoa humana e mínima existencial. Contudo, o sistema jurídico é uno e inter-relacionado, devendo ser interpretado de maneira indivisível, respeitados os princípios e a hierarquia das normas. Além do mais, em se tratando de Meio Ambiente, requer-se uma interpretação sistemática da Constituição. Assim, a Carta Constitucional de 1988 alargou significativamente o campo dos direitos e garantias individuais fundamentais, na construção de um Estado Democrático de Direito que se afirma através dos fundamentos e objetivos perseguidos pela nação.

Destarte, com o aprimoramento da concepção de meio ambiente e o desenvolvimento da visão holística, não apenas o meio biótico e os recursos naturais são protegidos, também os processos que ocorrem naturalmente no ambiente e dos quais resulta o equilíbrio ecológico, são tutelados. Assim, o presente estabelece uma reflexão sobre as diversas escolas do pensamento ambiental, bem como sua evolução para a construção de uma perspectiva crítico-reflexiva acerca da utilização do meio-ambiente e dos recursos naturais de maneira irracional e utilitaristas. Para tanto, o debate proposto coloca em xeque a imprescindibilidade da reconstrução do pensamento tradicional, explicitando a necessidade de uma visão mais arrojada e com molduras claramente advindas do ideário de solidariedade, sobremaneira em relação às futuras gerações.

Com a revelação da verdadeira crise ambiental, o Estado deve criar instrumentos jurídicos e institucionais com a competência de trazer a mínima segurança necessária para garantir a qualidade de vida sob a perspectiva ambiental. A crise ambiental vivida nos dias atuais, ilustrada pela desfloração e destruição sistemática das espécies animais, evidencia a crise de representação do ser humano com a natureza, ou seja, a crise de relação com a natureza. Destarte, deste modo, que a dignidade da pessoa humana não pode ser entendida apenas no indivíduo, deve ser percebida em uma dimensão coletiva em sentido geral. Como consequência, criam-se direitos que ultrapassam a barreira da esfera privada, passando aos interesses da maioria para o bem-estar social, pois a titularidade é indefinida ou indeterminável (LEITE AYALA, 2012). Desta maneira, Leite (2012) afirmam que o princípio da solidariedade surge como instrumento que obriga que referidos direitos devam ser garantidos às gerações futuras, assumindo a dimensão intergeracional.

Para tanto, o debate proposto coloca em xeque a imprescindibilidade da reconstrução do pensamento tradicional, explicitando a necessidade de uma visão mais arrojada e com molduras claramente advindas do ideário de solidariedade, sobremaneira em relação às futuras gerações.

2 DELIMITAÇÃO DA ACEPÇÃO "MEIO AMBIENTE" À LUZ DO DIREITO

Inicialmente, cuida destacar, que em decorrência do exaurimento dos recursos naturais e comprometimento do meio ambiente pelo desenvolvimento econômico irracional, o que se dá, de maneira pontual, a partir da segunda metade do século XX, verifica-se a paulatina modificação de paradigmas, na qual a proteção do meio ambiente fazia-se carecida, sobretudo para a preservação da espécie humana, o que é possível extrair, inclusive, das primeiras conferências internacionais sobre a temática. Perpetuava, porém, o ideário que o meio ambiente ainda era meio para o desenvolvimento do indivíduo. Logo, o discurso de proteção voltava sua preocupação para as futuras gerações que não teriam acesso ao meio ambiente e aos recursos naturais que a presente geração usufruía. Os movimentos internacionais clamavam pelo reconhecimento do direito ao meio ambiente como direito humano e indissociável da realização dos indivíduos, o que, inclusive, culminou no reconhecimento de tal direito em diversos ordenamentos jurídicos, a exemplo da fundamentalidade conferida pelo artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Contudo, a gênese da perspectiva de cooperação entre as nações foi consagrada na Conferência de São Francisco, realizada em junho de 1945, quando, cerca de 50 países, firmaram a Carta das Nações Unidas – ONU, conhecida como o “Documento 1” do Direito Internacional, na contemporaneidade. O marco na história da humanidade se deu aos objetivos da carta que era de manter a paz e especialmente “a cooperação internacional na solução de problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural o humanitário (...)” (ONU, 1945). Em amparo à Carta da ONU de 1945, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, adotou a convenção sobre relações Diplomáticas, haja vista que os tratados estabelecem uma relação de Estado a Estado e se aplicam (MILARÉ, 2013, p. 1529). O Brasil promulgou a Convenção de Viena através do Decreto Nº 61.078, de 26 de Julho de 1967 (BRASIL, 1967). Parcela considerável das normas internacionais hoje existentes teve origem na conclusão de tratados e convenções entre os Estados. No entanto, para Patrícia Iglecias:

[...] os problemas ambientais já vinham sendo discutidos desde a década de 1960, inclusive no meio científico. A partir deste momento, emergem diversos movimentos sociais que trazem críticas ao modelo de produção dominante, bem como aos modelos de comportamento vigentes e ao próprio modelo de vida, entre os quais é possível citar os movimentos feminista, negro, homossexual e o ecológico. (IGLECIAS, 2013, p.97)

Na seara ambiental em que se embasará a presente reflexão, apresenta-se de singular importância a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em 1972, em Estocolmo, na Suécia, apresentando as primeiras normas, em âmbito internacional, voltadas para o meio ambiente, deslocando o foco meramente econômico que antes vigorava para um eixo que revestiu o ambiente de fundamentalidade à vida e reconhecendo-o como direito inerente a pessoa humana. Nesta dicção, o equilíbrio ecológico foi idealizado na Conferência de 1972, consagrando a proteção ambiental em sete pontos distintos do preâmbulo, além de vinte e seis princípios referentes a comportamentos e responsabilidades destinados a nortear decisões relativas à questão ambiental, com o objetivo de “garantir um quadro de vida adequado e a perenidade dos recursos naturais” (PASSOS, 2006, p. 08).

Dentre os princípios e paradigmas advindos da Conferência de Estocolmo de 1972, é importante conferir especial ênfase ao princípio nº 1, maiormente quando verbaliza, com clareza ofuscante, que o meio ambiente é revestido de fundamentalidade para o desenvolvimento humano, sendo condição indissociável para a realização de uma série de outros direitos, a exemplo de liberdade, igualdade e condições de vida adequada. Para tanto, confira-se, in verbis, a redação do dispositivo supramencionado:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. (ONU, 1972).

A luz do expendido, a Constituição Federal de 1988, diante da importância do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto artigo 225, sendo fruto, como visto, da Declaração de Estocolmo de 1972, há o entendimento pela doutrina nacional, de que tal prerrogativa é um verdadeiro direito fundamental, mesmo que não esteja inserido no Capítulo dos Direitos Individuais (artigo 5º), nem dos Direitos Sociais (artigo 6º), visto que tal pensamento se faz, diante do fato da garantia da dignidade da pessoa humana e, por decorrência, de uma vida digna e saudável vincula-se à existência e manutenção de um meio ambiente saudável e equilibrado. Cabe salientar, ainda, os ensinamentos de Sarlet e Fensterseifer quando tratam desta relação específica, defendendo que:

Não se pode conceber a vida – com dignidade e saúde – sem um ambiente natural saudável e equilibrado. A vida e a saúde humanas (ou como refere o caput do art. 225 da CF88, conjugando tais valores, a sadia qualidade de vida) só estão asseguradas no âmbito de determinados padrões ecológicos. O ambiente está presente nas questões mais vitais e elementares da condição humana, além de ser essencial à sobrevivência do ser humano como espécie natural. (FENSTERSIFER; SARLET, 2013, p. 50)

A definição legal de meio ambiente não era realidade no âmbito jurídico brasileiro até a promulgação da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências, responsável por abrigar, em seu artigo 3º, inciso I, a definição legal de meio ambiente como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981). Com efeito, o mesmo diploma legal estabelece, ainda, na redação de seu artigo 2º, o meio ambiente como “um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo” (BRASIL, 1981). Em complemento às ponderações apresentadas até o momento, cuida destacar que, no entender de Machado (2013), a referida lei definiu o meio ambiente da forma ampla, fazendo, compreender que atinge tudo aquilo que lhe permite a vida.

Adentrando-se no conceito, destaca-se o professor Paulo Affonso Leme Machado (2013, p.63) que assevera que a definição legal é ampla, pois atinge tudo aquilo que permite a vida, que a abriga e rege. E igualmente compartilhando do entendimento acerca da amplitude da definição legal, o professor Celso Fiorillo acrescenta que a intenção do legislador foi de criar um conceito jurídico indeterminado facultando a existência de um espaço positivo de incidência de norma. (FIORILLO, 2010, p.70) Ademais, prima reconhecer que o conceito de meio ambiente foi, claramente, recepcionado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Neste sentido, o Constituinte Originário estabeleceu, na redação do artigo 225, a tutela ao bem jurídico ambiental, cujo objetivo é uma “sadia qualidade de vida”, para todos, presente e futuras gerações (solidariedade transgeracional). Sob esse contexto, entende José Afonso da Silva (2011) que, diante da deficiência do legislador em criar a norma prevista no art. 3º, inciso I, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, não se preocupou em estabelecer os marcos limítrofes do bem jurídico.

Entrementes, com o advento de uma nova realidade jurídica pela Constituição Federal de 1988, possibilitou-se outra definição, ou seja, uma tutela jurisdicional considerada mais ampla e mais abrangente. Neste sentido, meio ambiente é definido como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas” (SILVA, 2011, p. 20).  Além disso, reconhece-se que o meio ambiente foi alçado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações, reconhecendo, de maneira cristalina, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como típico direito de terceira dimensão, ou seja, direito recoberto pelo manto da solidariedade, ultrapassando a conotação individualista e passando a conceber o gênero humano (coletividade) como destinatário. Disso decorre o entender de José Afonso da Silva (2011) em que é encarado como patrimônio, cuja preservação, recuperação ou revitalização se tornaram um imperativo do Poder Publico, sendo assim, compromete-se a uma boa qualidade de vida.

3 PRINCÍPIO DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

O Direito Ambiental brasileiro possui instrumentos idôneos para salvaguardar o meio ambiente e, consequentemente, o direito à vida humana, espalhados por diversas normas legais, com previsão tanto nas órbitas federal, quanto estadual e municipal. Portanto, para a melhor análise do direito ao meio ambiente, se faz necessário o estudo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e, das mais importantes leis infraconstitucionais de caráter nacional sobre o tema. E, mesmo com a pluralidade de artigos previstos em nossa Constituição Federal de1988, ainda assim, o mais importante preceito de proteção ao meio ambiente, orientador da ordem econômica e social, base para a elaboração legislativa, encontra-se inserido no artigo 225, caput, da constituição fereral (conhecido na doutrina por consubstanciar o princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado), que preceitua da seguinte forma:

“Art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (BRASIL, 1988)

O principio do meio ambiente ecologicamente equilibrado, desta feita, se procria ao entendimento de outro preceito presente no Direito Ambiental e de suma importância em nosso ordenamento jurídico, qual seja, o da intervenção estatal obrigatória na proteção do meio ambiente, sendo, pois, decorrência da natureza indisponível deste bem. Assim, deve o Poder Público atuar na defesa do meio ambiente, tanto no âmbito administrativo, quanto nos âmbitos legislativo e jurisdicional, adotando políticas públicas e os programas de ação necessários para cumprir esse dever imposto constitucionalmente.

Porém, não há exclusividade na defesa do meio ambiente por parte do Ente Estatal, pois que, ainda, o artigo 225 da Constituição Federal de 1988, deriva outro preceito ambiental fundamental, qual seja, o princípio da participação democrática, determinando-se uma soma de esforços entre a sociedade e o Estado, com o fim de preservação do meio ambiente para a presente como para as gerações que estão por vir, podendo tal colaboração social se dar de várias formas, dentre as quais, previstas constitucionalmente, por exemplo, a iniciativa popular nos procedimentos legislativos (art. 61, caput e § 2º); nas hipóteses de realização de plebiscito (art. 14, inciso I); e por intermédio do Poder Judiciário, com a utilização de instrumentos processuais que permitam a obtenção da prestação jurisdicional na área ambiental, se valendo de remédios constitucionais, tais como a ação popular (art. 5º, LXXIII), o mandado de segurança individual ou coletivo (art. 5º, LXIX e LXX), ou através de uma ação ordinária de conhecimento, com o fim de se fazer cessar, anular ou reparar danos provocados ao meio ambiente que tenha como autor o particular ou o próprio Ente Estatal, ou ambos, ao mesmo tempo. (ALVES JUNIOR, 2012, s.p)

Ora, nesta senda de exposição, cuida reconhecer uma boa qualidade de vida engloba todas as condições de bem-estar do homem, sejam elas condições de trabalho, educação ou saúde (SILVA, 2011). Além disso, em harmonia com a dicção apresentada pela redação do artigo 225 da Constituição Federal, a salvaguarda do meio ambiente não encontra rigidez restrita ao território nacional, indo além e passando, em decorrência do aspecto de solidariedade que passa a emoldura-lo, como direito de toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso de Mello, ao apreciar a paradigmática Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que:

A preocupação com o meio ambiente - que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras [...] tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade (BRASIL, 2011).

 

A redação do caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, de maneira ofuscante, empregou o termo “todos”, fazendo, assim, menção aos indivíduos da presente geração e ainda aqueles que estão por nascer, cabendo aos presentes zelar para que os futuros tenham à sua disposição, no mínimo, os recursos naturais que hoje existem (RANGEL, 2014). Nesta perspectiva, é interessante destacar a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, representa um importante marco legislativo na promoção da salvaguarda e da defesa do meio ambiente da ação predatória e destrutiva da pessoa natural e da pessoa jurídica. Cuida, ainda, salientar que a legislação em comento introduziu substancial avanço no ordenamento jurídico, afixando penalidades em três esferas distintas de responsabilização, a saber: administrativa, civil e penal, conforme preconiza expressamente o artigo 3º, tanto para a autoria como para coautoria em condutas lesivas ao meio ambiente, passando a comportar a responsabilidade não apenas de pessoas naturais, mas também de pessoas jurídicas.

4 O PRINCÍPIO DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO COMO PARADIGMA DE PROMOÇÃO DO HOLISMO AMBIENTAL

Os princípios da fraternidade e da solidariedade e o caput do artigo 225 da Constituição fazem alusão ao meio ambiente equilibrado, pois todos têm o direito de usufruir os recursos naturais atualmente e o dever de preservá-los para as futuras gerações, sendo alçada como condição indispensável à sadia qualidade de vida. Em sentido mais ampliado, Fiorillo (2012) coloca em destaque que não há como pensar no meio ambiente dissociado dos demais aspectos da sociedade, de modo que ele exige uma atuação globalizada e solidária, até mesmo porque fenômenos como a poluição e a degradação ambiental não encontram fronteiras e não esbarram em limites territoriais. A mesma linha adotada de atuação do princípio da solidariedade é seguida pelo Supremo Tribunal Federal, em especial quando se extrai o entendimento plasmado na Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540, de relatoria do Ministro Celso de Mello:

Ementa: Meio Ambiente – Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225) – Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade – Direito de Terceira Geração (ou de Novíssima Dimensão) que consagra o postulado da solidariedade – Necessidade de impedir que a transgressão a esse direito faça irromper no seio da coletividade, conflitos intergeracionais – Espaços territoriais especialmente protegidos (CF, art. 225, §1º, III) - Alteração e supressão do regime jurídico a eles pertinente - Medidas sujeitas ao princípio constitucional da reserva de lei – [omissis] Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. [omissis] (BRASIL, 2005).

 

Ainda nessa circunstância, em uma temática mais relativa ao meio ambiente sustentável, Paulo Affonso Leme Machado explica que:

 

O meio ambiente é um bem coletivo de desfrute individual e geral ao mesmo tempo. O direito ao meio ambiente é de cada pessoa, mas não só dela, sendo ao mesmo tempo “transindividual”. Por isso, o direito ao meio ambiente entra na categoria de interesse difuso, não se esgotando numa só pessoa, mas se espraiando para uma coletividade indeterminada. Enquadra-se o direito ao meio ambiente na “problemática dos novos direitos, sobretudo a sua característica de “direito de maior dimensão”, que contém seja uma dimensão subjetiva como coletiva, que tem relação com um conjunto de atividades. (MACHADO, 2013, p. 151).

A ampliação e transformação dos direitos fundamentais no decorrer da história impossibilitaram definir-lhe um conceito preciso. Haja vista que, os direitos fundamentais estão vinculados às garantias dimensionais de igualdade, liberdade e fraternidade em observância a uma ordem constitucional com estruturas basilares fundadas na dignidade humana. Seguindo nesta seara, Afonso da Silva (2004) assevera que no sentido qualificativo do termo direito fundamental do homem, a palavra ‘fundamental’ traduz aquela circunstância essencial ao indivíduo, ou seja, imprescindível para sua existência; e quando se atribui esse direito ao ‘homem’ é no sentido de que todos igualmente devem ser materialmente efetivados nessa garantia. (SILVA, 2004, p. 66) Outrossim, aliado ao conceito qualificativo do eminente Afonso da Silva, é imperioso apontar a definição do professor Gomes Canotilho que afirma serem direitos intrínsecos do homem e “se encontram jurídica e institucionalmente garantidos, limitados por um espaço de tempo determinados, são, portanto, direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.” (CANOTILHO, 1998, p. 359)

Compreende-se, portanto, em sede da visão holística, os direitos da terceira dimensão são denominados usualmente como direitos de solidariedade ou fraternidade, de modo especial em face de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e por exigirem esforços e responsabilidade em escala até mesmo mundial para sua consolidação. Sendo assim, não resta dúvida da configuração do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental de terceira geração, norteado pela solidariedade, que faz consuma a responsabilidade compartilhada por toda humanidade, que assumem a titularidade de um interesse comum de preservação e defesa da vida. Nesta perspectiva, o diálogo constante entre a necessidade de manutenção do meio ambiente e a dignidade da pessoa humana, enquanto diretriz constitucional amplificada faz emergir uma nova dimensão deste princípio jurídico: a dimensão ecológica da dignidade humana. Esta nova dimensão, nas palavras de Sarlet e Fensterseifer:

Objetiva ampliar o conteúdo da dignidade da pessoa humana no sentido de assegurar um padrão de qualidade e segurança ambiental mais amplo (e não apenas no sentido da garantia da existência ou sobrevivência biológica), mesmo que muitas vezes esteja em causa em questões ecológicas a própria existência natural da espécie humana, para além mesmo da garantia de um nível de vida com qualidade ambiental. (SARLET; FENSTERSIFER, 2013, p. 50)

 

Desta feita, é primordial ressaltar que a necessidade de se assegurar um ambiente ecologicamente equilibrado, objetivo desta nova dimensão, passa por um constante diálogo com outras dimensões do aludido princípio constitucional. O holismo refere-se à percepção ou conhecimento que integra partes ou componentes em um todo abrangente e compreensivo, a partir da constatação de que há uma integração entre eles e não apenas uma mera justaposição dos componentes de um todo. (MILARÉ, 2005, p.1082) Desta feita, decorre a característica do dinamismo desse equilíbrio. Destarte, com o aprimoramento da concepção de meio ambiente e o desenvolvimento da visão holística, não apenas o meio biótico e os recursos naturais são protegidos, também os processos que ocorrem naturalmente no ambiente e dos quais resulta o equilíbrio ecológico, são tutelados. Conseguinte, é oportuno salientar que o equilíbrio ambiental não pode considerar e privilegiar somente o homem, tendo que alcançar as formas de vida como um todo. Isso ocorre, pois só haverá equilíbrio ambiental se toda a cadeia de vida existente for respeitada e protegida (GOMES, 2006, p.21).

Logo, em harmonia com o expendido ate o momento, asseveram Chacon e Cruz (2005, p.195) que o direito a proteção do meio ambiente está relacionada ao principio da igualdade inter e intrageracional, uma vez que, as gerações futuras dependem do atual uso dos recursos naturais existentes. Os recursos ambientais e o equilíbrio ecológico devem ser garantidos às futuras gerações. Assim, a preservação e sustentabilidade do uso racional dos recursos naturais devem ser encaradas de modo a assegurar um padrão constante de melhoria da qualidade de vida dos seres humanos que, necessitam da utilização desses recursos para garantir sua própria vida (ANTUNES, 2013, p.19), inclusive para garantia da perpetuação da espécie no planeta, afinal, as gerações futuras sofrerão as consequências das atitudes das gerações atuais.

Hodiernamente, surgiram novas tendências de se conceituar o Estado Democrático de Direito como um Estado de Direito Ambiental, cuja justificativa seria a existência de direitos fundamentais específicos que caracterizam esta nova ordem. Sendo assim, Leite e Ferreira conceituam o Estado de Direito Ambiental como uma ordem constitucional que:

[...] atende à necessidade de reformulação dos pilares de sustentação do Estado, o que pressupõe a adoção de um novo modelo de desenvolvimento capaz de considerar as gerações futuras e o estabelecimento de uma política baseada no uso sustentável dos recursos naturais. (LEITE; FERREIRA, 2010, p. 12.)

 

O Estado de Direito Ambiental, em tal cenário, é valorado como teoria e ganha relevância por visar rever o que já está formulado e disposto, inovando, então, através do pensamento reformador de melhores ajustes do que já está estabelecido (FERREIRA, 2010). O Estado de Direito Ambiental, portanto, é visto, em uma primeira oportunidade, como uma construção teórica. A despeito desse fato, a relevância do paradigma proposto deve ser observada para uma melhor compreensão das novas exigências impostas pela sociedade moderna, especialmente quando se considera o constante agravamento da crise ambiental. O Estado de Direito Ambiental, portanto, tem valor como construção teórica e mérito como proposta de exploração de outras possibilidades que se apartam da realidade para compor novas combinações daquilo que existe. (LEITE, 2011, p. 169). Diante do expendido, é indubitável que o Direito deve tutelar a natureza com eficácia, inclusive é sabido que a sua preservação e o equilíbrio do ecossistema são essenciais tanto para garantir a qualidade de vida humana quanto à própria continuação do planeta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreende-se, portanto, hodiernamente ao se assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, está sendo protegido, também, o direito individual à vida e à dignidade humana. Ainda, pode-se concluir deste entendimento acima citado, que ao se assegurar esse direito, logo se estará garantindo a promoção dos demais direitos civis e econômico-sociais também (como, por exemplo, o direito à saúde), advindo daí o entendimento de nossa doutrina que o direito ao meio ambiente sadio é ao mesmo tempo um direito individual e social. (ALVES JUNIOR, 2013, s.p)

O direito ao ambiente ecologicamente equilibrado pode ser encarado sob diversas perspectivas de análise, haja vista a diversidade de maneiras atuação que são necessárias para resguardar este direito. Uma abordagem exclusivamente regulatória deixaria de levar em conta os aspectos institucionais que envolvem a consecução desse direito. Também não apreciaria a necessidades de uma adequação dos aspectos procedimentais para uma melhor aplicação desse direito e as possibilidades de prestações positivas. A Constituição Federal de 1988 inseriu no direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado os pressupostos aludidos por Canotilho (2004) como imprescindíveis à edificação de um modelo estatal voltado ao meio ambiente, assim, a Lei Maior formalizou a aproximação jurídica entre o Estado de Direito Brasileiro e a abordagem ambiental necessária à sociedade de risco.

Percebe-se, portanto, que o Estado de Direito Ambiental é o fruto de novas reivindicações fundamentais da sociedade como um todo, mas seu ponto crucial é, dentro do contexto de crise ambiente, a ênfase que confere à proteção do meio ambiente. O Estado de Direito Ambiental está baseado e estruturado, fundamentalmente, em princípios constitucionais. Ainda, a proteção do meio ambiente não pode ser vista apenas como dever do Estado. De fato, se trata de uma responsabilidade comum que se concretiza por meio da dissolução de obrigações entre entidades públicas e sociedade civil, fruto de uma visão holística a cerca da imprescindibilidade do equilíbrio ambiental.

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[1] Artigo vinculado ao Projeto de Iniciação Científica intitulado "Os influxos de Pacha Mama Andina para a formação de um Estado Socioambiental de Direito Brasileiro: uma análise das influências do neoconstituiconalismo latino-americano no Supremo Tribunal Brasileiro, no período de 2005-2015”.

Data da conclusão/última revisão: 2017-04-03

 

Como citar o texto:

RANGEL, Tauã Lima Verdan; SILVA, Daniel Moreira da..O princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado como paradigma de promoção do holismo ambiental. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1474. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-ambiental/3729/o-principio-meio-ambiente-ecologicamente-equilibrado-como-paradigma-promocao-holismo-ambiental. Acesso em 4 out. 2017.

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