Resumo: Este trabalho tem como objetivo apresentar o novo paradigma da regularização fundiária. Contextualiza a questão do déficit habitacional urbano com a necessidade da regularização fundiária. Apresenta a importância da Nova Agenda Urbana do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos como balizador das políticas públicas inerentes à moradia, habitação, desenvolvimento sustentável, entre outros. Indica os principais pontos do novo paradigma da regularização fundiária, bem como as principais críticas. A metodologia utilizada para a produção do trabalho foi o dedutivo através de pesquisa bibliográfica e documental, baseada na legislação brasileira e internacional, livros de doutrina jurídica nacionais, artigos científicos, notícias em sítios especializados, bem como livros de outras áreas do conhecimento em razão da complexidade do tema.
Palavras-chave: Direito à Moradia; Regularização Fundiária Urbana; Legitimação de Posse; Legitimação Fundiária.
Abstract: This paper aims to present the new paradigm of land regularization. It contextualizes the urban housing deficit with the need for land regularization. It presents the importance of the New Urban Agenda of the United Nations Program for Human Settlements as a means of public policies inherent to housing, housing, sustainable development, among others. It indicates the main points of the new paradigm of land regularization, as well as the main criticisms. The methodology used for the production of the work was the deductive through bibliographic and documentary research, based on Brazilian and international legislation, national legal doctrine books, scientific articles, news in specialized sites, as well as books of other areas of knowledge due to the complexity of the theme.
Keywords: Right to Housing; Urban Land Regularization; Legitimation of Tenure; Land Legitimization.
INTRODUÇÃO
A proposta deste trabalho é indicar os pontos relevantes do novo paradigma da regularização fundiária urbana, seus objetivos, bem como apontar críticas feitas à esta inovação legislativa. Em verdade, tal inovação tem conexão direta com um problema antigo da sociedade brasileira: o déficit habitacional. Neste sentido, a nova regularização fundiária se apresenta como elemento mitigador do entrave da questão fundiária ao mesmo tempo que se propõe, também, a ser impulsionador econômico do país.
Conforme o estudo realizado pelo Centro de Estatística e Informações da Fundação João Pinheiro, em 2013, o déficit habitacional urbano era de 5,010 milhões de unidades, representando 85,7% do déficit habitacional total. No ano seguinte, o percentual em relação ao total do déficit habitacional aumentou para 87,6% (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2016).
Neste estudo se constatou que cerca de 50% dos domicílios inadequados em termos fundiários concentram-se nas famílias com faixa de renda de até três salários mínimos, sendo que a maior parte se concentra nas regiões metropolitanas (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2016).
O desejo do indivíduo de estabelecer o lugar ao qual se vincula é primordial ao exercício dos direitos. Sem isso, poderia impossibilitar a execução dos seus atos da vida civil, como por exemplo, a simples a aquisição de um bem ou o reconhecimento de seu endereço para defender-se, em uma eventual citação de uma ação judicial (SOUZA, 2004).
O conceito de moradia e habitação são próximos, mas se distinguem em função do tempo em que o indivíduo tem ou não ânimo de permanecer. Na habitação, o seu exercício ocorre de forma temporal, acidental, ou seja, tem o ânimo de permanecer de forma provisória, temporária. No caso da moradia, é uma qualificação legal reconhecida como direito essencial referente à pessoa humana (SOUZA, 2004).
Nesta esteira, o novo paradigma da regularização fundiária se fundamenta no modelo de abordagem econômicaapregoado por De Soto (2001). O economista afirma que os países são pobres porque vivem na economia informal. Acredita que isto decorre da incapacidade dos países vislumbrarem a própria riqueza, ficando sempre fora das estatísticas oficiais e, consequentemente, fora de boa parte das políticas públicas (COUTINHO, 2010).
Sendo assim, De Soto (2001) aponta como solução para o problema econômico de países subdesenvolvidos aliado ao problema do déficit habitacional a incorporação dos costumes e práticas vigentes, isto é, regularizar o que está informal (COUTINHO, 2010).
Este é exatamente o ponto contato entre o Projeto de Lei de Conversão (PLV) nº 12/2017 que culminou na Lei nº 13.465/2017 e os ideias de Hernando de Soto. Senão, vejamos parte da Exposição de Motivos da PL 12/2017, antiga MP 759/2016:
“É que o reconhecimento, pelo Poder Público, dos direitos reais titularizados por aqueles que informalmente ocupam imóveis urbanos, permite que estes imóveis sirvam de base para investimento do capital produtivo brasileiro, à medida que poderão ser oferecidos em garantia de operações financeiras, reduzindo custos de crédito, por exemplo”.
1 A NOVA AGENDA URBANA – HABITAT III
Nos dias 17 a 20 de outubro de 2016 foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável – Habitat III em Quito, Equador, para adotar uma Nova Agenda Urbana (Declaração de Quito Sobre Cidades Sustentáveis e Assentamentos Urbanos para Todos) que, segundo o diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos – denominado comoONU-Habitat, Joan Clos, deve ser considerado como parte integrante da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2016a).
A implementação desta agenda deverá ocorrer pelos próximos 20 anos, da mesma forma que as anteriores. Em 1976, houve a Conferência Habitat I, em Vancouver, Canadá, "quando os governos começaram a reconhecer a necessidade de assentamentos humanos sustentáveis e as consequências da rápida urbanização, especialmente nos países em desenvolvimento"(DIÁLOGOS FEDERATIVOS).
Em 1996, ocorreu o Habitat II, em Istambul, Turquia. "Os líderes mundiais adotaram a Agenda HABITAT II como um Plano de Ação Global para Abrigos Adequados para Todos, com a noção de assentamentos humanos sustentáveis, para levar desenvolvimento a um mundo urbanizado” (DIÁLOGOS FEDERATIVOS).
Na supracitada Conferência, o conceito de moradia interpretado como direito humano foi tema central do debate à época. Cunhou-se, de forma clara, o conceito de moradia adequada sendo intrinsecamente relacionada privacidade, segurança, bem como segurança de posse, infraestrutura entre outros (SOUZA, 2004).
A despeito das diversas legislações no âmbito interno, bem como normas aplicáveis do plano internacional, importante ressaltar que o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) e a Lei do Programa Minha Casa Minha Vida (Lei 11.977/2009) pretendeu colmatar as diretrizes da Habitat II, na medida do possível.
De acordo com o Relatório Brasileiro para o Habitat III, nas últimas duas décadas o Brasil avançou em relação ao seu arcabouço jurídico para a regularização fundiária urbana dos assentamentos informais da população de baixa renda.
O princípio da função social da propriedade urbana se consagrou, o direito à moradia, ao planejamento e à regularização fundiária foram introduzidos. Nesta esteira, o direito à cidade tornou-se a guia de todo processo de discussão de políticas públicas.
O direito à cidade, bem como o direito à moradia, deve ser considerado como direito humano, logo são direitos fundamentais, pois expressam condição essencial para se alcançar cidades justas, humanas e democráticas e sustentáveis, que consigam reverter o quadro de desigualdade social destes assentamentos urbanos (SAULE JÚNIOR, 2005).
O Habitat III, na mesma linha das Conferências anteriores, reafirma a vontade de concretizar o desenvolvimento sustentável de maneira integrada e coordenada em todos os níveis, com participação democrática de todos os atores relevantes. Sendo assim, a prática da Nova Agenda Urbana pretende "tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis" (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2016).
2 O NOVO PARADIGMA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA
A definição de regularização fundiária é um conceito amplo e aberto pois engloba todos os instrumentos hábeis que possibilitam o ajuste, a conformação de um empreendimento imobiliário ao regramento vigente. Atualmente, a definição da regularização fundiária é mais do que estava disposto na Lei nº 11.977/2009 e agora da Lei nº 13.465/2017. Tem que se referir ao cumprimento e à observância dos meios ordinários (não judiciais) de se atingir a segurança jurídica (formalidade legal) de uma unidade habitacional, loteamento, incorporação, etc (PAIVA, 2017).
2.1 Breve Histórico da Lei Nº 13.465/2017
No dia 22 de dezembro de 2016, o Presidente da República adotou a Medida Provisória n° 759 que dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal, institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União, e dá outras providências.
No dia 26 de dezembro, o texto da Medida Provisória n° 759 foi encaminhado ao Congresso Nacional que tem como prerrogativa examinar previamente a medida provisória através da Comissão Mista de Deputados e Senadores.
A composição da Comissão Mista foi constituída em 06 de fevereiro de 2017 com objetivo de emitir parecer sobre a matéria acerca dos pressupostos de constitucionalidade, urgência, relevância e adequação financeira, nos termos da Resolução n° 1, de 2002 do Congresso Nacional.
Encerrado o prazo regimental, em 07 de fevereiro de 2017, foram apresentadas 732 (setecentos e trinta e duas) emendas à Medida Provisória pelos parlamentares.
Foi prorrogado por sessenta dias o prazo de vigência da Medida Provisória pelo Ato do Presidente da Mesa do Congresso Nacional nº 10, de 2017, publicado no Diário Oficial da União de 21/3/2017, nos termos do art. 10, § 1º da Resolução nº 1/2002 do Congresso Nacional.
O Senador Romero Jucá foi designado para a Relatoria da Comissão Mista, em 22 de março de 2017.
A Comissão Mista da Medida Provisória n° 759 promoveu 04 (quatro) audiências públicas interativas, respectivamente, nos dias 05, 05, 11 e 12 de abril de 2017, com representantes de diversos órgãos do governo federal, bem como associações, movimentos sociais, entidades de classe, entre outros interessados na questão fundiária no país.
Ademais, no dia 25 de abril, o Relator da Comissão Mista, o Senador Romero Jucá apresentou relatório, que é complementado diversas vezes. Após sucessivas votações, no dia 03 de maio de 2017, o relatório final foi aprovado e passou a constituir o Parecer da Comissão, ou seja, a Comissão Mista decidiu pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa da medida provisória, bem como pelo atendimento dos pressupostos de relevância e urgência e pela sua adequação financeira e orçamentária.
Assim, a Medida Provisória n° 759 foi aprovada, convertendo-se em Projeto de Lei de Conversão (PLV), sendo enviado, pela Casa onde houver sido concluída a votação, à sanção do Presidente da República.
No dia 20 de junho de 2017, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, concedeu liminar ao mandado de segurança impetrado por um partido político que suspendeu os efeitos da aprovação da referida medida provisória em razão de 08 (oito) emendas apresentadas ao projeto no Senado.
Dessa forma, como não teriam ocorrido meras alterações de redação das referidas emendas ao projeto de lei, é necessário o retorno do projeto à Casa iniciadora, no caso, a Câmara dos Deputados para deliberação acerca das emendas.
A Câmara dos Deputados aprovou no dia 28 de junho as 08 (oito) emendas da Medida Provisória n° 759/2016. Por fim, no dia 11 de julho de 2017, houve a sanção presidencial, convertendo-se na Lei nº 13.465/2017 sobre regularização fundiária.
2.2 Aspectos Gerais
A Reurb pretende aumentar o rol das práticas conduzidas pelo Governo Federal que tem como escopo garantir moradia de forma adequada, ou seja, assegurar condições mínimas para que permita aos cidadãos viver com dignidade e segurança.
Esta nova regularização fundiária urbana transcende os elementos jurídico referentes à titulação. Assim, trata-se além da segurança jurídica dos cidadãos que possuem imóveis públicos ou privados que querem regularizá-los.
Abrange os demais aspectos correlatos à uma moradia adequada como medidas de urbanização, ambientais e sociais. Com isso, busca-se a efetiva regularização dos núcleos urbanos informais.
No entender do Governo Federal, depois de identificados os núcleos informais pelo Poder Público e concluída a REURB, os núcleos urbanos que até então eram informais são juridicamente reconhecidos tornando-se, dessa maneira, aptos a receberem investimentos públicos voltados à promoção da função social das cidades.
Ainda, o Governo Federal aponta que o reconhecimento formal pelo Poder Público, ou seja, a regularização fundiária urbana das ocupações clandestinas e irregulares identificadas é um dos principais pontos-chaves da questão urbana no Brasil que necessitavam de incremento pelo Poder Público. Os demais pontos-chaves seriam o problema do déficit habitacional quantitativo albergado pelo Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV, disposto pela Lei nº 11.977/2009, e o problema do déficit habitacional qualitativo, alcançados pelo recente Programa Cartão Reforma, regulado pela Lei nº 13.439, de 27 de abril de 2017.
É necessário levar consideração os conceitos utilizados pela própria legislação para compreender o novo paradigma da regularização fundiária urbana – Reurb com mínimo de dúvidas. Segue abaixo alguns conceitos, nos termos do art. 11 da Lei nº 13.465/2017:
“I – núcleo urbano: assentamento humano, com uso e características urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972, independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área qualificada ou inscrita como rural;
II – núcleo urbano informal: aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização;
III – núcleo urbano informal consolidado: aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município;
IV – demarcação urbanística: procedimento destinado a identificar os imóveis públicos e privados abrangidos pelo núcleo urbano informal e a obter a anuência dos respectivos titulares de direitos inscritos na matrícula dos imóveis ocupados, com o fim de realizar a averbação na matrícula destes imóveis da viabilidade da regularização fundiária, a ser promovida a critério do Município;
V – Certidão de Regularização Fundiária (CRF): documento expedido pelo Município ao final do procedimento da Reurb, constituído do projeto de regularização fundiária aprovado, do termo de compromisso relativo a sua execução e, no caso da legitimação fundiária e da legitimação de posse, da listagem dos ocupantes do núcleo urbano informal regularizado, da devida qualificação destes e dos direitos reais que lhes foram conferidos;
VI – legitimação de posse: ato do poder público destinado a conferir título conversível em aquisição de direito real de propriedade na forma desta Lei, por meio do qual é reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb e são identificados seus ocupantes, o tempo da ocupação e a natureza da posse;
VII – legitimação fundiária: mecanismo de reconhecimento da aquisição originária do direito real de propriedade sobre unidade imobiliária objeto da Reurb;
VIII – ocupante: aquele que mantém poder de fato sobre lote ou fração ideal de terras públicas ou privadas em núcleos urbanos informais”.
2.3 Objetivos da REURB
O art. 10 da Lei nº 13.465/2017elenca os objetivos da Reurb a serem observados pelos entes políticos:
“I – identificar os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais;
II – criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes;
III – ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados;
IV – promover a integração social e a geração de emprego e renda;
V – estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade;
VI – garantir o direito social à moradia digna e a condições de vida adequadas;
VII – garantir a efetivação da função social da propriedade;
VIII – ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes;
IX – concretizar o princípio da eficiência na ocupação e no uso do solo;
X – prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais;
XI – conceder direitos reais, preferencialmente em nome da mulher;
XII – franquear participação dos interessados nas etapas do processo de regularização fundiária”.
Interessante apontar que no antigo modelo de regularização dada pela Lei nº 11.977/2009 os objetivos estavam direcionados a conceder moradia e melhores condições de habitabilidade às pessoas de baixa renda (PONTES e BERTO, 2010). Como veremos a seguir, ampliou-se os possíveis beneficiados, independente da faixa de renda econômica.
2.4 Modalidades de Regularização Fundiária Urbana - REURB
De acordo com o art. 13 daLei nº 13.465/2017, existem duas modalidades para a REURB: a de interesse social (Reurb-S) e a de interesse específico (Reurb-E).
A Reurb-S é aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo Municipal.
Neste sentido, quem se enquadra nesta modalidade faz jus às isenções de custas e emolumentos. No § 1º do artigo 13 foi elencado, de forma exemplificativa, algumas situações em que o cidadão poderá ser beneficiado:
“I – o primeiro registro da Reurb-S, o qual confere direitos reais aos seus beneficiários;
II – o registro da legitimação fundiária;
III – o registro do título de legitimação de posse e a sua conversão em título depropriedade;
IV – o registro da CRF e do projeto de regularização fundiária, com abertura de
matrícula para cada unidade imobiliária urbana regularizada;
V – a primeira averbação de construção residencial, desde que respeitado o limite de até70 (setenta) metros quadrados;
VI – a aquisição do primeiro direito real sobre unidade imobiliária derivada da Reurb-S;
VII – o primeiro registro do direito real de laje no âmbito da Reurb-S;
VIII – o fornecimento de certidões de registro para os atos previstos neste artigo”.
Destaca-se que as referidas isenções se aplicam, de igual modo, aos conjuntos habitacionais ou condomínios de interesse sócia construídos pelo Poder Público, diretamente ou por meio da administração pública indireta, que já se encontrem implantados em 22 de dezembro de 2016, data da promulgação MP nº 759/2016.
A Reurb-E é aplicável aos demais núcleos urbanos informais que não se qualificam como Reurb-S, logo não se beneficia da isenção das custas e emolumentos, entre outros benefícios dispostos à outra modalidade.
2.5 Legitimados para Requerer a REURB
Nos termos do art. 14 da Lei nº 13.465/2017, poderão requerer a Reurb:
“I – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, diretamente ou por meio de entidades da administração pública indireta;
II – os seus beneficiários, individual ou coletivamente, diretamente ou por meio de cooperativas habitacionais, associações de moradores, fundações, organizações sociais, organizações da sociedade civil de interesse público ou outras associações civis que tenham por finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização fundiária urbana;
III – os proprietários de imóveis ou de terrenos, loteadores ou incorporadores;
IV – a Defensoria Pública, em nome dos beneficiários hipossuficientes;
V – o Ministério Público”.
2.6 Instrumentos da REURB
A Lei nº 13.465/2017 elenca vários instrumentos (institutos jurídicos) que podem ser empregados para a Reurb, como usucapião, concessão de direito real de uso, doação, a compra e venda, a desapropriação por interesse social, entre outros. Contudo, neste ponto, é importante frisar dois novos instrumentos dispostos pelo projeto de lei: a legitimação fundiária e a legitimação de posse.
2.7 Legitimação Fundiária
Aqui, colaciono a definição dada pela nova lei, em seu art. 23:
“A legitimação fundiária constitui forma originária de aquisição do direito real de propriedade conferido por ato do poder público, exclusivamente no âmbito da Reurb, àquele que detiver em área pública ou possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com destinação urbana, integrante de núcleo urbano informal consolidado existente em 22 de dezembro de 2016”.
Segundo Paiva (2017) pode ser considerado o instituto mais importante e eficaz da regularização fundiária.
O beneficiário da legitimação fundiária deve atender aos seguintes requisitos:
a) o beneficiário não seja concessionário, foreiro ou proprietário de imóvel urbano ou rural;
b) o beneficiário não tenha sido contemplado com legitimação de posse ou fundiária de imóvel urbano com a mesma finalidade, ainda que situado em núcleo urbano distinto;
c) em caso de imóvel urbano com finalidade não residencial, seja reconhecido pelo poder público o interesse público de sua ocupação.
Esta inovação jurídica, isto é, esta nova forma de aquisição originária de propriedade permite que o ocupante legítimo adquira a propriedade plena de determinado imóvel, desembaraçada de quaisquer ônus, exceto quando disserem respeito ao próprio legitimado e, sem qualquer contato/vínculo com o antigo proprietário. Aplicável somente a núcleos urbano informais consolidados.
2.8 Legitimação de Posse
O conceito de legitimação de posse encontra-se no art. 25:
“A legitimação de posse, instrumento de uso exclusivo para fins de regularização fundiária, constitui ato do poder público destinado a conferir título, por meio do qual é reconhecida a posse de imóvel objeto da Reurb, com a identificação de seus ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza da posse, o qual é conversível em direito real de propriedade, na forma desta Lei”.
A legitimação de posse é um instituto jurídico que permite um reconhecimento administrativo da usucapião. Antes, o conceito da legitimação de posse já era conhecido pela Lei do Programa Minha Casa Minha Vida (Lei n° 11.977/2009) no qual o instrumento dependia de um procedimento prévio de demarcação urbanística (PAIVA, 2017). Com a nova redação dada ao instituto, a titulação é realizada diretamente pelo Poder Executivo municipal atendidas as mesmas condições para legitimação fundiária. Outrossim, a conversão da legitimação de posse em propriedade ocorria somente se fossem atendidos os termos do art. 183 da Constituição Federal, isto é, possuir por mais de 05 (cinco) anos imóveis com área de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) para fins de moradia.
Pela antiga lei que regulamentava a regularização fundiária no Brasil (Lei n° 11.977/2009) era aplicável a legitimação de posse em imóveis públicos e privados.
Com o novo paradigma, delimitou-se a concessão da legitimação de posse somente para imóveis particulares (Lei nº 13.465/2017, art. 25, §2º).
Todavia, o art. 15 da Lei nº 13.465/2017, dispôs outros instrumentos aplicáveis para imóveis públicos (PAIVA, 2017).
Conquanto seja um instituto intuitu personae, quer dizer, é levado em consideração a pessoa interessada, poderá transferida por causa mortis ou por ato inter vivos (Lei nº 13.465/2017, art. 25, §1º).
No caso da transferência por causa mortis, trata-se de fato jurídico stricto sensu (a morte), não sendo necessário cumprir os requisitos constantes nos incisos I e II do art. 23, § 1º da Lei nº 13.465/2017 (PAIVA, 2017).
Para a transmissão inter vivos da legitimação de posse através de um contrato de compra e venda, por exemplo, existe a possibilidade desde cumpra os requisitos do art. 23, § 1º da Lei nº 13.465/2017. Senão, o Poder Público poderá cancelar o título, nos termos do art. 27 da Lei nº 13.465/2017 (PAIVA, 2017).
2.9 Distinção entre a Legitimação Fundiária e a Legitimação de Posse
A legitimação fundiária distingue-se da legitimação de posse em razão do momento em que se dá a aquisição da propriedade. Naquela proporciona aquisição imediata da propriedade ao passo que nesta está exigida o cumprimento de prazos e demais exigências dispostas nas legislações atinentes à usucapião. Quer dizer, o legitimado poderá ter a propriedade convertida se atender aos requisitos de quaisquer das modalidades de usucapião.
Desse entendimento, decorre que o legitimado poderá converter em propriedade área superior à 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), sendo desconsiderado o tipo de uso: pode ser residencial, comercial, etc.
2.10 O Direito Real de Laje
Embora, o escopo deste artigo seja especificamente o novo paradigma da regularização fundiária urbana, importante mencionar o novo direito real dado pelo projeto de lei ao Código Civil: o direito a concessão de direito real de uso e a laje.
Segundo Paiva (2016), o "direito real de laje" foi outra novidade interessante com procedimento semelhante ao direito de superfície, instituto jurídico que consiste na possibilidade de coexistência, dentro um espaço comum, de unidades imobiliárias autônomas, porém possuindo titularidades diversas, nos termos do art. 1510-A do Código Civil. Com isso, o proprietário do terreno, seja público ou privado, poderá ceder a superfície ou o subsolo, para que outra pessoa construa outra unidade habitacional, por exemplo.
Paiva (2016) analisa que se trata de um processo simples de ampliação da propriedade, porém as sobrelevações sucessivas dependerão de regulamentação por parte dos Municípios. Pontua ainda, que o "direito real de laje" assemelha-se ao direito real sobre construção alheia, tradicional na Espanha.
2.11 Procedimento Administrativo e Registro
A Lei nº 13.465/2017dispõe, nos arts. 28 a 54, regras sobre o processo administrativo e o registro da regularização fundiária urbana (Reurb). Para não tornar este trabalho extenso irei elencar abaixo as fases que devem ser seguidas para a Reurb, nos termos do art. 28:
“I – requerimento dos legitimados;
II – processamento administrativo do requerimento, no qual será conferido prazo para
manifestação dos titulares de direitos reais sobre o imóvel e dos confrontantes;
III – elaboração do projeto de regularização fundiária;
IV – saneamento do processo administrativo;
V – decisão da autoridade competente, mediante ato formal, ao qual se dará
publicidade;
VI – expedição da CRF pelo Município;
VII – registro da CRF e do projeto de regularização fundiária aprovado perante o oficial
do cartório de registro de imóveis em que se situe a unidade imobiliária com destinação
urbana regularizada”.
O Município e o Distrito Federal são competentes para aprovar a regularização fundiária urbana. Com a expedição da Certidão de Regularização Fundiária – CRF que deve conter o projeto de regularização fundiária aprovado, com a identificação e declaração dos ocupantes de cada unidade imobiliária com destinação urbana, e os seus direitos reais. Após, o legitimado deverá levar ao registro no cartório de registro de imóveis.
O projeto de regularização fundiária conterá, pelo menos, a indicação das unidades imobiliárias a serem regularizadas, as vias de circulação existentes ou projetadas e as medidas previstas para adequação da infraestrutura essencial, através de desenhos, memoriais descritivos e cronograma físico de obras e serviços a serem realizados.
3 ALGUMAS CRÍTICAS AO NOVO PARADIGMA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA
Como já mencionado, a MP nº 759/2016 que deu origem à nova lei, tramitou em regime de urgência, sob a relatoria do Senador Romero Jucá, recebeu 732 (setecentos e trinta e duas) emendas, além das 08 (oito) novas modificações realizadas no Senado, antes de seguir novamente para a votação da Câmara, por fim, culminandono envio à sanção presidencial.
Sabendo-se da abrangência do tema, apontarei as principais críticas realizadas através de notas técnicas a respeito da MP n° 759/2016, tais como a Associação Nacional dos Defensores Públicos - ANADEP e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – MPDFT.
A primeira crítica feita à Medida Provisória n° 759/2016, diz respeito à ausência do requisito da urgência para edição da referida medida provisória, conforme estabelece o art. 62 da Constituição Federal (ANADEP, 2017; MPTDTF,2017).
Na exposição de motivos da referida medida provisória argumentou-se o preenchimento do requisito da urgência indicando que as diversas normas atinentes à regularização fundiária eram contraditórias em seus diferentes níveis de hierarquia, comprometendo a concretização do direito social à moradia. Foi mencionado a determinação do Tribunal de Contas da União para suspender em caráter liminar alguns desses atos que dificultavam o processo de titulações, sendo os Acórdãos nº 775/2016, nº1.086/2016 e nº 2.451/2016, proferidos pelo Plenário do TCU no processo de Tomada deContas n° 000.517/2016-0 (MPDFT, 2017).
Todavia, o processo de Tomada de Contas, referente ao Acórdão nº 775/2016, apurava, de fato, possíveis irregularidades na seleção de beneficiários do Programa Nacional deReforma Agrária, a cargo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA (MPDFT, 2017).
Colaciona-se a ementa do referido Acórdão do Tribunal de Contas da União - TCU:
“SUMÁRIO: REPRESENTAÇÃO COM PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. INDÍCIOS DE IRREGULARIDADES NA SELEÇÃO DE BENEFICIÁRIOS DO PROGRAMA NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA. INDÍCIOS DE IRREGULARIDADES NA SITUAÇÃO OCUPACIONAL DOS LOTES DE REFORMA AGRÁRIA. OITIVA PRÉVIA. NÃO AFASTAMENTO DOS REQUISITOS ENSEJADORES DA CAUTELAR PLEITEADA. SUSPENSÃO CAUTELAR DOS PROCESSOS DE SELEÇÃO E ASSENTAMENTO DE NOVOS BENEFICIÁRIOS. SUSPENSÃO DE NOVOS PAGAMENTOS E REMISSÕES DOS CRÉDITOS DE REFORMA AGRÁRIA. SUSPENSÃO DO ACESSO A OUTROS BENEFÍCIOS E POLÍTICAS PÚBLICAS ATRELADOS AOS BENEFICIOS DA REFORMA AGRARIA. ESCOPO DA CAUTELAR COM ATINGIMENTO UNICAMENTE DOS BENEFICIÁRIOS APONTADOS COMO IRREGULARES. POSSIBILIDADE DE REVERSÃO DA CAUTELAR PELO PRÓPRIO BENEFICIÁRIO JUNTO AO INCRA, MEDIANTE COMPROVAÇÃO DA REGULARIDADE DE SUA SITUAÇÃO OCUPACIONAL (TCU, 2016)”.
Nesse sentido, o requisito da urgência não é preenchido em relação aos dispositivos da medida provisória que tratam da regularização fundiária urbana pois o Acórdão abrange imóveis rurais (MPDFT, 2017).
Outra crítica, refere-se à existência da Lei n° 11.977/2009 que já regulamentava a regularização fundiária urbana no qual diversos municípios vinham adaptando suas legislações para a promoção de políticas locais de regularização fundiária (MPDFT, 2017).
Assim, o novo paradigma de regularização fundiária que aspira tornar o processo mais ágil e eficaz,poderia ficar mais lento em razão da necessidade de regulamentação de vários dispositivos pelo Poder Executivo Municipal e Federal. A Lei n° 11.977/2009 era autoaplicável em relação à regularização fundiária.
Como apontado no início deste capítulo, foram centenas de emendas propostas de emendas ao texto original da MP n° 759/2016. Consequentemente, diante da grandeza das alterações legislativas sobre diversos temas, seria recomendado que houvesse a efetiva participação popular, com amplo debate, no processo de construção da nova legislação. Logo, a forma acertada seria através meio de um processo legislativo ordinário.
O possível argumento de que aLei n° 11.977/2016, também teria sido originada de uma medida provisória não se coaduna pois veio para preencher lacuna legislativa então existente: a falta de regulamentação da regularização fundiária (MPDFT, 2017).
A ampliação das hipóteses de regularização, poderia permitir diminuição ou até a eliminação dos requisitos urbanísticos e ambientais aplicáveis aos denominados núcleos urbanos informais. Assim, seria uma mera regularização formal das situações de fato existentes, sem os investimentos de mínimos de infraestrutura por parte do Poder Público atendendo à função social da propriedade urbana, bem como o respeito aos aspectos ambientais.
O novo paradigma da regularização fundiária não detalha o que deve ser considerado como infraestrutura essencial, bem como proíbe a aplicação subsidiária do dispositivo da Lei n° 6.677/1979, lei federal que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano, na parte em que estabelece o que seria a infraestrutura básica (MPDFT, 2017).
Por fim, mesmo existindo mais críticas técnicas, finalizo este capítulo com a seguinte crítica: as duas modalidades de regularização fundiária urbana a Reurb-S, de interesse social (baixa renda), bem como a Reurb-E, de interesse específico, são apreciados de forma semelhante. Ou seja, concorrendo em paridade, sem levar em consideração que a população de baixa renda deveria ter certo tipo de prioridade atendendo ao princípio da igualdade material nos termos do art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988 (ANADEP, 2016).
CONCLUSÃO
A regularização fundiária é questão central na discussão da moradia adequada. Houve um esforço legislativo significativo em prol do desenvolvimento de um arcabouço jurídico. Contudo, a questão envolve aspectos distintos no âmbito institucional, técnico, legal e econômico.
Tratar das condições de vida população envolve, certamente, o aspecto social, econômico e urbanístico. A grande polêmica se dá em torno do equilíbrio entre os referidos aspectos sem prevalência de um sobre o outro.
No antigo paradigma da regularização fundiária urbanas dada pela Lei n° 11.977/2009 o escopo central era a população de baixa renda. Com o advento da Lei nº 13.465/2017 houve ampliação do rol dos possíveis legitimados.
Difícil estabelecer alguma certeza pois tem a falta de diálogo e debate decorre da polarização, isto posto, levanto dúvidas. Aliás, a falta de diálogo pode estar evidenciada na prática da edição de medida provisória para situações de relevância e urgência sem consulta da sociedade civil.
O novo paradigma da regularização fundiária dada pelo atual projeto de conversão de lei prestes a ser sancionado pela Presidência se propõe à desburocratização ampla da situação irregular de vários imóveis que estavam em desacordo, de alguma forma, com a legislação até então vigente. Ou seja, se propõe a dar segurança jurídica às famílias de baixa renda que estavam ocupando imóveis informais e, com maior destaque, aos loteadores irregulares, com o consentimento de condomínios e loteamentos em total desrespeito com as regras fundiárias, bem como o plano diretor da cidade.
Outro questionamento se dá em relação ao objetivo original desta eficaz prestação legislativa do Estado como resposta ao momento socioeconômico. O interesse privado, puramente econômico, de poucos, ou a mitigação da desigualdade socioeconômica da população de baixa renda através da titulação de seus imóveis que poderão ser dados em garantia para obtenção de créditos financeiros? Ou um pouco dos dois? Mais um em detrimento do outro?
Pois bem, não se discute a necessidade de melhora legislativa para se avançar na questão da regularização fundiária urbana para combater o déficit habitacional. A dificuldade está na forma em como isso será implementado. O Habitat III deve ser considerado como fio condutor das políticas urbanas, bem como limite ao lado da Constituição Federal, principalmente em relação à função social da propriedade.
REFERÊNCIAS
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Data da conclusão/última revisão: 7/2/2019
Antonio José Cacheado Loureiro e Tiago Oliveira Lopes
Antonio José Cacheado Loureiro: Professor de Direito da Universidade do Estado Amazonas. Mestrando em Direito Ambiental (Universidade do Estado do Amazonas);
Tiago Oliveira Lopes: Advogado Voluntário junto à Defensoria Pública da União no Amazonas. Mestrando em Direito Ambiental (Universidade do Estado do Amazonas),
Código da publicação: 4325
Como citar o texto:
LOUREIRO, Antonio José Cacheado; LOPES, Tiago Oliveira..Regularização fundiária urbana: breve análise à luz da Lei n° 13.465/2017. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 30, nº 1604. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-ambiental/4325/regularizacao-fundiaria-urbana-breve-analise-luz-lei-13465-2017. Acesso em 8 mar. 2019.
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