Análise jurisprudencial da aplicabilidade da pena quanto à responsabilização da pessoa jurídica
RESUMO
A responsabilidade penal da pessoa jurídica, embora já esteja no ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição Federal de 1988, ainda é causa de muitas controversas e discussões, principalmente no que diz respeito a sua aplicabilidade e sua importância em termos de desenvolvimento sustentável e prevenção de catástrofes ambientais. Cuida-se assim, de explorar a aplicabilidade da pena em relação a pessoa jurídica, sobre tudo a jurisprudência brasileira, que é a principal fonte para o entendimento do judiciário entendendo na pratica como o assunta está sendo discutido e aplicado. O objetivo final é esclarece conceitos, conflitos e fundamentos para a compressão do posicionamento dos Tribunais Federais Brasileiros quanto à aplicabilidade da reponsabilidade penal da pessoa jurídica em relação aos crimes ambientais.
PALAVRAS-CHAVE: Crimes Ambientais; Pessoa jurídica; Responsabilidade Penal.
ABSTRACT
The criminal responsibility of legal persons, although already in the Brazilian legal system since the Federal Constitution of 1988, is still the cause of many controversies and discussions, mainly regarding its applicability and its importance in terms of sustainable development and disaster prevention environmental impacts. In this way, it is necessary to explore the applicability of the sentence in relation to a legal entity, especially Brazilian jurisprudence, which is the main source for the understanding of the judiciary, understanding in practice how the assumption is being discussed and applied. The final objective is to clarify concepts, conflicts and grounds for the compression of the position of the Brazilian Federal Courts regarding the applicability of criminal responsibility of the legal entity in relation to environmental crimes.
KEY WORDS: Criminal Responsibility; Environmental Crimes; Legal person.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO; 1 DA CONSTRUÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA; 1.1 CONCEITO DE PESSOA JURÍDICA; 1.2 TEORIAS QUE DEFENDEM O TEMA; 2 RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA; 2 MODELOS DE RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA; 2.1.1 Sistema Inglês; 2.1.2 Sistema Francês; 2.1.3 Sistema Alemão; 3 FUNÇAO SOCIAL DA EMPRESA; 4 SANÇÕES PENAIS APLICÁVEIS À PESSOA JURÍDICA; 4.1 EXCLUDENTES DE ILICITUDE DA PESSOA JURÍDICA: LEI N. 9.605/1998 – NEXO E CAUSALIDADE – BUSCA DO LUCRO; 5 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL; 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A tutela do meio ambiente, ao longo dos anos, foi considerada de extrema importância para que o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado (princípio constitucional que está diretamente ligado ao direito a vida) seja respeitado. Para isso, o legislador optou por protege-lo não só na esfera cível e administrativa, como também esfera penal.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe a responsabilização criminal da pessoa jurídica, sendo o primeiro dispositivo a prever a possibilidade de imputação a um ente coletivo. Porém, apenas dez anos após ocorreu a efetiva legitimação, positivada através da Lei n.º 9.605 de 1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais.
A referida lei, em seu art. 3°, determina que a pessoa jurídica, em casos de infrações cometidas por seu representante legal ou órgão colegiado, será responsabilizada penalmente, sem prejuízo às demais sanções cíveis e administrativas além de não prejudicar a responsabilidade da pessoa física, autora, coautora ou partícipe do mesmo fato.
Entretanto, tal criminalização da pessoa jurídica acabou se tornando um ponto crítico no Poder Judiciário brasileiro, sendo constante as críticas ao assunto, divergências doutrinárias, lacunas legislativas e ineficácia legal que acabam dando margem à insegurança jurídica.
O trabalho foi ocasionado pela importância de se conhecer o posicionamento do ordenamento jurídico brasileiro em relação a aplicabilidade da pena à pessoa jurídica quanto às sanções ambientais, porque trata-se de um tema de grande interesse social de grande repercussão.
O trabalho tem por objetivo elucidar o posicionamento jurisprudencial sobre o tema, além de entender a divergências existentes.
Nesse contexto, o estudo presenta e esclarece conceitos, conflitos e fundamentos para a compressão do posicionamento dos Tribunais Federais Brasileiros quanto à aplicabilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica em relação aos crimes ambientais.
De forma geral a responsabilização da pessoa jurídica busca preencher os obstáculos na penalização de empresas por dano ambiental. Esta dificuldade está, de forma direta, ligada à complexidade de identificação do responsável (pessoa física) pelo dano, sendo a maioria dessas empresas compostas por aglomerados de pessoas e as decisões tomadas conjuntamente, a impossibilidade de indicar qual delas foi determinante para o resultado ilícito se torna quase impossível.
Entretanto, apesar de efetivo no ordenamento jurídico brasileiro, a aplicabilidade da pena à pessoa jurídica ainda é motivo de discussão. As lacunas deixadas na Lei dos Crimes Ambientais, fazem com que seu cumprimento ocorra de forma controversa, causando conflitos doutrinários e jurisprudenciais dentro dos tribunais superiores brasileiros.
Diante de um tema altamente divergente, a falta de mecanismos legislativos para estabelecer regras contundentes, atrelado a organizações empresariais cada vez mais complexas e a necessidade de uma tutela ambiental forte e eficaz, se torna extremamente importante o estudo e o esclarecimento da atual aplicabilidade da pena às pessoas jurídicas quanto aos crimes ambientais.
Para a realização de estudo e obtenção de resultados sobre o tema, foram utilizadas pesquisas de natureza exploratória e bibliográfica.
Como base do estudo foram utilizados revisão bibliográfica de artigos científicos, utilizou-se as bases dados Capes, sendo utilizados bibliografias em português publicados no ano de 2015 a 2018. Para tanto foram utilizadas as seguintes palavras-chaves: responsabilidade penal da pessoa jurídica, pessoa jurídica, crimes ambientais.
Além disso, o estudo também contou com o apoio de súmulas e jurisprudências do Superior Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça. A pesquisa utilizou-se os sites oficiais dos referidos tribunais, usando julgados dos anos de 2014 a 2018.
A Constituição Federal, Lei n. 9.605/1998, Código Penal, Código Civil, Código de Processo Penal e Lei n° 7.347/1985, foram utilizados como meios de pesquisa legislativa, além de bibliografias de autores que são destaque nas áreas estudadas, para as abordagens doutrinárias.
A análise dos dados aplicados a esta pesquisa foi obtida através da abordagem lógico dedutiva, sendo este um raciocínio lógico para obter um aprofundamento e alcance do problema estudado.
1 DA CONSTRUÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
1.1 CONCEITO DE PESSOA JURÍDICA
Primeiramente, é importante haver uma conceitualização sobre o que vem a ser uma pessoa jurídica. De acordo com Diniz (2012) a pessoa jurídica é o nome dado pelo Código Civil Brasileiro à um coletivo de pessoas físicas ou bens, possuindo um objetivo específico que vem a ser detentor de direitos e obrigações, além de possuírem como requisitos reconhecida por lei e a detenção de direitos referentes a personalidade.
Gonçalves (2018) determina quatro requisitos para a constituição da pessoa jurídica. O primeiro requisito que o autor elucida é a vontade humana, que é a intenção de uma ou mais pessoas para criar uma entidade que se materializa através de um ato constitutivo.
O ato constitutivo é o segundo critério, sendo um requisito formal denominado estatuto, para associações, contrato social para sociedades e escritura pública ou testamento para fundações.
Como terceiro critério, se tem o registro do ato constitutivo, sem isso, ela não adquire personalidade. Como quarto critério liceidade de seu objetivo que deve ser possível e licito, o objetivo nocivo e ilícito é causa para a extinção da personalidade.
A decisão de unir-se para a formação jurídica é um requisito subjetivo que está determinado pela vontade das partes. O ato constitutivo é a exteriorização desta vontade, que pode ser tanto um estatuto quanto um contrato social.
O contrato social (utilizado para sociedades simples ou empresárias) é o documento onde mais de duas pessoas se comprometem a contribuir com as atividades realizadas pelo ente, seja em forma monetária ou de serviços.
O registro do contrato social pode ser feito pela Juta Comercial, em caso de empresas mercantis, os demais podem ser feitos pelos Cartórios de Registro Civil de Pessoa Jurídica. O ato constitutivo estabelece direitos, deveres e responsabilidades e limita os poderes dos diretores no âmbito da administração. (Gonçalves, 2018)
As informações trazidas no art. 46 do Código Civil, ao serem contadas no ato constitutivo, contribuem para negociações mais claras perante terceiros:
Art. 46. O registro declarará:
I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver;
II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores;
III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente;
IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo;
V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais;
VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.
De acordo com Morato (2019), o ato é um marco no nascimento da pessoa jurídica, e os incisos do determinado artigo elencam elementos imprescindíveis para individualização, para estipular a finalidade, determinação do administrador e dos atos a ele incumbidos, a parte que cabe aos sócios além da forma de extinção da pessoa jurídica, o autor ainda defende que artigo apresenta maiores especificidades em relação ao Código Civil de 1916, porém trazendo a mesma essência.
O referido autor alega que apesar de os direitos fundamentais originalmente se destinarem a seres humanos, são extensivos aos entes coletivos no que lhes cabem, dentro de suas particularidades, como por exemplo o direito à propriedade, ao sigilo das comunicações, ato jurídico perfeito e a coisa julgada, a indenização pelo dano à imagem.
De acordo com Paulo Nader (2018) a pessoa jurídica possui cada vez mais, semelhança com a pessoa natural, colocando a sua regulamentação no ramo do Direito Civil, onde são estendidas as proteções relativas à pessoa natural para a pessoa jurídica, nos moldes do art. 52: “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.”
A personalidade jurídica faz com que o ente seja capaz de contrair obrigações e executando negócios jurídicos através de seus administradores dentro do limite de seu estatuto ou contrato social.
A pessoa jurídica, apesar de regida por administradores, o seu patrimônio não se confunde com os deles, que deve ser colocado no registro sobre a possibilidade da responsabilidade subsidiaria de seus membros.
O ente também encontra limitações na sua finalidade, devendo ela ser licita e valida, podendo os seus membros impugnar atos que podem extrapolar a sua finalidade jurídica.
Gonçalves (2018) define quais formas a pessoa jurídica pode ser extinta. Pela forma convencional, que ocorre através da vontade da maioria dos sócios de forma amigável ou por via judicial, esse tipo de dissolução está determinado no art. 1.033 do Código Civil, que também determina a medida na falta de pluralidade dos sócios, não reconstituída em 180 (cento e oitenta) dias, não sendo aplicado em caso de sócio remanescente.
De forma administrativa a extinção acontecerá por autorização cassada pelo Poder Público, pela pratica de atos contrários do que consta em seu estatuto ou declarado a administração pública e se tornando ilícita, impossível ou inútil ao fim proposto. A possibilidade judicial, onde se tem ocorre em casos previstos em lei ou no estatuto da entidade e também através de sentença judicial (GONÇALVES, 2018).
1.2 TEORIAS QUE DEFENDEM O TEMA
A teoria da ficção defende que a personalidade jurídica é uma criação artificial advinda do legislador, e que apenas a pessoa natural tem condições de estabelecer uma relação jurídica e ser portadora de direitos, colocando-a apenas como uma ficção legal. Esta teoria não foi adotada pelo Código Civil Brasileiro, e amplamente criticada por não justificar o Estado como pessoa jurídica (GONÇALVES, 2018)
Gonçalves (2018) subdivide a teoria de realidade em mais três eixos. A primeira seria a “Teoria da realidade objetiva ou orgânica”, que coloca o ente como um ser de vida própria, e que advém da imposição da sociedade. Ela é criticada pela doutrina, por que pode é adquirida esta personalidade, e como se tornam pessoas de direitos e obrigações, características humanas.
A segunda seria a teoria da realidade jurídica ou institucionalista que visualiza a pessoa jurídica como uma organização que possui como objetivo a realização de um serviço ou oficio, e por essa razão seriam portadoras de personalidade, além de ter sido alvo de críticas por não explicar como surgi esta personalidade.
A teoria da realidade técnica defende que a pessoa jurídica é gerada por uma determinação do Estado, que reconhece a necessidade de alguns grupos sociais algumas prerrogativas inerentes de pessoas físicas. Esta teoria é reconhecida pelo Código Civil de 2002, que em seu art. 52, estabelece a aplicabilidade dos direitos referentes a proteção da personalidade (TATURCE, 2018).
2 RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
Gonçalves (2018) conceitua responsabilidade jurídica como uma consequência da quebra de uma relação obrigacional, que faculta o credor a executar o patrimônio do devedor na intenção de restituir o prejuízo ou indeniza-lo pelos danos causados.
No entanto, o conceito de reponsabilidade é diverso em vários ramos do direito, porém com similaridades na intenção de identificar o autor do fato danoso e impor a responsabilidade objetiva a dosar as penas e sanções de acordo com a tutela do direito (FORMIGONI2017).
2.1 MODELOS DE RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
Os principais modelos utilizados para a responsabilização da pessoa jurídica são os sistemas inglês, francês e alemão, de acordo com Brodt (2015), os quais serão elucidados a seguir.
2.1.1 Sistema inglês
De acordo com Brodt (2015), o sistema inglês defende a possibilidade da pessoa jurídica ser responsabilizada penalmente por qualquer crime, sendo eles mais comuns, nos ramos de meio ambiente, ordem econômica, consumidor e trabalhista.
Para essa teoria ocorra, é determinante que se tenha uma ação ou omissão humana, fazendo necessário que pelo menos uma pessoa em cargo central da empresa seja autora do ato lesivo para que haja a responsabilização que será aplicada conjuntamente com a pessoa física.
A teoria também admite a responsabilidade objetiva em determinados crimes e também a responsabilidade por fato de outrem, referindo-se na maioria das vezes a casos menos graves (BRODT, 2015).
2.1.2 Sistema francês
O sistema francês possui a determinação de que apenas a pessoa jurídica deve ser imputada, o argumento de doutrinadores franceses é que a falta de responsabilização vai contra a isonomia que é cumulativa, e determina que todo ente moral deve ser responsabilizado de forma criminal especial, a ser estabelecido quais crimes podem ser imputados ao colegiado; e condicional, com duas possibilidades no sistema francês - Substractum humanus: o crime precisa ser cometido por membro ou órgão da pessoa jurídica; e Pour le compte: o crime precisa ser cometido em prol da pessoa jurídica ou por seu interesse (BRODT, 2015).
Como pena o judiciário francês estabelece multas, interdições, exclusão dos mercados públicos, confiscos, proibição de emissão de cheque, decisões judiciais e dissolução, em alguns casos também há a possibilidade de obtenção do sursis (BRODT, 2015).
A imputação da pessoa jurídica não impede a imputação da pessoa física seja como autor ou participe do mesmo ato, segundo Brodt (2015).
2.1.3 Sistema alemão
O sistema alemão por sua vez, não se utiliza da possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica.
Este, adota o conceito individual de culpabilidade e usufrui de um direito administrativo bem estruturado para punir os entes colegiado em ilícitos comuns criminais, de outros sistemas e não constitui empecilho para a imputação penal da pessoa física (BRODT, 2015).
3 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
Para estabelecer a função social da empresa, primeiramente é importante definir o conceito de empresa. A busca pelo conceito jurídico de empresa se desdobra em quatro aspectos do direito empresarial. (NEGRÃO, 2017)
O primeiro aspecto é o perfil subjetivo, que é estabelecido por quem exerce a atividade empresarial, o empresário. Empresário é compreendido como sendo uma pessoa física ou jurídica que exerce em nome próprio, com o objetivo de operar no mercado, não para consumo próprio e de forma profissional, seja por capital próprio ou alheio – à luz do art. 966 do Código Civil.
O segundo aspecto é funcional ou dinâmico que é o fato social capaz de gerar efeitos jurídicos. Esses efeitos jurídicos seriam as atividades empresariais capazes de gerar movimentação na força produtiva.
O aspecto objetivo refere-se ao patrimônio da empresa, o conjunto de bens moveis e imóveis que auxiliam o empresário para o exercício de sua atividade empresarial, sendo o estabelecimento empresarial.
O quarto aspecto é o perfil corporativo, que se estabelece através da visão de organização, sendo composta por colaboradores, acionistas, administradores, o capital humano da empresa (NEGRÃO, 2017).
Através destes três conceitos é possível chegar a conclusão de que empresa seria “atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços para o mercado, exercida pelo empresário, em caráter profissional, através de um complexo de bens”. (NEGRÃO, 2017, p. 75)
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 170, inciso III, considera como princípios gerais da atividade econômica “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: III - função social da propriedade.”
O descumprimento da função social da propriedade pode ocasionar diversas sanções, entre elas a desapropriação de áreas rurais, como está fixado na Lei n. 8.629/1993.
Este tema foi um dos argumentos abordados no MS 26.336 -DF, no plenário do Supremo Tribunal Federal, em que possuía como relator o Ministro Joaquim Barbosa.
O caso consistia em Mandado de Segurança contra ato presidencial que declarava a sua propriedade rural de interesse social para fins de reforma agrária. Um dos pontos discutidos foi relativo ao tempo da vistoria em que se terminava ou não a degradação ambiental, sendo ponto crucial para a desapropriação.
Devido à ausência de certeza sobre os argumentos apresentados e a necessidade de dilação probatória, inclusive no que diz respeito a questão ambiental, o mandado foi negado pela suprema corte.
O recurso foi interposto pelo Ministério Público Federal, no referido caso foi rejeitada a denúncia contra o proprietário, possuía uma fazenda em uma Unidade de Conservação, por causar dano a Unidades de Conservação (art. 40 da Lei n. 9.605/98).
Uma das questões discutidas em relação ao caso, foi a falta de indenização por desapropriação, e se esta omissão poderia gerar uma impossibilidade de execução das sanções penais.
A decisão tomada foi que a tutela ambiental não pode ser condicionada ao prévio pagamento de indenização, o que ocasionaria uma violação ao princípio da função social ambiental da propriedade e os demais princípios que regem o direito ambiental (TRF-4 - RSE: 43814020084047205 SC 0004381-40.2008.404.7205, Relator: CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Data de Julgamento: 28/06/2016, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: D.E. 05/07/2016).
De acordo com o artigo 24 da Lei de Crimes Ambientais, pode-se considerar que também haverá desapropriação de terras na hipótese de a pessoa jurídica estar envolvida em crime ambiental, considerando a propriedade rural como instrumento criminoso.
Porém, ao contrário do que seria ocasionado caso o proprietário seja pessoa física, desapropriação para fins de reforma agraria, como constatado nos parágrafos anteriores, a propriedade empresarial beneficiária do Fundo Penitenciário Nacional.
Para Gomes (2015) o artigo pode ser considerado como uma “pena de morte” para a pessoa jurídica, por isso deve ser aplicada como ultimo recurso, apenas quando houver ação penal. Além disso o autor ainda considera que esta sanção traz prejuízos a terceiros e gera problemas social, prejudicando a função social da empresa.
A função social é estabelecida pela a atividade empresarial e dos usos dos bens de produção da empresa, sendo através a geração de empregos, o desenvolvimento da região em torno da empresa, adoção de práticas de desenvolvimento sociais e sustentáveis.
Sendo considerados não somente os efeitos relacionados aos sócios e administradores da empresa, mas também os interesses difusos e coletivos de todos os que estão de alguma forma ligados a atividade da empresa (SANTA CRUZ, 2018).
4 SANÇÕES PENAIS APLICÁVEIS À PESSOA JURÍDICA
A Lei n. 9.605, de 1 de fevereiro de 1998, sancionada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, conhecida como Lei de Crimes Ambientais, ela dispõe sobre sanções penais e administrativas de veem de condutas prejudiciais ao meio ambiente.
Antes da referida lei o meio ambiente era tutelado por leis esparsas, que causavam insegurança jurídica, atualmente a lei concentra as principais infrações penais ambientais (GOMES, 2015)
No Capítulo II da referida lei, há a aplicação da pena. Os artigos 6° ao 24, definem quais penas podem ser aplicadas para os crimes ambientais, a substituição de penas restritivas de direitos pelas penas restritivas de liberdade e quais são elas, atenuantes e agravantes da pena, penas que podem ser aplicadas cumulativamente ou isoladamente, e como ocorre a pena de prestação de serviços à comunidade.
Gomes (2015) explica que as penas, apesar de poderem ser aplicadas de forma individual ou cumulada, aplica-las de forma alternada, como diz o artigo, não seria viável devido ao fato de não haver norma que estipule a substituição da pena restritiva de direitos por multa.
Gomes (2015) também defende a inconstitucionalidade das penas restritivas de direito aplicadas a pessoa jurídica. O autor afirma que é uma ofensa ao princípio da legalidade (Art. 5°, XXXIX da CF), pois ao ser determinada como pena principal, o legislador deveria tê-las estipulados em lei, o estabelecimento de prazos para a aplicação.
A pena restritiva de direitos pode ser aplicada na forma de suspensão parcial ou total das atividades que será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente; interdição temporária de estabelecimento que ocorrerá da quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização.
A prestação de serviços à comunidade ocorrerá através do custeio de programas e de projetos ambientais, da execução de obras de recuperação de áreas degradadas, da manutenção de espaços públicos; e de contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Também poderá ser decretada a liquidação forçada do patrimônio da pessoa jurídica, sendo considerado como instrumento de crime, que será destinado ao Fundo Penitenciário Nacional.
4.1 EXCLUDENTES DE ILICITUDE DA PESSOA JURÍDICA: LEI N. 9.605/1998 – NEXO E CAUSALIDADE – BUSCA DO LUCRO
O art. 966 do Código Civil de 2002 explica que “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
André Santa Cruz (2017) explica que através deste conceito legal pode-se extrair as principais características do empresário. As características seriam o profissionalismo, a atividade econômica, a organização e a produção e circulação de bens e serviços.
Para o estudo, a característica de deve ser destacada é o exercício da atividade econômica. Para Santa Cruz (2017) a atividade empresarial é exercida com o intuito de lucro, e que a onerosidade é uma característica essencial para as relações empresariais.
Santa Cruz (2017) também observa que ao ser conceituado o empresário a lei não se limita a pessoa física, também abrange a pessoa jurídica. Ou seja, a pessoa jurídica que foi concebida através de sociedade, também é considerado empresário. Como consequência os sócios que a constituem não são considerados empresários e os seus bens particulares dos sócios não poderão ser usados a princípio para quitar dívida ativa da sociedade.
No artigo 15 da Lei de Crimes Ambientais há a estipulação de circunstâncias que agravam a pena, no inciso II, “a” determina a agravação da pena caso o agente obtenha vantagem pecuniária.
Os delitos ambientais apresentam em alguns artigos a necessidade de obtenção de lucro para a caracterização do crime, o que não viabiliza a utilização desta agravante sob hipótese de ocorrer bis in idem (GOMES, 2015).
Díez (2015) demonstra que no artigo 3° da Lei de Crimes Ambientais há a ressalva de que os crimes cometidos pela pessoa jurídica devem ocorrer decisão do representante ou órgão colegiado no interesse ou benefício da sua entidade.
O autor elucida que para ocorrer a penalização da pessoa jurídica, o crime deve estar no âmbito da organização do ente, em outras palavras, o crime deve ter ligação direta com a empresa.
4.2 TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA
O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), de acordo com a Lei n. 7.347/1985 (que disciplina a ação civil pública por danos causados ao meio ambiente), é um título extrajudicial que possui como um dos legitimados para sua propositura o Ministério Público (art. 5°, §6°) através dele pode-se evitar a ação judicial ou até suspende-la.
Em 5 de novembro de 2015, ocorreu o rompimento da barragem de Fundão, que estava localizada no complexo minerário de Germano, na cidade de Mariana em Minas Gerais. A barragem pertencia a empresa Sanmarco, que pertence ao Grupo Vale, e era composta por rejeitos de minério.
No primeiro momento o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível de Mariana - MG e Juízo Federal de Ponte Nova- SJ/MG foram os responsáveis pelo caso, porém o Superior Tribunal de Justiça entendeu, através da relatoria do Ministro Nefi Cordeiro, que a competência cabia a Justiça Federal, possuindo como argumento o fato de que os bens atingidos estavam sob a tutela da união e que o total da área abrangia mais de um estado (DOMINGOS, 2017).
Em 02 de março de 2016 o Termo de Ajustamento de Conduta foi assinado por:
a) Luiz Inácio Lucena Adams (Advogado-Geral da União);
b) Izabella Mônica Vieira Teixeira (Ministra de Estado do Meio Ambiente);
c) Fernando Pimentel (Governador do Estado de Minas Gerais), Onofre Alves Batista Júnior (Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais);
d) Paulo Cesar Hhartung Gomes (Governador do Estado do Espirito Santo);
e) Rodrigo Rabello Vieira (Procurador-Geral do Estado do Espirito Santo);
f) Roberto Lúcio Nunes de Carvalho (Diretor-Presidente da Samarco Mineração S.A);
g) Maury de Souza Junior (Dir. Projetos e Ecoeficiência da Samarco Mineração S.A);
h) Murilo Pinto de Oliveira Ferreira (Diretor-Presidente da Vale S.A);
i) Clovis Torres Junior (Diretor de Integridade Corporativa da Vale S.A);
j) Diano Sebastiano Dalla Valle (BHP Billiton LTDA.); e
k) Flavio de Medeiros Bocayuva Bulcão (BHP Billiton LTDA).
O referido documento foi feito considerando a necessidade de recuperação/remediação dos impactos socioambientais e socioeconômicos das áreas atingidas através de programas executados por uma Fundação de Direito Privado.
O acordo possui 260 (duzentas e sessenta) cláusulas e que em sua grande maioria determina obrigações que a empresa deverá arcar para minimizar os impactos gerados pelo rompimento da barragem.
Entre essas obrigações está as de acesso a informação para os impactados, restituição de bens públicos e comunitários, elaboração de programas socioeconômicos organizados em eixos (organização social, infraestrutura, educação, saúde, inovação, economia, gerenciamento do plano de ações).
É determinado também que em 60 (sessenta) dias, da constituição do acordo, seja apresentado o planejamento inicial dos programas que deverá ser avaliado pelo Comitê Interfederativo, podendo o Poder Publico propor correções e readequações que deverão ser corrigidas no prazo de 30 dias, que poderá ser prorrogado.
Também foram estipuladas multas em caso de descumprimento das obrigações. A Samarco arcará com multa punitiva diária enquanto persistir descumprimento da obrigação.
Em 17 de março de 2017, foi publicada no Juízo Federal da 12ª Vara Cível/Agrária de Minas Gerais/MG (Autos nº. 23863-07.2016.4.01.3800 e 69758-61.2015.4.01.3400) a decisão homologatória de suspensão de processo até ulterior deliberação judicial.
5 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
Um dos julgados de grande destaque em relação ao assunto é o acordão n. 548.181, do Supremo Tribunal Federal. De acordo com o Relatório do RE 548.181, a questão foi interposta pelo Ministério Público Federal contra o acordão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgamento do Recurso em Mandado de Segurança n. 16.696/PR.
Este Recurso Ordinário admitia o trancamento da ação penal, condicionado pelo habeas corpus concedido a Henri Philippe Reichstul, na condição de Presidente da Petrobras. Devido ao entendimento da dupla imputação necessária, ao conceder o benefício de habeas corpus, seria inviável a responsabilização individual da Petrobras.
Até o ano de 2014 os tribunais brasileiros adotavam a teoria da dupla da dupla imputação necessária (BIDINO, 2016).
Esta teoria da dupla imputação é a possibilidade de responsabilizar a pessoa jurídica sem que haja prejuízos da responsabilidade penal da pessoa física, como determina o art. 3º da Lei de Crimes Ambientais.
Porém, para o STJ, até então era determinante a imputação de ambas era algo necessários para a responsabilização da pessoa jurídica, pensamento consolidado, na época, pelas 5ª T. e 6ª T. do STJ, e possuíam como argumento a defesa dos princípios da culpabilidade e ao princípio do nullum crimen sine actio humana (BIDINO,2016).
Esse entendimento foi mudado pelo STF, consoante se vê no acórdão do RE 548.181 julgado no dia 30.10.2014, que determinava a inconstitucionalidade da teoria da dupla imputação necessária e instaurou a responsabilidade penal objetiva da pessoa jurídica nos tribunais nacionais (BIDINO, 2016).
De primeira mão, o Recurso Extraordinário foi negado por decisão monocrática pelo Ministro Menezes Direito, onde é alegado que a análise do caso demandaria um revolvimento de provas, não podendo ser admitido nesta via recursal.
Ao interpor o agravo regimental e sendo substituída a relatoria da 1ª T. pela Ministra Rosa Weber, foi dado provimento para que fosse reanalisado o caso.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTIFICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação.
2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta.
3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental.
4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas
envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual.
5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido.
(RE 548181, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
Para Bidino (2016) o acordão trouxe consequências rápidas para o ornamento jurídico nacional, fazendo com que o STJ adotasse o entendimento no julgamento do Recurso Ordinário em HC 50.470/ES, em sua 5.ª Turma, onde o caminhão de uma determinada empresa havia sofrido um acidente causando poluição do solo, onde no julgado se determinava a habeas corpus dos sócios da empresa e a continuação da ação penal em detrimento da pessoa jurídica.
Outro julgado que auxilia ao entendimento do seguinte estudo é o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança do STJ de 2017 (RMS 49909/SC), julgado em 16/05/2017.
O referido recurso interposto pela companhia Habitasul de Participações, Habitasul Empreendimentos Imobiliários LTDA., Ciacoi Administração de Imóveis (nova denominação de Jurerê Open Shopping) e Jurerê Praia Hotel LTDA contra o acordão do TRF - 4º Região, a empresa responde por ação penal por crimes ambientais decorrente de construções de empreendimentos imobiliários sem autorização que prejudicaram as fauna e a flora de área de preservação permanente. As empresas tinham a pretensão de trancamento da ação por falta de justa causa.
O acordão foi parcialmente, o TRF da 4ª Região reconheceu que apenas a referência ao trancamento da ação penal promovida contra os impetrantes, que diz respeito à imputação da prática do delito tipificado no art. 40 da Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/98), que está relacionada à construção do Il Campanario, que corresponde ao delito tipificado no art. 20 da Lei n. 4.947/66.
A empresa impetrou dois embargos de declaração, o primeiro foi rejeitado e o segundo foi acolhido em parte, que não trouxe nenhuma mudança no resultado do julgamento.
Nas contrarrazões o Ministério Público Federal esclareceu que o caso se trata de Operação Moeda Verde, na qual se teve desarticular um esquema criminoso voltado à comercialização de leis e atos administrativos, a fim de beneficiar grandes empreendedores da ilha de Florianópolis/SC, em prejuízo direto ao meio ambiente.
A empresa impetrou Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, onde teve como Relator o Ministro Reynaldo Soares Da Fonseca, onde foi negado provimento ao recurso.
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIMES AMBIENTAIS. LEI 9.605/98. CONSTRUÇÃO E AMPLIAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS "SEM A DEVIDA AUTORIZAÇÃO OU EM DESACORDO COM ELA", AFETANDO FAUNA, FLORA E CURSOS DÁGUA DE ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRESCRIÇÃO. ATIPICIDADE DE CONDUTAS: INEXISTÊNCIA. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA POR CRIMES AMBIENTAIS OMISSIVOS IMPRÓPRIOS. ARTS. 48 E 63 DA LEI 9.605/98: DELITOS AUTÔNOMOS. IMPOSSIBILIDADE DE CONSUNÇÃO.
1. Inadmissível a manifestação de Tribunal sobre a prescrição de delitos se o tema não foi ainda objeto de exame no primeiro grau de jurisdição, sob pena de indevida supressão de instância. Tanto é assim que, no caso concreto, após a devida provocação das recorrentes, o juízo de 1º grau, em decisão superveniente à impetração da segurança, reconheceu a prescrição de diversos dos delitos a elas imputados na denúncia, remanescendo apenas seu interesse em recorrer dos delitos ambientais advindos da construção de um hotel em área de preservação permanente, com supostas licenças falsas e obtidas mediante alegado suborno (arts. 38 e 48 da Lei 9.605/98), assim como daqueles decorrentes da construção, em área de preservação permanente (restinga) e em terras de marinha, de postos de praia/restaurantes/beach points/beach clubs, que foram, também, "ampliados além do permissivo constante da matrícula imobiliária" (arts. 48 e 60 da Lei 9.605/98).
2. Não há como se reconhecer a atipicidade da conduta de construir hotel em área de preservação permanente, por suposta ausência do elemento objetivo "dano à floresta e a outras formas de vegetação", pelo simples motivo de que a construção se deu concomitantemente com a celebração de Termo de Acordo com o Ministério Público referente à área.
3. A existência de Termo de Acordo celebrado com o Parquet não constitui autorização para toda e qualquer atividade que venha a ser desempenhada na área e somente justifica a suspensão da punibilidade dos delitos do art. 38 e do art. 48 da Lei 9.605/98 enquanto os compromissos ali ajustados estejam sendo cumpridos pelos depredadores. Ora, se, a despeito da existência do referido Termo, o Parquet ajuizou ação penal contra as recorrentes, é de se presumir que ditos compromissos vêm sendo descumpridos ou não estão sendo cumpridos a contento. Ilidir tal presunção demandaria a realização de prova pericial não admissível na via estreita do mandamus.
4. A existência de prévia autorização da Gerência de Patrimônio da União em Santa Catarina, permitindo a ocupação das áreas em que foram construídos postos de praia/restaurantes/beach points/beach clubs por si só não implica atipicidade da conduta do art. 60 da Lei 9.605/98, se a edificação ou intervenção em áreas de proteção permanente, mesmo estando elas localizadas em terrenos de marinha, demanda, também, prévia autorização do órgão de fiscalização ambiental competente, o que as recorrentes não afirmaram deter. De mais a mais, no caso concreto, além de a alegada autorização do órgão federal não ter sido juntada com a inicial da impetração, os termos do acordo e a narrativa da denúncia indicam que foram erguidas e ampliadas construções além do permissivo legal, bem como que as áreas adjacentes são utilizadas para a colocação de equipamentos, inclusive banheiros químicos, não sendo possível afirmar, de plano, que houve autorização para tal tipo de utilização da área.
5. A parte final do art. 2º da Lei 9.605/98, que trata da omissão penalmente relevante dos diretores, administradores e gerentes das pessoas jurídicas, não implica exclusão da responsabilização da pessoa jurídica pela omissão imprópria, mas, sim, estende a possibilidade de imputação pela prática delitiva a seus gerentes e administradores. Precedentes desta Corte.
6. As condutas do art. 48 da Lei 9.605/98 (Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação) e do art. 63 da mesma Lei (Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida) são autônomas, não se podendo tratar a primeira delas como crime meio para a construção ou alteração de edificação. Reforça essa ideia o fato de que o crime previsto no art. 48 da Lei de Crimes Ambientais é delito permanente, cuja potencialidade lesiva se protrai no tempo, não se esgotando na construção de edificação. Precedentes desta Corte.
7. Recurso a que se nega provimento.
(RMS 49.909/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 21/06/2017)
Também é objeto de estudo o Agravo Regimental no Recurso em Mandado De Segurança julgado pelo STJ em 19/06/2018, onde se é discutido a prescrição em Crimes Ambientais, devido a lacuna deixada pela lei.
No processo onde o agravante, a empresa Imerys Rio Capim Caulim S.A, é réu de ação penal, foi negado provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança, onde possui como fundamento que ao não ser prolatada sentença nos autos da ação penal é impossível de se definir desde como de 2 anos o prazo prescricional aplicável à espécie de crime praticado pela empresa, porquanto este lapso só incide quando a pena de multa é isoladamente cominada.
A empresa alega que a regra disposta no parágrafo único do art. 109 do Código Penal, que determina a aplicação de penas restritivas de direitos o mesmos prazos prescricionais das penas restritivas de liberdade, que não seria aplicado ao caso, pois as pessoas jurídicas não se sujeitam à prisão, à medida que a restritiva de direitos ou a prestação de serviços à comunidade será aplicada de maneira originária, não havendo portanto, a substituição da prisão e sim a imposição direta da multa, das restritivas de direitos ou da prestação de serviços à comunidade.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME AMBIENTAL. PESSOA JURÍDICA. PRAZO PRESCRICIONAL. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA NÃO PROLATADA. PRESCRIÇÃO EM ABSTRATO. PENA MÁXIMA ABSTRATAMENTE COMINADA. ART. 109, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Não prolatada a sentença, ou seja, inexistindo pena em concreto, a prescrição se regula pela pena máxima em abstrato prevista para o delito.
2. Omissa a lei ambiental acerca dos prazos prescricionais aplicáveis aos crimes cometidos por pessoas jurídicas, a teor do art. 79 do referido diploma legal, aplicam-se subsidiariamente as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.
3. Dispõe o art. 21, § 3º, da Lei n. 9.605/98, que às pessoas jurídicas serão aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente as penas de multa, de restrição de direitos ou de prestação de serviços à comunidade.
4. Podendo, portanto, no caso dos crimes ambientais, além da pena de multa, ser aplicada cumulativamente medida restritiva de direitos, para o cômputo do prazo prescricional em abstrato, deve-se levar em consideração a disposição do art. 109, parágrafo único, do Código Penal, segundo a qual antes de transitar em julgado a sentença final, aplicam-se às penas restritivas de direito o mesmo prazo previsto para as privativas de liberdade.
5. Agravo regimental improvido. (AgRg no RMS 56.158/PA, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 29/06/2018)
O recurso foi negado o provimento, onde foi alegado que o entendimento é de que até a prolação de sentença nos autos, o prazo prescricional se regulará pelo máximo abstratamente cominado ao delito, pois aplicáveis aos crimes ambientais, subsidiariamente, todas as disposições do Código Penal e de Processo Penal, dentre elas, o art. 109, parágrafo único, do Código Penal, segundo o qual determina a aplicação da pena restritiva de direito o mesmo prazo previsto para as penas restritivas de liberdade.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao trazer a possibilidade de imputação da pessoa jurídica no ordenamento brasileiro, a Constituição Federal de 1988 abriu um verdadeiro leque de possibilidades e questionamentos. Como um dos questionamentos já resolvidos pelo judiciário, temos a decisão de que a responsabilização da pessoa jurídica ocorre de maneira autônoma, porém não é empecilho para que a pessoa física também seja responsabilizada.
O ato constitutivo na instituição da pessoa jurídica, determina dentre outras coisas, como será a responsabilidade dos administradores e sócios da empresa, dando segurança jurídica perante prejuízos que podem ser causados a terceiros. Entretanto com o estudo, foi perceptível que ainda a uma dificuldade em punir o ente coletivo. Uma destas dificuldades está na importância da empresa para a sociedade.
A função social da empresa acaba sendo determinante neste contexto, os inúmeros empregos fornecidos de forma direta ou indireta, o desenvolvimento da região em que a empresa se estabelece, tudo isso pode ser prejudicado com a sua punição, que pode causar o fim das atividades, e os prejuízos podem ser ainda maiores que o dano ambiental causado.
Foi constatado também que a propositura do Termo de Ajustamento de Conduta é uma alternativa viável para que a empresa corrija as suas ações e arque com os prejuízos causados pela infração penal ambiental.
Em relação ao TAC assinado entre o Mistério Público e a Samarco, as inúmeras ações estipuladas pelo acordo, minimizariam de forma consistente os impactos gerados, principalmente em relação as pessoas afetadas pela tragédia, porém não foi possível constatar de forma efetiva se o acordo está sendo cumprido corretamente até o momento a do termino deste artigo.
Ao analisar as jurisprudências sobre os danos ambientais, também foi constatado que nos julgados, possuíam algumas irregularidades por parte das autoridades que causavam prejuízos ao processo, como a falta na coleta de provas, uma negligencia na área administrativa, a permissão de construções em áreas que a priori são protegidas por lei e omissões legislativas que causam insegurança jurídica.
Conclui-se que, apesar de já se ter um tempo relevante de responsabilização da pessoa jurídica no ordenamento brasileiro, ainda há muito a se discutir para que ocorra real eficácia.
É preciso que haja uma preocupação em relação as leis, que sejam claras e sem lacunas, que o processo administrativo e toda a parte de supervisão e fiscalização sejam realmente efetivas, na forma de evitar possíveis desastres, e que o judiciário encontre meios não só de punir as empresas, como também que a sanção seja cumprida de forma eficaz como punição e contribuição para toda a sociedade e o meio ambiente.
REFERÊNCIAS
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_______. Agravo Regimental no Recurso em Mandado de Segurança. (AgRg no RMS 56.158/PA, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/06/2018, DJe 29/06/2018). Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/596224918/agravo-regimental-no-recurso-em-mandado-de-seguranca-agrg-no-rms-56158-pa-2017-0330616-7/relatorio-e-voto-596225008?ref=juris-tabs>. Acesso em 05, abr. 2019.
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Data da conclusão/última revisão: 24/4/2019
Ana Carolina Gomes de Andrade e Antônio César Mello
Ana Carolina Gomes de Andrade: acadêmica do 9º semestre do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins.
Antônio César Mello: Bacharel em Direito pela UniRitter, Especialista em Direito e Estado pela UNIVALE, Mestre em Ciências do Ambiente pela UFT e Doutor em Direito pela PUC Minas. Professor da Faculdade Católica do Tocantins, Centro Universitário Luterano de Palmas e Universidade Estadual do Tocantins.