RESUMO

Há pelo menos meio século, cientistas e clínicos do mundo inteiro trabalham sem cessar com um único objetivo: possibilitar a vitória da ciência e da técnica frente à natural impossibilidade ou dificuldade humana no ato da reprodução. O objetivo deste trabalho é esclarecer os principais conceitos acerca da prática de reprodução medicamente assistida, em especial, fecundação in vitro cumulado com a maternidade de substituição. A tempo em que busca alertar para as conseqüências quanto a determinação da maternidade para as mulheres impossibilitadas de gerar e gestacionar seu filho, que se socorrem da maternidade de substituição, vulgarmente conhecida “barriga de aluguel”.  

Palavra-chave: Reprodução assistida. Fecundação in vitro. Maternidade de substituição.

1 INTRODUÇÃO

Desde o início dos tempos, a maternidade é percebida pelos povos como o início de um novo ciclo, assim, as mulheres desenvolvem dentro de si o desejo de ser mãe, um marco diferencial que consagra de forma concreta a abrangência do papel feminino na sociedade.

Em contrapartida, a dura realidade da esterilidade não é aceita facilmente, razão pelo qual, mulheres estéreis se socorrem dos métodos de reprodução medicamente assistida, dentre as quais ganha relevância a fecundação in vitro heteróloga, bem como a maternidade de substituição.

Na maternidade de substituição, popularmente conhecida como barriga de aluguel, ocorre uma inversão de valores, em especial, determinar a maternidade da criança que tem o material genético de uma mulher e é gestacionado por outra.

Na omissão de uma legislação específica, a doutrina se ampara nos preceitos balizadores dessa prática: ética, bioética, diretrizes formuladas no Conselho Federal de Medicina, e, sobretudo ao acatamento dos Princípios de defesa dos direitos da criança.

2 Esterilidade Feminina e SUAS IMPLICAÇÕES

Desde a antiguidade, as mulheres trazem dentro de si o desejo e a necessidade da maternidade. Esse desejo está intimamente refletido na história da humanidade, que sempre revelou uma intensa preocupação com a questão da fecundidade e, inversamente, temeu o risco da esterilidade.

Faz parte da mentalidade humana, desde suas mais distantes origens, contrapor as noções de fecundidade e esterilidade, atribuindo a cada uma delas valores que necessariamente se excluem. Assim, fica claro que desde as mais remotas épocas, a esterilidade foi considerada como fator negativo, ora maldição atribuída à cólera dos antepassados, ora à influência das bruxas, ora aos desígnios divinos.

Mesmo com a evolução dos séculos, a esterilidade ainda provoca reações psicológicas na mulher.

Para Eduardo de Oliveira Leite (1995, p. 87), a esterilidade gera uma reação de reprovação em cadeia, sendo limitada, inicialmente, a mulher, passando a atingir o casal, e daí, atinge o grupo familiar, envolvendo, num estágio derradeiro, a sociedade inteira.

Neste sentido, são inúmeras as mulheres que decidem se submeter às técnicas de Reprodução Medicamente Assistida, na busca da cura de sua esterilidade, para enfim, realizar seu desejo, a maternidade.

3 Princípios Inerentes ao Direito de Procriar.

O desejo de conceber um filho é próprio da natureza humana. Destarte, esse desejo pode ser ainda mais intenso se esta pessoa for acometida por uma esterilidade que pareça incurável.

Dois caminhos se abrem quando a mulher se vê impossibilitada de ter filho: ou bem a mulher recorre à adoção; ou as técnicas de reprodução assistida. Resta saber se a mulher que deseja ter um filho tem esse direito assegurado.

O primeiro caminho decorre de instituto regulado em lei em que a mulher dispõe da possibilidade de adotar uma criança abandonada por seus pais biológicos que careça de amor materno.

Sobre o segundo caminho, adverte Tycho Brahe Fernandes (2000, p. 62), que “a dúvida que assombra o momento atual da evolução das técnicas de reprodução assistida é saber se esse desejo tem cunho de direito, ou é algo que lhe seja garantido por lei”.

Com os avanços biotecnológicos na área da reprodução assistida, abriu-se um leque muito grande de técnicas aplicadas as mais diversas causas de infertilidade.

Frente à gama de possibilidades que se apresenta à mulher estéril, envolvendo a realização do projeto de ser mãe, necessário uma reflexão sobre quais os procedimentos que podem ser realizados sem afrontar diretamente os direitos fundamentais desta e, igualmente os da criança, que deve ter o direito de nascer com dignidade devida a todos os seres humanos.

A Constituição Brasileira de 1988 não expressa explicitamente sobre direito de se ter filhos, contempla o direito de planejamento familiar, alcançando as situações de concepção e contracepção, ambos norteado pela autonomia do casal, competindo ao Estado o dever de proporcionar os recursos necessários para a educação e informação sobre os métodos existentes e sua eficácia. Assim, dispõe o artigo 226 da Carta Magna:

Art.226, § 7º da CF. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

A constituição instituiu ao patamar da dignidade humana, a satisfação e o exercício do direito ao planejamento familiar, a ser assegurado pelo Estado.

Adverte Alexandre Moraes (2000 p. 61) que:

O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos. A Constituição Federal proclama, portanto o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quando à subsistência.

Note-se que o planejamento familiar pressupõe a existência de uma família. Frise-se que a família também pode ser formada sem a presença de filhos. Não obstante, o Art. 2º da Lei 9263/96, considera planejamento familiar, assegurado pelo Estado, o conjunto de ações de regulação de fecundidade.

Art. 2º da Lei 9.263/96 - Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação de fecundidade que garante direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem e pelo casal.

Disso faz concluir que o Estado tem a incumbência de assegurar medidas eficazes de regulação, bem como proporcionar a satisfação da fecundidade no seio familiar. Numa interpretação sistemática, levando em consideração os inúmeros avanços biotecnológicos, é correto afirmar que é assegurado o direito institucional, através de medidas públicas, de ser realizada fecundação artificial em mulheres inférteis? 

Noutro ponto, o desejo da mulher de procriar, bem como formar família não pode ser restringido nem cerceado pelo Estado visto a garantia constitucional à inviolabilidade da sua intimidade, visto que a decisão de ter filho advém única e exclusivamente do casal, sem que o Estado possa interferir.

No tocante à liberdade da reprodução medicamente assistida do tipo fecundação artificial ou inseminação artificial, seja homóloga ou heteróloga, desautoriza-las a mulher infértil se afigura sobremaneira injusta e injurídica.

Não cabe a sociedade condenar as mulheres que optam pela reprodução ou pela contracepção de maneira assistida, e, sim ampará-las, como forma de ampliar o poder de decisão conferido a elas em questão de tamanha complexidade.

Defender a liberdade de procriar é enfatizar que, se existe direito à fecundidade, nem a lei civil, nem a religiosa o negam. A sociedade, bem como o Estado tem a incumbência de amparar os casais, que se choca contra o obstáculo da esterilidade, a superar esta barreira.

Como bem adverte José Afonso da Silva (2000, p. 238) o texto Constitucional prevê a liberdade de fazer, de atuar ou de agir, como princípio individual e, em defesa da integridade, que é sempre inspirada pela garantia da dignidade pessoa humana, encontra-se o direito à procriação.

Apoiar e regulamentar o direito de procriar é autorizá-lo independentemente da existência de inúmeras crianças aptas à adoção, ao Estado não compete à prerrogativa de se furtar quanto a este problema de ordem social e não individual.

O direito de ter filhos é um desejo relevante e merecedor de tutela, desde a Antigüidade. Tanto assim que, diante da impossibilidade natural de procriar, o Direito criou o instituto jurídico da adoção.

Defende Eduardo de Oliveira Leite (1995 p. 138) que:

Alegar, conforme se tem ouvido com certa freqüência, que a procriação artificial é inaceitável enquanto existirem crianças abandonadas aptas à adoção corresponde a encarar a questão com confusão de conceitos, ao mesmo tempo em que se radicaliza o discurso sobre o direito de ter filhos. Este direito é de foro íntimo e nada tem a ver com a questão social da adoção.

De outro lado, não se pode esquecer, ainda, que o direito à saúde proclamada pelo Art. 6º da CF, aplica-se ao direito de procriar pelo fato de que toda pessoa tem direito à assistência, tendo em vista que a esterilidade é um problema de saúde que precisa de tratamento e solução encontrada na medicina.

Assim não se pode permitir a aceitação saudável do ser humano com implicâncias psicológicas, elemento que deve ser associado aos Princípios da Integridade Física e Dignidade da Pessoa Humana.

Tycho Brahe Fernandes (2000, p. 138) chama atenção para o dever do Estado quando considera a infertilidade, bem como a esterilidade, doença; declarando ter todo cidadão direito de exigir do Estado que lhe promova a saúde e, neste caso específico – embora se possa até afirmar que em alguns casos a reprodução é obtida sem que a cura seja alcançada -  tem-se eficaz tratamento para o problema.   

Segundo o Principio da Legalidade, o direito de ter filho por qualquer método que seja não pode ser vedado, visto que em nosso Estado, tudo o que não é proibido é permitido, pois ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. Assim, é de se afirmar que no ordenamento jurídico não há qualquer barreira ou impedimento para a concepção artificial, necessário apenas o consentimento da mulher, e se casada, de seu marido ou companheiro.

Baseado, ainda, no Princípio Fundamental da Igualdade, não deve haver discriminação entre mulheres férteis e inférteis, o direito de fundar família e de procriar é inerente à mulher que deseja ter filhos, ressalvado os direitos da criança.

Por conseguinte, não é aceitável discriminação quanto à concepção natural e a concepção assistida, haja vista que o fruto será um filho que deverá ter seus direitos garantidos, independentemente de sua origem.

Por fim, o direito de uma mulher dar vida à outra só poderia ser limitado ou extraído, se a pessoa conceptiva não oferecesse condições psicológicas e nem fosse provida da responsabilidade maternal; resguarda-se o interesse da criança que deva ser sobreposto, tendo em vista que uma criança não é um objeto em si mesmo, mais pessoa humana, que merece ter seus direitos garantidos.

Neste cenário, à proporção que os avanços das técnicas de reprodução assistida aceleram, há uma tendência da sociedade a resistir moralmente a certos procedimentos. Cumpri à ética e a bioética examinar e condenar nas suas limitações tais práticas, haja vista que não existem normas coercitivas e específicas em nosso ordenamento jurídico sobre este tema (trataremos mais detalhadamente em momento oportuno).  

4 As Técnicas de Reprodução Medicamente Assistida

Sabe-se que há pelo menos 50 anos, cientistas e clínicos do mundo inteiro trabalham sem cessar com um único objetivo: possibilitar a vitória da ciência e das técnicas cientifica frente à natural impossibilidade ou dificuldade humana de reproduzir.

A Reprodução Assistida vem ampliando sobremaneira os limites da fecundidade masculina e feminina. Dentre as técnicas que compõem o conjunto da Reprodução Assistida, podem ser destacadas a Inseminação Artificial e a Fertilização “In vitro”.

4.1 Inseminação Artificial

A inseminação configura-se em uma técnica de procriação artificial em que ocorre a introdução do sêmen diretamente no órgão sexual da mulher ou sua inserção no útero, por meios outros que não a cópula.

Esta prática pode se distinguir entre homóloga, ou auto-inseminação, e heteróloga, ou hétero-inseminação. A primeira ocorre quando realizada com sêmen proveniente do próprio marido da mulher infértil; enquanto a segunda, é feita em mulher casada ou não, com sêmen originário de terceira pessoa; esta é recomendada nos casos de esterilidade indiscutível.

4.2 Fertilização “in vitro

A técnica de fertilização “in vitro”, conhecida como “bebê de proveta”, diferentemente da técnica de inseminação artificial, ocorre à transferência de óvulos fecundados em laboratório, fora do corpo humano, em mulheres com obstrução irreversível ou ausência tubária bilateral.

Do mesmo modo que a inseminação artificial, a fertilização “in vitro” também pode ser homóloga ou heteróloga, ocorrendo esta última em caso de um terceiro doador.

4.3 Técnica de Fertilização “In vitro” Heteróloga

A fertilização “in vitro” homologa é a técnica pioneira nas procriações artificiais, onde os óvulos são retirados do ovário da mulher e fertilizados com espermatozóides do marido em laboratório, enquanto os embriões resultantes são recolocados no útero, dando início a uma gravidez normal.

Quanto a fertilização “in vitro” heteróloga, a fecundação se dá com sêmen colhido de uma terceira pessoa, isto é, um doador fértil anônimo, que geralmente encontra-se armazenado em banco de sêmen. Neste caso, passa-se a questionar a hereditariedade jurídica, divergente da biológica, na proporção em que a paternidade ou a maternidade biológica não coincide com a legal.

De acordo com Eduardo de Oliveira Leite (1995, p.401)

A fertilização “in vitro” heteróloga admite duas situações: a) de uma criança nascida após fertilização “in vitro” pelo esperma do marido e de um óvulo doado e implantado no útero da mulher; e b) de uma criança nascida após fertilização “in vitro” de um óvulo doado ao casal e de um espermatozóide igualmente estranho, que só fica vinculado ao casal pela gestação.

Neste contexto, caso a esterilidade seja devida à impossibilidade feminina de carregar o embrião, tema do trabalho em questão, surge o recurso da mãe de substituição, fato que inúmeras vezes pode causar confusão quanto à semelhança de ambas as técnicas.

Na visão de Eduardo de Oliveira Leite (1995, p.402)

Na fertilização “in vitro” heteróloga a mãe concebe e carrega em seu ventre uma criança que, na ótica maternal, é inteiramente sua, sem que se possa falar de maternidade dividida ou dissociada: ela é a mãe integral de uma criança, concebida após inseminação natural ou artificial, bebê de proveta ou mãe gestadora de um embrião doado, mas ainda mãe pelo parto.

Na “mãe de substituição” a maternidade é dividida ou dissociada: a mãe genética, por impossibilidade física recorre à outra mulher, mãe gestacional, para que esta leve a termo a gravidez impossível daquela. (grifo nosso)

Contudo, importante diferenciar a técnica de fertilização “in vitro” heteróloga da prática da mãe de substituição, pois a diferença entre as duas situações é sutil, mas os efeitos daí decorrentes, especialmente, a nível jurídico, são bastante diversos.    

4.4 Prática da Mãe de Substituição

A mãe substituta é entendida por muitos doutrinadores como sendo a mulher que cede seu útero para gestação do filho, concebido pelos gametas (masculino e feminino) de terceiros, a quem a criança deverá ser entregue incontinente após o nascimento, assumindo a fornecedora do óvulo a condição de mãe.

Desta forma, esta técnica de reprodução artificial consiste em apelar a uma terceira pessoa para assegurar a gestação quando o estado do útero materno da doadora dos óvulos não permite o desenvolvimento normal do ovo fecundado ou quando a gravidez apresenta um risco para a mãe.

É imperioso enfatizar, que esta técnica é conhecida por inúmeras denominações, tais como: útero de aluguel, barriga de aluguel, mãe de aluguel, mãe hospedeira, mãe substituta, mãe de empréstimo, mãe por procuração, maternidade de substituição, entre outras.

Uma outra terminologia, menos aceita, é a “mãe de aluguel”, a qual faz renascer uma forma de exploração do corpo da mulher, pois pressupõe remuneração.

Por fim, esclareça-se que a maternidade de substituição não se trata de uma técnica biológica, mas sim da utilização de mulheres férteis que se dispõe a carregar o embrião, durante o período de gestação, pela impossibilidade física da mulher que recorreu aos Centros de Reprodução de suportar o período gestacional.

5 Limites Para a Cessão Temporária do Útero

Em relação às técnicas e procedimentos de reprodução assistida, colocada à disposição da população, e em especial a prática de maternidade de substituição, são levantadas considerações dignas de atenção e relevância, merecendo uma maior cautela.

A inexistência de regras jurídicas específicas sobre o assunto, exige uma discussão sobre a melhor conduta e procedimento que conduzam esse exercício.

No Brasil, o controle dessa técnica é realizado pelo Código de Ética Médica, através da Resolução CFM nº. 1.358/92, o qual dispõe de regras de caráter facultativo, não tendo força de lei, posto que o seu desrespeito pelos médicos, implica em sanções apenas administrativas.

Sobre este ponto advertem Deborah Ciocci Oliveira e Edson Borges Jr. (OLIVEIRA, BORGES Jr, 2000, p. 48) que a gestação de substituição é regida fundamentalmente pelo ordenamento existente e, enquanto não aprovado nenhum dos projetos de lei em andamento a respeito, seus limites são impostos pelo controle informal, ou seja, da própria sociedade, inspirada nas normas bioéticas indicadoras daquele Código.

Nesta matéria de controle destaca-se o Principio da Gratuidade, pois descabida é a aceitação da locação do útero, vedada constitucionalmente à comercialização dos bens que compõe o corpo, definida no art. 199, parágrafo 4º da Constituição Federal de 1988, motivo que se diz ser errônea a nomenclatura de “barriga de aluguel”.

Contrários, também, à comercialização do útero posicionam-se Regina Fiúza Sauwen e Severo Hryniewicz (SAUWEN, HRYNIEWICZ, 2000, pg. 113) quando dizem que as constituições, em geral, em seus princípios fundamentais proclamam que a nação tem como um e seus fundamentos “a Dignidade da Pessoa Humana”, esta pode ser expressa através de sua inalienabilidade.

No que se refere ao Consentimento Informado, este requisito também decorrente do Principio da Dignidade Humana, pois o ser humano dispõe da faculdade de aceitar o tratamento o qual será submetido, não competindo ao profissional da ciência da saúde dispor desse poder. O artigo 5º da Convenção de Direitos Humanos e Biomédicos de 1997 dispõe que:

Art. 5º - Uma intervenção no campo de saúde só pode ser realizada depois de a pessoa ter dado seu consentimento livre e informado para tal. Essa pessoa deve, antecipadamente, receber informações apropriadas acerca do propósito e natureza da intervenção, bem como de seus riscos.

Ressalta-se a indispensável do consentimento da figura paterna que esteja envolvido na maternidade sub-rogada.

Sobre esse fato se posiciona Tycho Brahe Fernandes (2000, p. 82) quando diz que a concordância é dita como incondicional e irrevogável, inviabilizando qualquer pedido de impugnação da paternidade, até porque não pode o filho gerado ficar à mercê das oscilações de humor do marido ou companheiro da mãe genética.

Em suma, a intervenção médica na paciente estéril, a qual será extraída o óvulo e da mulher que se submeterá a carregar no seu ventre filho de outrem, depende necessariamente dos seus respectivos consentimentos, em conjunto com o consentimento do pai que doou seu material genético.

Indispensável não apenas o mero consentimento, mais a concreta ciência dos envolvidos sobre suas responsabilidades futuras, quando do nascimento da criança.

Convencionou-se como outro requisito o parentesco à mulher cessionária do útero, ou seja, é preciso existir laços familiares entre a mãe hospedeira e mãe biológica. Orientação também compreendida pelo Conselho Federal de Medicina Brasileiro, quando permite a prática de maternidade de substituição desde que a doadora temporária do útero pertença à família da mãe genética num parentesco até 2º grau, seguindo a lógica que entre familiares não há interesse lucrativo.

De acordo com esse princípio existe entre familiares uma maior cumplicidade, solidariedade, compreensão e intimidade, sejam em linha reta ou colateral.  Pode-se dizer que a vinculação ao parentesco tem o objetivo de suavizar as conseqüentes decorrentes da imprecisão jurídica quanto à determinação da maternidade nessa prática, tendo em vista que a criança manterá laços afetivos com as duas mulheres que proporcionaram seu nascimento; justificativa que se dá a mitigação ao Principio do Anonimato, empregado nas demais técnicas de reprodução artificial.

 Última exigência é a limitação da procura de mães substitutas pela mulher acometida por infertilidade que a impeça ou contra-indique a gestação.

Assim as pessoas que não se enquadram na condição de enfermas e que possam se valer das vias normais de procriação não podem se utilizar das técnicas de reprodução assistida.

Com isso, buscou-se eticamente, com as disposições de tais limites, restringir a crescente procura pelas mães substitutas por mulheres e famílias desprovidas de capacidade psicológica para enfrentar as conseqüências causadas por essa técnica de procriação artificial, tendo em vista a ruptura dos conceitos de maternidades e filiação. 

5.1 Da Ética e da Bioética quanto a Prática da Mãe de Substituição

A medicina, ciência da vida, desde tempos imemoriais, sempre exigiu uma constante discussão acerca da questão ética. Saber até que ponto os anseios e satisfação da pessoa humana são moralmente corretos, constitui o elemento cerne de tal discussão.

Em meados do século XX, a exasperação dos avanços nas ciências da medicina e da saúde propiciou o surgimento da bioética (termo que só surgiu na década de 70). Terminologicamente falando, a bioética é composta pelo termo grego bios (vida) e Ethike (ética).

Assim, a bioética cuida especificamente do estudo da ética nos assuntos relacionados a preservação, conservação da raça humana por meio da medicina.

Com a possibilidade da prática de reprodução assistida, em especial a gravidez de substituição, o mundo assistiu irresoluto ao que parecia inacreditável: a possibilidade da mulher conceber um filho biológico fora do seu ventre.

Inevitavelmente, surgiram vultosas repercussões bioéticas, questionando-se sobre a validade e necessidade de tal prática. Uma das questões colocadas nessa querela diz respeito ao poder, ou ao limite que deve ser imposto ao homem, na interferência do processo biológico da reprodução humana.

No Brasil, o Conselho Federal de Medicina através da Resolução CFM nº. 1.358/92, em sua seção VII, instituiu normas éticas sobre a gestação de substituição (doação temporária do útero) que assim dispõe:

As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de RA (Reprodução Assistida) para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética.

Na falta de uma legislação que normalize com força coativa situações como estas; resta a bioética nesse contexto, dirigida por seus princípios básicos dispor sobre regras necessárias a qualquer técnica de procriação não natural.

6 Biodireito e a Lacuna Existente no Direito Civil Brasileiro Quanto à Prática da Mãe de Substituição

Carece a bioética de dispositivos de caráter obrigatório, que alcance ou atinja diretamente o plano das normas, haja vista, que suas disposições, recomendações e mesmo proibições encontram-se despidas de caráter cogente.

A conexão da bioética com o direito se dá através do biodireito; nesse ramo do direito, procura-se regulamentar as relações oriundas da ciência que envolve a vida, competindo-lhe uma análise das atividades relacionadas à biotecnologia, não somente sob o prisma de ordenamento jurídico, mas também através de uma perspectiva social e política.

Com efeito, afirma Tycho Brahe Fernandes (2000, p. 42) “O biodireito é um direito voltado para a tutela dos direitos humanos de uma forma geral, especificamente, daqueles direitos criados e modificados em razão dos avanços científicos da área biomédica”.

Nesse contexto, a bioética vem dando, atualmente, ampla contribuição ao Direito, em especial no tocante a             Quarta era do direito, mantendo acesa a censura da sociedade, no que se refere aos atos científicos atentatórios a dignidade da pessoa humana.

Destarte, a retomada nesse fim de século das discussões sobre os direitos humanos está autorizando a sociedade em geral e as classes políticas e jurídicas, em particular, apresentarem respostas imediatas aos conflitos despontados a partir das conquistas da ciência biotecnologia, vez que as normas do direito atual estão muito aquém à celeridade destas descobertas.

A primeira advertência formal sobre os riscos inerentes ao progresso científico e tecnológico foi feita pela ONU, em 10 de novembro de 1975, quando foi proclamado a Declaração sobre a Utilização do Progresso Científico e Tecnológico no Interesse da Paz e em Benefício da Humanidade.. O artigo 6º dessa Declaração assim dispõe:

Todos os Estados adotarão medidas tendentes a estender a todos os estratos da população os benefícios da ciência e da tecnologia e a protegê-los, tanto nos aspectos sociais quanto materiais, das possíveis conseqüências negativas do uso indevido do progresso científico e tecnológico, inclusive sua utilização indevida para infringir os direitos do indivíduo ou do grupo, em particular relativamente ao respeito à vida privada e à proteção da pessoa humana e de sua integridade física e intelectual.

Essa discussão foi retomada na Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina, adotada em 19 de novembro de 1996 pelo Conselho de Ministros do Conselho da Europa. Em especial nos artigos 2º e 4º dessa Convenção.

De acordo com o artigo 2º, "os interesses e o bem estar do ser humano devem prevalecer sobre o interesse isolado da sociedade ou da ciência". Segundo o artigo 4º "qualquer intervenção no campo da saúde, incluindo a pesquisa, deve ser conduzida de acordo com obrigações e padrões profissionais de maior relevância”

Como visto, a bioética se serve dos preceitos referentes à proteção dos direitos humanos, pois qualquer intervenção sobre a pessoa humana deve subordinar-se, sobretudo a ética.

Questão de maior complexibilidade ética está na cessão temporária do útero, onde acontece o projeto de duas mulheres proporcionarem o nascimento de uma criança.

No Brasil, o emprego das mães de substituição está sendo utilizado por mulheres acometidas de infertilidade que as impeçam ou contra indique a gestação, sendo àquela prática permitida, desde que preenchidos todos os requisitos dispostos no Código de Ética Brasileiro através da Resolução 1358/92.

Segundo Tycho Brahe Fernandes (2000, p. 77) “mesmo não tendo força de lei, a resolução vincula os médicos e clínicas, os quais seriam os únicos a ter condições de promover a transferência de embrião fecundado in vitro para o útero sub-rogado”.

Cabe lembrar que, mesmo que houvesse proibição das mães sub-rogadas, a força vinculante do Código de Ética Médica, através da Resolução atual, se restringe apenas aos profissionais da medicina, pois as sanções aplicadas são apenas de caráter administrativo; sem contar que falta uma fiscalização quanto às clínicas especializadas nesta área.

Existem projetos de leis em tramitação sobre Reprodução Assistida (PL 3638/93, Dep. Luiz Moreira; PL 2855/97, Dep. Conf. Moura e PL 590/99, Sen. Lúcio Alcântara), PL 02855/97, PL 03638/93. Destarte, tratam da cessão temporária do útero apenas permitindo-as, porém não disciplinam as implicações provenientes desta prática.

No Código Civil Brasileiro de 2002, foram inseridas apenas disposições superficiais sobre o tema:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

 […]

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Lastimável é a omissão dos legisladores, em pleno século XXI, em disciplinar as conseqüências causadas nas relações jurídicas pela prática de reprodução medicamente assistida.

Merece maior atenção, o recurso da denominada popularmente “barriga de aluguel”, pelas mulheres inférteis, tendo em vista que essa prática em certos casos requer material genético de terceira pessoa e, sobretudo, a interferência direta de uma outra mulher que por ato de liberalidade concede temporariamente seu útero para gerar filho daquela. Sem esquecer que, a mãe hospedeira espera, num primeiro momento, que tal pratica não irá advir qualquer responsabilidade em relação à criança, após seu nascimento. 

Nesse ínterim, oportuna a crítica aos legisladores na organização do Código Civil de 2002, que se abstiveram na normatização das técnicas de Reprodução Humana Assistida, haja vista que seus procedimentos contam ‘efetivamente’ com uma trajetória de praticamente meio século.

A necessidade de se legislar tem se infundido cada vez mais, pois só com um aparelho legal, através de normas regulamentadoras, é possível exigir que médicos e usuários dos recursos disponibilizados pela Reprodução Assistida, preservem direitos e garantidos a eles próprios e à sociedade.

Na busca de interpretações mais apuradas e soluções de conflitos doutrinários referentes ao Código Civil vigente, a Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do ministro Ruy Rosado, editou alguns enunciados, que interessa ao tema abordado.

A Professora Titular de Direito Civil da PUC/PR, Jussara Maria Leal de Meirelles, apresentou o Enunciado nº. 257[1] referente ao Art. 1597 do CC, aprovado na 3ª Jornada de Direito Civil, que assim dispõe:

As expressões "fecundação artificial", "concepção artificial" e "inseminação artificial" constantes, respectivamente, dos incisos III, IV e V do artigo 1597 do Código Civil devem ser interpretadas restritivamente, não abrangendo a utilização de óvulos doados e a gestação de substituição.

Perceba-se que mais uma vez a questão da maternidade de substituição ficou sem solução jurídica, pois a referida interpretação prega que não se faz presumir como concebido na constância do casamento os filhos havidos da pratica de fertilização heteróloga – gestação de substituição. Ora, não se pode esquecer nesta hipótese a possibilidade da paternidade ser certa, nos casos em que o doador do esperma, em regra, é o marido da mulher infértil.

 Merece críticas a interpretação restritiva que se quer dar ao art. 1597 do CC; ainda mais pelo fato de que para a prática da maternidade de substituição por um casal, indispensável o consentimento do marido, que implica na disponibilização do seu material genético ou a autorização para a fecundação com material genético de outro doador – anônimo.

Como ignorar, na primeira hipótese, que o doador, que faz parte da pratica de fecundação heteróloga, e conscientemente deseja ter um filho em conjunto com sua esposa, não lhe seja assegurado a presunção da paternidade natural, ocorrida na constância do casamento.

Numa interpretação extensiva do termo “inseminação artificial” utilizado no inciso III do dispositivo legal em comento, seja o marido da mulher infértil o doador ou não do esperma, basta o consentimento do marido para a realização da pratica reprodução medicamente assistida em sua cônjuge, do tipo fecundação in vitro, para que haja a presunção da paternidade.

     Nesse contexto, o direito não pode, conseqüentemente, colocar-se inerte em relação à problemática da reprodução humana, notadamente, no que se refere à prática de maternidade de substituição; sem buscar soluções cabíveis para as implicações causadas nas relações de Direito de Família, posto que tais práticas afetem diretamente os conceitos de maternidade e filiação.

7 A Determinação da Maternidade e Suas Conseqüências no Mundo Jurídico

7.1 Vínculos de Filiação

Em se tratando de família, o principal vínculo que se pode estabelecer no Direito de Família é a relação de parentesco entre pais e filhos, também chamada filiação.

A filiação pode ser estabelecida pelo parentesco por consangüinidade (natural), que corresponde ao vínculo entre mãe/pai ascendente e filho descendente. Como também pode ser estabelecida por parentesco civil, num processo de adoção.

Dessa forma dispõe o art. 1593 do CC. “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou de outra origem”.

Quando se fala em prática de maternidade de substituição, fala-se em plena desestruturação dos conceitos de filiação, porquanto que esse processo permite uma total dissociação das etapas do processo de procriar: conceber, gerar e ser mãe.

Seguindo esta orientação, insta explanar que o Novo Código Civil Brasileiro tratou da presunção da filiação de filhos provenientes da concepção homóloga, onde a mulher é inseminada com seu próprio material genético bem como do seu marido.

Tratou também da inseminação heteróloga onde a mulher é inseminada com espermatozóides de uma terceira pessoa, desde que com o consentimento do seu marido. Neste último caso o consentimento do marido é requisito fundamental para o estabelecimento da paternidade.

Não há, porém, qualquer menção quanto à prática de fertilização in vitro, por maternidade de substituição, levando em consideração ser o procedimento que mais traz confusões na ordem jurídica do Direito de Família.

 Nesse processo de reprodução que envolve duas mães, uma biológica que viabiliza seu óvulo para a concepção e outra que disponibiliza seu útero, mesmo que temporariamente, para a geração e gestação de uma criança, são constantes as indagações de ordem ética, moral e, principalmente sobre como se estabelecer à filiação.

Segundo interpretação do direito de família regulado no Código Civil de 2002 em seu artigo 1597, todo e qualquer filho gerado dentro do casamento, ou união estável, seja por meio natural (cópula) ou por meio de inseminação artificial, será considerado como de ambos os cônjuges, não havendo distinção entre a técnica homóloga ou heteróloga.

O mesmo não ocorre em relação à fecundação in vitro, sendo prevista a presunção de filiação apenas nos casos de fecundação in vitro do tipo homóloga, onde a concepção da vida humana extra uterina se dá por meio do material genético da mãe e do pai que solicitam a prática da reprodução medicamente assistida.

Como compreender que o fato de uma criança ter sido gerada por uma das técnicas de reprodução assistida, altera sua condição, visto sob o enfoque da filiação, pois, havendo o casamento ou a união estável, toda e qualquer criança gerada na sua constância será presumida como descendente de ambos os integrantes da relação.

Contudo, não se pode esquecer que a legislação brasileira determina a maternidade pela gestação e parto (Art. 7º da CF e Art. 242 CP). Trazendo uma contradição, neste aspecto, mesmo que implícita, pois filho é aquele gerado por mulher.

Não obstante a falta de previsão, quanto à filiação nos casos de fecundação in vitro heteróloga – maternidade de substituição. Para se definir o direito à filiação é oportuno lembrar que atualmente a doutrina e a jurisprudência aplicam na determinação da maternidade e paternidade, além da filiação biológica, a filiação afetiva ou socioafetiva.

Nesse entendimento, para determinação da filiação é necessária uma maior valoração dos laços afetivos, bem como os direitos da criança.

7.2 O Princípio “Mater Semper Certa Est

Até recentemente, poder-se-ia afirmar, com relativa segurança, ser a identidade da mãe sempre certa enquanto a do pai era presumida, ou seja, esta identidade baseava-se nos princípios “mater semper certa est” (a mãe é sempre certa) e “pater semper incertus est” (o pai é sempre incerto).

Ao contrário da paternidade, a maternidade era passível de provas diretas, como por exemplo, a gestação e o parto, onde o Princípio “mater semper certa est” era estabelecido simplesmente com a prova do parto ocorrido na vigência do casamento.

Com o surgimento das Técnicas de Reprodução Assistida e o uso da prática da “mãe de substituição”, o Princípio “mater semper certa est” (a mãe é sempre certa) foi colocado em dúvida.

Essa controvérsia nasce no exato momento da determinação da maternidade na pratica de maternidade de substituição, eis que existem duas “mães” envolvidas no processo de reprodução: a mãe biológica, que fornece o óvulo para a fecundação, e a mãe gestacional, que desenvolve a gestação.

Baseando-se nestes fatos, hoje é possível tratar a maternidade em dois aspectos distintos – biológica e fraternal, os quais merecem apreciação sob o direito vigente.

Há que se esclarecer que a prática de maternidade de substituição pode dar ensejo a dois tipos de conflitos: positivo e negativo, neste tanto a mãe biológica, quanto a mãe gestacional, se dizem mães da mesma criança; naquele nenhuma delas tem interesse na maternidade.

Segundo alguns doutrinadores, a problemática se torna maior quando o conflito é negativo, pois a ausência de interesse de qualquer das partes levará à necessidade de, inicialmente, atribuir-se a guarda da criança a uma terceira pessoa, enquanto aguarda-se a decisão judicial da maternidade.

Mas, não menos desafiador, seria decidir a guarda da criança no conflito positivo, visto que de um lado existe a mãe biológica, que além de fornecer o elemento gerador, o óvulo, passa nove meses alimentando o desejo da maternidade, aonde algumas chegam a desenvolver todos os sintomas de uma gravidez (gravidez psicológica)

Do outro lado, está a mãe gestacional, que emprega suas energias físicas e psíquicas na formação de um novo ser, e, por nove meses passa a nitri-lo com seu próprio sangue, sujeitando-se aos riscos e desconfortos da gravidez e do parto. Como decidir questão que envolve direitos fundamentais contrapostos? Indagação que será respondida em momento oportuno.

7.3 Desbiologização da Maternidade

As conquistas obtidas pela verdade biológica foram preteridas nos processos de Reprodução Assistida

Assim, o esvaziamento do conteúdo biológico da maternidade vem ocorrendo a algum tempo na sociedade, sendo auxiliado pela transformação da família que, de instituição econômica, social e religiosa, vem se afirmando como uma união entre membros, objetivando a afetividade, a base psicossocial.

A partir deste ponto de vista, passa-se a questionar qual a verdade que o direito positivo, baseado em construções jurídicas abstratas, permite estabelecer: a verdade biológica, aquela relacionada com os laços de sangue? Ou a verdade afetiva, a que corresponde à maternidade vivida?

Para Eduardo de Oliveira Leite (1995, p. 203) “O direito da filiação não é somente o direito da filiação biológica, mas é também o direito da filiação querida, da filiação vivida. O direito da filiação não é somente um direito da verdade. É também, em parte, um direito da vida, do interesse da criança”

Dessa forma, apesar da omissão legal, a maternidade não deve ser aferida apenas no seu aspecto biológico, mais, também, no seu aspecto afetivo. Afinal não se pode esquecer o direito de família, tem como elemento cerne relações humanas.

7.4 Supremacia do Direito da Criança em Detrimento ao Direito da Provável Mãe

Reportando-se a Constituição Federal de 1988, as crianças e adolescentes são prioridades absolutas no que se refere à salvaguarda de seus direitos fundamentais, cabendo a família, sociedade e ao Estado assegurar seus direitos fundamentais.

Essa garantia é reforçada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 18 que prega: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.

De regra, o nascimento de uma criança esperada é motivo de alegria e celebração para seus pais, afinal um filho é a real concretização da perpetuação de dois seres.

A mãe é acometida por um sentimento nunca tangível - o sentimento maternal, a partir deste ponto tudo fica diferente, a alma se enche de grandeza e abnegação, a mulher mãe não se ver mais sozinha, a natureza lhe confere um presente divino, valorado mais que qualquer coisa.

Exceção a este processo ocorre na concepção de um filho por meio da maternidade de substituição, neste uma mulher é mãe biológica sem ter dado a luz a um filho, e outra é mãe desse mesmo filho, a qual gestou e deu a luz.

A guisa dessa possibilidade trazida pelas descobertas biotecnológicas, na maternidade de substituição os conceitos e os sentimentos se confundem, brotando uma preocupação quanto à determinação da maternidade da prole em questão; agravada na hipótese em que essas mães batalham judicialmente pela guarda da criança

Para se conceber pela fertilização in vitro utilizando-se da técnica de maternidade de substituição, é preciso ter como ponto de partida a consignação de qual o interesse primordial a ser tutelado, o da mãe biológica, da mãe afetiva ou da criança que já nasce sendo alvo de disputa muitas vezes por ordem de sentimentos egoísticos.

É necessário considerar que a proteção a ser invocada deve fixar-se nos direitos do nascituro, pois as mães, biológica ou sub-rogada são perfeitamente capazes e conscientes de seus atos. Importa, portanto, em determinar qual será a melhor maternidade para a criança.

Independentemente da técnica adotada, consenso está entre os doutrinadores de que na determinação da maternidade o que deve prevalecer é, sobretudo, os interesses da criança.

Segundo Juliane Fernandes Queiroz (2001, p. 21) “O bem estar do filho e seus interesses preponderam sobre a instituição familiar, que se funda cada vez mais na afeição mútua em que os interesses dos indivíduos preponderam sobre os interesses da instituição”.

Atualmente, a responsabilidade quanto à criança não cabe apenas a seus pais, mas ao Estado que tem o dever de tutelar seus interesses.

O artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente regulamenta que a criança ou o adolescente tem o direito de ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta.

Assim, é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público zelar, entre outros, proporcionar a criança e ao adolescente, a sua integridade física, psíquica e moral.

A esse respeito dispôs o Simpósio Internacional sobre a Bioética e os Direitos das Crianças, organizado pela Associação Mundial dos Amigos das Crianças —AMADE e a UNESCO, realizado em Mônaco, de 28 a 30 de abril de 2000 ao considerar que “Quando houver diferença de interesses, o interesse da criança deve, em princípio, prevalecer sobre o do adulto”.

Naturalmente, é bom lembrar que o que está em jogo é mais do que guarda do filho. É o estabelecimento do seu próprio status de filho, que é personalíssimo, indisponível, imprescritível.

Quanto à prática de maternidade de substituição, a sociedade ao mesmo tempo em que esperou ansiosamente pela evolução da ciência da saúde, a vê atualmente ressabida quanto as suas conseqüências de ordem moral, ética e jurídica.

 Desautoriza, assim, a sociedade fechar os olhos para essas conseqüências. É preciso uma regulamentação, que delibere sobre o tema e suas conseqüências, estabelecendo os bens, direitos e garantias fundamentais que devem ser valorados.

Enquanto isso, no pertinente a determinação da maternidade (gestacional ou biológica), estabeleceu-se por hora que a melhor maternidade é a que proporcionará uma melhor vida a criança.

Com isso não se quer esquecer os sentimentos que envolvem estas mães, e sim priorizar o direito da criança de ser criada com as melhores condições possíveis, haja vista ser este o ônus que as mães devem suportar, por serem capazes e proporcionalmente responsáveis pelo nascimento da mesma.

Contudo, não se pode esquecer que ser mãe é um ato de amor, amor este incondicional, e a incondicionalidade desse amor se fundamenta no que for melhor para seu filho.    

8 CONCLUSÃO

O direito deve está sempre se refazendo, de acordo com a mobilidade social, pois só assim será instrumento eficaz na garantia da harmonia e do equilíbrio social.

Com a eclosão do progresso cientifico biotecnológico, neste ultimo século, surgiram um nova geração no direito, sob o prima do homem como meio para experimentos científicos na área da saúde

Na mesma proporção gerou uma lacuna não só no ordenamento jurídico brasileiro, como também nas normas jurídicas de outros países; que não conseguiram atingir tal progresso.

Restaram as normas sociais, éticas e analogicamente a norma de direito existente solucionar as indagações e conflitos; enquanto inexistente legislação que trate especificamente da proteção dos direitos e garantias fundamentais do homem enquanto produto da experimentação científica.

Na evolução das práticas de Reprodução Assistida e na possibilidade das mães de substituição os julgamentos norteadores para a determinação da maternidade modificaram-se.

Atualmente, não se pode levar, apenas, em consideração aspectos biológicos, gestacionais e afetivos ou até mesmos legais.

O conjunto desses aspectos se mostra insuficiente quando se priorizam os interesses do infante, enquanto sujeito de garantias que deve ser tutelado, uma vez que o mesmo nasce desprovido de discernimento para escolher o que é melhor para si.

Determinar no conflito positivo a maternidade a uma das mães, seja a biológica que espera esse filho até mesmo antes da concepção, seja a mãe gestacional, que desenvolve uma ligação única de afeto com o bebê em seu ventre; não raras vezes, configura uma decisão injusta e até mesmo censurável, tamanha subjetividade da questão como também pelo impacto emocional causado a parte que ver seu direito de ser mãe cerceado.

Nesse sentido tais decisões jurídicas precisam ser balizadas no interesse do menor, não competindo escolher, unicamente, quem tem o direito de ser mãe, mas, sobretudo escolher a maternidade que melhor responderá as necessidades primordiais da criança em questão.

A guisa desse posicionamento, o juiz ao dirimir questões conflitantes na determinação da maternidade deve buscar acima de qualquer aspecto e circunstancias, os direitos da criança, assegurando seus interesses.

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Notas:

 

 

[1] http:// www.flaviotartuce.adv.br/secoes/ enunciados/enu_IIIjornada.doc

 

Como citar o texto:

MENDES, Christine Keler de Lima..Mães substitutas e a determinação da maternidade: implicações da reprodução mediamente assistida na fertilização in vitro heteróloga. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 180. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/1282/maes-substitutas-determinacao-maternidade-implicacoes-reproducao-mediamente-assistida-fertilizacao-in-vitro-heterologa. Acesso em 29 mai. 2006.

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