- INTRODUÇÃO
O artigo em tela tem por escopo abordar a situação em que se inserem os integrantes da união estável como sujeitos de direito, e a proteção legal oferecida as uniões informais no que se refere às legislações de 1994 e de 1996, bem como a Constituição Federal de 1988 e os Códigos Civis de 1916 e 2002.
A preocupação em tratar deste tema adveio da necessidade de se levantar a discussão a respeito da guarida oferecida pelo Direito aos indivíduos que vivem sob o instituto desta relação constituída principalmente por um caráter de liberdade. É de total relevância atentar-se para o momento em que se inicia tal relacionamento de forma que venha a gerar os efeitos patrimoniais característicos.
A união estável é uma relação que se equipara em seus efeitos ao casamento, pois ambos são regidos pela comunhão parcial de bens. No entanto, no que tange ao início, enquanto o casamento tem seu princípio no momento da celebração, a união estável não possui uma data estipulada para começar. Detectar quando esta união se iniciou é de suma importância para configurar quais bens serão exclusivos a cada companheiro e quais se comunicarão.
Nossa legislação não prevê uma demarcação exata de tempo para caracterizar a união estável. Até mesmo porque isso é praticamente impossível, tendo em vista o caráter de liberdade dessa relação. Porém, na prática, pode-se tentar através de critérios, chegar a certa delimitação. Com fulcro no artigo 226, parágrafo terceiro da Constituição Federal, o critério mais adequado seria a real intenção de se constituir uma vida familiar.
Pretende-se com este trabalho abordar a caracterização do instituto união estável, de forma a gerar efeitos patrimoniais. Para tanto se faz necessária uma distinção entre aquele instituto e o namoro, bem como distingui-la do casamento civil. Fundamentando-se na doutrina e jurisprudência, busca-se chegar a uma conclusão a respeito dos efeitos patrimoniais de cada relação.
O namoro não gera qualquer efeito patrimonial, porque se trata de um relacionamento sem nenhum efeito jurídico. Ainda que os namorados morem juntos, possa ser que essa co-habitação se remeta apenas a um mero namoro e não a uma união estável.
De acordo com a Súmula 382 do STF que dispõe: “A vida em comum sob o mesmo teto more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato”, não basta apenas que os namorados dividam a mesma casa para que seja caracterizado um relacionamento como a união estável. Ao revés, o contrato de namoro não obsta que haja a caracterização de uma união estável se esta realmente existir na prática.
No casamento civil o casal pode adotar alguns regimes, como a separação de bens, participação final nos aqüestos, comunhão universal dos bens e, finalmente, a comunhão parcial dos bens. Já na união estável, este último regime é adotado automaticamente, por analogia.
Sendo assim, os bens adquiridos pelo casal durante a vigência daquela relação, se comunicarão, bem como acontece no casamento civil sob o regime da comunhão parcial de bens. Excluindo-se desta comunicação, porém os bens que foram adquiridos individualmente pelos companheiros anteriormente ao início da união estável.
Dessa forma, torna-se imprescindível uma tentativa de delimitação do princípio do instituto união estável para saber exatamente a partir de quando os bens do casal se comunicam. E isso pode ser comprovado através de, por exemplo, testemunhas. Visto que, por meio de depoimento de pessoas que presenciaram a passagem de um mero namoro para um relacionamento mais profundo com a união estável, é possível detectar o princípio dos efeitos patrimoniais. E, principalmente, através de um critério que seria a real intenção de constituir família.
- UNIÃO ESTÁVEL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A família é considerada uma instituição formada de um agrupamento humano originado à partir do parentesco (laços consangüíneos), do casamento, ou da união estável. E é por meio dos artigos 226 a 230 da Constituição Federal de 1988 que se concede a garantia de total proteção do Estado à essas entidades familiares.
Somente a partir da Constituição Federal de 1988 é que deu-se maior destaque à família como base da sociedade, inovando ao incluir como entidade familiar, além do casamento, a união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
A partir daí deixaram de existir os conceitos de família legítima e ilegítima, tratando-se de forma igualitária os filhos independentemente da relação que os gerou, com base nos §s 3o e 4o do artigo 226. Por conta disso a união estável deixou de ser regida pelo Direito Obrigacional e passou a reger-se pelo Direito de Família.
Prova do caráter de liberdade que reveste a união estável está na súmula 382 editada pelo STF, segundo a qual se caracteriza a ocorrência deste instituto ainda que os companheiros não residam sob o mesmo teto.
O termo união estável passou a ser utitilizado por conta da discriminação que trazia o concubinato. Atualmente união estável significa o mesmo que o antigo concubinato puro, ou seja, conforme disposição do artigo 1.723 do Novo Código Civil “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
Ainda assim, com toda a proteção constitucional oferecida à união estável, esse instituto não se iguala ao casamento, apenas se estabeleceriam os efeitos patrimoniais para aquelas relações informais. O que acontece, na verdade é uma preocupação em se proteger juridicamente o relacionamento construído pelos companheiros. E com isso, passou a se presumir como comuns os bens adquiridos pelos companheiros no decorrer da união. Defende essa idéia Lourival Silva Cavalcanti ao afirmar que: “Seu direito emerge senão de um contrato, da própria convivência como fato social: ex facto otirus jus”.
Entretanto, Helder Martinez Dal Col ressalva que:
Com efeito, a elevação da união estável à condição de matriz geradora da família não representa nenhuma ameaça à instituição família. Pelo contrário, reforça-lhes as bases. Quando muito, poder-se-á verificar em futuro não muito distante, um enfraquecimento mais acentuado do casamento formal, nos moldes em que hoje é imposto pela Igreja e pela própria sociedade.
São diversas as diferenças entre o casamento e a união estável e muitas as pessoas que, atualmente, têm optado pelo segundo instituto e nesse estado permaneçam – ainda que seja facilitado constitucionalmente aos companheiros a conversão da união estável em casamento.
Tal fato se deve principalmente a idéia errada que os companheiros têm da facilidade de rompimento dessa relação. Errada porque ao revés do que eles acreditam, a dissolução de uma união estável torna-se muito mais complicada e trabalhosa do que a separação do casal que teve as regras do seu relacionamento estabelecidas previamente.
Enquanto o casamento possui data certa de início, que se configura no dia em que aconteceu a sua celebração, a união estável não apresenta uma delimitação para seu princípio. Por conta disso é gerada grande discussão a respeito da sua duração, de forma que passe a resultar nos efeitos patrimoniais.
Segundo as atuais disposições a respeito do tema, não mais se estipula em anos de convivência um relacionamento para que recaia em união estável. Atualmente deve ser provada a sua existência por outros meios caracterizadores. A prova poderá ser feita de forma documental e em último caso, até testemunhal. A documental pode ser, por exemplo, por meio da apresentação de extrato bancário de conta conjunta, ou ainda do comprovante de dependência em plano de saúde.
Enfim, tudo gira em torno da comprovação da existência do real interesse do casal em constituir uma família.
Lógico que quando os companheiros iniciam seu relacionamento, em alguns casos, não se percebe claramente a intenção em formar uma família a partir daquele relacionamento. Nesse ponto diverge o casamento eis que aquela intenção surge desde o dia em que foi celebrado o matrimônio.
Para saber se um relacionamento se constitui realmente numa união estável é necessária a observância de alguns requisitos. Estes últimos podem ser: objetivos, subjetivos, e formais. Os objetivos dizem respeito ao fato de aquela relação ter que ser pública, contínua e duradoura. Os subjetivos têm a ver com o fato de a união ser entre homem e mulher com o “animus” de constituir família. Já o formal consiste na possibilidade que esse instituto abre para ser firmado contrato de convivência entre as partes.
Da união estável são gerados alguns deveres - em que pese todo seu caráter de liberdade -, trazidos pelo artigo 1.724 do Novo Código Civil. Dessa forma, os companheiros possuem o dever múto de: lealdade, respeito e assistência, guarda, sustento e educação dos filhos. Parecidos com os deveres conjugais, distinguindo-se somente na substituição feita pelo legislador de fidelidade para lealdade, que possui um conceito mais abrangente.
Quando da dissolução da união estável geram-se os efeitos patrimoniais. Um desses efeitos é a meação dos bens adquiridos pelo esforço comum dos companheiros. Sendo assim os bens conquistados pelos conviventes no decorrer da união estável serão partilhados ao término daquela relação, bem como ocorre no casamento regido pela comunhão parcial de bens.
Decorre da união estável também o direito aos alimentos, por conta do dever de mútua assistência. Há ainda o direito à herança, segundo o qual o companheiro sobrevivente tem direito a parte dos bens deixados pelo outro falecido.
Em que pese a união estável ter adquirido proteção constitucional, não foi obstada a necessidade de uma lei específica para definir aquele instituto e tratar de seus efeitos legais.
3. LEI No 8.971 DE 1994 E LEI No 9.278 de 1996
A Lei no 8.971 de 1994, chamada de Lei dos Concubinos como a própria denominação indica, veio com o objetivo de disciplinar o instituto do concubinato.
Contudo não houve uma preocupação em definir união estável ao passo que sequer esse termo foi utilizado, conforme sustenta Irineu Antonio Pedrotti quando fala que:
A Lei no 8.971 de 1994, não utilizou, como a Constituição Federal, a expressão união estável. Optou, inexplicavelmente, pela digressão ou desvio da técnica constitucional, como recurso jurídico para definir a união entre os companheiros de sexo opostos.
Essa lei conceituou apenas companheiros como sendo o homem e a mulher que mantinham união comprovada, no estado de solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos por mais de 5 anos. Além disso, regulou o direito dos conviventes a alimentos e sucessão que é tratada no artigo 2o.
Os requisitos essenciais para a caracterização da união estável presentes na lei consistiam na convivência num prazo de no mínimo 5 anos, ou então o nascimento de um filho dos conviventes. Aqui se utiliza o termo conviventes por conta da exigência presente na lei de que o homem e a mulher vivessem sob o mesmo teto.
Constam no artigo 2o da lei os deveres dos companheiros, sendo estes: a lealdade; o respeito e a consideração; a assistência moral e material.
A partir dessa disposição legislativa deixou de se admitir a existência do concubinato adulterino, ou seja, o impuro. Sendo assim, a união que tivesse o intuito de constituir família, seguindo os mesmos padrões éticos e morais que o casamento seria reconhecida pela sociedade como entidade familiar.
Vale salientar que a lei anterior não foi revogada com a edição da lei no 9.278 de 1996, porque ainda há a utilização daquela lei para regulamentar alguns detalhes sobre as uniões informais.
Essa nova lei foi responsável pela regulamentação do § 3o do artigo 226 da CF de 88. Somente com essa disposição se inseriu o concubinato no âmbito de competência da vara de família, cabendo assim ao juiz de direito desta vara a análise da existência ou não da união informal de caráter estável.
O artigo 1o da lei trouxe o conceito de união estável que ainda não havia sido abordado: “É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.
Com estes requisitos trazidos pela lei no artigo 1o, necessários para a constituição da união estável, deu-se fim a exigência da lei anterior no que diz respeito a convivência por cinco anos. A partir de então bastava que a união se desse de forma duradoura, pública e contínua, independente da quantidade de meses ou anos.
Coaduna com tais idéias Eduardo Carvalho em citação do livro de Helder Martinez Dal Col, ao dizer que:
O companheirismo não é mais uma situação jurídica decorrente de um “fato jurídico” (o decurso do prazo de 5 anos ou o nascimento de um filho), mas é um “acordo de vontades” que produz, desde logo, os seus efeitos. Assim, como o casamento produz efeitos desde sua celebração, o concubinato produz efeitos (teoricamente) desde o acordo de vontades das partes, no sentido de manter uma convivência nos termos do art. 1o da Lei n o 9.278. Por isso, não cabe falar em equiparação do namoro ou do romance eventual ao companheirismo: somente o acordo de vontades no sentido de uma convivência “duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.
No artigo 5o esta lei tratou da partilha de bens por meio da comunicação dos aqüestos, móveis ou imóveis adquiridos por ambos a título oneroso, por ser presumido o esforço comum, ocorre que essa presunção poderia ser ilidida. Com isso haveria a comunhão dos bens adquiridos durante o concubinato e se dariam os efeitos patrimoniais caso houvesse a morte de um dos conviventes. Além disso, a lei versou também sobre alimentos.
4. UNIÃO ESTÁVEL NO NOVO CÓDIGO CIVIL
No Novo Código Civil há um livro, o IV, dedicado à família, o qual caracteriza a união estável, versa sobre seus impedimentos, deveres dos companheiros e o regime de bens do artigo 1.723 ao 1.727.
Em seu artigo 1.723 a união estável tem como requisitos para sua constituição os mesmos trazidos pela lei no 9.278 de 1996, ou seja, duradoura (não dependendo de prazo), pública (que as pessoas tenham conhecimento) e, contínua (sem interrupções significativas). Além desses, deveria haver, principalmente, o objetivo de constituir família, existindo assim a comunhão de vidas e interesses.
No § 1o do Novo Código Civil foram estendidos à união estável os impedimentos a realização do casamento, presentes no artigo 1.521. Então enquanto houvesse impedimentos ao casamento, não se constituiria união estável.
Entretanto, há uma importante exceção, que consiste no caso de a pessoa encontrar-se separada de fato ou judicialmente. Afinal, para casar novamente, a pessoa já casada deve aguardar o momento do divórcio, mas com a união estável isso não ocorre, eis que basta que o companheiro não tenha mais uma vida conjugal com outra pessoa para que se constitua aquele instituto.
As regras para a união estável presentes no artigo 1.724 são praticamente as mesmas do casamento, com exceção da coabitação que não se faz necessária no primeiro instituto por conta da Súmula 382 do STF, já comentada anteriormente neste trabalho.
O artigo 1.724 apresentou como um dos deveres da união estável a lealdade ao revés da fidelidade exigida no casamento, porque aquele primeiro dever é mais amplo que este. A assistência a qual se refre também este artigo é além de material, moral.
Houve uma inovação trazida pelo artigo 1.725 que colocou o regime da comunhão parcial de bens, automaticamente, à união estável. Trata-se de uma inovação porque a lei de 1996 dizia que os bens adquiridos durante a união estável seriam partilhados por conta do esforço comum, mas se fosse comprovado que este não ocorreu, não haveria a partilha. Atualmente, independentemente da existência na prática do esforço comum, haverá a partilha dos bens.
O artigo 1.726 trata – assim como a parte final do § 3o do artigo 226 da Constituição Federal de 1988 – da conversão da união estável em casamento, contudo explicitada como ocorreria essa facilitação.
Foi o artigo 1.727 que trouxe a distinção entre união estável e o concubinato, ao dizer que haverá concubinato quando existir impedimento para o casamento, já a união estável se constitui quando não houver impedimento. No entanto essa disposição encontra-se divergente com o § 1o do artigo 1.723. Esclarece tal fato Rodrigo da Cunha Pereira quando fala que:
A expressão “impedidos de casar” está aí inadequada e impedindo-nos uma leitura clara e a tradução melhor deste dispositivo. É que os separados judicialmente são impedidos legalmente de se casarem e, no entanto, podem constituir uma união estável, até mesmo pelo disposto no artigo 1.723 desse mesmo código. Compreendendo o “espírito” da lei, pode-se interpretar este artigo como uma distinção entre concubinato adulterino e não-adulterino, como aliás vem fazendo a jurisprudência e a doutrina.
Finalmente, os alimentos são tratados no artigo 1.694, que estende este direito aos conviventes, caso haja necessidade, por se tratar de mais um tipo de entidade familiar. O direito dos companheiros à sucessão hereditária está presente no artigo 1.790, mas está restrito somente aos bens adquiridos pelos companheiros na vigência da união estável, onde haverá a concorrência com os descendentes, ascendentes e colaterais.
(Trabalho elaborado em maio de 2006)
Daiana Santos Silva
Aluna do décimo semestre do curso de Direito das Faculdades Jorge Amado.Código da publicação: 1317
Como citar o texto:
SILVA, Daiana Santos..Os "companheiros", contraentes da união estável como sujeitos de Direito. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 183. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/1317/os-companheiros-contraentes-uniao-estavel-como-sujeitos-direito. Acesso em 19 jun. 2006.
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