Efeitos patrimoniais da união estável
Os efeitos patrimoniais da união estável consistem nas conseqüências que este instituto traz economicamente aos companheiros, os direitos que eles adquirem por serem contraentes deste relacionamento. E estes efeitos decorrem do fato de a união estável ser constitucionalmente prevista como uma das entidades familiares.
A meação dos bens comuns adquiridos no decorrer da união estável, os alimentos, e a sucessão hereditária representam os efeitos patrimoniais da união estável. A meação e os alimentos são direitos que apresentam-se da mesma forma tanto para os cônjuges quanto para os companheiros, já a sucessão hereditária se apresenta de forma distinta, beneficiando mais o cônjuge sobrevivente.
Meação
A meação consiste na divisão dos bens adquiridos pelos companheiros na vigência da união estável. Esta se dá por conta da proteção constitucional oferecida aos contraentes desse tipo de união, na medida em que se trata também de uma entidade familiar. A jurisprudência, com a Súmula 380 do STF, também prevê a meação entre os companheiros.
Segundo dispunha a Lei no 8.971/94 em seu artigo 3o, a meação entre companheiros era possível, desde que se realizasse após o falecimento de um deles. Além disso, havia a imprescindibilidade da comprovação do esforço comum do contraente, ou seja, ele(a) deveria demonstrar que no decorrer da união contribuiu para a aquisição daqueles bens que pleiteia.
Sendo assim, este companheiro, sobrevivente, teria direito à uma parte dos bens, referentes aos percentuais de suas contribuições. Esta Lei omite-se quanto à Súmula 380 do STF que apresenta a partilha de bens dos concubinos ao término da união, eis que se tratava de um sociedade de fato.
Já a Lei no 9.278/96 estabelecia no artigo 5o o condomínio dos bens adquiridos pelos companheiros na vigência da união - contanto que não fossem produtos de outros anteriores à vida em comum. A partir de então, todos os bens adquiridos individualmente ou por ambos passariam a pertencer de forma igual aos companheiros.
Vale ressaltar que essa aquisição diz respeito somente aos bens adquiridos em caráter oneroso, excluindo-se, portanto, desse rol os bens provenientes de doação ou herança. Além disso, essa lei nada menciona a respeito do esforço comum, pois este seria presumido, cabendo, portanto, a cada companheiros metade dos bens adquiridos no decorrer da união sem que haja necessidade de comprovação da colaboração na aquisição.
Contudo, a presunção do esforço comum é somente relativa, afinal os companheiros podem firmar contrato de convivência que em suas cláusulas modifique o regime de comunhão parcial de bens, automaticamente adotado, conforme já tratado em capítulo anterior.
Em que pese a existência de contrato de convivência dispondo a não participação de um dos companheiros na meação dos bens adquiridos por ambos, o que foi prejudicado, caso comprove a sua participação para aquisição desses bens, terá direito à meação. Tal fato se deve à relatividade do esforço comum dos contraentes de união estável.
No artigo 1.725 do Novo Código Civil está previsto o regime da comunhão parcial dos bens para a união estável, caso não tenha sido firmado contrato pelos companheiros que disponha outro regime.
Essa disposição trouxe uma evolução ao instituto da união estável ao não mencionar a palavra “presunção”. Sendo assim, não há porque questionar a existência do esforço comum dos companheiros na aquisição dos bens. Ou seja, o esforço comum não será mais presumido, eis que pouco importa doravante se houve colaboração individual, afinal ambos os companheiros farão jus a meação dos bens.
Na verdade o legislador andou bem ao omitir-se quanto ao esforço comum, eis que a colaboração na aquisição dos bens pode se dar de diversas formas, não somente financeiramente. Pois uma companheira, por exemplo, que não trabalhe e não tenha contribuído com seus dividendos para a compra de algum bem, pode ter participado ao dar apoio ao companheiro, representando isso também um esforço. Nesse caso, então, ela está equiparada quanto aos direitos patrimoniais à figura da esposa, eis que ambas colaboraram para a constituição de uma família.
Os artigos 1.660 e 1.659 trazem os bens que participarão da meação seguindo o regime da comunhão parcial de bens como versa Euclides de Oliveira:
Entram na comunhão:
I- os bens adquiridos na constância da união por título oneroso, ainda que só em nome de um dos companheiros;
II- os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;
III- os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os companheiros;
IV- as benfeitorias em bens particulares de cada companheiro;
V- os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada companheiro, percebidos na constância da união, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.
Nota-se a partir desta citação que são excluídos da meação os bens particulares, quais sejam: os bens individuais adquiridos anteriormente à união; bens objetos de doação ou herança a somente um dos companheiros; bens adquiridos com produto de um outro bem que não possa ser objeto de meação; e bens de uso pessoal.
Em se tratando de bens particulares, a administração será individualmente efetuada pelo seu proprietário. No entanto, se os bens forem comuns, tanto um quanto o outro companheiro poderá administrá-lo desde que se utilize da anuência do outro para a realização de determinados atos, como trata o § 2o do artigo 1.663.
Alimentos
Os alimentos decorrem do dever de assistência material e podem ser devidos por ambos os contraentes da união estável, no decorrer deste instituto bem como ao seu término, se houver necessidade e não por culpa de algum destes.
A Lei Nº. 8.971/94 não prevê de maneira explícita o dever de prestação alimentar na união estável. Esta lei trazia como requisitos para a prestação de alimentos a convivência por mais de cinco anos ou a existência de filhos, bem como a não superveniência de uma nova união do alimentado.
Já a Lei Nº. 9.278/96 modificou os requisitos para constituição da união estável, e, sendo assim, os alimentos só seriam devidos no caso de haver o rompimento do relacionamento que foi duradouro, público e contínuo, por conta do dever de assistência material.
O Novo Código Civil, em seus artigos 1.694 e 1.724 apresenta como dever o mútuo sustento, e por conta disso, os alimentos são devidos tanto na vigência da união quanto a partir do momento de sua dissolução. Vale frisar que por conta do dever de assistência material entre os companheiros, os alimentos não podem ser objeto de renúncia por meio da fixação de cláusula em contrato de convivência.
A prestação alimentar ocorrerá quando um dos companheiros depender econômico-financeiramente do outro. Portanto, é justo que o que possui melhores condições, arque com os alimentos do outro que provisoriamente não tem chances de obter seu sustento ainda.
A culpa não mais está presente nesta determinação judicial como critério ensejador da concessão de alimentos, eis que estes são devidos única e exclusivamente no caso de um dos companheiros deles depender até que possa garantir seu próprio sustento. Sendo assim, não se trata mais de uma punição e sim de um apoio ao ex-companheiro com o qual formava uma entidade familiar.
Neste sentido diz Fábio Alves Ferreira que:
O dever de alimentos tem como fim precípuo viabilizar o sustento do membro do grupo familiar que não tem como arcar com as despesas imprescindíveis à sua subsistência digna, compreendendo nestas os gastos necessários com alimentação, vestuário, transporte e habitação, após a dissolução da vida em comum.
Ou seja, os alimentos são devidos somente se houver e enquanto perdurar a necessidade. O valor dos alimentos – o qual será prestado periodicamente - é fixado pelo juiz de acordo com o caso concreto, levando-se em conta o equilíbrio entre a necessidade do companheiro credor e a possibilidade do outro de arcar com a quantia sem que isso lhe cause prejuízos.
Para Euclides de Oliveira a prestação de alimentos consiste em: sustento, moradia, vestuário, saúde, educação, transporte e lazer. Tudo com moderação e razoabilidade, já que não se concebe prestação alimentícia para atender gastos supérfluos, luxo ou suntuosidade.
Além de fixar o valor, será também fixado pelo julgador o prazo de duração da prestação dos alimentos, que servirá de fase de readaptação do companheiro necessitado a uma nova vida. Dessa forma, havendo qualquer modificação na situação financeira do companheiro credor dos alimentos, no sentido de uma melhora a ponto de lhe ser possível manter-se por si só, tem fim o dever de prestação dos alimentos.
Da mesma forma, se houver alguma modificação na situação econômica do alimentante na medida em que não possua mais condições de cumprir seus deveres quanto ao alimentado, também cessa aquela prestação. Pois, o dever de alimentos não deve comprometer de forma alguma o sustento próprio do alimentante.
Vale salientar que o dever de prestação dos alimentos cessa também com a morte do alimentante, eis que corresponde a um dever personalíssimo, não podendo assim ser transmitido. Os herdeiros podem e devem somente arcar com o pagamento dos valores pendentes até a morte do credor.
Sucessão hereditária
A época do Código Civil de 1916 não havia previsão do direito à sucessão hereditária entre companheiros. Em caso de falecimento somente os descendentes, ascendentes, o cônjuge sobrevivente, e até os colaterais poderiam fazer jus ao direito de sucessão.
De acordo com a disposição do inciso III do artigo 1.719 do Código Civil de 1.916, a única maneira de o companheiro adquirir bens do outro após seu falecimento, seria por meio de testamento em seu favor. Portanto se o que faleceu não tivesse essa preocupação em vida, nada receberia o supérstite.
Ocorre uma evolução nesse sentido com o advento das Leis Nº. 8.871/94 e 9.278/96, os companheiros adquiriram o direito de sucessão hereditária em caso de morte do outro. A lei de 1994 traz como requisito para o direito à sucessão por companheiros que a união tenha sido por mais de cinco anos ou com filhos. E a de 1996 diz que terá direito à sucessão hereditária o companheiro que tenha se unido a outro de forma duradoura, pública e contínua com o objetivo de constituir família.
Entretanto, o Novo Código Civil não dá prosseguimento ao que foi disposto nas leis, na medida em que seu artigo 1.790 apresenta a possibilidade de o companheiro sobrevivente, após a morte do outro, ter direito somente aos bens adquiridos onerosamente no decorrer da união estável.
Lourival Silva Cavalcanti confirma este retrocesso ao afirmar que:
O novo Código, no art. 1.790, insere o companheiro sobrevivo na sucessão do extinto quanto aos bens adquiridos a título oneroso durante a convivência, contemplando-o com cota variável conforme a qualificação dos herdeiros com que concorra, a saber: a) com cota igual à que por lei for atribuída ao filho comum (inciso I); b) com a metade da cota que caiba ao descendente só do de cujus (inciso II); e c) com a terça parte da herança se concorrer com outros parentes sucessíveis do finado (inciso III). No inciso IV defere-se ao supérstite a totalidade da herança na ausência de parentes sucessíveis.
Dessa forma, no caso de o companheiro falecido ter deixado somente bens particulares, o sobrevivente não terá direito a nada. Terá direito a toda a herança somente se tratar-se de bens que foram adquiridos onerosamente na vigência da união, e em caso de não haver outros herdeiros.
Importante também ressaltar que somente terá direito à sucessão o companheiro que tiver mantido a união estável até a data da abertura da sucessão, a data da morte do seu parceiro, e que por isso não tenha havido uma nova união. Com isso, até a data que não constituísse nova união, teria direito também ao usufruto dos bens deixados pelo falecido, segundo disposições anteriores. O novo Código Civil só abarca o direito à habitação, desde que sejam observados os mesmos requisitos que eram para a obtenção do direito ao usufruto.
Quanto ao caso de o companheiro separado de fato ou judicialmente vim a falecer, o supérstite somente fará jus ao direito à sucessão hereditária no caso de a separação do ex-cônjuge ter se dado há mais de dois anos. Nesse ponto também o novo Código Civil apresenta uma contradição na medida em que reconhece a existência da união estável no caso de um dos contraentes estarem separado de fato ou judicialmente, entretanto não concede o direito à sucessão hereditária para esse companheiro sobrevivente.
No caso de previsão testamentária, o companheiro sobrevivente tem a possibilidade de adquirir os bens deixados pelo falecido, inclusive os particulares, desde que sejam respeitados os direitos dos herdeiros necessários.
Contudo, aqui também peca o Novo Código Civil ao dispor em seu artigo 1.801 que somente terá direito aos bens deixados por testamento de pessoa separada de fato ou judicialmente o companheiro que tivesse contraído união estável com essa pessoa há mais de cinco anos. O que soa injusto, eis que o tempo deixou de ser requisito para união estável, portanto não deveria se constituir como requisito também para os efeitos patrimoniais.
Apóia tal idéia Euclides de Oliveira ao assinalar que:
Há contradição com o disposto no artigo 1.723 § 1o, segunda parte, do mesmo Código, que possibilita o reconhecimento de união estável de pessoa casada ou separada judicialmente ou de fato. Essa mesma contradição, aliás, encontra-se no próprio conceito de concubinato trazido no artigo 1.727, por referir relações não eventuais entre homem e mulher impedidos de casar, sem as ressalvas que constam do citado § 1o do artigo 1.723.
CONCLUSÃO
A existência da união estável - modalidade de união informal entre homem e mulher -, é por demais latente na sociedade atual. Muitas pessoas têm optado por este tipo de relacionamento por conta da sua informalidade e do caráter de liberdade que traz consigo.
Mas nem sempre foi assim. Por muito tempo este tipo de relação entre homem e mulher foi permeado de muito preconceito e discriminação. Eis que quem mantinha essa união eram pessoas tidas como desrespeitosas aos costumes, à moralidade e tal modo de vida recaía em ilicitude. Havia a denominação de concubinato, que ficou marcado por ser um relacionamento adulterino, eis que ainda não havia o divórcio.
A Constituição Federal de 1988 em seu § 3o do artigo 226 modificou essa idéia ao inserir a união estável como espécie de entidade familiar, garantindo, assim a proteção de seus contraentes pelo Estado. Na medida em que quem optasse por não casar-se, poderia ter vida comum com outrem contanto que não se tratasse de relação incestuosa ou adulterina.
Mais tarde surgiram as Leis N o. 8.971/94 e 9.278/96 para tratar mais especificamente sobre a união estável. A primeira trazia como requisitos para a constituição da união estável: que fosse entre homem e mulher; que os contraentes fossem solteiros, viúvos, ou separados de fato ou judicialmente; e que a união perdurasse por mais de cinco anos, ou que houvesse filho frutos da relacionamento. Já a outra lei apresentou uma evolução ao trazer como requisitos: a durabilidade; continuidade; e publicidade da união.
Esses requisitos foram apresentados também pelo Novo Código Civil. O que colocou os companheiros em pé de igualdade quanto a muitos fatores com relação aos cônjuges. Dessa forma, imaginava-se com isso que finalmente os companheiros teriam respeitados os seus direitos patrimoniais, na medida em que contavam com a proteção constitucional como qualquer outra família.
Entretanto, o Novo Código Civil decepcionou-os neste sentido. Em suas disposições apresenta o direito à meação e alimentos aos contraentes da união estável. Mas, no que concerne ao direito à sucessão hereditária, o Código Civil de 2002 apresenta um retrocesso à situação trazida pelas leis anteriores, eis que em caso de o falecido estar separado de fato ou judicialmente, o companheiro sobrevivente só faria jus ao direito à sucessão em caso de esta separação ter acontecido há mais de cinco anos.
E isso, nos dias de hoje parece injusto, pois como pode a união estável não ter mais como requisito de constituição o tempo de duração, e um de seus efeitos patrimoniais somente ser reconhecido aos companheiros levando-se em conta o tempo para tal?
Resta claro, enfim, que em que pese todos os avanços legislativos no sentido de proteger os contraentes da união estável, ainda há detalhes a serem modificados, para que somente assim, se faça jus ao caráter de entidade familiar o qual é revestido constitucionalmente tal modalidade de relacionamento.
Daiana Santos Silva
Aluna do décimo semestre do curso de Direito das Faculdades Jorge Amado.