INTRODUÇÃO
Sendo um ramo do Direito civil, o Direito de Família está ligado a todos os cidadãos, e, por conseqüência, atrelado às profundas mudanças sociais e comportamentais que vem passando a sociedade nos últimos tempos, principalmente no que concerne ao conceito e função da família.
Neste diapasão, a Constituição Federal de 1988 tornou, juridicamente, homens e mulheres iguais para efeitos de direitos e obrigações (art.5°, I), bem como declarou que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (art.226, §5°).
A guarda sempre se revelou um ponto delicadíssimo no Direito de Família, pois dela depende diretamente o futuro do menor. Com as mudanças cada vez mais aceleradas na estrutura familiar, procuram-se novas modalidades de guarda capazes de assegurar aos pais uma repartição eqüitativa da autoridade parental, bem como aos filhos servem para amenizar os efeitos desastrosos da maioria das separações.
Nesse contexto, surge a Guarda Compartilhada como um dos meios de exercício da autoridade parental aos pais que desejam continuar a relação com os filhos quando fragmentada a família, visando propiciar a ambos essa igualdade constitucionalmente assegurada, reforçando a necessidade de garantir o melhor interesse da criança e a igualdade entre homem e mulher na responsabilização dos filhos.
Por isso tudo, vale analisar em que medida esse instituto poderá ser um mecanismo eficaz para a redução dos conflitos familiares decorrentes da separação dos pais, já que o mesmo possivelmente encontrará diversas barreiras no momento concreto de sua aplicação, principalmente ao confrontar-se com separações decorrentes de divórcios litigiosos e com aspectos jurídicos-sociológicos relevantes da realidade Brasileira.
A Guarda Compartilhada encontra amplo fundamento psicológico, pois esse compartilhamento visa, precisamente, a amenizar as perdas que o divórcio dos pais efetivamente acarreta, beneficiando a criança à medida que ambos os pais estão igualmente envolvidos em sua criação e educação, cuidando da tentativa de diminuir os nefastos efeitos da saída de um deles da vida diária dos filhos.
Ainda, a ausência de expressa previsão legal em nosso Ordenamento Jurídico, não impede que possa ser aplicado em nosso País dependendo da informação multidisciplinar e da sensibilidade dos juizes de Família, já que os mesmos têm competência para homologar o acordo dos pais, porém sendo imprescindível a apreciação desse acordo pelos mesmos, sempre em atenção ao caso concreto e com o objetivo do bem-estar do menor, garantindo a justeza e certeza da decisão.
A EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA
Por estarmos vivendo num outro tempo, com mil e uma evoluções e transformações globais, pela constatação na realidade fática, a mulher vem se libertando de antigos preconceitos, simultaneamente ao desabrochar de um novo homem mais paterno e mais presente na vida dos filhos, que querem tão somente desfrutar maior participação na educação e lazer dos filhos como pais legitimamente autênticos, usufruindo os seus direitos, não se esquecendo jamais de seus deveres também.
Considera-se que nos últimos 10 anos houve uma grande mudança, quando se passou a compreender que a criança pode e deve conviver com o pai e a mãe, mesmo que estes não formem mais um casal, o que, por hora, se denomina de autoridade parental conjunta. Ainda que ocorram diferenças no método educativo dos genitores, não constitui um problema, na medida em que a constatação de diversidade faz parte da socialização infanto-juvenil. (RIZZI, 2004).
Absolutamente necessário, portanto, a revalorização social e jurídica do papel da paternidade, sendo louvável e honrosa a iniciativa pioneira de determinados pais, ao acordarem, por ocasião da separação, a Guarda Compartilhada.
Aliás, se, de um lado, o compartilhamento da guarda busca re-valorizar o papel do pai, de outro traz ao centro das decisões o destinatário maior do tema em debate, o menor, oferecendo-lhe um equilibrado desenvolvimento psicoafetivo e garantindo a participação comum dos genitores em seu destino.(GRISARD FILHO, 2000.p.113).
O INSTITUTO
Mas o que seria a Guarda Compartilhada? Trazemos aqui alguns conceitos, segundo renomados juristas e doutrinadores, como o ilustre Grisard Filho:
Este modelo, priorizando o melhor interesse dos filhos e a igualdade dos gêneros no exercício da parentalidade, é uma resposta mais eficaz à continuidade das relações da criança com seus dois pais na família dissociada, semelhantemente a uma família intacta. É um chamamento dos pais que vivem separados para exercerem conjuntamente a autoridade parental, como faziam na constância da união conjugal, ou de fato.(GRISARD FILHO, 2002).
Observa Azevedo que,
A possibilidade de que os filhos de pais separados continuem assistidos por ambos os pais, após a separação, devendo ter efetiva e equivalente autoridade legal para tomarem decisões importantes quanto ao bem estar de seus filhos, e freqüentemente, ter uma paridade maior no cuidado deles.(AZEVEDO, 2002).
Cabe trazer os ensinamentos de Martorelli:
Guarda Compartilhada distingue-se da Guarda Única, em que só um dos genitores decide tudo em relação aos filhos, e também da Guarda Alternada, que é aquela na qual cada um dos pais, em esquema de revezamento, detém a guarda do filho de maneira exclusiva durante determinado espaço de tempo - que pode variar uma semana, um mês, um ano etc. Nesse período, os genitores detêm a guarda, física e jurídica dos filhos. (MARTORELLI, 2004, p01).
Ainda,
É a situação em que fiquem como detentores da guarda jurídica sobre o menor pessoas residentes em locais separados. (PEREIRA, 1986, p53-64).
Ao longo dos anos, pudemos presenciar vários exemplos de problemas ocorridos quanto à criação dos filhos, posto que o detentor da guarda procurava impor ao outro genitor suas vontades, quanto a forma de condução da educação dos mesmos, tendo em alguns casos, a necessidade de ser levado novamente à frente da justiça, para decidir assuntos de interesse exclusivamente familiares. Não há dúvida de que tais processos judiciais acabam por deteriorar ainda mais o relacionamento familiar, transformando um desentendimento familiar em uma disputa jurídica.
A falta de um mecanismo legal que possibilite a ambos os pais um contato igualitário com o filho só reforça a necessidade de uma lei ampla e que forneça uma nova visão aos profissionais das varas de família.(SOUZA, 2004).
Embora não tenha sido contemplada no novo código civil, há movimentação parlamentar no sentido de propor tal mudança, alterando a lei do divórcio, para adequá-la a esse anseio da sociedade, principalmente dos pais separados que viveram e ainda vivem essa situação na prática. (MARCHIORI, 2004)
De acordo com o professor Martorelli:
O novo código civil deixou de a mãe no exercício da guarda, mas, lamentavelmente, manteve aguarda única, na qual um dos genitores, o pai ou a mãe, o que tiver melhores condições - embora não especifique a nova lei que condições são essas(Emocionais? Financeiras?) – exerce de forma unilateral exclusiva a guarda dos filhos menores, cabendo ao genitor não guardião exclusivamente os direitos de visita,alimentos e fiscalização da criação dos filhos;ou seja, o papel do pai ou mãe continua relegado a um plano secundário, deixando-se de lado a guarda compartilhada.(MARTORELLI, 2004, p.01).
Três projetos de lei sobre guarda compartilhada tramitam no Congresso Nacional. Abaixo, o que diz o Novo Código Civil e as alterações propostas no projeto de cada autor.
O que diz o Novo Código Civil, 2002:
Art. 1.583: No caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.
Art. 1.584: Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.
Parágrafo único: Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica.
O que propõe o projeto de Tilden Santiago (PT-MG): Acrescentar ao artigo 1583 os seguintes parágrafos:
§ 1º: O juiz, antes de homologar a conciliação, sempre colocará em evidência para as partes as vantagens da Guarda compartilhada.
§2°: Guarda compartilhada é o sistema de corresponsabilização do dever familiar entre os pais, em caso de ruptura conjugal ou da convivência, em que os pais participam igualmente da guarda material, bem como os direitos e deveres emergentes do Poder Familiar.
Alterar a redação do artigo 1584 para a seguinte:
Art. 1584: Declarada a separação judicial, ou o divórcio, ou separação de fato, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, o juiz estabelecerá o sistema da guarda compartilhada, sempre que possível, ou, nos casos em que não haja possibilidade, atribuirá a guarda tendo em vista o melhor interesse da criança”.
§ 1º: A guarda poderá ser modificada a qualquer momento atendendo sempre o melhor interesse da criança.
O que propõe o projeto de Feu Rosa (PP-ES): Acrescentar ao art. 1583 o seguinte parágrafo:
Parágrafo único: Nesses casos poderá ser homologada a guarda compartilhada dos filhos menores nos termos do acordo celebrado pelos pais”.
O que propõe o projeto de Ricardo Fiuza (PP-PE): Alterar a redação do artigo 1584 para a seguinte:
Art. 1584: Declarada a separação judicial ou o divórcio, ou ocorrendo a separação de fato, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, o juiz estabelecerá o sistema da guarda compartilhada, sempre que possível, ou, nos casos em que não haja essa possibilidade, será a guarda atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.
Ao encarar a realidade social brasileira devemos levar em conta que os fundamentos sociais para a determinação da partilha da guarda jurídica do menor hão de ser aqueles que permitam se tornem solidários ambos os genitores, quando há na esfera econômica dos dois, possibilidade de manutenção da guarda conjunta, quer porque ambos os genitores podem atender aos reclamos afetivos do menor, quer porque ambos os genitores estão em situações assemelhadas no campo emocional, social, econômico e sociológico.
A passagem da teoria à prática só será efetiva após profundos estudos do comportamento humano, sempre em cotejo com os objetivos da norma constitucional protetiva do menor no caso concreto. Inobstante as dificuldades que sempre são enfrentadas na solução consciente e madura da guarda do menor, só a formação firme, o apoio dos profissionais já mencionados, o aporte de condições humanas e materiais poderão fazer com que o juiz de família tenha condições de, passando da teoria à prática, utilizar-se desse novo instituto. (LEIRIA, 2000, p.217-229).
Conclui-se que para que se vislumbre a possível aplicação da guarda compartilhada, deve ser analisado o caso concreto, pois, em determinadas situações pode não atender o melhor interesse do menor, pois mais do que direito, a convivência com ambos os genitores é um fator fundamental no desenvolvimento social e psicológico, tendo em vista que é através de nossas famílias de origem, representadas por nossos pais, que nos inserimos na estrutura social, bem como é primordialmente através da relações com ambos,pai e mãe, que construímos nossa subjetividade.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO. Maria Raimunda Teixeira de. A Guarda Compartilhada. São Paulo:Pai Legal,2002. Disponível em http://www.pailegal.net/ TextoCompleto.asp?1sTextoTipo=Justica &offset=20&1s Textold=358210601
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada - Quem melhor pra decidir? : São Paulo: Pai Legal, 2002. Disponível em http://www.pailegal.net/TextoCompleto.asp?1sTextoTipo=Justica&offset=10&1sTextold=10949723551
________, Waldyr. Guarda Compartilhada – Um novo modelo de responsabilidade. São Paulo:Revista dos Tribunais,2000.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
LEIRIA, Maria Lucia Luz. Guarda compartilhada: a difícil passagem da teoria à prática. Ajuris, Porto Alegre, v. 26, n. 78, p. 217-229, jun. 2000.
MARCHIORI, Antonio Roberto. Guarda Compartilhada. São Paulo,2004. Disponível em http://www.pailegal.net/textoimprime.asp?rvtextold=2015380870
MARTORELLI, Gisele. Guarda compartilhada:uma necessidade imperiosa. 2004. Disponível em http://www.martorelli.com.br/artigos/ctudo-docum-artig-guarda.html
PEREIRA, Sérgio Gischkow. A Guarda Conjunta de menores no Direito Brasileiro.Porto Alegre: Ajuris XIII: 53-64, 1986.
SOUZA, Euclydes de. Novo código Civil é questionado por associações. 2004. Disponível em http://www.noolhar.com/ opovo/fortaleza/389674.html
RIZZI, Maria Helena. Guarda Compartilhada(sob o prisma psicológico).2004. Disponível em http://www.pailegal.net/ dissertacoeseanalises.asp? rvtextoclassificacao=chicus
(Artigo elaborado em fevereiro de 2006)
Priscilla C. Ramos Dantas
Estudante do 10º semestre do Curso de Direito das Faculdades Jorge Amado. Salvador-Bahia.Código da publicação: 1327
Como citar o texto:
DANTAS, Priscilla C. Ramos..A guarda compartilhada como possível solução para os conflitos decorrentes da separação dos pais. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 183. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/1327/a-guarda-compartilhada-como-possivel-solucao-os-conflitos-decorrentes-separacao-pais. Acesso em 19 jun. 2006.
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