Separação “versus” divórcio

A presente resenha tratará da separação e do divórcio como institutos que ensejam o término da sociedade conjugal e a dissolução do casamento. Antes, é necessário que se estabeleçam algumas considerações.

Atualmente percebe-se que o instituto casamento está acometido de certa instabilidade. A crise surge de fatores que vão desde os valores morais e religiosos até as mudanças de comportamento que, em sua maioria, buscam a felicidade. Felicidade esta que se traduz pela liberdade.

2. O Fim de um Relacionamento

O casamento somente se “dissolve” pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio. O que não ocorre em relação à separação judicial, que põe fim à vida em comum, dissolve a comunhão conjugal e separa os cônjuges. Entretanto, ainda conserva o vínculo, de modo que será ilícito a qualquer deles contrair novas núpcias. Ou seja, ainda que não haja obrigação dos cônjuges para com os deveres matrimonias, o vínculo é mantido, por um ano, impossibilitado, assim, novo casamento.

Se, com intuito de promover aceitação da Lei do Divórcio em 1977, foi preciso a criação da separação judicial, como uma figura “de transição”, hoje não mais se justifica seu emprego, pois o direito deve atender novos valores sociais.

O legislador diferencia “término” de “dissolução” do casamento, pois o término pressupõe possibilidade de “retorno” ao casamento, enquanto que a dissolução leva a ruptura do casamento (na linguagem coloquial, “desmancha” o casamento).

A alegada possibilidade de arrependimento na vigência da separação judicial não se mostra vantajosa como o afirmado, pois para ver seu arrependimento homologado, as partes devem provocar a lenta e onerosa máquina judiciária.

A “vantagem” imposta pelo legislador é que a condição de separado permite, a qualquer momento, que as partes restabeleçam o casamento, por ato regular do juiz. Mas, como o casal divorciado pode se reconciliar, voltando até mesmo a se casar novamente, esse “benefício” se torna inexpressivo.

Na concepção da Desembargadora Maria Berenice Dias há um verdadeiro "pleonasmo jurídico" com a existência da separação e o divórcio como institutos para pôr fim ao casamento. Segundo ela, isto se deve ao conservadorismo da sociedade, com significativa influência da igreja, que na elaboração da Lei do Divórcio encontrou na separação judicial uma forma de "dispensar os cônjuges dos deveres do casamento sem romper nem dissolver os sagrados laços do matrimônio".

É dispensável a duplicidade de procedimentos, tendo em vista que raríssimos são os pedidos de restabelecimento da sociedade conjugal após a separação como permite o art. 1.577, CC. Além disso, já há um desgaste emocional intenso na separação, o que é agravado ainda mais quando se tem que convertê-la em divórcio.

A separação judicial tem por finalidade o término da sociedade conjugal, constituindo-se como uma medida preparatória do divórcio.

Quando a separação decorre do mútuo acordo de vontades, a única exigência é estarem os cônjuges casados há mais de dois anos. Ora, a partir do momento em que a lei viabilizou a separação judicial litigiosa, mediante a comprovação da separação por tempo superior a um ano, o mesmo requisito deveria bastar para que se defira a separação consensual, sob pena de contrariar aos princípios maiores do direito.

Após o prazo de um ano da vigência do casamento, sem necessidade de apontar qualquer motivação, o casal pode buscar a separação. No entanto, se antes desse prazo, acabar o vínculo afetivo, embora não mais convivam os cônjuges sob o mesmo teto, o Estado, de forma arbitrária impõe a manutenção de tal status, sem que se possa identificar o motivo dessa negativa ante um fato já consumado. Trata-se de verdadeira imposição na qual a vontade dos cônjuges não possui o mínimo significado. Antes do decurso desse prazo, mesmo que os cônjuges não queiram mais a manutenção do casamento, resiste o Estado em homologar a vontade das partes. Trata-se de verdadeira imposição de um convívio não mais desejado pelo casal.

É óbvio o caráter punitivo dessa restrição. Ou não se admite que o amor possa ter acabado antes desse prazo? O Estado não possui legitimidade para se opor à vontade de pessoas no pleno exercício de seus direitos. Se o casamento não mais existe e se houve liberdade quando da sua celebração, por que não dispõem da mesma liberdade para pôr fim ao mesmo?

Para burlar essa vedação legal e abreviar o decreto de separação, antes do prazo de um ano, acaba o casal simulando uma separação litigiosa. Um dos cônjuges se diz inocente e imputa ao outro uma causa de ruptura do vínculo. Não havendo oposição da outra parte, que acaba se “confessando” culpado, não há a necessidade de prova.

Há, também, a separação de corpos, pedido que não dispõe de qualquer determinação legal. Como inexiste “litígio”, trata-se de procedimento de jurisdição voluntária, não guardando qualquer identidade com a medida de afastamento de um dos cônjuges da residência do casal. Acaba o Poder Judiciário servindo somente para “homologar” o término da vida em comum.

Portanto, atentando-se para o fato de que com a separação o casamento não mais persiste e, como os ex-cônjuges não podem se casar, o instituto da separação só faz prolongar uma decisão, contrariando princípios constitucionais.

Em seu artigo 1574, o Código Civil trata de uma questão polêmica. O texto legal autoriza o juiz a não homologar a separação caso interprete que dessa separação haverá algum prejuízo aos interesses de filhos ou de um dos cônjuges.

Trata-se de verdadeira interferência do Estado na vontade dos cidadãos. Resta óbvia a possibilidade do retorno `a indissolubilidade do casamento por uma imposição legal.

Algumas vezes os casamentos se vêem frente a uma realidade diferente daquela idealizada no seu início. Surge, então, o litígio conjugal para procurar um “culpado”. Não tendo condições de resolver seus problemas conjugais, as partes buscam o Judiciário na esperança de que o mesmo dê ao litígio uma solução.

Desta forma, cada um tenta demonstrar a sua verdade, impondo ao outro a culpa pela perda do relacionamento. Quer o fim da relação e a imposição de uma punição ao outro. Mas o término do casamento não acontece de modo automático. É um processo diário. A culpa, quase sempre, é do casal. Portanto, é perigoso atribuir a um só a culpa por um comportamento que pode ser resultante da atitude de ambos.

É evidente que a “insuportabilidade” da vida em comum, não pode ser delegada por simples entendimento do juiz e baseada apenas num rol taxativo constante no art. 1573 do Código Civil.

Ora, quem sabe as reais condições de insuportabilidade são os atores da relação. Só eles é que sabem os limites desta subjetiva insuportabilidade.

Mesmo estando em via contrária `a maioria dos países desenvolvidos, o legislador brasileiro insiste em atribuir culpa a um só cônjuge como se a insuportabilidade da relação fosse de responsabilidade de um só deles. Atribuir a um só tal responsabilidade ou atribuir responsabilidade por si só, evidencia intromissão estatal na intimidade das pessoas.

Há verdadeira violação `a privacidade e `a intimidade, o que caracteriza afronta `as garantias constitucionais, neste caso, as individuais. Portanto, delegar culpabilidade através da revelação de intimidade é inconstitucional.

Interessante que a Constituição Federal de 1988 não impõe qualquer restrição à decretação do divórcio, com exceção do decurso do prazo de dois anos da separação de fato ou de um ano da separação judicial. Entendem os juizes, hoje, que o descumprimento das obrigações assumidas na separação deixou de ser impedimento para a conversão da separação em divórcio.

Talvez a maior diferença que se possa vislumbrar entre a separação e o divórcio é que, para se obter a separação, basta a vontade dos cônjuges, enquanto para a concessão do divórcio, quer de forma consensual, quer por iniciativa de somente um dos cônjuges, necessário que a ruptura da vida em comum tenha “completado” um ano da separação judicial ou dois anos da separação de fato.

É, no mínimo estranho, que em se tratando de separação, a culpa seja elemento indispensável para sua concessão (se não implementado o prazo de um ano de ruptura da vida em comum), enquanto que, no divórcio, quer direto, quer por conversão, o elemento culpa é absolutamente estranho, havendo expressa vedação a qualquer referência aos motivos que ensejam seu decreto.

No que se refere a alimentos, pelo Código Civil a obrigação existe independentemente de culpa pois mesmo aquele considerado responsável pela dissolução tem direito aos alimentos. O Código Civil apenas ressalta que os alimentos devem ser os indispensáveis para a subsistência de quem os pleiteia (no caso, o “culpado”) e ainda se este não tiver aptidão para o trabalho e nem parentes em condições de prestá-los. Resta afastada, portanto, e conforme regramento anterior, a proscrição `a vida.

Filhos ou ex-cônjuge podem não exercer o direito a alimentos, podendo dispensá-los, mas jamais poderão renunciá-los.

Em relação ao nome, o cônjuge considerado culpado que adotou o nome do outro, não mais perde esse direito, desde que não haja expressa discordância do cônjuge inocente. Mesmo na oposição pode manter o nome, caso ocorra evidente prejuízo para a sua identificação ou manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida, ou ainda dano grave reconhecido na decisão judicial.

Antes do novo Código Civil, mesmo com a concordância expressa da inalterabilidade do nome, havia a determinação legal para a perda do nome. Mais uma vez violado o princípio da dignidade humana. O nome é um bem jurídico que tutela a intimidade, portanto, a personalidade.

No que tange `a separação-remédio, tal dispositivo trata da possibilidade de um dos cônjuges solicitar a separação quando o outro estiver acometido de doença mental grave, de cura improvável.

Ora, o prazo para a separação-remédio é de 2 anos, portanto igual ao lapso temporal exigido para conversão de separação de fato em divórcio. Desta forma, seria improvável que houvesse pedidos de separação alegada em doença do cônjuge, uma vez que poderia sê-lo feito simplesmente com o implemento do lapso temporal exigido entre a separação de fato e a sua respectiva conversão em divórcio.

As referências ao divórcio no novo Código Civil limitam-se a indicá-lo como causa que enseja o término da sociedade conjugal e da dissolução do casamento. No que tange `a obrigação de alimentos, nada se altera pela mudança do estado civil do alimentante. O divórcio pode ser requerido por um ou por ambos os cônjuges.

O chamado divórcio direto necessita apenas de 2 anos de decurso de prazo da separação de fato e o divórcio por conversão requer um período de 1 ano da separação judicial.

Mais uma vez o lapso temporal se mostra injustificável como requisito para homologar um vínculo não mais existente.

A concessão do divórcio sem prévia partilha de bens é a mais significativa alteração trazida pelo Código Civil de 2002.

Apesar de não mais ser necessária a partilha de bens, pois o único impositivo legal é o cumprimento dos prazos, entende-se que há discriminação e prejuízo `as mulheres e aos filhos, pois a administração dos bens normalmente é responsabilidade do homem. Haveria um abrandamento na obrigatoriedade do cumprimento ao adimplemento, por exemplo, aos alimentos.

Atualmente, há verdadeira apologia ao “extermínio” da lei especial.

Na referida lei há regras de direito material e processual. Com o Código Civil inexiste necessidade da Lei do Divórcio ainda vigorar. Primeiro, porque trata de questões ou procedimentos de caráter processual; segundo, porque não revoga explicitamente leis ou dispositivos legais. Intui-se, portanto, revogada a referida Lei.

Comparando Lei do Divórcio com o Código Civil, verifica-se que os dispositivos não contemplados pelo Código Civil foram excluídos do sistema normativo. Alguns dispositivos da lei especial já são contemplados pelo Código de Processo Civil.

Questões de proteção `a pessoa e filhos restam reformuladas no Código Civil. Questões referentes a nome e alimentos estão dispostos `a exaustão. Logo, a lei especial tende ao esquecimento.

3. Conclusão

O que mantém o casamento é a afinidade, companheirismo e o desejo, sem os quais não há que se falar em sociedade conjugal.

O que há de se perceber é que o legislador não pode impor restrições `a liberdade do cidadão quando este entende ser o melhor para sua vida a extinção de uma união que já não traz no seu cerne a intenção de continuidade. E que o indivíduo quer, é ver protegidos seus interesses atuais e sua nova relação formalizada e protegida.

(Texto elaborado em 06/2006)

 

 

 

Leandro Propp da Silva e Marco Aurélio Santa Helena

Estudantes do 8° semestre de Direito das Faculdades Rio-Grandenses – FARGS.