A família homoafetiva: a transformação da relação homossexual em união estável em função (ou apesar) da lacuna da lei
SUMÁRIO
1-Introdução; 2- Algumas recentes, progressivas e importantes conquistas; 3- A união estável: uma renovação do conceito de família; 4- As dificuldades do reconhecimento da relação homossexual; 5- A família homoafetiva: transformação da relação homossexual em união estável; 6- A ausência de lei especial; 7- Conclusão; Referências.
1. Introdução
A incessante luta dos homossexuais para adquirir o direito ao reconhecimento e regulamentação das suas relações homoafetivas refere-se a tema que não mais pode ser apresentado como pouco abordado pela área jurídico-acadêmica, vez que se trata de assunto que tem despertado a atenção de muitos estudiosos da matéria, interessados em oferecer sugestões de como preencher as omissões identificadas na lei.
E por existirem essas lacunas nas normas vigentes é que reiteradamente são elaborados trabalhos sobre o tema, de tal forma que esses acadêmicos buscam lançar focos – apresentados sob a ótica própria e muitas vezes isolada de seu autor – que, certamente, têm em comum a intenção de que possam, somados, formar um amplo feixe de luz sobre a questão e, espera-se, seja indicado o caminho a ser adotado para a grande conquista.
Prova maior disso são algumas atuais explanações que se pode colher em textos riquíssimos que a doutrina especializada tem apresentado, fruto de interpretações sintetizadas das mais diversas conclusões doutrinárias e até mesmo jurisprudenciais que têm sido ventiladas sobre a matéria, o que tem contribuído para freqüentemente acrescentar à sua já importante coleção de expressivas vitórias, as representadas por essas pequenas porém significativas conquistas.
Tem-se consciência de que ainda não se logrou o sucesso da batalha maior que seu incansável exército de defensores tem travado, mas sabe-se também que, além deles, outros tantos – por motivos muitas vezes meramente técnicos e jurídicos, portanto, absolutamente diversos do caráter pessoal dos que seriam diretamente beneficiados pela conquista pela qual se luta – têm se empenhado em encontrar soluções jurídicas capazes de transformar esse tema em algo definitivamente já ultrapassado.
2. Algumas recentes, progressivas e importantes conquistas
Para o foco que se quer dar ao presente estudo, decerto não se faz necessário um aprofundamento maior do que será aqui apresentado 1, no qual pretendemos demonstrar o suficiente para expor o quanto a legislação pátria tem apresentado evoluções importantes, ainda que lentas e de pequena monta.
Portanto, na narrativa que faremos neste capítulo nos limitaremos à breve demonstração de um parcial histórico das evoluções dos textos de dois importantes Códigos: o Civil e o Penal – evidentemente, à luz da Constituição Federal. E será através desse panorama que se pretende pinçar alguns poucos, porém marcantes exemplos acerca das recentes e progressivas conquistas alcançadas, independentemente de sermos homens ou mulheres, quando mostrar-se-á suficiente que sejamos juridicamente reconhecidos como aqueles seres que alcançaram a condição civil de pessoa2 , pois que todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza3.
Iniciemos pelo Código Civil Brasileiro, contudo não o Código vigente, nascido da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 e que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003; mas o Código Civil Brasileiro ainda à época da vigência da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916; e percebe-se logo no seu art. 2º uma pista de um dos muitos motivos que o levou a ser modificado, pois que patente o caráter discriminatório do seu teor.
Ocorre que essa é uma concepção que temos hoje, despertada não há muito tempo e que somente presenciou o fim da vigência do texto discriminatório quando nos aproximávamos de vermos completadas nove décadas da data em que passou a vigorar. Contudo, à época em que entrara em vigor, não há dúvida de que se tratava da mais atual e vanguardista das leis brasileiras, com expressões que atendiam perfeitamente à cultura patriarcal da época.
Assim, quando lemos na sua redação original que “todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil”, parece-nos óbvia a necessidade de alteração para a forma atual, a qual consta do art. 1º do novo Código Civil que se limitou a substituir a expressão homem por pessoa, quando se deixa simplesmente de subtender que por homem pretendia o legislador referir-se ao ser humano, pelo que passou a lhe conferir melhor designação genérica: pessoa.
Seguindo a mesma linha preconceituosa de uma sociedade patriarcal – como naturalmente se esperaria de qualquer sociedade que, ainda com os pudores remanescentes da cultura Imperial do final do século XIX, buscasse preservar os seus valores éticos e morais – o revogado parágrafo único do art. 36 do Código Civil de 1916 determinava que “a mulher casada tem por domicílio o do marido”, apesar de ser tão comum àquela época como o é nos dias atuais, independentemente do imóvel onde ambos residissem ser adquirido pelo esforço comum ou, ainda, trazido pela mulher para integrar o seu patrimônio pessoal, mas que seria usufruído por ambos – acaso adotado o regime convencional de comunhão parcial de bens 4.
E aliás, em se tratando de bens trazidos pela mulher, é interessante fazer-se referência ao extinto regime dotal, outrora previsto nos arts. 278 a 311 do Código de 1916.
A impressão que se tem é que à proporção que cresce a numeração dos artigos em comento, aumenta o nível de preconceito neles contido, a exemplo do art. 219, IV 5 e de todo o Capítulo VI, compreendido pelos arts. 379 a 3956 do Código de 1916 que, não fugindo à regra, discriminavam a mulher permitindo ao marido que requeresse a anulação do casamento acaso descobrisse ter sido enganado quanto ao nível de pureza da sua esposa. Mas, se tudo corresse como o marido esperava – ou seja, se sua esposa tivesse se guardado para a noite de núpcias – e o casamento prosseguisse, então o homem sobre ela e os filhos legítimos, legitimados, os legalmente reconhecidos e os adotivos exerceria todo o pátrio poder, pois que o parágrafo único do art. 380 previa que “divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai”.
Entendendo suficiente o panorama comparativo apresentado entre os textos vigente e revogado do Código Civil, busca-se arrematar o objetivo pretendido trazendo à evidência apenas três artigos do Código Penal Brasileiro, a saber os arts. 215, 216 e 240, quando os dois primeiros tiveram alteradas suas redações em função da discriminatória utilização da expressão mulher honesta; enquanto o terceiro foi completamente revogado, deixando o adultério de ser considerado como crime.
Para melhor comentar o teor discriminatório da expressão mulher honesta, faz-se necessário que os acima referidos artigos do Código Penal sejam complementados com um outro artigo do revogado Código de 1916: o art. 1.548. Afinal, para tratar dos atos tidos como delituosos praticados contra a honra da mulher, o artigo 1.548 do Código de 1916 previa que "a mulher agravada em sua honra tem direito a exigir do ofensor, se este não puder ou não quiser reparar o mal pelo casamento, um dote correspondente à sua própria condição e estado: se, virgem e menor, for deflorada; se, mulher honesta, for violentada, ou aterrada por ameaças; se for seduzida com promessas de casamento; ou se for raptada”.
Observe-se que o Código esmerou-se em zelo ao acenar com ameaça de estabelecer um valor correspondente ao dote como indenização, o que, à época, era medida eficaz, pois que era notório o conhecimento de que se fazia por onde fosse cumprida. E, ainda, que a expressão mulher honesta, para a realidade dos costumes da época em que eram vigentes esses preceitos legais, repercutia mais como um predicativo do que o atual tom discriminatório que passa a assumir.
E, por fim, deixar o adultério de ser crime beneficiou tanto aos homens como as mulheres. Entretanto, não se pode deixar de observar quanto a prevalência na ineficaz ameaça de punição ao homem por relacionar-se com outra mulher, mesmo em plena constância do casamento – em função da sociedade política e juridicamente patriarcal, fundada em conceitos e tendências machistas.
Ou seja, há de se reconhecer que foram representativas as conquistas que as mudanças produzidas nos Códigos Civil e Penal7 trouxeram para a sociedade, como um todo. Assim, se no contexto geral satisfatória foi sua recepção, no que se refere à tutela das relações convivenciais muitos foram os progressos, particularmente no que se refere à possibilidade de legitimação das relações outrora ilegítimas.
E há que se reconhecer, ainda, que absolutamente impossível seria prosseguirmos – como até mesmo o seria iniciar – esse presente estudo, o qual se propõe tratar dos direitos civis de indivíduos civil, penal e constitucionalmente reconhecidos, protegidos e respeitados como pessoas, sem que trouxéssemos à luz flashes do suporte que a Constituição Federal e o Código Penal conferem ao Código Civil, no que se apresentará a seguir.
Isto posto, “permissa vênia”, requer possam aqui ser apropriada e necessariamente combinados os dispositivos constitucionais com os civis, de forma a que se obtenha harmônico resultado interpretativo da norma.
3. A união estável: uma renovação do conceito de família
Ainda em processo de enumeração acerca de algumas das recentes, progressivas e importantes conquistas que nossa legislação nos trouxe, não se pode, em absoluto, deixar de trazer a comento o reconhecimento da união estável como segunda forma legalmente reconhecida de vínculo familiar – permanecendo o casamento como a primeira delas.
A previsão legal da união estável consta dos arts. 1.723 a 1.727 do novo Código Civil, estes combinados com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
Mas, mesmo o ordenamento jurídico tendo acolhido a união estável como nova forma legítima de reconhecimento de constituição familiar, em princípio a sociedade – ainda não acostumada com a legalização da relação outrora não prevista pela norma – somente conseguia reconhecê-la tal e qual pode-se encontrar definido pela doutrina: como forma de concubinato puro, sendo as relações não eventuais entre o homem e a mulher impedidos de casar 8 tidas como concubinato impuro.
Ou seja, o reconhecimento da união estável como forma de entidade familiar – apesar de trazer enormes benefícios sociais, morais e até mesmo patrimoniais para os casais que passaram a usufruir as garantias legais que o reconhecimento das suas relações passou a ter assegurados com a nova norma – não consegue disfarçar seu caráter discriminatório, quando não se consegue deixar de subentende que a omissão serviu apenas para não se fazer uso dos sinônimos popularmente empregados de amante, amásia, passando o Código Civil a denominar as partes como concubinos ou companheiros e, conforme o § 3º do art. 226 da Constituição Federal, “devendo a lei facilitar sua conversão (da união estável) em casamento”.
Se a união estável, para efeito da proteção do Estado, passa a ser reconhecida como entidade familiar, então por que deve existir a sua transformação em casamento? Se o Estado assegura direitos e confere proteção, qual a necessidade do casal evoluir a sua relação, convertendo-a em casamento? A união estável, afinal, seria uma entidade familiar plena, perfeita o bastante para ser reconhecida e assegurada pelo Estado, ou apenas um estágio para o casamento, a instituição familiar consagrada desde os primórdios da sociedade civil?
Alheios a isso, os casais que puderam colher da norma que instituiu a legalidade da união estável os frutos da segurança jurídica e do reconhecimento social, obtendo a garantia da estabilidade da relação e todas as repercussões que isso traz, pouco se preocupam com a orientação do § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
4. As dificuldades do reconhecimento da relação homossexual
Resultado de muitos séculos da exacerbada proteção que o Estado teve com a instituição do casamento – sempre orientado pela Igreja – fez com que este fosse elevado ao “status” de única forma lícita de constituição familiar, chegando-se ao extremo da sociedade compartilhar os conceitos maliciosos que se procurou imputar ao concubinato, transformando-o em elemento estranho ao direito, portanto incapaz de produzir efeitos jurídicos.
Paralelamente a esse denso clima de preconceitos, encontramos o estigma do adúltero – ou, ainda pior e mais pecaminoso, o da adúltera. Referia-se a conceito tipificado como delito pelo Código Penal e tutelado conjuntamente pela Igreja e pelo Estado.
Entretanto, acalmadas as tensões resultantes das intensas transformações sociais, políticas e culturais que a humanidade vivenciou, ao longo de séculos; e tendo sido aplacadas as perseguições até mesmo inquisitórias às condutas estigmatizadas como pecaminosas e nocivas à moral e aos bons costumes, encontramo-nos na contemporaneidade do respeito aos direitos humanos universais, ratificados por uma Constituição cidadã e um novo Código Civil que conseguiu retificar no texto do seu antecessor inúmeros marcos preconceituosos – mas não todos.
Nesse ambiente propício às novas conquistas é que os homossexuais saem das sombras da obscuridade, do anonimato que os pudores e preconceitos os empurravam e passam a reunir forças para argüir o direito de se fazerem presentes na rotina da sociedade, passando a conviver lado a lado com cidadãos como eles, capazes inclusive de estabelecer-se familiarmente.
Com isso, lancemo-nos à análise de um outro tipo de união afetiva que sempre foi genericamente discriminada pela sociedade: as relações homossexuais, também denominadas relações homoafetivas ou homoeróticas.
Da mesma forma que não se pode ignorar que se por um lado há um notável descompasso entre as evoluções que podem ser inquestionavelmente apontadas no Direito Civil como um todo e, em especial, no que se refere ao Direito de Família; de outro lado, não se pode negar a existência de algumas outras formas de entidades familiares – famílias apenas de fato, e não de direito – insistentemente mantidas marginalizadas à inclusão de seu reconhecimento no ordenamento jurídico, representadas por famílias formadas por duas pessoas do mesmo sexo.
Ocorre que, inegavelmente, as pessoas que se apresentam em uniões homossexuais ainda conseguem provocar sensação de afronta à sociedade, apesar de serem uma realidade social datada de tempos remotos. O que se pensaria como argumento para tentar justificar essa dificuldade para com o caráter normal que os homossexuais procuram conferir às suas relações é que, afinal, o comportamento considerado como sendo normal, ideal e aceito não apenas pela sociedade brasileira, mas em todas as demais sociedades contemporâneas, são as relações homem-mulher. Há, então, pruridos conservadoristas ante a presença de um casal formado por homem-homem ou mulher-mulher e, infelizmente, não se pode censurar aos que ainda não se acostumaram com essa realidade que se nos vem sendo apresentada, cada vez com maior freqüência.
E, ilustrando o quanto esse sentimento de normalidade dessas relações homem-mulher é, além de universal, tido como normal, habitual e ideal, pode-se oferecer como exemplo os registros lançados nas escrituras sagradas, sobre os quais são descarregados toda a carga de censura social que fica evidenciada nos dois trechos da Bíblia Sagrada que selecionamos, “in verbis”:
Levítico 19 :
"Com homem não te deitarás, como se fosse mulher, é abominação. Não te deitarás com um animal, para te contaminares com ele. A mulher não se porá perante um animal, para juntar-se com ele; é perversão."
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Romanos 2:
"Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. Pelo que Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si. Mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram a criatura em lugar do Criador, que é bendito eternamente. Amém. Semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, inflamaram-se em sua sensualidade uns para com os outros, homem com homem, cometendo torpeza, e recebendo em si mesmos a penalidade devida ao seu erro. E como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, ele os entregou a um sentimento pervertido, para fazerem coisas inconvenientes.”
Contudo, contrariando todos os estigmas e preconceitos arraigados à cultura da humanidade, dada a freqüência com que as manifestações homossexuais têm sido externadas publicamente nos tempos atuais, torna-se tarefa difícil procurar tachá-las meramente como uma situação excepcional na sociedade.
Enfim, é certamente em função disso que as pessoas que vivenciam relações homossexuais buscam se afirmar socialmente e conquistar o reconhecimento jurídico para a sua forma homossexual de comportamento – à semelhança dos direitos conferidos à forma heterossexual. E, provavelmente, a fórmula para o reconhecimento das relações homossexuais, sob a ótica do Direito de Família, vem representar mais uma evolução, desta vez no conceito de cidadania, quando se traçará como objetivo a perseguir que sejam assegurados, além de todos os demais direitos, também a liberdade de desenvolvimento da personalidade.
Mas, apesar de toda a visibilidade que as relações homoeróticas têm conseguido impor nos meios sociais, o que de alguma forma tem contribuído para que venha sendo trilhado um já longo caminho para uma certa aceitação – ou tolerância –, perante a sociedade brasileira esse assunto ainda é recente e tem gerado muita polêmica, particularmente quanto ao tratamento que o tema tem conseguido no Direito de Família.
Como dito, pode-se perceber que a mútua hostilidade habitual vem progressivamente cedendo espaço, quando passa a ficar evidente que ora grupos sociais interessados no assunto lhes acenam com a oferta, ora os homossexuais têm demonstrado receptividade quanto à aceitação de soluções jurídicas ajustadas às situações de fato.
Assim é que, através da – preconceituosa – distinção conceitual entre concubinato puro e impuro, foi dado o motivo à edição da Súmula 380 do STF-Supremo Tribunal Federal, que previu, quando comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, ser cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.
Foram lentas e graduais as conquistas e até mesmo criativos os recursos utilizados para se chegar ao primeiro e inesquecível estágio para o reconhecimento jurídico, social e cultural de outras maneiras lícitas e socialmente aceitas de se estabelecer uma célula familiar.
E, sobre isso, há que se exaltar que foi graças à perseverança e determinação dos homossexuais – contando com significativas contribuições de pessoas outras que, por motivos muitas vezes restritos a interesses técnicos e jurídicos, sem compartilhar do caráter pessoal dos que seriam diretamente beneficiados pela conquista com a qual se espera contribuir – conseguiu-se pressionar os operadores do Direito para que encontrassem meios jurídicos lícitos e capazes de enfrentar e transpor o obstáculo do reconhecimento de suas relações afetivas.
Finalmente, os homossexuais passam a ter alguma forma de reconhecimento legal de suas relações homoafetivas, conquistado através da sociedade de fato, abaixo ilustrada por meio de decisão unânime emanada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na relatoria do Des. Paulo Dimas Mascaretti:
“Sociedade de Fato - Relação homossexual - Meação - Pretensão à extensão a todos os bens do falecido convivente - Simples sociedade de afeto mantida entre parceiros do mesmo sexo que não induz efeitos patrimoniais, à falta de normatização específica - Inexistência de respaldo a legitimar a aplicação analógica da Constituição da República de 1988 ou legislação ordinária que regulamente a união estável, de modo a conferir direito de herança ao apelante - Ruptura do liame informal que gera conseqüências meramente no âmbito do Direito das Obrigações - Presença dos pressupostos do artigo 1.363 do Código Civil - Necessidade da aferição da contribuição de cada um dos sócios para se proceder à partilha na proporção de seus esforços - Recurso parcialmente provido.”
(TJSP, Apelação Cível nº 179.953-4, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, j. 26.02.02 - V.U.)
Contudo, a sociedade de fato ainda não satisfaz as expectativas. Aceitam e reconhecem a conquista, mas não desistem, pois querem o reconhecimento de suas relações como união estável, como forma de reconhecimento de constituição familiar, capaz de lhes assegurar os mesmos direitos conferidos aos demais casais.
5. A família homoafetiva: transformação da relação homossexual em união estável
Em conseqüência da inexistência de lei especial, há que se chamar a atenção para a forma ousada e original com que algumas ações sobre os direitos ao reconhecimento da relação homossexual vêm sendo decididas em alguns tribunais brasileiros, com destacada predominância para o do Rio Grande do Sul – conhecido e reconhecido foco de implementação da formulação alternativa na aplicação do Direito justo – transformando-as em decisões jurisprudenciais que passam a conferir força jurídica para suprir a lacuna legal.
Colacionamos a seguir algumas jurisprudências originadas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – estas das lavras dos DesembargadoresBreno Moreira Mussi, José Siqueira Trindade, José Carlos Teixeira Giorgis e Rui Portanova – as quais ratificam alguns dos pontos expostos, pelo que as transcreveremos, “in verbis”:
"Relações homossexuais. Competência para julgamento de separação de sociedade de fato dos casais formados por pessoas do mesmo sexo. Em se tratando de situações que envolvem relações de afeto, mostra-se competente para o julgamento da causa uma das Varas de Família, à semelhança das separações ocorridas entre casais heterossexuais. Agravo provido"
(TJRS, AI 599075496, Oitava Câmara Cível, Rel. Des. Breno Moreira Mussi, j. 17.06.1999).
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"É possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre os homossexuais, ante os princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual e é justamente agora, quando uma onda renovadora se estende pelo mundo, com reflexos acentuados em nosso País, destruindo preconceitos arcaicos, modificando conceitos e impondo a serenidade científica da modernidade no trato das relações humanas, que as posições devem ser marcadas e amadurecidas, para que os avanços não sofram retrocesso e para que as individualidades e as coletividades, possam andar seguras na tão almejada busca da felicidade, direito fundamental de todos. Apelação provida".
(TJRS, APC 598362655, Oitava Câmara Cível. Rel. Des. José Siqueira Trindade, j. 01.03.2000).
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“UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMÔNIO. MEAÇÃO PARADIGMA. Não se permite mais o farisaísmo de desconhecer a existência de uniões entre pessoas do mesmo sexo e a produção de efeitos jurídicos derivados dessas relações homoafetivas. Embora permeadas de preconceitos, são realidades que o Judiciário não pode ignorar, mesmo em sua natural atividade retardatária. Nelas remanescem conseqüências semelhantes às que vigoram nas relações de afeto, buscando-se sempre a aplicação da analogia e dos princípios gerais do direito, relevados sempre os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Desta forma, o patrimônio adquirido na constância do relacionamento deve ser partilhado como na união estável, paradigma supletivo onde se debruça a melhor hermenêutica. Apelação Provida, em parte, por maioria, para assegurar a divisão do acervo entre os parceiros.
(TJRS, Apelação Cível 70001388982, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. 14.03.2001)
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APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. Embora reconhecida na parte dispositiva da sentença a existência de sociedade de fato, os elementos probatórios dos autos indicam a existência de união estável. PARTILHA. A união homossexual merece proteção jurídica, porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres humanos com o intuito relacional. Caracterizada a união estável, impõe-se a partilha igualitária dos bens adquiridos na constância da união, prescindindo da demonstração de colaboração efetiva de um dos conviventes, somente exigidos nas hipóteses de sociedade de fato. NEGARAM PROVIMENTO.
(TJRS, Apelação Cível 70006542377, Oitava Câmara Cível, Rel. Des. Rui Portanova, j. 11.09.2003)
Necessário se faz que seja dado o destaque que o próximo aresto requer, devendo-se de logo ressaltar que – além do mesmo ser procedente do STJ-Superior Tribunal de Justiça – a matéria, na espécie, refere-se ao direito previdenciário e não ao de família. Trata-se de recurso interposto pelo INSS, por meio do qual nos é apresentada interessante discussão sobre a possibilidade de um companheiro homossexual ter ou não direito a receber pensão por morte como dependente de um segurado falecido. A sentença julgou improcedente o pedido, declarando extinto o processo. Contudo, o Ministério Público Federal – representando o companheiro homossexual do segurado falecido – apelou da sentença, sob a alegação de que o § 3º do art. 226, da Constituição Federal, não exclui a união estável entre pessoas do mesmo sexo, pelo que requereu fosse observado o princípio da igualdade. Apelou, ainda, o autor, e o Tribunal “a quo” deu provimento às apelações. Entretanto, a Turma negou provimento ao recurso do INSS, confirmando a concessão do benefício, entendendo preenchidas as exigências constantes da Lei nº 8.213/91, quando comprovadas a qualidade de segurado do “de cujus” e de convivência afetiva e duradoura – ao longo de 18 anos – entre o falecido e o autor. Na ementa, confirmou-se ainda a legitimidade do Ministério Público para intervir no processo em prol de tratamento igualitário quanto a direitos fundamentais, tudo com fulcro no art. 127 da Constituição Federal. Eis a ementa:
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA.
1- A teor do disposto no art. 127 da Constituição Federal, ‘O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.’ ‘In casu’, ocorre reinvindicação de pessoa, em prol de tratamento igualitário quanto a direitos fundamentais, o que induz à legitimidade do Ministério Público, para intervir no processo, como o fez.
2- No tocante à violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, uma vez admitida a intervenção ministerial, quadra assinalar que o acórdão embargado não possui vício algum a ser sanado por meio de embargos de declaração; os embargos interpostos, em verdade, sutilmente se aprestam a rediscutir questões apreciadas no v. acórdão; não cabendo, todavia, redecidir, nessa trilha, quando é da índole do recurso apenas reexprimir, no dizer peculiar de PONTES DE MIRANDA, que a jurisprudência consagra, arredando, sistematicamente, embargos declaratórios, com feição, mesmo dissimulada, de infringentes.
3- A pensão por morte é: ‘o benefício previdenciário devido ao conjunto dos dependentes do segurado falecido – a chamada família previdenciária – no exercício de sua atividade ou não (neste caso, desde que mantida a qualidade de segurado), ou, ainda, quando ele já se encontrava em percepção de aposentadoria. O benefício é uma prestação previdenciária continuada, de caráter substitutivo, destinado a suprir, ou pelo menos, a minimizar a falta daqueles que proviam as necessidades econômicas dos dependentes.’ (Rocha, Daniel Machado da, Comentários à lei de benefícios da previdência social/Daniel Machado da Rocha, José Paulo Baltazar Júnior. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2004. p.251).
4- Em que pesem as alegações do recorrente quanto à violação do art. 226, §3º, da Constituição Federal, convém mencionar que a ofensa a artigo da Constituição Federal não pode ser analisada por este Sodalício, na medida em que tal mister é atribuição exclusiva do Pretório Excelso. Somente por amor ao debate, porém, de tal preceito não depende, obrigatoriamente, o desate da lide, eis que não diz respeito ao âmbito previdenciário, inserindo-se no capítulo ‘Da Família’. Face a essa visualização, a aplicação do direito à espécie se fará à luz de diversos preceitos constitucionais, não apenas do art. 226, §3º da Constituição Federal, levando a que, em seguida, se possa aplicar o direito ao caso em análise.
5- Diante do § 3º do art. 16 da Lei nº 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva.
6- Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988 que, assim estabeleceu, em comando específico: ‘Art. 201- Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: [...] V - pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 2º.’
7- Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito.
8- Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, através da Instrução Normativa nº 25 de 07/06/2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia ‘erga omnes’. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento.
9- Recurso Especial não provido.”
(STJ, REsp 395.904/RS, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, Sexta Turma, j. 13.12.2005, DJ 06.02.2006 p. 365). Grifou-se.
6. A ausência de lei especial
A despeito das entrelinhas discriminatórias que a própria letra da lei não conseguiu omitir em seu texto, os casais alcançados pelo reconhecimento da união estável são gratos pelos direitos assegurados por meio de decisões jurisprudenciais. Contudo, ainda é um direito que somente assiste aos que ingressarem em juízo e lograrem reiterada a decisão anteriormente proferida a outros casais, o que os expõem ao risco de as ver ou não repetidas – estando a inteiro arbítrio dos Desembargadores e Ministros que compõem nossos Tribunais.
Mas não se pode ignorar quanto à existência de uma certa restrição constante nas duas normas 9, pois que ambas previsões legais referem-se à “união estável entre o homem e a mulher”.
Deparamo-nos, então, com o obstáculo que os operadores do direito tiveram que conviver, até que fosse finalmente encontrada a fórmula para transpô-lo.
Se, por um lado, o texto das normas pode querer apresentar uma conotação restritiva, por outro lado pode-se facilmente constatar que neles identifica-se a omissão, a lacuna quanto a previsão que se busca. E, no que se refere à omissão, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito” 10, pois, ao constatar a “falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial” 11 e, afinal, “o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito” 12.
Ou seja, se no quesito ser permitido a legislação brasileira mostrou-se fechada e impermeável, ao não apresentar brechas que favorecessem uma interpretação que interessasse aos casais homossexuais, percebe-se que o mesmo não ocorreria quanto ao quesito ser possível, uma vez que não se pode menosprezar o princípio de que o que não está formalmente proibido, subtende-se legalmente permitido.
Esse é o alicerce onde se encontra fincada a base de sustentação utilizada pelos operadores do Direito que ousaram interpretar a norma positiva de forma a conseguir identificar que sua lacuna tem, agora, seu espaço preenchido pelas decisões jurisprudenciais emanadas dos nossos tribunais, resultado do entendimento do óbvio: se não há a previsão legal, expressa, de proibição na união estável de casais homossexuais – o que há, ressalte-se, é a previsão de que se admite a “união estável entre o homem e a mulher” – então não há possibilidade jurídica de proibi-la, pelo que torna-se legalmente permitida.
Acaso a redação do texto da norma, ao invés da atual forma – “união estável entre o homem e a mulher” – nos fosse apresentada de maneira diversa, mais hermética, onde a lacuna fosse previamente preenchida por uma única palavra – “união estável somente entre o homem e a mulher” – capaz de restringir em absoluto qualquer possibilidade dos casais homossexuais pleitearem em juízo a argüição de suas pretensões, inexistiria questionamento quanto à lacuna, pelo que certamente se passaria a direcionar esforços para a modificação da norma – e não mais pela sua omissão.
Certamente, com esse entendimento, o mais apropriado mostrou-se real: o primeiro dos julgadores a assim entender somente pode fazê-lo por ter se desprovido de valoração prévia e preconceitos, tudo isso fundado no princípio constitucional da legalidade, segundo o qual ”ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” 13 .
7. Conclusão
A legislação brasileira é considerada das mais amplas. Contudo, sua vastidão necessariamente não quer aqui significar seu nível de amplidão, de abrangência. Afinal, além da Constituição Federal, do Código Civil e do Código Penal, dispomos de um número considerável de outros Códigos, como os de Processo Civil, Processo Penal, Comercial, Eleitoral, Tributário Nacional e outros mais, além de uma relação inacreditável de Estatutos e Leis Especiais, tomando como exemplo poucas, porém de relevante importância, como os Estatutos do Idoso, da Criança e do Adolescente, do Índio, ao que se acrescem Leis, Decretos, Decretos-Leis e Emendas Constitucionais, em rol quase infinito. E, como se ainda bastante não fosse, além de todo esse elenco de normas – devidamente inseridas no nosso ordenamento jurídico – as vemos constantemente atualizadas ou complementadas através de outras fontes do Direito, representadas pelas Súmulas e jurisprudências, todas inspiradas na doutrina que, incansavelmente, procura oferecer interpretações das normas que traduzam o foco que não se pode afastar: os direitos individuais e sociais.
Não obstante, inexiste no país legislação especial que trate das relações homossexuais, regulando e protegendo seus direitos como casais. O motivo? Imagina-se óbvio o suficiente até mesmo tendendo ao risco de causar mal estar, em conseqüência da incômoda realidade de que não se consegue – ainda – tratar desse assunto com a mesma desenvoltura e naturalidade que se trata na elaboração de textos normativos que resultariam em Estatuto como o do Índio, da Criança e do Adolescente, do Idoso, talvez porque um idoso não precise se apresentar como idoso para que se reconheça que ele tem direitos assegurados pelo seu Estatuto – pois a característica que lhe confere direitos é visível, externa; o mesmo ocorrendo quanto à criança, o adolescente e o índio.
Mas, seria possível – sem incorrer no risco de vir a ser processado por injúria14 – dirigir-mo-nos a um homossexual e lhe oferecer os direitos que teria assegurados em um Estatuto? Soaria estranho ou natural se perguntássemos a um homossexual que não se nos apresentou como tal, algo que fosse natural apenas aos homossexuais – como, por exemplo: “qual o nome do seu companheiro, para colocarmos no pedido de pensão do senhor?”.
Associada aos preconceitos, esse certamente poderia ser um dos motivos que dificultariam a elaboração de legislação especial que lhes assegurasse direitos específicos. Pois se tanto para o idoso quanto para a criança e o adolescente, o que os insere nos Estatutos que os protege é o fator idade; enquanto que para o índio seria o fator étnico-racial; para o homossexual, qual seria o fator?
Observe-se, então, que além do aspecto jurídico e social, há a questão física, hormonal, sexual e ainda a preocupação com o lado emocional e psicológico do indivíduo.
A título de exemplo, diríamos que da mesma forma que uma pessoa com obesidade mórbida – que além dos aspectos físicos, externos, visíveis, que colocariam em risco a sua vida, os obesos também sofrem de distúrbios e problemas emocionais graves, relacionados com a sua auto-estima, com a deficiência na sua capacidade de se aceitar como realmente são e, ainda, pela rejeição da sociedade à sua figura –, tanto quanto um obeso, um homossexual que se comporta assumindo a sua condição de preferir sexualmente pessoas do seu mesmo sexo é comumente rejeitada e discriminada pela sociedade, pelo que advém como conseqüência a automática e inafastável sensação de mal estar, enquanto que a Lei, que vê a todos como iguais, sem distinções de quaisquer naturezas15 , existe para assegurar seu bem-estar, em caráter constitucional.
O obeso não pediu para nascer obeso, assim como o homossexual não teve a faculdade de escolher como gostaria de ter nascido. Poderia até mesmo ao longo de toda a sua vida não manifestar, não exteriorizar, a sua homossexualidade; mas seria o que se vulgarmente designa de enrustido. Da mesma forma, o portador de alguma deficiência física ou necessidade especial não pediu para vir ao mundo com a aparência física diferente dos demais indivíduos. Mas tanto ao obeso quanto ao portador de qualquer deficiência física ou necessidade especial são assegurados plenos e legítimos direitos, constantes dos regimentos legais. À eles é assegurado, constitucionalmente, direitos sociais e individuais, com a preservação de seu bem-estar.
Então, aos olhos da Constituição da República Federativa do Brasil – ao menos sob os olhos vendados da figura mítica da justiça – todos somos iguais e não podemos ser discriminados, sob qualquer alegação ou pretexto.
Enfim, que às importantes conquistas alcançadas pelos homossexuais na luta que assumiram para o reconhecimento de suas relações homoafetivas como uniões estáveis sejam acrescidas outras, esperando-se que a hermenêutica jurídica exercitada pelos estudiosos, acadêmicos, doutrinadores, aplicadores, julgadores e profissionais do Direito possa continuar a contribuir para que sejam consolidados direitos e garantias específicos em Lei Especial que lhes assegure, dentre todos os direitos que buscam, o de constituir dignamente as suas famílias, sem distinções, preconceitos ou tão somente graças à aplicação alternativa do direito positivado, que conseguiu brilhantemente identificar a possibilidade de aproveitamento da lacuna identificada na Lei.
Referências
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral / Sílvio de Salvo Venosa. 2 ed. – São Paulo: Atlas, 2002 – (Coleção direito civil; v. 1)
1 Ainda mais porque o objetivo desse trabalho estará pautado em demonstrar o que ainda se busca modificar na legislação ora vigente, e não o que já se modificou ou revogou.
2 O art. 2º do Código Civil Brasileiro prevê que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”
3 Art. 5º da Constituição Federal da República Federativa do Brasil.
4 Art. 258 do Código Civil de 1916 e art. 1.640 do Novo Código Civil, de 2002.
5 “Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: (...) o defloramento da mulher, ignorado pelo marido”.
6 O Capítulo VI do Código de 1916, através dos arts. 379 a 395 tratavam do “pátrio poder”.
7 Aqui, neste presente estudo, os referidos Códigos foram simbolicamente nomeados como parâmetros meramente exemplificativos do contexto legal geral.
8 Art. 1.727, do NCC.
9 Tanto no § 3º do art. 226 da CF, como no “caput” do art. 1.723, do NCC.
10 Art. 4º do Decreto-Lei nº 4.657/42, a LICC-Lei de Introdução ao Código Civil.
11 Art. 335, do Código de Processo Civil.
12 Art. 126, do Código de Processo Civil.
13 Art. 5º, II, da Constituição Federal.
14 Art. 140, do Código Penal: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro. Pena: detenção, de um a seis meses, ou multa”.
15 Art. 5º, “caput”, da Constituição Federal.
Data de elaboração: junho/2006
Sandra Reis da Silva
Advogada.