1 INTRODUÇÃO
O objetivo do presente artigo é uma exposição simples e sumária acerca do conceito de Bem de Família, as suas classificações e principais semelhanças e diferenças entre estas. Para introduzir o assunto, entendemos por bem comparar alguns dos conceitos trazidos pelos principais doutrinadores vez que o nosso Código Civil atual não o conceitua de forma clara.
Na seqüência analisaremos as duas categorias em que é dividido o bem de família apontado as semelhanças entre cada um. Por fim, encerraremos o presente trabalho, apontando as principais diferenças em quadro comparativo à luz do Código Civil de 2002 e a Lei nº 8.009/90
2 CONCEITO DE BEM DE FAMÍLIA
O bem de família é um instituto de origem norte-americana, tendo surgido no começo do século XIX. Em virtude de uma grave crise econômica o Estado do Texas promulgou uma Lei em que o governo cedia a todo chefe de família, maior de 21 anos de idade, uma propriedade rurícola com a finalidade de torná-la produtiva, dando, em conseqüência, proteção a sua família, e criando um abrigo seguro. Surgiu, assim, o instituto do homestead (home: casa, e stead: lugar), o que quer dizer "uma residência de família".1
Inicialmente, o Bem de Família estava introduzido na Parte Geral do Código Civil de 1916 sendo, porém, introduzido no título referente ao direito patrimonial da família em 2002 pelo novo Código Civil.
O atual Código conceitua o instituto de uma forma bem genérica em seu art 1711, in verbis:
Art. 1.711- Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial (...).
O bem de família pode ter sua importância justificada pelo Princípio da Dignidade da pessoa humana, que determina que toda pessoa deve ter o mínimo necessário para viver dignamente. A moradia, sem dúvida, deve ser incluída neste mínimo, passando a ser direito fundamental pela EC 45/2004.
Pela grande importância do instituto na sociedade, o bem de família, além de ser direito fundamental, reveste-se pelas garantias da impenhorabilidade e inalienabilidade. Em relação ao primeiro garante-se que o bem não possa ser penhorado em virtude de eventuais dívidas empreendidas pelo instituidor e o segundo proporciona ao bem a qualidade de um asilo seguro à família que estabelece sua moradia neste não podendo um dos cônjuges alienar o bem sem a anuência do outro e dos interessados, que são os filhos. Cabe evidenciar, entretanto, que nenhum dos institutos é absoluto, mas tal não é relevante à discussão ora depreendida.
A lei brasileira, como já foi visto, não traz uma definição certa do que é o bem de família. Entretanto, são oferecidos todos os elementos para a configuração do instituto, permitindo a nós a compreensão do que vem a ser o bem de família e sua conceituação.
Para Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de Direito Civil. Vol IV. Direito de Família. 2004. P. 557) o bem de família
é uma forma de afetação de bens a um destino especial, que é ser a residência da família e, enquanto for, é impenhorável por dívidas posteriores à sua constituição, salvo as provenientes de impostos devidos pelo próprio prédio.
A professora Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro, 5º vol: Direito de Família, p. 192.), por sua vez, define como:
Um instituto originário dos Estados Unidos, que tem por escopo assegurar um lar à família ou meios para o seu sustento, pondo-a ao abrigo de penhoras por débitos posteriores à instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas condominiais.
Já segundo o mestre Álvaro Villaça Azevedo (Bem de família. São Paulo. revista dos tribunais, 1999.) podemos conceituar o bem de família como
um patrimônio especial, que se institui por um ato jurídico de natureza especial, pelo qual o proprietário de determinado imóvel, nos termos da lei, cria um benefício de natureza econômica, com o escopo de garantir a sobrevivência da família, em seu mínimo existencial, como realização da justiça social.
3 ESPÉCIES DE BEM DE FAMÍLIA
O bem de família, hoje em dia, está classificado em duas grandes categorias: voluntário ou decorrente da vontade dos interessados, regrado pelo Código Civil, e o legal que não depende de manifestação da vontade do instituidor, regrado pela Lei n. 8.009/90.
3.1 BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO
O bem de família voluntário foi regrado pelo Código Civil de 1916, nos arts. 70 a 73, e pelo Código Civil de 2002, nos arts. 1.711 a 1.722, dividindo-se em móveis e imóveis. Tal bem se constitui por atitude voluntária do proprietário, devendo ser instituído por escritura pública devidamente registrada.
Para que haja a sua constituição o bem de família voluntário deve apresentar os seguintes requisitos: propriedade do bem por parte do instituidor, destinação específica de moradia da família e a solvabilidade do instituidor. Cabe destacar, que ausente qualquer dos requisitos não teremos a constituição do bem de família, podendo o mesmo sofrer penhora ou ser alienado.
Em relação ao primeiro requisito o Código de 2002 é expresso ao estabelecer, no art. 1.711, que se deve tratar de patrimônio próprio do instituidor. Em relação ao segundo, os arts. 1.712 e 1.717 são expressos em determinar que a destinação do bem de família deve ser o domicílio da família e assim também entende a maioria dos doutrinadores.
O terceiro requisito, por sua vez, foi exigido pelo Código Civil com a intenção de evitar que o instituidor do bem de família constitua tal bem na tentativa de fraudar os seus credores, visto que o mesmo se reveste de impenhorabilidade e inalienabilidade.
Foi estabelecido pelo Código Civil em seu art Art. 1.711 um limite a tal categoria não devendo o valor de tal bem ultrapassar 1/3 do patrimônio liquido existente na data da liquidação.
De acordo com o art. 70, do CC/16, e art. 1.722, do CC/2002, o bem de família se extingue com a morte de ambos os cônjuges e com a maioridade dos filhos.
3.2 BEM DE FAMÍLIA LEGAL
O bem de família legal ou também denominado por alguns autores como involuntário constitui-se independentemente da iniciativa do proprietário do bem, ou seja, a constituição é involuntária.
Tal instituto surgiu como uma forma de proteger as famílias que não possuem condições ou mesmo não tem acesso à informações suficientes para que estas possam proteger a sua moradia. Deste modo, criou-se o bem de família legal visando uma proteção automática destas famílias por parte do Estado.
Neste sentindo, cabe evidenciar entendimento de Álvaro Villaça de Azevedo (Bem de família internacional . Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: . Acesso em: 26 fev. 2008):
(...)o instituidor é o próprio Estado, que impõe o bem de família, por norma pública, em defesa da célula familiar. Nessa lei emergencial, não fica a família à mercê de proteção, por seus integrantes, mas é defendida pelo próprio estado, de que é fundamento
Cabe evidenciar, que por tal instituto ser voltado para as classes menos favorecidas o mesmo não goza da garantia de inalienabilidade, posto que muitas vezes a moradia destas famílias é o único bem de valor que possam vender para uma eventual necessidade de dinheiro.
O bem de família legal está regulamentado pelos dispositivos da Lei Especial 8.009/90, específica para bem de família involuntário e, assim como o bem de família voluntário, se subdivide em móveis e imóveis.
Para configuração deste bem de família é preciso que se observe os seguintes requisitos: propriedade do bem e a destinação específica. Podemos observar, que em relação ao primeiro requisito o bem de família involuntário se assemelha ao bem de família voluntário, sendo a propriedade do bem requisito essencial para sua constituição
O art. 1º e parágrafo único da lei especial, estabelecem que o imóvel deve ser próprio e os móveis devem estar quitados. Os arts. 1º e 5º, por sua vez, são expressos ao afirmar que a destinação do imóvel deve ser a moradia da família, assim como também ocorre no bem de família voluntário.
Diferentemente da limitação prevista pelo Código Civil de 2002 ao bem de família voluntário, que o valor do mesmo não pode ultrapassar um terço do patrimônio líquido total do proprietário para que possa se transformar em bem de família, na lei 8.009/90 não há qualquer limitação em relação ao valor ou extensão do bem de família involuntário, devendo ser apenas a moradia da família para que haja isenção por execução de dívidas sobre o imóvel.
Cabe destacar que a lei 8.009/90 não especifica uma forma de extinção do bem de família involuntário. Alguns autores entendem que ele cessa automaticamente quando cessar a moradia permanente no imóvel instituído.
4 QUADRO COMPARATIVO
Para uma melhor compreensão das principais dessemelhanças entre tais institutos achamos por bem evidenciá-las em um quadro comparativo possibilitando uma visão ampla e sistemática das principais diferenças:
INVOLUNTÁRIO
VOLUNTÁRIO
Goza de proteção por força da lei, ou seja, independe de qualquer ato jurídico institucional.
Depende de um ato de vontade do instituidor
Os seus efeitos operam-se de imediato, pelo simples fato do imóvel servir de residência da família
Os efeitos somente operam após o respectivo registro no Cartório de Imóveis.
Não há limite de valor, exceto em face da multiplicidade de bens imóveis, quando então somente o de menor valor estará sob a proteção da lei.
O valor do bem não pode exceder a um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição
Não se extingue com a dissolução da sociedade conjugal
Cessa automaticamente quando cessar a moradia permanente no imóvel instituído.
Tem como proteção somente a impenhorabilidade do bem;
Além da proteção impenhorabilidade, há também a cláusula de inalienabilidade do bem
Não admite sub-rogação – deve ser tido como bem de família sempre o imóvel de menor valor, quando dois ou mais imóveis vierem também a servir de moradia para o proprietário ou sua família;
Admite a troca, podendo a instituição recair sobre o imóvel que melhor aprouver a entidade familiar.
Não admite renúncia;
Seus efeitos podem ser cancelados a qualquer tempo, caso o instituidor não tenha filhos incapazes;
REFERENCIAS
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de família internacional . Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: . Acesso em: 26 fev. 2008
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de família. São Paulo. revista dos tribunais, 1999
BUSSO, Sérgio. Bem de família. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: . Acesso em: 26 fev. 2008.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 5º vol: Direito de Família, p. 192.
PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil. Vol IV. Direito de Família. 2004. P. 557
SANTIAGO, Mariana Ribeiro. Bem de família . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 369, 11 jul. 2004. Disponível em: . Acesso em: 26 fev. 2008.
1 BUSSO, Sérgio. Bem de família. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: . Acesso em: 26 fev. 2008.
Data de elaboração: abril/2008
Anna Paulsen
Estagiária do escritório Bastos, Mendonça e Tovar, Advogados Associados.Código da publicação: 1934
Como citar o texto:
PAULSEN, Anna..O bem de família voluntário e legal: semelhanças e diferenças. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 9, nº 505. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/1934/o-bem-familia-voluntario-legal-semelhancas-diferencas. Acesso em 1 jan. 2009.
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