Resumo: O artigo que ora se apresenta tem por escopo fazer algumas considerações acerca da união estável, destacando aspectos relevantes, desde a sua origem remota, o concubinato, perpassando pelo seu reconhecimento como entidade familiar a partir da Constituição de 1988, sua regulamentação pelas Leis n° 8971/94 e 9278/96, até a sua concepção atual dada pelo Código Civil de 2002. A obrigação alimentar entre os companheiros dispensa atenção especial, posto que a doutrina não é uníssona quanto a seguir ou não as regras atinentes ao casamento, notadamente quando se perquire culpa. Para tal, pesquisou-se a opinião de vários doutrinadores no sentido de identificar as inovações legais e vislumbrar os efeitos práticos da obrigação alimentar, de forma a estabelecer as diferenças e semelhanças entre o direito a alimentos entre os companheiros e a obrigação alimentar entre os cônjuges.
Palavras-chave: união estável; concubinato; obrigação alimentar.
1 INTRODUÇÃO
O artigo em tela versa sobre a união estável, reconhecida como entidade familiar a partir da Constituição Federal de 1988, como a união entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição da família, conforme dicção do art.1723 do Código Civil de 2002.
De sorte que, além do casamento, já consagrado há muito pelo ordenamento pátrio, são reconhecidas outras duas formas constitutivas da família, a saber: a união estável e a família monoparental, formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
O presente artigo tem por objetivo discorrer sobre o instituto da união estável, destacando a percepção alimentar, antes restrita à relação de parentesco, na vigência do Código Civil de 1916, sendo que o novo diploma civil a estende ao vínculo oriundo da união estável.
Cumpre observar que a obrigação alimentar entre os companheiros tem gerado controvérsias entre os doutrinadores, no sentido de seguir ou não as mesmas regras concernentes aos cônjuges, notadamente quando se perquire culpa. Ademais, muitas vezes o legislador comete imprecisões de ordem técnica ou é omisso quanto a certos efeitos decorrentes da união estável.
Para tal, foi feita uma pesquisa documental, através de consulta às leis que tratam do tema; pesquisa bibliográfica que servirá de suporte teórico, mediante consulta a livros, artigos científicos, monografias, legislação doutrinária e jurisprudencial, textos extraídos da internet, entre outras publicações escritas que se reportem ao tema em exame. Para tanto, far-se-á uso do método dedutivo.
Destarte, é salutar a exegese do instituto da união estável à luz da regulamentação do Código Civil de 2002, mediante uma leitura mais acurada e sensível das inovações legais, com o intuito de vislumbrar os efeitos práticos da obrigação alimentar, estabelecendo a similitude e as diferenças existentes entre as regras da união estável e do casamento, notadamente no que concerne à interpretação do parágrafo único do art. 1704 do Código Civil.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Breve escorço histórico da união estável
A expressão união estável é empregada pela Constituição Federal de 1988 para reconhecer a união entre homem e mulher, sem vínculo matrimonial, como entidade familiar.
Ocorre que, antes do advento da Constituição Federal de 1988, toda e qualquer união alheia ao casamento, inclusive o casamento religioso, configurava-se como concubinária e, por conseguinte, à margem do Direito.
Era comum em Roma a união de fato entre patrícios e plebeus, dado o impedimento de constituírem formalmente o matrimônio. Essas uniões eram destituídas de efeitos jurídicos e, como tal, inferiores ao casamento.
O próprio Direito Canônico não olvidava a existência do concubinato, porém, impôs a forma pública da celebração e instituiu o matrimônio como sacramento como aduz RIBEIRO.
Como bem anota Cavalcanti (2002), o Direito de família brasileiro teve como principais fontes o Direito Canônico e o Direito Português, com destaque especial para o Código Napoleônico, o qual concebia a família de forma hierarquizada e o casamento era considerado indissolúvel.
No período imperial, as leis brasileiras sujeitavam-se às Ordenações de Portugal, as quais se mostravam contrárias ao concubinato, posto que a Igreja Católica já tinha sacramentado o casamento.
Isso porque, para o cristianismo, a única forma legítima de constituição da família era o casamento entre homem e mulher, para fins de procriação, sendo que o Código Civil de 1916, reflexo dessa visão conservadora, concebia o homem como o chefe da sociedade conjugal como bem anota DIAS (2004).
O próprio Código fazia distinção quanto à forma do concubinato, que podia ser puro ou impuro. Paulo (2003, p.9) tece algumas considerações com o escopo de elucidar tais conceitos:
O concubinato pode ser puro ou impuro. Puro será quando ocorrer união duradoura, sem casamento civil, entre homem e mulher, estando ambos livres e desimpedidos, ou seja, não estão vinculados ao matrimônio ou outra ligação concubinária. São uniões de solteiros, viúvos, separados judicialmente e divorciados. Ocorrerá concubinato impuro se um dos amásios ou ambos estiverem impedidos legalmente de casar, quando então ocorrerá adultério se um dos cônjuges ou ambos forem casados ou incestuoso, se houver parentesco próximo entre os concubinos.
Ainda segundo o mesmo autor, a justiça pretoriana mostrou-se, no início, implacável no sentido de não conceder efeitos jurídicos à união concubinária. Com o transcurso do tempo, os tribunais brasileiros, embora timidamente, começaram a conferir direito a essas relações não oriundas do casamento.
A evolução jurisprudencial foi de capital importância para amenizar as injustiças provocadas ante a omissão legal, comunga desse entendimento Campos (2003, p.2) ao frisar que a omissão do legislador em regular a matéria forçou os juízes a aplicar a analogia e a eqüidade diante dos casos concretos, colocando “os juízes à frente dos legisladores”.
Nessa trilha, o Supremo Tribunal Federal editou quatro súmulas (SUM 35, 380,382 e 447) no sentido de admitir efeitos patrimoniais, proporcionando maior conforto e justiça aos relacionamentos que não eram formalizados pela celebração do casamento como relata CAVALCANTI (2002).
Dessa feita, a jurisprudência passou a reconhecer a existência de uma sociedade de fato entre os concubinos que se uniam para a construção de um patrimônio comum e, uma vez dissolvida a sociedade de fato, impunha-se a partilha de bens, de modo que cada um dos sócios passa a ter direito à meação dos bens comuns.
Em um primeiro momento, a expressão “esforço comum” foi entendida como a contribuição de ambos os concubinos mediante atividade laborativa, sendo que a mulher que não exercia atividade laboral fora de casa não tinha direito à meação, entretanto, poderia ser indenizada pelos serviços prestados com base na vedação ao locupletamento sem causa.
Isso porque, muito embora a mulher não exercesse atividade laboral externa, a mesma ficava confinada em casa, encarregando-se de administrar o lar e cuidar da educação dos filhos, o que não deixava de ser uma contribuição, na medida em que proporcionava conforto e tranqüilidade ao seu amásio.
Posteriormente, firmou-se o entendimento de que a contribuição financeira de ambas as partes não deveria ser exigida, haja vista o fato de a mulher contribuir de alguma forma para a formação do patrimônio comum ao dedicar-se ao lar.
É mister ressaltar que se aplicava ao concubinato as regras atinentes ao Direito das Obrigações e não ao Direito de família, posto que, para a legislação da época, apenas o casamento era considerado entidade familiar. Com efeito, não se concedia direito a alimentos, nem tampouco o reconhecimento do direito de habitação na residência comum (DIAS, 2004).
Hodiernamente, em face do reconhecimento pela Constituição Federal da união estável como entidade familiar, o companheiro, na hipótese de dissolução da união estável, terá direito a partilha dos bens comuns, além da percepção de alimentos, subsistindo a teoria da sociedade de fato para os casos de relacionamentos ditos impuros, isto é, quando recaia algum impedimento matrimonial.
2.2 O reconhecimento da união estável como entidade familiar pela CF/88 e a regulamentação dada pelas Leis n° 8971/94 e 9278/96.
A Constituição Federal de 1988 constituiu um marco para o ordenamento jurídico brasileiro, ao eleger a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art.1°, III), bem como ao promover o alargamento do conceito de Família.
DIAS (2004) aduz que somente com a Carta Magna de 1988 buscou-se atentar à realidade social, sendo que, ainda assim, difícil foi ampliar os direitos que já vinham sendo reconhecidos na Justiça, inclusive com questionamentos acerca da auto-aplicabilidade da norma constitucional.
A Magna Carta estabelece em seu artigo 226, § 3°, a seguinte redação: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
O § 4°, por sua vez, estabelece: “Entende-se também, como entidade familiar, a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
Sendo assim, a Constituição Federal de 1988 reconhece como entidade familiar, além do casamento, há muito consagrado pelo ordenamento pátrio, a união estável e a família monoparental, aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Com efeito, a partir de então, o conceito de família legítima não mais está associado ao casamento, já que agora vige o princípio do pluralismo familiar.
Campos (2003) noticia a existência de uma moderna corrente doutrinária que admite, ainda, o reconhecimento da família fraternal (formada por irmão solteiros), a família homoafetiva, bem como qualquer outra relação em que se possa vislumbrar os seguintes requisitos: estabilidade, ostensibilidade, convivência e afetividade.
São pertinentes as considerações feitas por Cavalcanti(2002) ao afirmar que essas mudanças introduzidas pela Constituição alteraram substancialmente a história traçada pelo Código Civil no tocante à família brasileira, contemplando uma situação fatídica já existente, malgrado não fosse reconhecida no plano jurídico.
Malgrado a previsão constitucional da união estável em 1988, a matéria só começou a tomar os seus contornos no ano de 1994, com a Lei n° 8.971, ocasião em que se estabeleceu o direito a alimentos e sucessão e, por conseguinte, começaram a produzir os efeitos decorrentes dessas uniões, como anota CAVALCANTI (2002).
A Lei n° 8.971/94, então denominada Estatuto dos Concubinos, na realidade, não definiu o instituto da união estável, mas indicou seus elementos caracterizadores, a saber: exigência de prazo de duração superior a cinco anos ou a existência de prole comum; o estado civil era levado em consideração; os companheiros deveriam ser solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos.
O direito à percepção de alimentos entre companheiros só foi possível a partir da Lei n° 8971/94, ao estabelecer em seu artigo 1°:
A companheira de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ela conviva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei n° 5478, de 25. 07.68, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.
A supracitada lei regulou o direito a alimentos, calcado no binômio necessidade-possibilidade, isto é, necessidade do alimentado e possibilidade do alimentante, bem como dispôs sobre direito sucessório. A partir de então, pôs-se fim à celeuma jurisprudencial que relutava em conferir alimentos aos companheiros, como observa RIBEIRO(2002 ).
É pertinente ressaltar que antes da supracitada lei prevalecia o entendimento segundo o qual a obrigação alimentar resultava de lei, da vontade e do delito, sendo que a obrigação reclamada pela concubina não se amoldava em nenhuma dessas hipóteses e, por conseguinte, “direito algum havia a dar guarida” como assevera RIBEIRO (2002, p. 11).
Nesse sentido, em casos tais, julgava-se o autor carecedor da ação proposta com fulcro no artigo 267, I, CPC. Argüia-se a falta de interesse ou a impossibilidade jurídica do pedido.
Como já relatado alhures, foi utilizado como requisito temporal para a constituição da união estável a convivência há mais de cinco anos ou prole resultante dessa união, ocasião em que se dispensava o prazo exigido.
Entretanto, deve-se ter mente que a existência de prole comum não supre os demais requisitos exigidos para a configuração da união estável, quais sejam: publicidade, continuidade, durabilidade e affectio maritalis (ânimo de constituir família).
Como bem acentua Ribeiro (2002), sobreveio em 1996 a Lei n° 9278, a então denominada Lei da união estável, trazendo requisitos mais brandos para a percepção de alimentos entre companheiros, não havendo mais referência ao estado civil dos companheiros, à existência de prole comum ou à duração mínima dessa união.
Ainda segundo o mesmo autor, a Lei n° 9278/96 não revogou inteiramente a anterior no que concerne aos alimentos, apenas complementando-a. Para Ribeiro (2002, p.13),
Ambas podem conviver em perfeita harmonia, porque enquanto uma tratou essencialmente da parte procedimental, da ação; a outra, tratou mais d direito material. A lei nova que estabelece disposições gerais sobre determinada matéria, a par das já existentes, não as revoga nem as modifica.
O artigo 1° da referida lei conceitua a união estável como a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição familiar, sendo que não se menção a lapso temporal.
O art.2° trata dos direitos e deveres dos conviventes, a saber: respeito e consideração mútuos, assistência moral e material recíprocas e guarda, sustento e educação dos filhos comuns.
A Lei n° 9278/96 também reconheceu a necessidade de estabelecer um regime de bens básicos para a união estável, semelhante ao regime de comunhão parcial de bens, em que os companheiros se unem para a formação de um patrimônio comum, em que se presume a colaboração de ambos para a formação deste.
O art.7° prevê o direito a alimentos entre os conviventes, sem que se perquira a culpa. Há os que se insurjam contra essa previsão, alegando que se trata de disposição mais benéfica aos concubinos, que sempre teriam direito à pensão alimentícia, diferentemente do que ocorre no casamento, em que somente o cônjuge inocente faria jus.
Campos(2003) aduz que criticava-se, ainda, a possibilidade de cumulação pelo companheiro do direito real de habitação e do direito de usufruto vidual, fato que não poderia ocorrer na dissolução do casamento pela morte de um dos cônjuges, nos termos do art.1611, §§1° e 2º do Código Civil de 1916.
2.3 A união estável após a regulamentação do Código Civil de 2002
O Código Civil de 2002 reúne em cinco artigos os principais elementos das Leis n° 8971/94 e 9278/96, restando revogadas as mencionadas leis em face da inclusão da matéria pelo diploma civil.
O § 1° do artigo 1723 do Código Civil de 2002 inova ao admitir expressamente a união estável entre pessoas ligadas pelo casamento, estando, porém, separadas de fato ou judicialmente.
É oportuno destacar, outrossim, que o próprio código conceitua concubinato, ao dispor no artigo 1727 que as relações não eventuais entre homem e mulher, impedidos de casar, constitui concubinato.
Ocorre que o legislador, ao utilizar a expressão “impedidos de casar”, esqueceu-se da ressalva prevista no §1° do artigo 1723, ao estabelecer que as pessoas separadas de fato ou judicialmente podem constituir união estável.
Destarte, houve uma impropriedade na redação do aludido artigo, sendo que a dicção mais correta seria “a pessoa casada, exceto aquela separada de fato, que se una a outra pessoa, constitui concubinato”, como sugere CAVALCANTI (2002, p.8).
O artigo 1724 dispõe que as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito, assistência e guarda, sustento e educação dos filhos, aproximando-se do casamento em tudo quanto disser respeito à responsabilidade dos companheiros entre si e com relação à prole comum, como afirma VENOSA (2006).
O artigo 1725 do CC/02 faz menção ao patrimônio dos companheiros, autorizando-os a contratarem quanto ao regime patrimonial e, na ausência de convenção em contrário, aplicar-se-á, no que couber, o regime de comunhão parcial de bens.
Todas as considerações já tecidas tiveram por escopo elucidar o conceito de união estável, desde sua origem remota, o concubinato, até a sua concepção atual, a partir de sua regulamentação pelo novel diploma civil.
Nesse diapasão, passaremos a analisar o objeto do nosso estudo, qual seja, a obrigação alimentar entre os companheiros, observando as semelhanças e dessemelhanças entre a mesma e a obrigação alimentar entre os cônjuges.
Gonçalves (2006) aduz que os alimentos são prestações para a satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si, tendo por finalidade fornecer a um parente, cônjuge ou companheiro o necessário a sua subsistência..
Com o advento do Código Civil de 2002, por expressa disposição do artigo 1694, os companheiros foram incluídos na obrigação alimentar, como se infere da sua redação: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitam para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.
O § 1° do supracitado artigo estatui que os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
O §2°, por seu turno, prevê que os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Como se vê, os §§ 1° e 2° do artigo 1694 são aplicáveis tanto aos cônjuges como aos companheiros já que o caput do artigo faz menção a ambos. Contudo, não acontece o mesmo quando se perquire a culpa.
O parágrafo único do artigo 1704 estabelece que se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos terá que demonstrar que não possui parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, para que possa ter direito aos alimentos naturais, isto é, apenas os necessários a sua subsistência.
Ocorre que a restrição só foi feita em relação aos cônjuges, não dispondo nada quanto aos companheiros. Sendo assim, é lícito concluir que a ressalva feita pelo p.único do artigo 1704 não se estende aos companheiros, posto que não se deve fazer interpretação analógica de restrições, essas devem ser interpretadas estritamente.
Dessa feita, verificamos uma dessemelhança significativa entre a percepção de alimentos pelo cônjuge culpado e a percepção de alimentos do companheiro culpado. Enquanto o primeiro deverá comprovar, além de sua necessidade e possibilidade do outro cônjuge inocente, que não possui outros parentes em condições de prestá-los e a inaptidão para o trabalho, o último somente terá que demonstrar tão somente a sua necessidade e a possibilidade do companheiro inocente.
Alguns doutrinadores insurgem-se contra essa interpretação alegando que interpretando-se o artigo em apreço dessa forma estaria privilegiando a união estável em detrimento do casamento. Na verdade, não se trata de privilégio, apenas não se pode restringir um direito sem expressa disposição de lei.
Ademais, os companheiros podem pôr fim á união estável sem que se perquira culpa, ocasião em que discutirão acerca dos alimentos. Em não havendo concordância entre os mesmos, os alimentos poderão ser arbitrados judicialmente, verificando-se apenas a necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante.
Sendo assim, é lícito concluir que o companheiro que deu causa à separação (culpado) terá direito apenas aos alimentos naturais, isto é, aos necessários à subsistência, tendo apenas que provar a sua necessidade e a possibilidade do outro companheiro.
A contrario senso, o cônjuge culpado terá que provar, além da sua necessidade e possibilidade do outro consorte, que não possui outros parentes em condições de prestar os alimentos e inaptidão para o trabalho.
É oportuno destacar a dicção do artigo 1708 do CC/02, ao estabelecer que o casamento, a união estável ou o concubinato do credor cessa o dever de prestar alimentos. O parágrafo único do artigo em comento prevê que, com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se o mesmo tiver procedimento indigno em relação ao devedor.
Conclusão
O instituto da união estável, reconhecido pela Constituição Federal de 1988 como entidade familiar, tem como origem remota o concubinato, que se configurava como toda e qualquer união alheia ao casamento, haja a vista o mesmo ter sido considerado como a única forma constitutiva da família.
A jurisprudência teve capital importância no sentido de conceder direito às pessoas que mantinham as chamadas “uniões livres”, todavia, essa proteção restringia-se ao concubinato puro, isto é, aquele sobre o qual não recaía nenhum impedimento matrimonial.
Durante um período considerável admitiu-se a teoria da sociedade de fato que consistia em conferir efeitos patrimoniais àquelas pessoas que se uniam para a formação do patrimônio comum.
Ocorre que, aplicava-se ao concubinato às disposições do Direito das Obrigações e não de Direito de Família, na verdade, buscou-se tão somente vedar o enriquecimento sem causa.
Somente a partir da Constituição de 1988, a expressão concubinato cedeu lugar à expressão união estável, reconhecendo-a como entidade familiar, alargando o conceito de família e contemplando, por conseguinte, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, qual seja, a dignidade da pessoa humana.
No que tange à obrigação alimentar, impende destacar a regulamentação dada pelas Leis n° 8971/94 e 9278/96 e hodiernamente pelo Código Civil de 2002, estendendo a obrigação alimentar ao vínculo oriundo da união estável, antes restrita ao parentesco.
É oportuno destacar que a doutrina, quanto à obrigação alimentar entre os companheiros, não é unívoca no sentido de seguir ou não as regras atinentes ao cônjuge, mormente quando se perquire culpa.
Nesse diapasão, dispensa atenção especial o parágrafo único do art.1704 do Código Civil. A partir da leitura do preceptivo em comento, podemos verificar uma dessemelhança significativa entre a percepção de alimentos pelo cônjuge culpado e a percepção de alimentos do companheiro culpado.
Enquanto o primeiro deverá comprovar, além de sua necessidade e possibilidade do outro cônjuge inocente, que não possui outros parentes em condições de prestá-los e a inaptidão para o trabalho, o último somente terá que demonstrar tão somente a sua necessidade e a possibilidade do companheiro inocente.
Isso porque o aludido dispositivo tem caráter restritivo e, como tal, não pode ser estendido aos companheiros, pois sua aplicação deve ser estrita, ainda que cause estranheza tratar uma mesma situação de forma diversa. Não se trata de privilégio, apenas não se pode restringir um direito sem expressa disposição de lei.
Portanto, é lícito concluir que a regra inserta no parágrafo único do art.1704 do Código Civil de 2002 que restringe o direito a alimentos do cônjuge declarado culpado pela separação não se aplica ao companheiros.
Dessa feita, observa-se que ocorreu, na verdade, uma atecnia legislativa, uma vez que certamente não foi a intenção do legislador beneficiar os companheiros em detrimento dos cônjuges, havendo a necessidade de reformulação desse dispositivo de lei a fim de se evitar injustiças.
Depreende-se, portanto, que o instituto da união estável vem se consolidando como entidade familiar, tendo adquirido no transcurso dos anos respeito perante a sociedade, subsistindo a teoria da sociedade de fato aos relacionamentos ditos impuros, isto é, quando recaia algum impedimento matrimonial.
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006.
Data de elaboração: fevereiro/2008
Macela Nunes Leal
Bacharel em Direito pelo CEUT. Licenciada em Letras Português pela UESPI. Advogada. Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp.Código da publicação: 2410
Como citar o texto:
LEAL, Macela Nunes..Obrigação alimentar entre os companheiros. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/2410/obrigacao-alimentar-entre-os-companheiros. Acesso em 9 jan. 2012.
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