Com o passar do tempo, o direito de suceder e de testar foi sendo modificado, modelando as formas de testamento atualmente previstas na legislação. O Código Civil de 2002 em seus artigos limita a liberdade de testar, aduzindo os requisitos para a validade de um testamento, bem como, classificando quais são as espécies permitidas: público, particular, cerrado, codicilo, nuncupativo, militar, marítimo e aeronáutico, prevendo para cada uma das espécies várias particularidades. Desta forma, o ordenamento jurídico brasileiro não prevê a liberdade de dispor da vida, em caso de doença quando o tratamento não tem mais eficácia, ou seja, para não ser submetido a tratamentos desnecessários, sendo denominada esta declaração de vontade como testamento vital. Este trabalho tem o objetivo de discorrer sobre a disposição da última vontade do enfermo, respeitando a garantia da dignidade da pessoa humana, que é direito fundamental assegurado no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal Brasileira, bem como, o direito a uma morte digna. A ortotanásia, que significa deixar a morte acontecer no seu tempo certo sem a utilização de métodos desnecessários, é considerada uma prática ilícita no ordenamento jurídico. Contudo, o projeto de Lei nº. 116/2000 do Senador Gerson Camata, que tramita no Congresso Nacional, vem retirar esta modalidade do rol de ilicitude. Estava suspensa a Resolução Federal de Medicina nº. 1895/2006, que tem no conteúdo a limitação da prática do médico em utilizar métodos desnecessários para tratamento de um paciente, na 14ª Vara Cível da Comarca do Distrito Federal, sendo revogada a suspensão no ano de 2010. Atualmente vigora a Resolução Federal de Medicina nº. 1931/2009, que dispõe sobre o dever do médico em fornecer tratamentos paliativos em caso de doença incurável. O que se pretende demonstrar é que o testamento vital deve ser considerado válido, uma vez que garante a liberdade da pessoa, direito este também previsto na Constituição Federal, bem como o direito a ter uma morte digna, sem o sofrimento de se submeter a tratamentos desnecessários.

 

Palavras-chave: sucessão – testamento vital – tratamento desnecessário – disposição da vida – dignidade da pessoa humana

Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Assis Gurgacz

Orientadora e Professora de Direito das Sucessões, Direito do Consumidor e Introdução ao Estudo do Direito da Faculdade Assis Gurgacz2

 

 

LIMITING INDIVIDUAL FREEDOM: THE LIVING WILL

Talita Mayer BUENO1

Adriane HAAS2

talihh@hotmail.com

ABSTRACT

Over time, the right to succeed and testing was being modified, modeling the forms of wills contained in the legislation. The 2002 Civil Code in its articles restrict the freedom to test, adding the requirements for the validity of a will, as well, classifying the species which are allowed: public, private, close, codicil, nuncupative, military, maritime and aeronautical providing for each of the various specific species. Thus, the Brazilian legal system does not provide the freedom to dispose of life, in case of illness when treatment is no longer effective, or not to be subjected to unnecessary treatment, and called this declaration of will as living will. This paper aims to discuss the disposition of the last will of the patient, respecting the guarantee of human dignity, which is a fundamental right guaranteed in Article 1, section III of the Federal Constitution, as well as the right to a dignified death. The orthothanasia, which means letting death happen at the right time without the use of unnecessary methods, is considered an unlawful practice within the legal system. However, the draft Law. 116/2000 of Senator Gerson Camata, who deal in Congress, has removed this form of the list of illegal acts. He was suspended Federal Medicine Resolution nº. 1895/2006, which has the limitation on the content of the doctors practice of using unnecessary methods of treating a patient, the 14th Civil Court of the Federal District, the suspension was revoked in 2010. Currently is valid the Federal Medical Resolution no. 1931/2009, which provides for the physicians duty to provide palliative care in case of incurable disease. The intention is to demonstrate that the living will should be considered valid, since it guarantees the freedom of the person, a right also provided in the Constitution and the right to a dignified death without suffering to undergo treatment unnecessary.

Key words: sucession – living will – overtreatmen – provision of life - human dignity

Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Assis Gurgacz¹

Orientadora e Professora de Direito das Sucessões, Direito do Consumidor e Introdução ao Estudo do Direito da Faculdade Assis Gurgacz2

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho dispõe sobre a declaração de vontade do paciente enfermo em relação aos tratamentos de saúde desnecessários na terminalidade da vida.

Importante é esta pesquisa, uma vez que, muito se fala em dignidade da pessoa humana em vida, mas e a dignidade no momento da morte? E a liberdade da pessoa em não se submeter a tratamentos desnecessários?

Direitos estes consagrados pela Constituição Federal do Brasil.

No sistema jurídico brasileiro há diversas formas de testamentos cujos efeitos se dão após a morte, contudo, nada se fala sobre o testamento vital, o qual produziria efeito antes da morte do testador.

Nos termos da Lei Civil, artigo 1.857, toda pessoa pode dispor por testamento, de caráter patrimonial, a totalidade dos seus bens ou parte deles, se este for capaz. Acrescenta o parágrafo 2º que, o testador poderá dispor também de questões não patrimoniais.

O testamento vital ou a declaração vital é um método correlato da ortotanásia, entretanto, a prática desta ainda é considerada crime em nosso ordenamento, embora haja projeto de lei prevendo a mudança deste entendimento.

Neste testamento, pode-se observar alguns princípios que garantem a dignidade da pessoa humana no momento da morte, bem como, a vontade e a liberdade deste, o que demonstra a importância de estudar o presente tema.

MATERIAIS E MÉTODOS

A presente pesquisa trata-se de uma pesquisa qualitativa, utilizando a técnica bibliográfica, com uso de periódicos, artigos científicos e obras específicas da área do Direito.

1. DIREITO À LIBERDADE DE TESTAR

1.1. Histórico

Na era primitiva, não havia disposição acerca do testamento. Por costumes religiosos, a propriedade era vinculada à família e dela não era afastada, o que também acontecia no direito hindu e no direito grego (VENOSA, 1991).

Desta forma, para dar continuidade à família e a função do poder da casa, os bens passavam de geração a geração, diferente do que ocorria em Roma onde, para a família, seria considerado um ato vergonhoso se o de cujus não tivesse deixado algum testamento (HINORAKA, 2007).

As formas dos testamentos previstos naquela época, em regra, eram as calatis comittis, feito por comícios, duas vezes ao ano perante o pontífice máximo e testemunhado pelo povo; e a in procinctu, realizado perante exército em tempo de guerra, o que deixou de ser usado após o século I a.C. Com o passar do tempo, mais precisamente no período pré-clássico, foram surgindo outras formas de testamento que logo não eram mais utilizados, prevalecendo apenas à forma do “bronze e da balança”, marcando a época por ser o ato mais importante que o chefe familiar poderia praticar, sendo utilizado até o início do século do principado. (VENOSA, 1991).

Contudo, conforme cita Venosa (1991, p. 81):

“No Baixo Império ou período pós-clássico onde vão surgir de molde embrionário as formas de testamento que chegaram até nós. Ali estão os testamentos privados e testamentos públicos, surgidos nessa fase histórico-jurídico. Entre os testamentos particulares situam-se o nuncupativo (à beira da morte), o hológrafo (particular) e tripertium, assim denominado porque decorre da fusão do direito civil antigo, do direito pretoriano e das constituições imperiais.”

No direito romano surgiram outras formas de testar, como o testamento militar, em tempo de peste e o rurícola, sendo que ao longo do tempo, o autor da herança não poderia dispor somente de parte de seus bens, já que o herdeiro era quem continuava com a função do falecido perante a família e, portanto, não havia possibilidade de sucessão testamentária e legítima, exceto quando o testamento fosse militar. (VENOSA, 1991).

No ordenamento filipino, antes do Código Civil, as formas de testamento eram o aberto ou público, elaborado pelo tabelião; o testamento cerrado, com instrumento de aprovação; o testamento particular, podendo ser feito por outra pessoa e o nuncupativo, perante seis testemunhas. (VENOSA, 1991).

Outra diferença que se deu ao passar do tempo, foi em relação à ordem da vocação hereditária. No direito antigo, não havia grau de parentesco limite, diferente do período em que o Código de Napoleão esteve vigente, qual limitou ao 12º grau, como também fez o código Italiano, entretanto, fixou no 10º grau. No Código Civil brasileiro de 1916, inicialmente foi estabelecido limite para testar até o 6º grau na linha colateral, sendo reduzido para o 4º grau com o Decreto-Lei nº. 9.461/46 o que foi repetido no Código Civil de 2002. (QUEIROGA, 2005).

Desta forma, ficaram previstos com a entrada do Código Civil de 1916 no Brasil, os testamentos: público, cerrado, particular, marítimo e militar, admitindo o nuncupativo como militar, não prevendo demais formas.

1.2. Previsão atual no Brasil

Na atualidade, poucas são as pessoas que utilizam o testamento para dispor de sua vontade, já que não é de costume falar sobre a morte. (HIRONAKA, 2007).

Outra razão da não utilização do testamento é o favorecimento pela sucessão legítima, beneficiando as pessoas que de praxe o de cujus gostaria. (DINIZ, 2006).

No Código Civil de 2002, a sucessão pode ser legítima nos termos do artigo 1.829 e seguinte; ou ainda, testamentária, conforme prevê o artigo 1.862 e seguintes. Ocorre que deve ser respeitada a legítima, que é considerada a metade da herança dos herdeiros necessários, elencados no artigo 1.845 da Lei Civil, conforme prevê o artigo 1.846 do mesmo Codex.

Neste sentido, o artigo 1.789 do Código Civil dispõe que, havendo herdeiros necessários, poderá o autor da herança somente dispor da metade da sua herança. Portanto, o de cujus não tem a liberdade de dispor da totalidade dos seus bens, já que a lei obriga a guardar metade da herança aos herdeiros necessários, exceto se forem deserdados ou excluídos da sucessão por indignidade. (DINIZ, 2006)

Em interpretação contrária do artigo 1.789 da Lei Civil, não havendo herdeiros necessários, poderá o testador dispor da totalidade de seus bens adquiridos para qualquer pessoa que deseja.

2. FORMAS DE TESTAMENTOS PREVISTOS NO CÓDIGO CIVIL ATUAL

Dispõe o artigo 1.857 do Código Civil que toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte. Complementando o parágrafo 2º que, são válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas tenha se limitado.

Portanto, pode-se dizer que as disposições testamentárias não versam somente sobre questões patrimoniais, mas também, de enunciados não patrimoniais, meramente pessoais, tal como o reconhecimento de paternidade. (HIRONAKA, 2007)

Assim, o testamento é um negócio jurídico, porque é um ato praticado pelo de cujus e tem seus efeitos previstos na lei, que tem por características as seguintes: ato personalíssimo, somente o disponente emite a declaração de vontade conforme a lei; ato unilateral, pois manifesta a vontade soberana e livre do testador; negócio jurídico gratuito, já que os bens vêm sem ônus, sem reciprocidade patrimonial; formal ou solene, garantido a aplicabilidade da vontade real do testador e não sendo cumpridos os requisitos exigidos pela lei, acarretará a nulidade insanável; revogável, uma vez que as disposições podem ser revogadas a qualquer tempo até a morte do testador e; mortis causa, já que seus efeitos se dão somente após a morte do testador. (LEITE, 2004).

O Código Civil de 2002 elenca sobre os testamentos vigentes no Brasil, dispondo no artigo 1.862 a existência dos seguintes testamentos: público, particular e o cerrado, considerados ordinários. Da mesma forma dispõe o artigo 1.886 do mesmo Código, os testamentos marítimo, aeronáutico e o militar, considerados especiais, uma vez que tem como característica o risco de vida, uma situação grave, na qual o testador não tem a possibilidade de chegar até determinado destino para fazer o testamento na forma ordinária.

Trata ainda a Lei Civil no artigo 1.881 do codicilo, sendo este considerado um ato de última vontade da pessoa, versando sobre enterro, esmola de pouca monta a certas determinadas ou indeterminadas pessoais, dando possibilidade para se legar móveis, roupas, jóias de pouco valor, não podendo ser considerado um testamento, uma vez que, a sua finalidade é diversa. (SANT’ANNA, 2008).

Por fim, o Código Civil, ainda prevê o testamento nuncupativo, nos termos do artigo 1.896, ou como chamado pela doutrina, testamento de viva voz, já que é feito oralmente, autorizado somente para os militares e demais pessoas das Forças Armadas em combate ou feridas, dispondo de sua última vontade perante duas testemunhas. Entretanto, perderá a eficácia o testamento se o testador não morrer na guerra ou recuperar a saúde, assim aduzindo o parágrafo único do referido artigo. (LEITE, 2004).

Desta forma, verifica-se que o rol é taxativo, não sendo válido no ordenamento nenhum outro testamento ou declaração.

3. TESTAMENTO VITAL E A LACUNA NORMATIVA

O testamento vital, sem previsão legal no Brasil, seria um documento com a manifestação do paciente, consciente, diante de doença sem possibilidade de cura, determinando os limites de tratamentos médicos, para que possa ter sua vida finalizada com autonomia, respeito e dignidade, segundo entendimento do médico cardiologista José Eduardo Siqueira. Complementa ainda, que o documento deve ser escrito pelo paciente, maior e capaz qual traz orientações a cerca dos cuidados médicos, podendo nomear um curador para representá-lo quando se tornar incapaz. (BRUM, 2011).

Para Adriano Marteleto Godinho (2010), o testamento vital seria uma declaração expressa dos tratamentos médicos que o paciente aceitaria ou não, devendo ser obedecido quando este não for mais capaz de manifestar sua vontade, tendo efeitos antes de sua morte, diferente dos demais testamentos que possuem efeitos post mortem.

Maria Berenice Dias aborda sobre o testamento vital em seus manuais, consolidando o entendimento que este não tem as mesmas características dos demais testamentos previstos no ordenamento jurídico, corroborando o entendimento que tem eficácia antes da morte do testador, diferente daqueles que tem eficácia após a morte. (BERENICE DIAS, 2011).

A respeito do testamento vital a advogada Carolina da Cunha Pereira França Magalhães (2011) aduz que:

“estes são documentos elaborados por pessoa determinada, em situações de lucidez mental, declarando como sua vontade, autorizando médicos profissionais a não prolongar o tratamento, quando a doença for irreversível.”

Acrescenta, ainda, que sua aplicação busca estabelecer limites aos tratamentos médicos, para que se possa ter conforto, lucidez e aliviar a dor, podendo até suspender algum tratamento se for necessário, aduzindo, por fim, que este testamento poderia ser feito e cumprido apenas nos casos de doenças irreversíveis ou terminais, cujo tratamento causaria dor e sofrimento.

Portanto, entende-se que o testamento vital nada mais é que um documento qual expressa a última vontade do paciente, em situações de doença grave sem possibilidade de cura, com o objetivo de uma morte digna, sem sofrimento, tanto para aquele que esta enfermo, como até mesmo para a família.

Ademais, para Flávio Tartuce e José Fernando Simão (2012), o termo “testamento” não seria o mais correto para esta declaração, uma vez que, a expressão no sentido jurídico, tem seu efeito após a morte e o “testamento vital” produziria seus efeitos antes e, ainda, este não atenderia as mesmas formalidades daqueles previstos ordenamento jurídico brasileiro, sugerindo, portanto, que o testamento vital seja chamado de “declaração vital”.

 

4. MÉTODOS CORRELATOS

Quando trata-se o tema sobre o testamento vital, aborda-se também a questão da morte, observando que há diversos métodos medicinais que suprem ou prolongam a vida, conforme abaixo será exposto.

4.1. Ortotanásia (Tratamento Paliativo e Recusa ou limitação de tratamento)

Nas palavras de Letícia de Campos Velho Martel (2007, p. 209):

“compreende-se como ortotanásia a morte em seu tempo adequado, sem utilizar métodos extraordinários e desproporcionais como utilizados na distanásia, e nem apressada intencionalmente, como na eutanásia. Nada mais é que aceitar a morte, permitindo que esta siga seu curso.”

A ortotanásia seria o método de evitar prolongar a vida, até mesmo para impedir que os familiares passem por situações desgastantes, com métodos desnecessários e cruéis. (VITAL LIMA, 2009).

Assim, pode-se compreender como ortotanásia o método de deixar a morte acontecer naturalmente, sem acelerar e sem prolongar o seu momento.

Unido ao entendimento da ortotanásia, tem-se o cuidado paliativo, qual objetiva o mesmo que aquele, ou seja, aceitar a morte sem utilizar métodos desproporcionais ou irracionais.

Ainda, pode ocorrer a recusa do tratamento médico, que consiste em não aceitar a iniciar ou manter o tratamento médico, podendo a recusa ser ampla ou restrita. Esta ocorre quando não há a possibilidade de melhora da saúde com tratamento e, ampla quando o tratamento oferecido pode recuperar a saúde. (MARTEL, 2007)

Assim, conforme preceitua Letícia de Campos Velho Martel (2007, p. 209), o cuidado paliativo tem duplo efeito:

“O cuidado paliativo pode envolver duplo efeito, ou seja, em determinados casos, o uso de algumas substancias para controlar a dor e a angústia pode aproximar o momento da morte. A diminuição do tempo de vida é um efeito previsível, mas não desejado, pois o objetivo primário é oferecer o máximo conforto possível ao paciente, sem intenção de ocasionar o evento morte”.

Portanto, pode ser compreendido que a ortotanásia, o tratamento paliativo e recusa ou limitações de tratamento buscam que a morte ocorra no seu momento, sem que o paciente enfermo sofra passando por tratamentos desnecessários, garantindo assim, a dignidade deste.

4.1.2. Projeto de Lei nº. 116/2000

Está em tramitação no Congresso Nacional, o projeto de Lei de autoria do Senador Gerson Camata (PMDB-ES), com o objetivo de retirar a ortotanásia do rol de ilicitude penal.

Tânia da Silva Pereira (2011) contribui na informação de que:

“o projeto busca a excluir a ilicitude da ortotanásia se previamente atestada por dois médicos, diante de uma morte iminente e inevitável, desde que haja consentimento do paciente, ou em sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão”.

Visa o projeto de Lei o direito a morte digna, respeitando a vontade da pessoa, não a obrigando a passar por tratamentos desproporcionais, garantindo conforto nos últimos momentos de sua vida. (VITAL LIMA, 2009).

Deste modo, compreende-se a busca da dignidade da pessoa humana, não somente na vida, mas como também no momento da morte, bem como a liberdade e a autonomia da vontade da pessoa, princípios respaldados na Carta Magna.

Atualmente o projeto está na Câmara dos Deputados para revisão.

 

4.2. Eutanásia

Conforme conceito dado por Letícia (apud MARTEL, 2007), eutanásia é o ato médico intencional de apressar a morte da pessoa enferma, que esteja em situação irreversível e incurável, padecendo de intenso sofrimento físico e psíquico. Complementa que a eutanásia pode ser voluntária, quando houver consentimento expresso; não-voluntária, sem o conhecimento da vontade do enfermo e; involuntária, quando o ato praticado for contra a vontade do mesmo.

Nesta linha, Camila e Thiago (CASTANHATO e MATSUSHITA, 2008, p. 377), entendem que a eutanásia “significa matar alguém por motivo de benevolência”, ou seja, por motivo de afeto, com uso de medicamentos para o fim de evitar dor ao suprimir a vida.

Assim, diferente do que é a ortotanásia, a eutanásia busca estimular a morte, podendo ser a partir da vontade do paciente ou não, e ainda, até mesmo contra a sua vontade.

A eutanásia não tem permissão aqui no Brasil, sendo inclusive considerada sua prática como crime de homicídio, nos termos do artigo 121 do Código Penal.

4.3 Distanásia, obstinação terapêutica e o tratamento fútil

A distanásia é o método que visa a tentativa de adiar o máximo que se possa a morte, por meios médicos proporcionais ou não, mesmo que cause dor e sofrimento a pessoa da qual a morte é iminente e inevitável. (MARTEL, 2007)

Ou seja, é entendida como método de se fazer tudo, mesmo que cause sofrimento ao paciente, visando somente o prolongamento da morte e não da vida. (CASTANHATO e MATSUSHITA, 2008).

Nota-se que a obstinação terapêutica e o tratamento fútil estão agregados ao conceito da distanásia, sendo que a obstinação terapêutica diz respeito ao comportamento médico, que faz de tudo para evitar a morte, acreditando na possibilidade de curar o paciente e o tratamento fútil como aquele que não causa a melhora ou a cura da doença, correndo até o risco de agravar. (MARTEL, 2007)

Portanto, é visto que nestes métodos a dignidade da pessoa humana não é respeitada, já que aqui o importante é a “vida” da pessoa, independentemente do estado de saúde que esta se encontre ou do sofrimento que este ainda tenha que passar.

4.4. Suicídio assistido

É a ato praticado pelo próprio paciente buscando a retirada da própria vida, com a orientação ou o auxílio de um terceiro, seja este um médico ou não. (CASTANHATO e MATSUSHITA, 2008)

Nota-se que nesta forma de suprir a vida, a prática vem do próprio paciente e sua vontade, podendo ser auxiliado ou não por outra pessoa. Contudo, conforme consubstancia o artigo 122 do Código Penal, a prática de auxiliar ou orientar alguém a suicidar-se é considerado crime no Brasil, embora seja permitido em alguns países, como na Suíça, onde inclusive há permissão para estrangeiros se utilizarem do método, sendo chamado de “turismo da morte”.

5. DIREITO À MORTE DIGNA

Nos termos em que a Constituição Federal dispõe o direito à vida digna e o direito a saúde, deve-se interpretar estes preceitos também como uma morte digna.

Assim, para validar o testamento vital, devem-se abordar alguns princípios, que embasam o documento questionado.

Entre eles, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, sendo este um direito fundamental previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, sustentando todos os demais direitos humanos, qual abrange a existência de uma vida digna, tanto no aspecto físico como no espiritual. (ALEXANDRINO e PAULO, 2009)

Dispõe o artigo 5º da Carta Magna sobre o direito à vida, podendo este ser compreendido como fundamento da dignidade da pessoa humana, abrangendo o direito a uma existência digna e sem sofrimento.

Além do mais, deve ser observado o princípio da autonomia, que visa a liberdade individual do paciente, respeitando a escolha da maneira que enseja morrer e dar assistência médica no futuro que desejar. (BERENICE DIAS, 2011)

Garante este princípio a liberdade de a pessoa escolher os métodos médicos que deseja para tratamento, bem como, a liberdade de ter uma morte digna.

Neste sentido, por força do princípio da Beneficência, fica o médico autorizado a praticar somente atos que sejam em benefício do paciente, que não causem algum dano ou mal. Determina que deva ser feito o bem. Tal princípio tem estreita relação com o princípio da autonomia, já que é o paciente quem deve decidir o que é melhor pra ele. (CASTANHATO e MATSUSHITA, 2008)

Tal princípio é visto nas práticas médicas, sendo que, hoje os médicos não submetem os seus pacientes a tratamentos que não sejam necessários, nem tratamentos que não dêem ensejo a melhora da saúde destes.

Contribui a este entendimento, o princípio da não-maleficência, que consagra que não se pode causar a piora da saúde do paciente pelo médico, ou seja, é dever deste não causar o mal para aquele.

É considerado um dos princípios fundamentais da ética médica, objetivando que o médico socorra o paciente e que não cause dano algum a este. (LOCH, 2011).

Pode-se compreender desta forma que, não poderá o médico submeter os pacientes a tratamentos desnecessários que causem sofrimento e dor, em respeito ao ser humano.

5.1. Validade do Testamento Vital

Conforme disposto no artigo 5º, inciso III da Constituição Federal, ninguém será submetido à tortura e nem a tratamento desumano ou degradante. Assim, a manifestação da vontade do paciente tem respaldo na Lei Maior, visto que o testamento vital só dispõe sobre a sua vontade de não querer continuar com tratamentos que não tenham possibilidades de reverter seu quadro de saúde.

Neste sentido, toda pessoa tem direito a vida, ou seja, a uma vida digna, que deve ser respeitada, conforme aduz o artigo 4º, item um da Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San José), no qual o Brasil é signatário.

Assim, prevê o artigo 15 do Código Civil que, ninguém será constrangido a submeter-se a tratamentos médicos ou intervenção cirúrgica quando houver risco de vida.

Ainda, pode ser citado o artigo 7º, inciso III da Lei Orgânica da Saúde que preserva o direito da autonomia do paciente.

Nesta seara, a Resolução Federal de Medicina nº. 1.805/2006 trata sobre a terminalidade da vida, limitando a atuação do médico em relação aos procedimentos e tratamentos desnecessários, ou seja, regulamentando a prática da ortotanásia, entretanto, o efeito da resolução estava suspenso, conforme autos nº. 2007.34.00.014809-3, da 14ª Vara Federal do Distrito Federal.

Nos termos da decisão que deferiu a antecipação da tutela qual suspendeu a eficácia da Resolução, não seria competente o Conselho Federal de Medicina regulamentar uma conduta qual é tipificada pelo Código Penal como crime.

Contudo, em 2010 houve a revogação da suspensão da Resolução, julgando o pedido realizado pelo Ministério Público improcedente.

Atualmente, está vigente a Resolução Federal de Medicina nº. 1931/2009, que dispõe no artigo 32 a vedação ao médico de “deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente”.

Entretanto, aduz o artigo 41, parágrafo único da Resolução que, é vedado ao médico abreviar a vida do paciente. Entretanto, nos casos de doença incurável e terminal, o médico deve oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem utilizar-se de ações inúteis, levando em consideração a vontade expressa do paciente, ou de seu representante legal se este estiver impossibilitado.

Portanto, mesmo que não haja regulamentação legislativa acerca do testamento vital, deve este ser considerado válido em razão da autonomia daquele que se encontra enfermo, visando seu direito de liberdade e sua vontade de ter uma morte digna. (SILVA PEREIRA, 2011).

Deve ser respeitado o instrumento de manifestação daquele que se encontra acometido de doença grave, em não querer se submeter a tratamentos médicos desnecessários para honrar o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. (BERENICE DIAS, 2011).

Um caso de testamento vital que ficou conhecido mundialmente, ou como é chamado nos Estados Unidos, diretrizes antecipadas, ocorreu em 1990, onde o Tribunal ouviu Nancy Cruzan contra o Estado, que objetivava interromper as alimentações de gastrotomia percutânea.

A Suprema Corte se recusou em decidir um tratamento médico específico, entretanto, decidiu pelo direito individual de recusar tratamento. Após a decisão, o caso foi remetido ao Supremo Tribunal de Missouri, que conheceu o como prova a diretriz antecipada, para apoiar a recusa ao tratamento médico.

No caso de Nancy Cruzan, o objetivo era o reconhecimento da liberdade do paciente em se recusar ao tratamento médico, com documento expresso neste sentido da paciente. Diferente do caso de Terri Schiavo, em 2005 nos Estados Unidos.

Neste caso, o marido de Terri buscou perante a Justiça Americana o direito de retirar o tubo de alimentação desta, uma vez que, se encontrava em estado vegetativo persistente desde 1990, sendo constatado o quadro como irreversível conforme declarado pelos médicos de Terri. Contudo, os pais de Terri não aceitavam a retirada do tubo.

Na batalha judicial, os membros da Corte ficaram ao lado do marido de Terri, sendo removidos os tubos de alimentação em 18 de março de 2005 e ela falecendo 13 dias após.

Observa-se que no caso de Terri Schiavo, o objetivo era discutir de quem cabia a decisão de manter ou não a vida da paciente em suporte, pois não havia nenhum documento feito em vida por ela.

Em uma análise dos casos mencionados, é necessário, além da regulamentação do “testamento vital” e seus requisitos, determinar quem é competente para fazer cumprir a vontade expressa do paciente enfermo, um testamenteiro? Um parente próximo na sua ausência?

Podemos analisar a recente decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito do aborto do anencéfalo que, muito se falou sobre o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o direito a vida, bem como, a legitimidade da mãe para decidir a vida do feto.

Desta maneira, a decisão do STF abriu oportunidade para que, em um futuro próximo, o testamento vital seja discutido, a fim de considerar os parentes do enfermo legítimos a decidir sobre este e ainda, poder fazer cumprir a sua vontade quanto à vida, se assim houver declarado em instrumento denominado atualmente de testamento vital.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho, buscou-se trazer um histórico a respeito dos testamentos e das modalidades legais previstas no Código Civil.

No tocante à disposição que envolve o testamento vital, demonstrou-se que ainda não há regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro, havendo lacuna, portanto.

Ainda, que a prática desta disposição é correlata ao método da ortotanásia, considera-se ainda crime pelo Código Penal. Contudo, tramita no Senado Federal o projeto de Lei para retirá-la do rol de ilicitude.

Observa-se que o testamento vital está relacionado com diversos princípios assegurados pela nossa Constituição Federal, quais sejam: dignidade da pessoa humana, direito à saúde, autonomia, da vontade, da beneficência, entre outros, portanto, sendo este testamento o reflexo das garantias previstas na Carta Maior.

Sendo assim, procurou-se demonstrar que a declaração vital deve ser válida, com base na Constituição Federal, na Convenção Americana dos Direitos Humanos e no Código Civil, devendo para tanto ser regulamentado para que sejam previstos seus requisitos, forma de cumprimento, dentre outras controvérsias que podem surgir.

Ademais, o Conselho Federal de Medicina vem tratando há alguns anos sobre a dignidade da pessoa no momento da morte, não submetendo os pacientes a tratamentos desnecessários, oferecendo cuidados paliativos a estes.

Assim, é que o testamento vital deve ser tido como válido, pois todos devem ter o momento da sua morte respeitada, consagrando, desta maneira, os princípios previstos na Constituição Federal.

REFERÊNCIAS

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CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Princípios bioéticos. Disponível em http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Publicacoes&acao=detalhes_capitulos&cod_capitulo=53. Acesso em 02 nov. 2011.

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Data de elaboração: fevereiro/2012

 

Como citar o texto:

BUENO, Talita Mayer..Limitação a liberdade individual: O testamento Vital. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 993. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/2535/limitacao-liberdade-individual-testamento-vital. Acesso em 28 jun. 2012.

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