1. Introdução
A Lei 11.340/06, denominada Lei Maria da Penha (LMP), trata das questões envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher. Para tanto, alterou alguns dispositivos do Código Penal (CP), do Código de Processo Penal (CPP) e da Lei de Execução Penal (LEP), mas por esquecimento ou desprestígio do direito penal militar por parte dos legisladores, não produziu qualquer alteração nas normas do Código Penal Militar (CPM) e do Código de Processo Penal Militar (CPPM).
Com isso, uma antiga discussão que poderia ter sido facilmente sanada, caso não houvesse o desprezo ao direito castrense, reergueu-se no seio da comunidade jurídica militar: na hipótese de violência cometida contra mulher militar por alguém também militar, aparentemente nas circunstâncias delimitadas pela LMP, o que prevalecerá? Crime militar ou delito coibido pela Lei 11.340/06?
Sem rodeios, a Lei Maria da Penha, nesse caso, é a legislação a ser utilizada para se tratar a questão, mas essa resposta não contempla, por absoluto, todas as possibilidades, vez que, diante de algumas situações, não raras no cotidiano da família militar, a LMP deve ceder espaço à legislação castrense. É esse o desafio do presente trabalho, expor e suscitar o debate para o possível não uso da LMP, num caso de violência contra uma mulher militar, ainda que presentes as circunstâncias objetivas previstas na Lei feminina, mas ausentes cruciais elementos subjetivos.
2. Hipóteses
2.1. Hipótese Clássica
Uma mulher, Oficial das Forças Armadas, ocupante da patente de Capitão, no quintal de sua casa (ou na via pública), após severa discussão - acerca de sua suposta infidelidade - com seu marido, também militar, grau hierárquico de Coronel, é por ele agredida na face e nos braços, fato interrompido apenas devido à fuga da agredida.
2.2. Hipótese Desafiante
Uma mulher, aluna de Escola de formação de Sargentos das Forças Armadas, tem uma relação íntima de afeto com uma das instrutoras, também militar da ativa, Tenente. A aluna reside no Quartel, no alojamento próprio dos integrantes do curso, e, concomitantemente, convive e frequenta a casa da precitada militar. As duas, certo dia, enfrentam uma estafante instrução vespertina/noturna, com atrozes exigências físicas e psicológicas. Em razão de problema ocorrido com o planejamento de determinada missão a ser cumprida naquela madrugada, ocasionando perda de material, insucessos vários e ânimos acentuadamente exaltados, discutem asperamente. Essa quizila evolui e, em seguida, a Tenente, superior hierárquico da referida aluna, por esta é ofendida em sua honra, é provocada, questionada sobre sua competência profissional, responde com violência e é gravemente agredida e ferida por sua amada, com ferocidade tal, que as lesões acarretam a morte da instrutora.
Esse exemplo em nada se altera caso o discente seja homem, companheiro ou marido da instrutora ou ainda seu parente. O que importa para a discussão é o fato de todos serem militares.
Nesses casos, com qual braço o Estado resolveria o fato criminoso, o do direito penal comum, através de sua parte especial, a Lei feminina? Ou o braço do direito penal militar?
3. Considerações Específicas
A mulher brasileira, há seis anos, foi brindada com uma Lei que, se é verdade que não está livre de críticas e imperfeições, também não há como negar que veio ao mundo para protegê-la como nenhuma outra norma legal.
É de bom alvitre realçar que, mesmo antes da LMP, a mulher militar estava tutelada pelo CPM, nas mais diversas formas encontradas na legislação e isso continua em vigor.
Busca-se apenas marcar posição quanto aos casos em que há possibilidade de ocorrer a proteção da mulher e a repressão do crime contra ela, através do ordenamento penal castrense, o qual tutela também, de forma única, a instituição militar.
A Lei que protege a mulher da violência doméstica e familiar se sobrepõe, sem qualquer exceção, à legislação militar?
Para responder adequadamente a essa indagação, vale considerar que esse tipo de dúvida, de certa forma, precede à questão da Lei aqui em comento, pois mesmo antes dela, já havia a interrogação acerca de qual juízo seria competente para conhecer e julgar um fato típico ocorrido no interior de uma unidade familiar, envolvendo militares como protagonistas, ofendidos e ofensores.
Certo é que não sendo a vítima uma mulher militar e sim, por exemplo, pai e filho, ou mulher contra o marido, todos militares, na prática de violência no lar, a controvérsia continua, pois se não há ofendida mulher, não se indaga sobre a utilização da Lei Maria da Penha, mas persiste, para parte da doutrina, a questão se não seria caso para ser tratado pelo direito penal comum, vez que o CPM, que cuida das instituições militares, não deveria regrar a conduta de algo ocorrido na intimidade do lar daqueles familiares.
Segundo o notável professor Célio Lobão, a legislação criminal castrense, em casos dessa natureza, deve dar passagem à Lei penal comum, mas há exceção e só o caso concreto a revelará, senão vejamos:
“Com a incorporação de mulheres às Forças Armadas, à Polícia Militar e ao Corpo de Bombeiros Militares, surge o problema relativo à competência da Justiça Militar para conhecer do delito cometido por um cônjuge ou companheiro contra outro. Se a ocorrência diz respeito à vida em comum, permanecendo nos limites da relação conjugal ou de companheiros, sem reflexos na disciplina e na hierarquia militar, permanecerá no âmbito da jurisdição comum. Tem pertinência com a matéria a decisão da Corte Suprema, segundo a qual a administração militar ‘não interfere na privacidade do lar conjugal, máxime no relacionamento do casal’. É questão a ser decidida pelo juiz diante do fato concreto” (LOBÃO, 2006: 121,122).
Assim, ocorrendo fato típico violento de um militar contra outro, previsto no Código Penal Militar, inobstante a presença de circunstâncias pertinentes às situações pessoais enunciadas no art. 5º da Lei Maria da Penha, em alguns específicos casos, é justo e escorreito que a legislação militar, penal e processual penal, seja prestigiada e aplicada.
4. Do Crime militar
Para se classificar uma conduta como crime militar, é necessário, numa visão superficial, o seu enquadramento numa das previsões da parte especial do CPM e a sincrônica adequação ao que preceitua o art. 9º, do mesmo código de normas.
Exemplo: homicídio com autor e vítima militares da ativa.
Primeiramente deve ser procurado o artigo da parte especial que contempla essa conduta: artigo 205, do Código Penal Militar.
“Art. 205. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.”
Após isso, para confirmar se é crime militar, há necessidade de se encontrar adequação no artigo 9º do Código Penal Militar.
“Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;”
Desse modo, não resta dúvida, é crime militar!
Importa frisar em que situação jurídica estão os militares dos exemplos apresentados, pois caso haja entre as partes envolvidas alguém que seja militar já na inatividade, ou que seja civil, ou policial militar ou bombeiro militar, a subsunção muda completamente. Por isso, as hipóteses em estudo consideram os participantes como militares das Forças Armadas e não inativos (Reserva ou Reforma), pois se assim não fosse feito, as peculiaridades estritas ao direito penal castrense seriam tantas e tão mais profundas que acabariam alterando o foco do presente trabalho.
5. Da Lei Maria da Penha
A Lei 11.340/2006 entrou em vigor há mais de cinco anos. A expectativa gerada foi bastante positiva, a mídia apoiou amplamente e a sociedade aprovou, pois, a priori, o país, enfim, apresentava uma legislação realmente efetiva no tocante à proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar. Estipula previsão de diversas formas de violência, não se limitando apenas à violência física, mas também à sexual, psicológica, patrimonial e moral. Atende, enfim, ao clamor da comunidade internacional a respeito do tema, estatuindo normas pareadas com aquelas contidas na “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres” e na “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher”.
A história que precedeu a elaboração dessa lei a ajudou a conquistar a simpatia e o aplauso da população, vez que não se pode negar o seu viés aterrorizante, quando se sabe que refere à cearense Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica que foi casada com o professor universitário Marco Antonio Herredia Viveros, o qual tentou assassiná-la por duas vezes, acabando por deixá-la paraplégica. Enfim, como já se falou, essa lei é o produto de uma história de lutas.
Uma das gratas novidades trazidas pela Lei feminina, com previsão nos artigos 29 a 32, é a atuação, uma vez criados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, de profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde, integrados numa equipe de atendimento multidisciplinar. A tal grupo compete a tarefa de subsidiar, nos seus específicos saberes, a instrução processual, além de dar atendimento às partes e seus familiares, com especial atenção aos menores de idade.
Importante gizar que essa providência inexiste no livro de processo de crimes militares.
Não obstante a empolgação midiática e, por conseguinte, popular, a Lei Maria da Penha, desde sua vigência, é bastante golpeada por parte da doutrina, muitas imperfeições são apontadas, inclusive quanto à sua constitucionalidade, posto que restrita à proteção exclusiva da mulher, não abrangendo o sexo masculino.
Os que alegam a sua inconstitucionalidade têm como principal argumento o desrespeito ao Princípio da Isonomia. Mas tal grupo é combatido pelos que sustentam a constitucionalidade da lei, pois a isonomia adotada pelo ordenamento jurídico pátrio não é a formal, meramente, mas sim a material, denotando que vale a máxima de Aristóteles, "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais", a qual Rui Barbosa acrescentou a expressão "na medida de suas desigualdades".
É cediço que a violência contra a mulher ocorre, com mais frequência, por atos de seus próprios parceiros. As mulheres são vítimas potenciais de violência doméstica e este fato permitiu a criação de uma lei que a amparasse, já que considerada hipossuficiente. Apesar de se reconhecer que os homens também são vítimas de violência doméstica, a percentagem é mínima em relação às mulheres, e isso contribuiu para que a Lei Maria da Penha fosse criada exclusivamente para o sexo feminino.
Atualmente, com acerto, é comum a criação de leis com fulcro na tutela de grupos merecedores de especial atenção, de forma discriminatória até. É a discriminação dita “positiva”, vez que tenciona alcançar correção de situações corrosivas e vexatórias engastadas no seio da sociedade. Famosos exemplos disso são os Estatutos da “Criança e do Adolescente” e do “Idoso”.
Mas nesse caso da Lei das Mulheres, fica uma singela demanda, pretendente a provocar reflexão para os estudiosos e legisladores: qual seria o prejuízo para as mulheres se os homens fossem também contemplados com a ampla proteção dessa lei?
De qualquer forma, o Supremo Tribunal Federal, guardião maior da Constituição da República, com sensibilidade e galhardia, sem desconsiderar os aspectos técnicos, vem defendendo a constitucionalidade da Lei das Mulheres, nos vários pontos em testilha.
6. Normas Aparentemente Colidentes
Nas hipóteses postas em debate, estão presentes uma das possibilidades cristalinas de alcance da competência da Lei Castrense, pois uma ocorrência envolvendo agressão de militar contra militar, como se diz no jargão jurídico castrense, não importa em qual local (em qualquer lugar do planeta, ou até na Lua!), é fato considerado crime militar, pois está no rol do Art. 9º, do Código Penal Militar:
“Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:
I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;
II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
(...)”
Contudo, o fato também se amolda aos ditames previstos no Art. 5º da LMP:
“Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.”
A questão discutida como um todo revela um exemplo do conhecido fenômeno denominado conflito aparente de normas penais, pois há unidade de fato, pluralidade de normas, aparente aplicação de todas, mas efetivo exercício de apenas uma delas.
O legislador, ao introduzir no ordenamento jurídico determinado tipo penal, o faz direcionado a uma conduta específica, no caso da Lei Maria da Penha, a tutela da mulher nas relações domésticas e familiares. Então, ainda que esta norma venha a colidir com outra mais antiga, ou mais genérica, com ela nunca se confundirá, justamente em razão de existirem princípios (especialidade, alternatividade, subsidiariedade e consunção), os quais, aplicados ao caso concreto, suprimirão por completo qualquer dúvida quando da adequação da norma ao fato.
Em consequência, pelas regras do ordenamento jurídico pátrio, numa dada situação em que aparentemente duas ou mais normas se prestam para resolver o caso, o princípio da especialidade é uma das ferramentas utilizadas para eleger qual delas deve funcionar.
6.1. Solução Proposta
A aparente colisão se resolve através da aplicação do princípio da especialidade. A Lei Maria da Penha, em relação ao Código Penal comum, é especial, mas a aplicação do CPM, em detrimento do direito penal comum, também é especial. Assim, para dirimir o caso, resta saber qual especificidade é mais pujante, o fato de serem militares ou a circunstância de ser violência doméstica/familiar contra mulher.
Nesse comenos, é inegável reconhecer que violência de militar contra militar, ambos da ativa, no quartel, é indiscutivelmente caso sujeito à jurisdição/circunscrição castrense, por ser robusta situação fática de crime militar. Numa visão mais pragmática, a bem da verdade, tratando-se de dois militares da ativa, a especificidade que deve ser cuidadosamente analisada então é se estão presentes as subjetividades que orientam e justificam a utilização da Lei feminina.
E, na maioria das vezes, a Lei Maria da Penha terá sua importância reconhecida, vez que prevalecerá sobre outras, já que os exemplos reais de ocorrências desse tipo revelam situações cuja mola propulsora, acompanhada dos demais elementos da ação, estão alinhadas justamente ao objetivo da Lei, qual seja, coibir e reprimir casos de violência doméstica/familiar contra a mulher, além de proteger a vítima.
O que se pretende problematizar não é o caso em que os fatos a serem investigados amoldam-se às hipóteses previstas pela Lei Maria da Penha, tal qual os líquidos aos vasos que os contêm. A altercação mana do evento delituoso e violento contra uma mulher em que, mesmo presente uma conexão doméstica/familiar/afetuosa entre as partes (assim definido na Lei em estudo), tal ligação não exerce qualquer influência na prática daquele fato.
Em tal contingência, não estando presente o liame subjetivo, elemento justificador do tratamento diferenciado dos gêneros, seria legítimo aplicar a Lei Maria da Penha?
Não parece ser a exegese mais saudável. A rigor, frise-se, a tutela estatal estará presente, mas com uma roupagem diferenciada. A mulher não deixará de ser amparada. A lesão continuará a ser passível de reparo, tanto no âmbito penal, quanto na esfera cível. Apenas terá tratamento através da Lei Militar, pois estarão presentes questões da casernaria, dos quartéis, as quais não podem ser menosprezadas, devem sim ser consideradas, pois são dignas e credoras de valimento, tanto quanto qualquer outra estipulação legal.
Então, nesse tipo de situação, em que a LMP sofre o atravessamento do direito militar, cabe ser indagado em que panorama fático ocorreu a violência, quais subjetividades conduziram o(a) agressor(a), até onde o vínculo familiar/doméstico/afetivo dos participantes da contenda foi determinante para o cometimento do delito?
Assim, nas vezes em que se puder responder a essas perquirições no sentido de apontar a preponderância absoluta das questões da caserna, em detrimento ao elo afetivo entre ofensor(a) e ofendida, é indubitável que cabe à Lei Militar o deslinde do certame.
7. Diferenças entre as Legislações
De um determinado ponto de vista, para reagir a uma ação delituosa como a exemplificada, essas duas normas, a rigor, têm o mesmo condão: devolver a paz à sociedade, através de seus mecanismos policiais e judiciais, rechaçar o cometimento do crime, investigar o fato e atribuir responsabilidades, além de proteger a ofendida.
Porém, quanto à proteção da vítima, mesmo os que procuram dar primazia à legislação castrense, devem confessar a debilidade com que a lei militar a efetua. Nesse particular, a LMP inova ao prever determinações realmente efetivas, as chamadas “medidas protetivas de urgências”, direcionadas ao agressor e à vítima, como as seguintes:
“ Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).
Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.”
Além disso, outras diferenças marcantes são, consideradas situações envolvendo apenas militares das Forças Armadas (não policiais ou bombeiros militares):
1. Autoridade Policial:
1.1. Na LMP: Delegado de Polícia Civil;
1.2. No CPM: Oficial das Forças Armadas, com incumbência específica momentânea, prevista na Lei.
2. Instrumento de Investigação:
2.1. Na LMP: Inquérito Policial, previsto no Código de Processo Penal comum, com prazo de conclusão de 30 dias, quando houver investigado em liberdade, e obrigação de ser remetido, em 48 horas, ofício ao juízo competente, para apreciação e concessão, se for o caso, de medidas protetivas de urgência, estatuídas na Lei feminina.
2.2. No CPM: Inquérito Policial Militar, de acordo com o Código de Processo Penal Militar, com prazo de conclusão de 40 dias, quando houver investigado em liberdade.
3. Órgão do Judiciário competente:
3.1. Na LMP: Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ou Vara Criminal, caso não existente o referido Juizado, atuando como julgador, na primeira instância, um magistrado civil, monocraticamente, concursado e membro do Tribunal de Justiça Estadual.
3.2. No CPM: Auditoria Militar competente (espécie de Vara Criminal militar), atuando como julgador, um escabinato, espécie de colegiado de 5 juízes, sendo um magistrado civil, concursado e membro da Justiça Militar da União, acompanhado de 4 juízes militares, oficiais da ativa, escolhidos por sorteio, com precedência hierárquica em relação ao acusado, salvo em se tratando de autor do fato Oficial General, quando o STM será o “juiz natural”.
4. Espécie de Ação Penal:
4.1. Na LMP: Ação Penal Pública Incondicionada, intentada pelo Ministério Público Estadual.
4.2. No CPM: Ação Penal Pública Incondicionada, promovida pelo Ministério Público Militar, parte do Ministério Público da União.
5. Bem Jurídico Tutelado:
5.1. Na LMP: a mulher.
5.2. No CPM:
5.2.1. A Instituição Militar, primariamente.
5.2.2. A mulher, secundariamente.
8. Conclusão
O legislativo pátrio, há cinco anos, quase seis, deu à luz a um exemplo de norma absolutamente comprometida em coibir as manifestações desse fato execrável, mas infelizmente bastante comum, a violência doméstica ou familiar contra a mulher.
Não incomum foi o legislador ter “esquecido”, mais uma vez, da existência do direito penal e processual penal militar.
Esse menosprezo, que acarreta desalinho e falta de sincronia no sistema jurídico criminal do país, oferece como consequência, de certa forma, desamparo à mulher militar, quando alvo de violência (por razões estranhas ao sentido da lei feminina), oriunda de um(a) autor(a), também militar, com elo parental e/ou afetivo.
Assim, a mulher, militar da ativa, quando violentada por outro(a) militar, também da ativa, mesmo sendo este(a) a ela vinculada por laços de parentesco ou de íntimo afeto, se não estiver presente o interdito ao qual a Lei feminina se escora e, por outro lado, a conduta afrontar suficientemente as instituições militares, caberá à Lei Militar o regramento do caso, estabelecendo a proteção cabível à vítima, as providências quanto ao(à) investigado(a) e à atribuição da responsabilidade penal, nessa seara, zênite de todo o procedimento.
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NEVES, Cícero Robson Coimbra, STREIFINGER, Marcello. Apontamentos de Direito Penal Militar, volume 1: (parte geral). São Paulo: Ed. Saraiva, 2005.
Data de elaboração: julho/2012
Ricardo Rodrigues de Brito.
Oficial de Justiça Federal do TRF2Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais - UFRJ
Especialista em Direito Penal e Processual Penal - Universidade Cândido Mendes
Pós-Graduando em Psicologia Jurídica - Universidade Cândido Mendes
Professor de Direito Militar do Centro de Instrução Especializada da Aeronáutica
Investigador Criminal - 1º Batalhão de Polícia do Exército/RJ.
Código da publicação: 2582
Como citar o texto:
BRITO, Ricardo Rodrigues de..A lei maria da penha na hipótese de vítima e ofensor(a) militares. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 19, nº 1010. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/2582/a-lei-maria-penha-hipotese-vitima-ofensor-militares. Acesso em 4 set. 2012.
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