Direito Das Sucessões E A Divergência Tipificada Entre Cônjuge E Companheiro No Código Civil Frente À Constituição Federal E O Direito Fundamental Da Igualdade Entre Às Famílias
O Direito das Sucessões estabelece a regulamentação dos direitos sucessórios e a proteção das famílias em todas às suas formas. Desse modo, a sucessão legítima tem por escopo reservar uma quota hereditária para determinadas pessoas, assim o art.1829, inciso I, do Código Civil estabelece uma sequência obrigatória imposta por meio da legítima.
Desse modo, prescreve o mencionado artigo:
A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.
Diante das reformas legislativas, o cônjuge passou a concorrer com os descendentes e ascendentes, nos termos que regem a ordem de vocação hereditária.
Vale destacar que, a sucessão ocorre por lei ou por ato de última vontade. Este é caracterizado por meio da sucessão testamentária, já o primeiro, é interpretado a partir das disposições da legítima.
Neste sentido, salienta Clóvis Beviláqua,(2003,p.27):
Sucessão, em sentido geral e vulgar, é a sequência de fenômenos ou fatos, que aparecem uns após outros, ora vinculados por uma relação de causa, ora conjuntos por outras relações.
É importante definir que a ideia de transmissão do patrimônio visa à continuidade dos direitos de personalidade. Desenvolvidos na aquisição patrimonial do de cujus e transmitidos aos sucessores legítimos e legatários.
Para se entender a sucessão do cônjuge, vale destacar que, a sucessão veio do Direito Romano, e que foi adotada pelo Código Civil de 2002, acrescentando como concorrentes os descendentes, ascendentes e companheiro.
Da sucessão do cônjuge
A primeira observação da sucessão do cônjuge é a qualificação como herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes, ascendentes e companheiro do defunto. Desta forma, o cônjuge está designado em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, sendo concorrente com os descendentes, salvo se casado com o falecido no regime de comunhão universal, ou da separação obrigatória, ou se, no regime da comunhão parcial de bens o autor não houver deixado bens particulares.
Neste aspecto, o cônjuge somente concorre quando for casado no regime convencional de bens, no regime de separação parcial de bens quando o autor da herança houver deixado bens particulares, e no regime de participação final nos aquestos.
A partir desta ideia, somente é reconhecido o direito sucessório do cônjuge sobrevivente quando não estava separado judicialmente, nem separado de fato há mais de dois anos.
No tocante a separação convencional e no regime da comunhão parcial de bens, a doutrina é divergente sobre a concorrência na universalidade dos bens ou somente aos particulares adquiridos na vigência da união estável.
Neste sentido, segue o posicionamento de Gonçalves (2007, p.153):
Predomina na doutrina, no entanto, entendimento contrário, fundado na interpretação teleológica do dispositivo em apreço, especialmente na circunstância de que a ratio essendi da proteção sucessória do cônjuge foi exatamente privilegiar aqueles desprovidos de meação. Os que a têm, nos bens comuns adquiridos na constância do casamento, não necessitam,e por isso não devem, participar da que foi transmitida, como herança, aos descendentes, devendo a concorrência limitar-se aos bens particulares deixados pelo de cujus. O quinhão hereditário correspondente à meação do falecido nos bens comuns será, assim, repartido exclusivamente entre os descendentes, sendo que o cônjuge somente será sucessor nos bens particulares.
Como se vê, a questão é polêmica, alguns doutrinadores salientam que o cônjuge deve concorrer sobre todo o acervo hereditário. Desta forma, aduz Diniz (2007, p.105-106):
Para tanto, o consorte sobrevivo, por força do art. 1829, I, só poderá ser casado sob o regime de separação convencional de bens ou de comunhão parcial, embora sua participação incida sobre todo o acervo hereditário e não somente nos bens particulares do de cujus.
O cônjuge sendo ascendente dos filhos do de cujus caberá quinhão igual aos dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança.
Prevê o art.1.238 do Código Civil que, “na falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente”. Na ausência de descendentes e ascendentes, o cônjuge recebe a integralidade da herança. Cabe destacar que, o direito sucessório do cônjuge será deferido com a homologação da separação consensual ou passado em julgado a sentença da sucessão litigiosa.
O Código Civil atual assegura o direito à moradia ao cônjuge, por entender que, o único imóvel residencial da família é direito real de habitação, independentemente do regime de bens, sem prejuízo da quota parte que lhe é resguardada na herança.
No que se refere à concorrência com ascendentes em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança, se houver um só ascendente, caber-lhe-á a metade desta. Ou seja, é assegurada uma quota mínima na concorrência com ascendentes, assim o cônjuge é beneficiado, pois, neste caso, este concorre na soma dos bens particulares e comuns.
Sendo assim, aduz Diniz (2007,p.136):
(...) por isso a lei veio a garantir sua participação na sucessão de cujus, reservando-lhe: um terço da herança se concorrer com pai e mãe do finado, ficando estes com dois terços ou metade da herança se concorrer com um dos genitores ou com avô ou bisavô do de cujus, que terá direito à outra metade (CC, art. 1837).
No mesmo entendimento salienta Cateb (2003, p.92):
O legislador pátrio prestigiou o cônjuge sobrevivente, o que, nem sempre, representa justiça e legitimidade. Veja-se, por exemplo, o casamento de Antônio com Maria, no regime de separação total de bens. Falecendo Antônio, sem descendente, porém tendo como ascendente a mãe viva (sem pai), sua esposa, cujas núpcias se derem dois meses antes, recolherá 12 ;(metade) da herança, embora muito curta tenha sido a união conjugal, porque há somente um ascendente de primeiro grau (art.1837).
Mesmo sabendo que há divergência doutrinária do art. 1829, I, do Código Civil, vale frisar a importância que representa a concorrência do cônjuge com os descendentes e ascendentes do de cujus, apesar desta questão, o Conselho da Justiça Federal publicou o enunciado 270 nos seguintes termos:
Art. 1829, I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes.
Por fim, segundo Gonçalves (2007,p.163):
para o cônjuge sobrevivente participar da sucessão hereditária, o Código Civil estabelece três requistos: a) que não esteja divorciado nem separado judicialmente, b) que não esteja separado de fato há mais de dois anos do finado, c) que prove ter-se tornado impossível à convivência, sem culpa sua, se estiver separado de fato há mais de dois anos do falecido.
Quanto ao último requisito, no Direito Civil não mais se discute a culpa do cônjuge ou do companheiro que tornou insuportável à vida em comum. Na doutrina de Gonçalves:
(...) foi encaminhada ao Congresso Nacional sugestão aprovada no IV Congresso do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), para alteração do aludido art. 1830 do Código Civil, propondo que, já estando o casal separado de fato, desapareçam os direitos sucessórios dos cônjuges, devendo ser afastada qualquer referência a prazo mínimo de separação fática para que tal fenômeno ocorra, bem como, ainda, o questionamento da culpa (GONÇALVES, 2007, p.163).
Da sucessão do companheiro
A união entre homem e mulher, antes do Código Civil de 2002, era conceituada como concubinato. No decorrer da convivência social, o legislador constituinte reconheceu a união estável como entidade familiar, assim disposto no art. 226, § 3º. “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Os princípios mínimos foram inseridos no Diploma Civilista, regulados pelos arts.1.723 a 1.727, já o efeito sucessório é tratado no art. 1.790 do mesmo código na seguinte redação:
Art. 1.790, a companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.
Como se vê, trata-se das disposições gerais em que não se tutela o direito real de habitação do companheiro, mas a doutrina admite o reconhecimento do direito real de habitação, pelo fato da art.7º, parágrafo único, da Lei n. 9.278 96 conceder o direito real de habitação para o companheiro.
Desta forma, salienta mais uma vez Gonçalves (2007,170):
Mesmo na falta de previsão no Código, sustenta uma corrente doutrinária a subsistência do art. 7º, parágrafo único, da Lei 9.27896, que defere ao companheiro sobrevivente o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família. Argumenta-se, em defesa do companheiro, não ter havido revogação expressa da referida lei, bem como inexistir incomunicabilidade do benefício nela previsto com qualquer dispositivo do novo Código Civil. Invoca-se, ainda, a extensão analógica do mesmo direito assegurado ao cônjuge sobrevivente no art.1.831 do mesmo diploma.
Neste entendimento, o Conselho de Justiça Federal, publicou o enunciado 117 da primeira jornada de Direito Civil,
117 – Art. 1.831: o direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9.278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6º, caput, da CF/88.
Preceitua o art. 1.790 que o companheiro participará da sucessão hereditária, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável. Sendo assim, percebe-se que há uma diferença de direitos quanto à sucessão do cônjuge sobrevivente, pelo qual é qualificado como herdeiro necessário junto aos descendentes e ascendentes do de cujus.
Desta forma, aduz Diniz (2007, p.142):
(...) o companheiro supérstite não é herdeiro necessário, nem tem direito à legítima, mas participa da sucessão do de cujus na qualidade de sucessor regular, sendo herdeiro sui generis, ou seja, sucessor regular (visto que não figura na ordem de vocação hereditária).
A primeira observação é quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a união informal, sendo que o legislador restringe a sucessão do companheiro somente a estes bens.
Na concorrência com filhos comuns, o Código Civil garante uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho. Ou seja, há uma distinção na concorrência com filhos comuns, não sendo o companheiro ascendente dos filhos do autor, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles.
É assegurado um terço da herança, se concorrer com outros parentes, ou seja, colaterais. A última hipótese prevê a totalidade da herança na ausência de parentes sucessíveis.
Neste sentido, salienta Cateb (2003, p.102): “o infeliz art. 1.790, caput, restringiu o direito de herança do companheiro aos bens adquiridos, na constância da união estável, a título oneroso”.
No mesmo raciocínio, entende Oliveira (2005, p.39) apud Gonçalves (2007, p.173):
a limitação do direito hereditário do companheiro aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, quando se considera que o companheiro já tem direito de meação sobre tais bens, em face do regime da comunhão parcial previsto no art. 1.725 do Código Civil. Deveria beneficiar-se da herança, isto sim, apenas sobre os bens particulares do falecido, exatamente como se estabelece em favor do cônjuge sobrevivente (art. 1829).
Há uma possibilidade do companheiro não receber patrimônio na sucessão hereditária, se na vigência da união estável os companheiros não tiver adquirido bens a título oneroso, o companheiro não terá direito a meação do patrimônio adquirido antes da união estável.
Com isso, segue o posicionamento de Diniz (2007,p.143):
(...) Os demais bens do de cujus obtidos onerosamente antes da união estável ou por ele recebidos a título gratuito (herança ou doação) serão inventariados e partilhados somente aos seus herdeiros na ordem da vocação hereditária. E se não houver bens comuns amealhados durante a convivência, o companheiro supérstite nada receberá a qualquer título, nem como meeiro, nem como herdeiro, visto que não fará jus a qualquer quinhão hereditário, mesmo que o de cujus não tenha descendente ou ascendente, pois sua herança será deferida aos colaterais até o quarto grau.
Diante do exposto, passa-se a analisar as hipóteses de concorrência da sucessão do companheiro. A primeira é a concorrência do companheiro com os descendentes, prevista no artigo 1.790, inciso primeiro do Código Civil.
Se o companheiro concorrer com filhos comuns terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho. Como se observa, a concorrência com os descendentes comuns será nos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.
Desta forma, observa-se que o legislador não reguardou o direito da reserva da quarta parte para o companheiro. Este direito garantido ao cônjuge deve ser interpretado ao direito sucessório do companheiro, isto porque, se a função do direito das sucessões é proteger a família em todas as suas formas, logo, nada impede ao legislador, o reconhecimento da reserva da quarta ao companheiro.
Na concorrência só com filhos do autor da herança, será atribuído à metade do que couber a cada um dos descendentes, ou seja, tocar-lhe-á ao companheiro metade da quota parte da herança de cada filho.
Surge então, a discussão quanto à origem híbrida dos filhos, sendo que o legislador foi omisso nesta questão polêmica. Neste caso, a doutrina entende que deve prevalecer uma igualdade hereditária entre os filhos, cônjuge e companheiro.
Assim, leciona Gonçalves (2007,p.175):
Embora a questão seja polêmica, e malgrado respeitáveis opiniões em contrário, a melhor solução, se houver descendentes comuns e descendentes unilaterais do de cujus, é efetuar a divisão igualitária dos quinhões hereditários, incluindo o companheiro ou a companheira, afastando destarte o direito dos descendentes unilaterais de receberem o dobro do que couber ao companheiro sobrevivo.
Neste sentido, quando concorrer com filhos comuns e unilaterais, prevalece ao companheiro o direito da quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho.
Quanto à concorrência do companheiro, com outros parentes sucessíveis, terá o companheiro direito a um terço da herança. Observa-se que, trata-se de concorrência com ascendentes e colaterais até o quarto grau.
Se o companheiro concorrer com um ascendente, a herança é dividida em dois terços para o ascendente e um terço para o companheiro sobrevivente. Nota-se que, esta divisão hereditária é sobre os bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.
Observa-se que o ascendente não contribuiu na aquisição do patrimônio constituído durante a união informal. Logo, é injusto separar dois terços da herança para um ascendente que não participou na aquisição dos bens.
Neste sentido aduz Leite (2003,p.21) apud Gonçalves (2007,p.176):
Agiria melhor o legislador, todavia, se atribuísse ao companheiro sobrevivo a metade do patrimônio deixado pelo falecido, e não apenas um terço, considerando-se o fato de ter sido adotado, como regra, o regime da comunhão parcial de bens, bem como a circunstância de ter ele vivido toda uma existência ao lado do de cujus, enquanto os outros parentes sucessíveis em nada contribuíram na formação do aludido patrimônio
Não justifica a concorrência do companheiro com colaterais até o quarto grau, sendo desnecessária e pouco valorizada a vida em comum dos companheiros.
Desta forma, salienta Veloso (2003, p.34) apud Gonçalves (2007,p.177):,
Colocar-se o companheiro sobrevivente numa posição tão acanhada e bisonha na sucessão da pessoa com que viveu pública, contínua e duradouramente, constituindo uma família, que merece tanto reconhecimento e pareço, e que é tão digna quanto a família fundada no casamento.
Por conseguinte, passa-se à hipótese do companheiro pelo qual recebe a totalidade da herança, quando ausentes os descendes e ascendentes do de cujus. Trata-se, então, da universalidade da herança constituída onerosamente na vigência da união estável.
Pelo exposto, no tocante à concorrência do companheiro com o cônjuge sobrevivente, a melhor solução, quanto à participação do companheiro, é a divisão dos bens adquiridos a título oneroso na constância da união estável. No que se refere ao cônjuge, terá direito aos bens adquiridos ates da data do reconhecimento da união estável.
REFERÊNCIAS
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume VII, Saraiva, 2007.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 6. Direito das Sucessões, 21 ed. Saraiva, 2007.
CATEB, Salomão de Araújo. Direito das Sucessões, 3ed. Atlas, 2003.
VELOSO, Zeno. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. V. 21.
OLIVEIRA, Euclides Bendito de. Concorrência sucessória e a nova ordem da vocação hereditária. Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese-IBDFAM, v. 29, abril. maio 2005.
BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938.
LEITE, Eduardo de Oliveira. Comentários ao novo Código Civil. 3ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. XXI.
Elaborado em março/2104
Fernando Cristian Marques
Pós-graduando em Ciências criminais na atualidade pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC Minas. Graduação em Direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Itabirito, Fundação Presidente Antônio Carlos, FUPAC. Autor de algumas publicações na Universidade Presidente Antônio Carlos de Itabirito, bem como autor dos seguintes blogs: Teoria da Constituição e Direito Constitucional, Direito Comparado e Filosofia, Sociologia e Ciências Criminais.