Família-mosaico em caracterização: os meus, os seus e os nossos pautados no afeto
Resumo: O escopo do presente consiste, à luz da sistemática constitucional vigente, analisar a evolução familiar e sua pluralidade de famílias. É cediço que a Constituição Federal de 1988 promoveu uma verdadeira ruptura no ordenamento jurídico nacional, promovendo uma sucessão de alterações sensíveis na percepção e na aplicação do ordenamento. Neste sentido, o Direito das Famílias, de maneira incisiva, abandona a feição essencialmente patrimonial das famílias, passando a imprimir uma axiologia pautada no desenvolvimento humano. Logo, a família, após a promulgação do Texto Constitucional, passa a figurar como célula-base de desenvolvimento da sociedade, bem como emoldurada pelos valores da busca pela felicidade, da afetividade e da dignidade da pessoa humana. Trata-se, portanto, do primeiro local e o mais essencial em que todo ser humano deve se desenvolver. Assim, o afeto passa a ser trabalhado como um princípio implícito nas relações familiares, em tal desdobramento, consiste em um corolário dotado de elevada densidade jurídico, sobretudo quando se considera sua incidência na pluralidade familiar e na liberdade de constituição de famílias. A metodologia consiste no método dedutivo, auxiliado de revisão de literatura e pesquisa bibliográfica como técnicas de pesquisa.
Palavras-chave: Pluralidade familiar. Direito de Família. Família-mosaico. Afeto.
Abstract
: The scope of the present consists, in the light of the current constitutional system, to analyze the family evolution and its plurality of families. It is imperative that the Federal Constitution of 1988 promoted a genuine rupture in the national legal system, promoting a succession of sensitive changes in the perception and application of the law. In this sense, the Law of Families, in an incisive way, abandon the essentially patrimonial aspect of families, starting to print an axiology based on human development. Therefore, the family, after the promulgation of the Constitutional Text, becomes the base cell for the development of society, as well as framed by the values of the search for happiness, affectivity and dignity of the human person. It is, therefore, the first and most essential place in which every human being must develop. In this way, affection becomes an implicit principle in family relations. In such an unfolding, it is a corollary endowed with a high legal density, especially when considering its incidence in family plurality and freedom of family formation. The methodology consists of the deductive method, aided by literature review and bibliographical research as research techniques.
Keywords:
Family plurality. Family right. Family-mosaic. Affection.
Sumário: 1 Introdução; 2 O princípio da pluralidade familiar como dogma das famílias contemporâneas; 3 Família-mosaico: caracterização da espécie familiar; 4 O afeto na condução dos vínculos socioafetivo entre seus membros; 5 Conclusão
1 INTRODUÇÃO
Como notas introdutórias, ressai que, nas últimas décadas, o modelo tradicional de família, aquele composto por pai, mãe e filhos consanguíneos passou por mudanças substancias. Tais mudanças, vieram com o advento da emenda constitucional de 66/2010, que facilitara a realização do divórcio, com isso, outras famílias foram originando-se dos relacionamentos acabados. Resultando, assim, as chamadas famílias reconstruídas ou família mosaico (BARROS, 2014).
Esse novo modelo de família que será trabalhado no presente texto, consiste no estabelecimento por pessoas que possuem um ou mais filhos de relacionamentos anteriores, que sejam casados ou convivem em união estável. Conquanto, apesar da gradativa evolução familiar, a legislação atual não acompanhou o crescimento desse modelo de entidade familiar, havendo assim, pouca previsão legal para resguardar os direitos que surgem com essa nova família, levando em consideração ainda, que a sociedade é resistente à aceitação da quebra do antigo modelo familiar (BARROS, 2014).
Diante de tal cenário, o presente texto analisará o posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca do referido tema, possibilitando a averiguação da real evolução familiar ao longo da história, bem como os princípios basilares que cerceiam a proteção do interesse da criança e do adolescente, bem como levar a questão da afinidade e do afeto que vinculam os membros desta entidade familiar, a fim de garantir o desenvolvimento pleno e digno do menor nesse contexto social.
2 O PRINCÍPIO DA PLURALIDADE FAMILIAR COMO DOGMA DAS FAMÍLIAS CONTEMPORÂNEAS
Como ponto de partida, necessária o repisar que a entidade familiar vem passando por constante modificação em sua estrutura, com isso, torna-se necessário uma análise das concepções remotas e das novas formações deste agrupamento social e os efeitos que insurgem até os dias atuais. Nesse passo, Rolf Madaleno (2017), cita em sua obra que a Carta Política de 1988 começou a descontruir a ideologia da família patriarcal edificada em uma família monogâmica, parental, centralizada na figura paterna.
Ainda em narrativa do autor acima referenciado, clarividente a transformação da entidade familiar, veja-se:
A família do passado não tinha preocupações com o afeto e a felicidade das pessoas que formavam seu principal núcleo, pois eram os interesses de ordem econômica que gravitavam em torno daquelas instâncias de núcleos familiares construídos com suporte na aquisição de patrimônio (MADALENO, 2017, p. 6).
Percebe-se assim, que a família vem se modificando gradativamente ao longo dos anos e com isso torna-se necessário uma análise das concepções remotas. Nesse passo, Maria Helena Diniz, em seu magistério, explana que com o novo milênio surge a esperança de encontrar soluções adequadas aos empasses surgidos na seara do direito de família, em sendo:
[...] mudanças e inovações, provocadas pela perigosa inversão de valores, pela liberação sexual; pela conquista do poder (empowerment) pela mulher, assumindo papel decisivo em vários setores sociais, escolhendo seu próprio caminho; pela proteção aos conviventes; pela alteração dos padrões de conduta social; pela desbiologização da paternidade; pela rápida desvinculação dos filhos do poder familiar etc., (DINIZ. 2015, p. 32).
De tal apontamento, ressai que necessárias alterações foram acolhidas, de modo a atender à preservação da coesão familiar e dos valores culturais, acompanhando assim, a evolução da entidade familiar e seus costumes, dando-se à família “moderna” um tratamento legal mais consentâneo à atualidade social, atendendo-se as necessidades da prole e de diálogos entre os cônjuges ou companheiros (DINIZ, 2015, p. 32).
Nessa esteira de pensamento, ressai que a pluralidade do direito de família pode ser constatada a partir do momento em que a ideia de família deixa de circunscrever à esfera institucionalizada do casamento, admitindo-se assim, o surgimento de novas entidades familiares, que demandam a necessária regulação jurídica. Assim, são diversificados os exemplos desta fisionomia plural do direito de família, em sendo: união estável, família monoparental, comunidade de parentes, como aquela constituída por avôs e netos, ou tios e sobrinhos, bem como as denominadas família mosaico, como sendo aquela formadas por pares divorciados que levam consigo suas proles do antigo matrimônio (ABED, 2017).
Adiante, com a modificação do texto basilar, ficou estabelecido a igualdade de homem e mulher na sociedade acerca de direitos e deveres de âmbito da sociedade conjugal. Sendo a igualdade também imposta aos filhos em relação dos direitos, havendo a proibição de qualquer distinção ou discriminação relativa aos filhos havidos no matrimônio e os concebidos fora do casamento ou por adoção. (ABED, 2017). Com a nova sistemática da Carta Magna, necessário foi a modificação da legislação civilista, vindo a surgir o atual Código de 2002, que trouxe alterações na posição do Direito de Família, sendo adotado em seu corpo um critério mais técnico e didático em relação as novas concepções de famílias
Para além, fica realçado como novo fundamento da República de um Estado Democrático de Direito o respeito à dignidade da pessoa humana, e define outra tábua de valores e disciplina familiar, tangente, é certo, aos primados da equalização do homem e da mulher, dentro e fora do casamento, ficando a pluralização das entidades familiares e sua proteção estatal, sem descurar da igualdade dos direitos destinados aos filhos (MADALENO, 2017, p. 42).
3 FAMÍLIA-MOSAICO: CARACTERIZAÇÃO DA ESPÉCIE FAMILIAR
Adentrando ao referido tópico, forçoso é dizer que a liberdade e a igualdade foram os primeiros princípios reconhecidos como direitos humanos fundamentais, de modo a garantir o respeito à dignidade da pessoa humana. Nesta senda, o papel do direito é coordenar, organizar e limitar as liberdades, justamente para garantir a liberdade individual. Parecendo assim um paradoxo, no entanto, só existe liberdade se houver, em igual proporção e concomitância igualdade. Inexistindo o pressuposto da igualdade, haverá dominação e sujeição, não liberdade, consoante o entendimento de Dias (2016, p. 49).
Ao passo do acima delineado em síntese, transcreve ainda a mesma autora sobre tal temática, veja-se:
A Constituição, ao instaurar o regime democrático, revelou enorme preocupação em banir discriminações de qualquer ordem, deferindo a igualdade e à liberdade especial atenção no âmbito familiar. Todos têm a liberdade de escolher o seu par ou pares, seja do sexo que for, bem como o tipo de entidade que quiser para constituir sua família. A isonomia de tratamento jurídico permite que se considerem iguais, homem e mulher, em relação ao papel que desempenham na sociedade conjugal (DIAS, 2016, p. 49).
Nisso, a liberdade floresceu na relação familiar e redimensionou o conteúdo da autoridade parental ao consagrar os laços de solidariedade entre pais e filhos, bem como a igualdade entre os cônjuges no exercício conjunto do poder familiar voltada ao melhor interesse do filho. Chave é assim que em face do primado da liberdade, é assegurado o direito de constituir uma relação conjugal, uma união estável hétero ou homossexual ou ainda poliafetivas. Há a liberdade de dissolver o casamento e extinguir a união estável, bem como o direito de recompor novas estruturas de convívio. A possibilidade de alteração do regime de bens na vigência do casamento sinala que a liberdade, cada vez mais, vem marcando as relações familiares (DIAS, 2016, p. 49).
Lado outro, de suma importância é o mencionar da emenda constitucional 66/2010, a qual facilitou a realização da dissolução da sociedade conjugal, tendo como reflexo a formação de outras famílias dos relacionamentos acabados, sendo as chamadas famílias reconstituídas ou família mosaico.
Por entendimento de tal entidade familiar, tem-se a reconstrução da estrutura originada do casamento ou da união estável de um casal, na qual um ou ambos de seus membros têm filhos de um vínculo anterior. Exsurge de uma formulação mais sintética, é a família na qual ao menos um dos adultos é um padrasto ou madrasta. Nesse diapasão, entra tanto as novas núpcias de pais viúvos ou mães viúvas como pais divorciados. Alude, assim, não só a reconstituição como estabelecimento de um novo relacionamento, no qual circulam crianças de outro precedente.
Lado outro, pensa-se esta família em termos de grupo doméstico, que compreenderia todos os que vivem em um lar: o novo casal, os filhos de um ou de outro provenientes de uma união anterior e os próprios filhos da nova união. Para além, diversa é a noção e o entendimento dessa nova família extensa, vez que claro é o sistema familiar integrado pelo novo núcleo que se constitui articulado com os vários subsistemas familiares anteriores. Sendo assim, não é mais a partir do casal que se caracteriza a família, mas das crianças, elas mesmas, porque é o espaço de sua circulação que define a família reconstruída.
Nessa perspectiva, ignoram-se as fronteiras que separam os lares, conformando uma rede familiar significativa, dentro da qual se insere o novo casal como um de seus componentes, circulando os filhos pelos diversos espaços domésticos. Tal como se tem uma compreensão restrita e outra ampla da família originária, primária ou intacta, também podemos atribuir duas significações à família reconstituída. Numa acepção mais restrita, o lugar onde convivem o novo casal, seus filhos comuns e os nascidos de laços anteriores. Lado outro, na forma mais ampla, o conjunto das várias unidades domésticas, por onde circulam todos os filhos, ou seja, a rede familiar que relaciona os diferentes lares formados depois da ruptura do casal original (LOURENÇO, 2010).
Em características, a possibilidade de que um grupo familiar reconstituído funcione com um baixo nível de conflitos dependerá da disponibilidade de que seus membros aceitem um modelo familiar distinto do anterior e que as relações entre eles sejam permeáveis. Os filhos neste tipo de relação experimentam dificuldades com relação aos limites, o espaço e o tempo que se lhes dedicam e a autoridade a que devem obedecer, posto que implica passar de um modelo a outro, em que antigas pautas seguem vigentes junto às novas.
Forçoso é assim que podemos anunciar, desta síntese, que as famílias reconstituídas, embora possuam as mesmas características de qualquer outra família, como a socialização dos filhos, a afetividade, a mútua assistência moral e material, a proteção, possuem outras especiais, que as distingue das famílias originárias (LOURENÇO, 2010).
Isto posto, muito ainda deve ser questionado no âmbito das relações familiares, tendo reflexos jurídicos direto, sendo missão do Direito incluir todas as formas de família, pois se tratam de um fato social edificado no afeto, e, portanto, dignas da proteção assegurada genericamente na Constituição Federal de 1988 (PINHEIRO, 2012). Dessa funcionalidade para o direito de família, exsurge o princípio basilar da liberdade, sendo esse fundado no livre poder de constituir uma comunhão de vida familiar por meio de casamento ou união estável, sem qualquer imposição ou restrição de pessoas jurídica de direito público ou privado (DINIZ, 2015, p. 36).
Ademais, Rolf Madaleno (2017, p. 88), trata de tal princípio em sua brilhante obra, lecionando que de liberdade necessita o homem para poder desenvolver todas as suas potencialidades, fazendo ou deixando de fazer alguma coisa por vontade própria, quando não for em virtude de lei. Ainda, em lição do mesmo autor, tem-se que:
O princípio da liberdade se faz muito presente no âmbito familiar, na opção de escolha da constituição de uma unidade familiar, entre o casamento e a união estável, vetada a intervenção de pessoa na livre decisão acerca do planejamento familiar, só intervindo o Estado para propiciar recursos educacionais e informações científicas, na opção pelo regime matrimonial, e sua alteração no curso do casamento, sendo um descalabro cercear essa mesma escolha entre o divórcio judicial ou extrajudicial e a extinção consensual da união estável, presentes os pressupostos de lei (MADALENO, 2017, p. 89).
Ora, tem-se então que o princípio trabalhado está relacionado diretamente à liberdade de o casal constituir uma nova família. Em atento, o termo casal tradicional nos leva a pensar a família tradicional formada pelo homem e pela mulher. Contudo, como trabalhado em outros princípios do direto de família, tal conceito está para muito além da antiga definição de família como célula mater da sociedade. Hoje, tal conceito de família também está ligado ao fator social, assim, podemos entender que a família de hoje e sua liberdade de constituição se estende aos homoafetivos, mães e pais solteiros, etc.
Nessa narrativa, tem-se que o entendimento dos princípios constitucionais do direito de família é uma base principiológica em sentido lato sensu para a tutela da instituição familiar em nosso ordenamento jurídico e que norteiam os parâmetros sobre a definição de suas bases, conceito e formação (SILVA, 2012).
4 O AFETO NA CONDUÇÃO DOS VÍNCULOS SOCIOAFETIVOS ENTRE SEUS MEMBROS
Ressai desse tópico a clareza do elemento distintivo da família, sendo aquele que coloca sob o manto da judicialidade a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo. Cada vez mais a ideia de família afasta-se da estrutura do casamento. Sendo que é sempre socioafetiva, em razão de ser um grupo social considerado base da sociedade e unida na convivência afetiva (DIAS, 2016, p. 136-137). Nessa acepção, a afetividade, como categoria jurídica, resulta da transeficácia de parte dos fatos psicossociais que a converte em fato jurídico, gerador de efeitos jurídicos.
Destarte, nomes existem, e muitos, tentando definir as famílias constituídas depois do desfazimento de relações afetivas pretéritas: reconstruídas, recompostas e até a bela expressão famílias ensambladas, em voga na Argentina – estrutura familiar originada no matrimônio ou união de fato de um casal, no qual um ou ambos de seus integrantes tem filhos provenientes de um casamento ou relação prévia. Aliás, a ausência de um nome, por si só, mostra a resistência que ainda existe em aceitar essas novas estruturas de convívio. Eis que são famílias caracterizadas pela multiplicidade de vínculos, ambiguidade das funções dos novos casais e forte grau de interdependência. Ao lado disso, a administração de interesses visando equilíbrio assume relevo indispensável à estabilidade das famílias.
Claro assim que o afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana. A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto. Necessariamente os vínculos consanguíneos não se sobrepõem aos liames afetivos, podendo até ser afirmada a prevalência desses sobre aqueles.
Sendo assim, o afeto decorre da liberdade que todo indivíduo deve ter de afeiçoar-me um a outro, decorre das relações de convivência do casal entre si e destes para com seus filhos, entre os parentes, como está presente em outras categorias familiares, não sendo o casamento a única entidade familiar (MADALENO, 2017, p. 95).
Entrementes, a maior prova da importância do afeto nas relações humanas está na igualdade da filiação, na maternidade e paternidade socioafetiva e nos vínculos de adoção, como consagra esse valor supremo ao admitir outra origem de filiação distinta da consanguínea, ou ainda através da inseminação artificial heteróloga, na comunhão plena de vida, só viável enquanto presente o afeto, ao lado da solidariedade, valores fundantes cuja soma consolida a unidade familiar, base da sociedade e merecer prioritária proteção constitucional.
Veja-se assim que o afeto, como sentimento de busca e sustentáculo para importantes decisões que permeiam o Direito de Família, é, de suma, importante referência para decidir os passos de uma entidade familiar, assim, conforme excerto jurisprudencial acartado abaixo, sendo relatoriado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em que o ínclito julgador decide pela referendação do afeto em sua assinatura, visualiza-se:
Recurso especial. Direito de família. Filiação. Igualdade entre filhos. Art. 227, § 6º, da CF/1988. Ação de investigação de paternidade. Paternidade socioafetiva. Vínculo biológico. Coexistência. Descoberta posterior. Exame de DNA. Ancestralidade. Direitos sucessórios. Garantia. Repercussão geral. STF.
1. No que se refere ao Direito de Família, a Carta Constitucional de 1988 inovou ao permitir a igualdade de filiação, afastando a odiosa distinção até então existente entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos (art. 227, § 6º, da Constituição Federal).
2. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 898.060, com repercussão geral reconhecida, admitiu a coexistência entre as paternidades biológica e a socioafetiva, afastando qualquer interpretação apta a ensejar a hierarquização dos vínculos.
3. A existência de vínculo com o pai registral não é obstáculo ao exercício do direito de busca da origem genética ou de reconhecimento de paternidade biológica. Os direitos à ancestralidade, à origem genética e ao afeto são, portanto, compatíveis.
4. O reconhecimento do estado de filiação configura direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem nenhuma restrição, contra os pais ou seus herdeiros.
5. Diversas responsabilidades, de ordem moral ou patrimonial, são inerentes à paternidade, devendo ser assegurados os direitos hereditários decorrentes da comprovação do estado de filiação.
6. Recurso especial provido.
(REsp 1618230/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/03/2017, DJe 10/05/2017).
Na acepção do até aqui trabalhado em relação ao afeto, mercê a explanação da entidade familiar base do trabalho, sendo aquela que segue a trajetória de vida e, sobrevindo ou não o divórcio, ela se casa novamente ou estabelece uma união estável e passa a constituir uma nova família, que não tem identificação na codificação civil, e passou a ser chamada de família reconstituída mosaico ou pluriparental. A família reconstituída é a estrutura familiar originada em um casamento ou uma união estável de um par afetivo, onde um deles ou ambos os integrantes têm filhos provenientes de um casamento ou de uma relação precedente.
Contudo, muitas famílias refeitas evitam a coabitação contínua e estável para impedir os conflitos e desinteligências entre o novo companheiro e os filhos da primeira relação, ou mesmo entre filhos de ambos os parceiros que reconstruíram suas vidas afetivas depois da separação de uma família anterior (MADALENO, 2017, p. 11).
5 CONCLUSÃO
Ante o delineado em linhas supra, ressai que não é mais possível falar em Direito de Família e não abordar a questão do afeto, vez que, presente no ordenamento como um princípio constitucional implícito, a sua observância implica necessariamente no respeito à dignidade da pessoa humana. Sendo assim, tal perspectiva das relações familiares é fruto do movimento de constitucionalização de todo o direito civil, dando maior relevância jurídica aos direitos existências, do que aos direitos meramente patrimoniais.
Como tracejado no texto, a família é um organismo social mutante, pois em constante mutação conforme o período e a sociedade em que vivemos, sendo assim, as pessoas inspiradas pela liberdade e pela democracia enxergam na família a possibilidade de se encontrar a felicidade. Não mais vista como uma instituição, a família apenas se legitima na exata medida em que se volta para a realização pessoa de cada um dos seus integrantes.
Isto posto, as relações afetivas e os vínculos criados de forma segura, confiante e verdadeira, são o melhor caminho para que o ser humano se desenvolva e assim, consiga até mesmo, mudar a realidade econômica de sua família de origem.
REFERÊNCIAS
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_________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: . Acesso em 30 mar. 2018.
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BARROS, Juliana, Entendendo Direito: Família mosaico ou reconstituída – um novo modelo de família. 2014. Disponível em: .. Acesso em 26 mar. 2018.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11. ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v. 5. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
LOURENÇO, Walmir. Famílias reconstituídas ou famílias mosaico. 2010. Disponível em: < http://walmirls.blogspot.com.br/2010/01/familias-reconstituidas-ou-familias.html>. Acesso em 29 mar. 2018.
MADALENO, Rolf. Direito de Família. 7 ed. ver., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
PINHEIRO, Raphael Fernando. A família mosaico e seus reflexos no direito: os meus, os teus, os nosso. In: Revista Âmbito Jurídico, Rio Grande, a. 15, n. 103, ago. 2012. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12157>. Acesso em 30 mar. 2018.
SILVA, Manoel de Almeida e. O direito de família e os princípios constitucionais no enfoque jurídico atual. In: Jurisway: portal eletrônico de notícias, 2012. Disponível em: < https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=9621>. Acesso em 28 mar. 2018.
Data da conclusão/última revisão: 3/4/2018
Rafael Guimarães de Oliveira e Tauã Lima Verdan Rangel
Rafael Guimarães de Oliveira: bacharel em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC). Pesquisador Externo vinculado ao Grupo de Pesquisa: “Faces e Interfaces do Direito: Sociedade, Cultura e Interdisciplinaridade do Direito”.
Tauã Lima Verdan Rangel: Professor Orientador. Doutorando vinculado ao programa de Pós-Graduação e Sociologia em Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (2013-2015). Especialista Lato Sensu em Gestão Escolar e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (2017-2018). Especialista Lato Sensu em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo (2014-2015). Professor do Curso de Direito e do Curso de Medicina da Faculdade Metropolitana São Carlos, campus Bom Jesus do Itabapoana-RJ, e professor do Curso de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo – unidade de Cachoeiro de Itapemirim-ES. Líder do Grupo de Pesquisa: “Faces e Interfaces do Direito: Sociedade, Cultura e Interdisciplinaridade do Direito”.
* Trabalho vinculado ao Grupo de Pesquisa: “Faces e Interfaces do Direito: Sociedade, Cultura e Interdisciplinaridade do Direito”.