A evolução da família
Resumo: O presente artigo analisa a evolução histórica e legislativa da família desde os tempos remotos até a contemporaneidade, estabelecendo os direitos conquistados. A família foi a principal formadora de todos os valores sociais e culturais, que se entrelaça com o desenvolvimento da própria humanidade, onde o matrimônio construía a única forma de constituir a indissolubilidade familiar num modelo hierarquizado. Esta instituição sofreu profundas mudanças, salientadas pela diversidade, e na busca por esse conceito acabou por estabelecer e permitir novas formas de reconhecimento, pela qual leva o direito na busca de soluções para os futuros problemas.
Palavras-Chave: família, evolução histórica, contemporaneidade, humanidade.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
É sabido que, desde os tempos mais remotos, a família é a base de construção da sociedade civil, de diversas formas no transcorrer da história da humanidade, se constituíram espécies de agrupamentos familiares e com eles formaram-se valores sociais, morais, econômicos, culturais, políticos, religiosos e jurisdicionais que transmutam a direção de seus conceitos e normas de acordo com o desenvolvimento dos povos.
De acordo com Hironaka (s.d., p. 01), “[...] a família é, por assim dizer, a história e que a história da família se confunde com a história da própria humanidade”. A autora acrescenta ainda que em quaisquer sociedades dois eixos são partes essenciais de sua formação, são estes o polo econômico e o polo familiar (HIRONAKA, s.d., p. 01). O sentido econômico quando se busca a forma como ocorrerá a construção da sociedade civil, já a face familiar quando o estudo é voltado às mudanças comportamentais e costumeiras do ser humano, como também, seus valores sociais, culturais, suas tradições ou qualquer outro aspecto ligado ao âmago do ser.
Maria Berenice Dias (2015, p. 29) preconiza que a família é um grupo informal que se forma de maneira espontânea, despretensiosa no convívio social e, sua estrutura dá-se através do direito. Para Coelho (2012, p. 33), não há como conceituar uma estrutura única de família, um modelo único para tomar-se como base. Não é uma espécie homogênea, são diversas espécies, “[...] as estruturas familiares são guiadas por diferentes modelos [...] pretendendo atender as expectativas da própria sociedade e as necessidades do próprio homem” (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 39). Daí a ideia de autores como Maria Berenice Dias (2015) e Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012, p. 29), dentre outros, intitular o instituto jurídico para o tratamento legal desta como direito das famílias. Farias e Rosenvald lecionam acerca da família:
Induvidosamente, a família traz consigo uma dimensão biológica, espiritual e social, afigurando-se necessário, por conseguinte, sua compreensão a partir de uma feição ampla, considerando suas indiossincrasias e peculiaridades, o que exige a participação de diferentes ramos do conhecimento, tais como a sociologia, a psicologia, a antropologia, a filosofia, a teologia, a biologia (e, por igual da biotecnologia e bioética) e, ainda, da ciência do direito (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 39).
Tratando-se de um ramo complexo, o estudo da família envolve diversas ciências do conhecimento, pois se correlaciona intimamente com a pessoa humana, a qual sua dignidade é a máxima a ser preservada e garantida. Nesse mister, a família é “[...] o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social” (GONÇALVES, 2012, p. 23), o primeiro contato social do indivíduo é na família, e é nesta que será passado a este indivíduo valores culturais, sociais, políticos, religiosos, tradições, neste sentido “os modelos familiares irão variar de acordo com a cultura e valores locais, as particularidades de cada país, regimes políticos, econômicos e religiosos. Mas o fato é que não existe sociedade sem família” (FONSECA, 2010, p. 15).
A família é uma entidade histórica, sempre esteve presente na evolução da humanidade e sempre revelou, por meio de sua estrutura, os valores e princípios que permeiam as relações sociais, políticas, culturais e religiosas de cada sociedade, em determinado período de tempo e espaço. O desenvolvimento da sociedade e o gradual reconhecimento de direitos e garantias dos indivíduos que a compõem são responsáveis pela evolução da família, enquanto entidade, e das relações pessoais e patrimoniais de seus membros (PRADO, 2012, p. 12).
Em primeira análise do vocábulo Família, faz-se necessário explanar seu processo histórico para lograr clareza quanto ao estudo da evolução para compreensão do conceito de “FAMÍLIA”, abordando-o desde os tempos mais longínquos, empregando para tanto o Direito Romano. Nos dizeres de Barreto (2012, p. 02), a denominação família nasceu do latim famulus, tendo como significado escravo doméstico, surgiu na Roma Antiga para identificar os agrupamentos subjugados à escravidão rural.
De acordo com Nogueira (2007, p. 02) o modelo de família brasileiro possui origem na estruturação da família romana, pois a Roma Antiga pioneiramente formulou regras que tornaram a família um agrupamento patriarcal, “é na origem e evolução histórica da família patriarcal e no predomínio da concepção do homem livre proprietário que foram assentadas as bases da legislação sobre a família, inclusive no Brasil” (LOBO, 2011, p. 23).
Na Roma Antiga, havia a figura denominada pater famílias, o pai de família, uma espécie de autoridade suprema e incontestável, exercendo sobre sua prole o poder de vida e morte – ius vitae ac necis – como também possuía o pater a alternativa de vender um membro de sua entidade familiar (ius vendendi), a faculdade de ofertar um filho para o adimplemento de uma dívida (ius noxae dandi), e ainda, o poder de abandonar um filho mesmo que impúbere, uma criança incapaz de prover seu próprio sustento (ius exponendi) (GONÇALVES, 2010, p. 15), enquanto a mulher tornava-se totalmente submissa, cabendo a ela somente acatar as ordens e decisões do patriarca (GONÇALVES, 2012, p. 34). Nesta linha, Carlos Roberto Gonçalves acrescenta ainda:
O pater exercia a sua autoridade sobre todos os seus descendentes não emancipados, sobre a sua esposa e as mulheres casadas com manus com os seus descendentes. A família era, então, simultaneamente, uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional. O ascendente comum vivo mais velho era, ao mesmo tempo, chefe político, sacerdote e juiz. Comandava, oficiava o culto dos deuses domésticos e distribuía justiça (GONÇALVES, 2012, p. 34) (grifo no original).
Constata-se que o homem mais velho da entidade familiar era o qual detinha o poder sobre todos os demais, sua esposa, sua prole, as mulheres casadas com seus filhos com manus1, seus eventuais netos, “[...] exercia poder de juiz dentro da família, podia julgar e punir sua mulher” (FONSECA, 2010, p. 26). No que se trata da função sacerdotal exercida pelo patriarca, Sá e Madrid (2008, p. 04) preconizam que o culto religioso doméstico era comandado pelo chefe familiar, “[...] o centro religioso da família era a perpetuação do culto doméstico, onde cultuava-se (sic) os antepassados mortos como se ainda fossem membros da família”, acrescentam as autoras que os romanos acreditavam que se algo lhes impedisse de realizar a saudação dos mortos havia a possibilidade de se ocasionar a família uma espécie de maldição, podendo faltar alimentos ou a ocorrência de problemas familiares, a mulher casada cultuava os antepassados mortos de seu esposo.
Quanto ao patrimônio, inicialmente, este era regido somente pelo patriarca, ele detinha e administrava todos os bens da família, contudo, com o avançar dos tempos surgiram patrimônios individuais, os quais eram administrados por pessoas submissas ao pater (GONÇALVES, 2012, p. 34). Destacando-se que o pater famílias seria sempre exercido pela figura masculina, a mulher jamais detinha o comando, na ocorrência de morte do patriarca o poder passava ao primogênito e/ou ao próximo homem com mais idade na entidade familiar (NOGUEIRA, 2007, p. 03). A mulher não possuía capacidade jurídica, nem ao menos o direito de possuir bens em seu nome, fazendo com que esta dependesse integralmente de seu marido (DILL; CALDERAN, 2011, s.p.). Quanto ao tema, Dias leciona que:
Era uma entidade patrimonializada, cujos membros representavam força de trabalho. O crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos. O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal. (DIAS, 2015, p. 30) (grifo no original).
O objetivo da família a essa época da história era a multiplicação e gerenciamento do patrimônio, muitas das vezes, não havia afeto, a união entre homem e mulher pautava-se em interesses de cunho pecuniário. O parentesco configurava-se de duas formas: por cognação onde a família era formada por pessoas do mesmo sangue e por agnação onde o vínculo existia por possuírem o mesmo patriarca, não havia consangüinidade (SÁ; MADRID, s.d., p. 03).
É mister salientar, que na sociedade civil, tratando-se de direito público, os filhos homens possuíam capacidade jurídica, exerciam o direito ao voto e poderiam até labutar como magistrados, já no meio familiar, ora direito privado, eram totalmente alienados ao pater famílias, não possuindo os filhos o direito de adquirir bens em sua titularidade nem ao menos possuíam capacidade processual ativa (MAIA, s.d., p. 18).
A base da família em sobredito em período histórico era o casamento, pois só se reconheceria família se houvesse o matrimônio (NORONHA; PARRON, 2012, p. 03). O casamento era considerado um fato social, e quanto a ele, havia a possibilidade de a mulher unir-se a seu futuro esposo com manus “[...] entrava na família marital e devia a partir deste momento obediência ao seu marido” (NOGUEIRA, 2007, p. 03), ressaltando-se que a obediência estendia-se ao pater famílias a qual a mulher adentrará, ou sob a forma de casamento sine manus, onde não havia o denominado poder marital, e o dote advindo da mulher não era transferido à autoridade do homem (TSUTSUI, 2013, s.p.), a mulher continuaria sob os comandos da autoridade de sua família originária. Ressalta-se que em qualquer forma de regime matrimonial adotado pelos nubentes, a mulher devia fidelidade ao homem, a qual não era extensível ao homem.
A segunda forma de casamento prevaleceu com o avançar do tempo. E a partir deste decorreram situações jurídicas de grande valor como deveres mútuos entre o homem e a mulher; o reconhecimento ao direito sucessório entre mãe e filhos e a possibilidade de concessão de guarda dos filhos a mãe proveniente de má ingerência do pai ou tutor (MAIA, s.d., p. 12). Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 34), os romanos aceitavam o divórcio quando não mais houvesse convivência entre os cônjuges. Havendo consentimento mútuo e a falta de afeição um pelo outro poderia haver o divórcio.
No período imperial ocorreram mudanças significativas para a família romana, o ius vitae ac necis se transmuta e o patriarca passa a possuir somente o poder de corrigir os filhos (SIMÃO, 2013, s.p.), não cabe mais ao pater decidir sobre a vida e morte de seus descendentes. A prática de venda do filho pelo pai não mais existe e fixa-se que os direitos decorrentes do pátrio poder geram obrigações (MAIA, s.d., p. 12). Começando a surgir também, uma pequena independência patrimonial, quando se passou a admitir que os peculium castrenses, ou seja, bens e propriedades, adquiridos durante o período de serviço militar estendendo-se mais a frente ao serviço público (peculium quasi castrense), seriam de titularidade exclusiva daquele que exerceu o serviço (ABREU, s.d., p. 03-04).
O modelo de família romana é parte imprescindível à história das entidades familiares, veem-se que até mesmo neste período a família não se estacionou, sempre evoluindo, as mulheres passaram a adquirir direitos importantes em relação a sua família, ressaltando a grande importância para tanto teve o casamento sine manu, os filhos homens passaram o possuir o direito de propriedade. A família teve sua evolução junto à sociedade, neste sentido:
Com efeito, a família tem seu quadro evolutivo atrelado ao próprio avanço do homem e da sociedade, mutável de acordo com as novas conquistas da humanidade e descobertas científicas, não sendo crível, nem admissível, que esteja submetida a ideias estáticas, presas a valores pertencentes a um passado distante, nem a suposições incertas de um futuro remoto. É realidade viva, adaptada aos valores vigentes (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 41).
Importante destacar que a entidade familiar, ao longo do transcorrer do tempo, vem se transformando e se reconstruindo, sofrendo influências significativas em cada época, contudo, seu destaque como pilar da sociedade permanece inalterado (MENEZES, 2008, s.p.). “A família, enfim, não traz consigo, a pretensão de inalterabilidade conceitual. Ao revés, seus elementos fundantes variam de acordo com os valores e ideais predominantes em cada momento histórico” (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 41), a cada período histórico a família transmuta-se estando em constante evolução.
Para Maria Berenice Dias (2010, p. 01), a família vai além de um grupo cultural, a qual existe antes e acima do direito, concentrando-se em uma estruturação psíquica onde cada indivíduo ali inserido se encaixa em uma função. A família não é estática, ela acompanha o desenvolvimento da sociedade e transmuta-se, adaptando-a em cada espaço e lugar que ocupe, é crível reconhecer a sua essencialidade para a estruturação do Estado.
1. FAMÍLIA SACRALIZADA NO DIREITO CANÔNICO
No contexto da análise de evolução da família abordada neste capítulo, é imprescindível discorrer acerca da influência de suma importância para a família brasileira em certo período histórico, ou seja, a feição da família fundada no Direito Canônico. Surgiu com o deslocamento dos poderes do Império em Roma para a Igreja Católica Apostólica Romana, suas normas perduraram até o século XX (NOGUEIRA, 2007, p. 04), inicialmente, o Direito Canônico, ergueu-se para que a Igreja viesse a deliberar sobre situações não reguladas pelo Direito, contudo, a Igreja Católica veio a perceber que existiam assuntos de importância relevante para esta legislar e um dos assuntos mais regulados por esta fora a família (VIRGILIO; GONÇALVES, 2014, p. 03-04).
Nos dizeres de Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 34) no período da Idade Média as relações familiares no que dizia respeito ao matrimônio eram regidas exclusivamente pelo Direito Canônico transformando o casamento celebrado religiosamente pela Igreja Católica o único reconhecido. Com o advento do Cristianismo o casamento tornou-se um sacramento (DILL; CALDERAN, 2011, s.p.), para o Direito Canônico o matrimônio “[...] funda-se na união entre o homem e a mulher, que se comprometem a construir entre si uma comunidade para toda vida. Assim, são características essenciais do matrimônio, para a Igreja Católica, a unidade e a indissolubilidade” (SANTOS; SANTOS, s.d., p. 02).
Portanto, a Igreja Católica Apostólica Romana não admitia o divórcio, logo, o casamento tratava-se de uma união indissolúvel e só a morte seria capaz de separar os cônjuges (DILL; CALDERAN, 2011, s.p.), nos termos do que normatizava o artigo 1.056 do Código de Direito Canônico. O matrimônio católico revestia-se em uma união entre um homem e uma mulher, celebrado na forma de um ato solene, por seus descendentes diretos, tal forma de constituição de matrimônio perdura até os dias atuais (CUNHA, 2010, s.p.).
O matrimônio no Direito Canônico “[...] era composto por um conjunto de normas jurídicas que buscavam a justiça divina [...]” (LOBATO, 2009, s.p.). Os fins matrimoniais descritos pelo Direito Canônico são a reprodução humana, a criação dos filhos e um meio de relacionar-se sexualmente de forma digna, possuindo assim, fins primários e secundários, o primário é a “procriatio atque aducatio prolis”, a procriação e a educação dos filhos e, os fins secundários são a ajuda mútua e o gerenciamento de patrimônio familiar, para a realização do casamento o fim primário não está atrelado aos secundários, bastando apenas um destes para sua concretização (SANTOS; SANTOS, s.d., p. 06).
Cân. 1055 — § 1. O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio íntimo de toda a vida, ordenado por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à procriação e educação da prole, entre os batizados foi elevado por Cristo Nosso Senhor à dignidade de sacramento. (VATICANO, 1983, p. 185) (grifo nosso).
Nos dizeres de Santos e Santos (s.d., p. 04), o Código Canônico principalmente no que diz respeito ao matrimônio, com o decorrer dos tempos fora aos poucos se emoldurando e o que ressalta da leitura do artigo supramencionado é a personalidade sacramental do matrimônio canônico. Neste escólio, sobreditas autoras discorrem acerca das reformas protestantes ocorridas à época, que ameaçavam a soberania da Igreja Católica, em face desta situação surgiu o denominado Concílio de Trento² modificando questões e posicionamentos da Igreja, vindo a reafirmar assim o poder da Igreja Católica sobre as questões jurídicas e legais ao tempo. A Reforma Protestante liderada por Lutero era contrária as posições da Igreja, acreditavam estes que as matérias pertinentes a direito de família deviam ser reguladas pelo Estado e não pela Igreja Católica (MENEZES, 2008, s.p.).
Conforme supramencionado, o Concílio Trento discutiu a Doutrina Católica e definiu algumas modificações importantes, vindo a reafirmar o caráter de sacramento do casamento e a competência exclusiva da Igreja Católica para celebrar o casamento e gerenciar suas demais peculiaridades e, com isso, as relações não matrimonializadas ficavam a mercê da sociedade, sem proteção alguma, pois tais relações estavam classificadas como relações pecaminosas, contudo, o concubinato não desapareceu, continuou a existir era assim, um fato social (MENEZES, 2008, s.p.), “[...] o Concilio de Trento condenou o concubinato, de maneira absoluta, sem execução alguma.” (TAVARES, s.d., p. 02-03).
A partir do Concílio de Trento, passou-se a considerar o casamento como “[...] um contrato formal, fazendo depender a validade do acordo vontade dos nubentes, da manifestação expressa diante do sacerdote e das testemunhas” (SANTOS; SANTOS, s.d., p. 04-05), indo de encontro assim, com os costumes da Roma Antiga, pois nesse período histórico o casal que desejasse contrair matrimônio necessitava do consentimento do pater famílias e não somente a manifestação de vontade própria.
E, quando o direito matrimonial passou a ser regido pela Igreja Católica, o Código Canônico, tratava o casamento como um contrato formal em que se dependia somente da vontade de quem irá contrair as núpcias. Reiterando ainda, o princípio da monogamia, valendo tanto para a mulher casada quanto para o homem em igualdade, como a não admissibilidade de divórcio, sendo assim, uma união indissolúvel. (SANTOS; SANTOS, s.d., p. 04). Contudo, havia a possibilidade da separação de corpos pela prática do crime de adultério ocasionando uma separação total e eterna, porém, a separação de corpos não dissolvia o vínculo matrimonial (SANDRI, 2007, p. 08).
Neste mesmo contexto, fora a partir do Concílio de Trento que a Igreja elaborou normas para reger o instituto do Casamento, desde sua celebração até o convívio dos nubentes, normas que possuem grande valor à formação do direito das famílias, existem regras que vigoram até hoje no Código Civil Brasileiro, “A Doutrina dos impedimentos matrimoniais foi arquitetada à luz dos princípios formulados pelos canonistas e teólogos italianos.” (TAVARES, s.d., p. 02). Tomando como exemplo, uma das normas que vigoram até hoje no Código Civil que fora importada do Direito Canônico é a publicação de proclamas de casamento, precipuamente o revogado Código Civil de 1916, possui influência abrangente do Direito Canônico. Neste diapasão, o Código Canônico, regulou ainda impedimentos matrimoniais, idade nupcial e nulidades. (TAVARES, s.d., p. 02).
Indicavam os canonistas como finalidade do casamento a procriação e a educação dos filhos, a colaboração mútua entre os cônjuges e o remédio contra as concupiscências, distinguindo, assim, fins sociais e fins individuais do casamento, os quais ainda são encontrados no Código Civil Brasileiro. (SANTOS; SANTOS, s.d., p. 06)
A Igreja jamais consentiu com o ilícito e o desonesto, portanto, existia o impedimento matrimonial pela prática de adultério (impedimentum criminis adultério) (TAVARES, s.d., p. 02). Em 1907, no denominado Decreto Ne Temere, tratou a Igreja de legislar sobre os denominados esponsais, ou seja, a promessa/contrato de casamento, determinando formalidades jurídicas na forma determinada, contando com a presença de 02 (duas) testemunhas, legislando ainda sobre os efeitos supervenientes dos esponsais. Para tanto, prescreveu que não há ação para requerer a efetivação da promessa de casamento – objetivando preservar o consentimento das partes ao matrimônio, não havendo assim, matrimônio coagido – porém podendo o prejudicado requerer reparação pelas perdas e danos provenientes do não cumprimento da promessa (SANTOS; SANTOS, s.d., p. 05).
Ressalta-se que a regulamentação dos esponsais vigora nos dias atuais pelo Código de Direito Canônico precisamente em seu artigo 1.062 “§ 2. Da promessa de matrimônio não se dá ação para pedir a celebração do matrimônio; dá-se porém para reparação dos danos, se para ela houver lugar.” (VATICANO, 1983, p. 187, grifo nosso). O matrimônio sob os comandos Católicos foi durante muito tempo a única forma existente de união reconhecida por lei no Brasil, a anulação de casamento era atribuição do Juízo Eclesiástico (SANDRI, 2003, p. 05-07).
A grande herança que o Direito Canônico deixou são os impedimentos matrimoniais, sendo classificados em dirimentes e proibitivos. Os dirimentes anulam o matrimônio, ocasionam-se a partir da prática de crimes como duplo adultério e homicídio ou por não possuírem as partes idade mínima para contrair matrimônio, erro sobre a pessoa, os nubentes possuírem parentesco consangüíneo em linha reta, a impotência sexual e a divergência de religião. Já os proibitivos eram supervenientes de esponsais e voto de castidade (SANDRI, 2003, p. 05-07).
Nesta linha, esclarecem Santos e Santos (s.d., p. 07-10) existir a possibilidade de decretar a nulidade do casamento pelo Código de Direito Canônico que seria pela ocorrência de um impedimento dirimente, no Código supramencionado encontram-se 19 (dezenove) formas diferentes nulidade matrimonial, são elas: Idade mínima para contrair matrimônio, em sobredito código a idade mínima para os homens é 16 (dezesseis) anos e para as mulheres 14 (quatorze) anos; impotência sexual; a impossibilidade de pessoa já casada contrair novo matrimônio; uma das partes seguir outra religião que não a católica ou a falta do batismo, podendo cessar com a conversão da parte à Igreja Católica; a ordem sacra; voto religioso de castidade; o rapto de uma das partes para com ela contrair matrimônio; contrair núpcias com quem ocasionou a morte do próprio cônjuge ou do cônjuge com quem deseja casar-se; parentesco consangüíneo em linha reta e na linha colateral até o 4º (quarto) grau; parentesco por afinidade em linha reta tanto do homem quanto da mulher; parentesco originário de adoção dos adotantes com os adotados e os parentes consangüíneos destes em linha reta e na linha colateral até o 2º (segundo) grau.
É inegável que a Igreja Católica trouxe muitos benefícios para as primeiras constituições familiares em nosso país, no entanto, nos dois primeiros períodos, ou seja, no colonial e no imperial, manteve inviolável a ruptura do vinculo matrimonial, só permitindo o divórcio a non vínculo, ou seja, apenas a separação do casal, sem possibilidade de se contrair novas núpcias, posicionamento que até a data de hoje é mantida por ela, pois ainda considera o casamento como um sacramento. (SANDRI, 2003, p. 12)
A influência vasta do Direito Canônico na história do direito abrange as instituições e a cultura jurídica, fora dos canonistas que surgiu a originária classe de juristas profissionais. O estudo do Direito Canônico tem suma importância para a compreensão da evolução da estrutura familiar, pois para a Igreja, família só era reconhecida se houvesse uma união matrimonial sacramental a qual, homem algum tem competência para destituir esse vínculo criado pelo casamento, pois se Deus uniu, o homem não seria capaz de separar, contudo, existem situações peculiares que um dos cônjuges pode requerer a anulação do casamento, sendo fixados pelo Código Canônico os impedimentos matrimoniais. O matrimônio consiste em partilhar interesses e a união dos corpos, resultando em uma sociedade conjugal e criando assim, um vínculo jurídico advindo do casamento, gerando ao homem e à mulher, casados, direitos e obrigações (SANTOS; SANTOS, s.d., p. 22).
2. FAMÍLIA PATRIMONIALIZADA: UMA ANÁLISE DO CENÁRIO DO CÓDIGO CIVIL DE 1916
Passa-se a análise da Evolução Legislativa Brasileira no que trata das famílias, sendo aqui abordado, precipuamente o que tratava a Lei número 3.071 de 01 de janeiro de 1916, ou seja, o Código Civil de 1916, também conhecido como Código de Beviláqua, levando o nome de seu criador pioneiro Clóvis Beviláqua, o sistema da codificação de 1916 “[...] foi marco relevante, porque o sistema brasileiro, em especial nessa área de família, passa a ter as suas próprias regras, excluindo assim as regras do período colonial, embora, com suas influências, e toda uma tradição romana e canônica” (TELLES, 2011, p. 07).
O projeto do sobredito Código se iniciou no ano de 1899 e fora finalizado por seu idealizador no ano conseguinte de 1900 e, a partir daí iniciou sua tramitação no Congresso Nacional, sendo aprovado somente 16 anos depois, entrando em vigor na data de 01 de janeiro de 2017 (PRADO, 2012, p. 22 e 23). Para Alba (2004, s.p.), o sistema do sobredito código era lacrado, tratando de legislar só o que era de interesse à classe dominante, possuindo assim, 03 (três) pilares sendo eles a família, o contrato e a propriedade.
Embora o Código Civil de 1916 tenha iniciado sua vigência no começo do século XX, quando o Estado Liberal deu lugar ao maior intervencionismo que caracterizou o Estado Social, seu respectivo projeto foi concluído no ano de 1900. Tratava-se de um Código elaborado para a sociedade do século XIX, em um período ainda marcado pelo não intervencionismo estatal na esfera econômico-social, razão pela qual não previa normas que efetivamente tutelassem cada integrante da família, mas tão somente a instituição familiar, com função predominantemente econômica e procriacional. Elaborado em um momento histórico no qual a sociedade brasileira pouco havia se desenvolvido, refletia, por conseguinte, o subdesenvolvimento das relações familiares, de modo que a estrutura da família ainda era eminentemente patriarcal, fundada, essencialmente, na desigualdade entre homem e mulher, no pátrio poder atribuído ao pai e no tratamento discriminatório conferido aos filhos havidos fora do casamento (PRADO, 2012, p. 23)
O Código Civil de 1916 normatizava a família em sua parte especial, começando no artigo 180, era influenciado pelo Direito Canônico e pela manutenção da entidade familiar como um instituto fechado (RIOS, 2012, p. 08). Gonçalves (2012, p. 34), em suas ponderações, preconiza “no que tange aos impedimentos matrimoniais, por exemplo, o Código Civil de 1916 seguiu a linha do direito canônico, preferindo mencionar as condições de invalidade”. Nesta mesma linha, houve uma ligação entre o Direito Canônico e o Código de 1916 no que se tratava do lugar da mulher na entidade familiar, colocando-a apenas como agente reprodutora da família, não possuindo capacidade para opinar acerca do planejamento familiar (SOUZA; SILVA, 2013, s.p.).
Tal ordenamento fixava os valores sociais e culturais contidos naquele período histórico, mantinha a entidade familiar como uma unidade de produção, e superveniente sucessão aos filhos legítimos, era um meio hierárquico comandado pelo patriarca, matrimonializado, patrimonializada, de certo impessoal e heterossexual, as vontades e interesses individuais eram deixados de lado em virtude da preservação do vínculo matrimonial, sob a alegação que o rompimento da família viesse até mesmo a ocasionar a interrupção da sociedade, “sacrificava-se a felicidade pessoal em nome da conservação da “família estatal”, ainda que com detrimento á formação das crianças e adolescentes e da violação da dignidade dos cônjuges” (FRISON, 2012, p. 45). Em reflexos do Direito Canônico, a família considerada legítima era aquela constituída pelo matrimônio, era a entidade familiar juridicamente aceita, a qual detinha proteção do Estado. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:
O Código Civil de 1916 proclamava, no art. 229, que o primeiro e principal efeito do casamento é a criação da família legítima. A família estabelecida fora do casamento era considerada ilegítima e só mencionada em alguns dispositivos que faziam restrições a esse modo de convivência, então chamado de concubinato, proibindo-se, por exemplo, doações ou benefícios testamentários do homem casado à concubina, ou a inclusão desta como beneficiária de contrato de seguro de vida. (GONÇALVES, 2012, p. 32)
O casamento, a única entidade familiar protegida por lei naquele tempo, possuía os fins de reprodução humana, a educação da superveniente prole, a intimidade sexual e, um amparo mútuo e bilateral, sobredito ordenamento civil de 1916, preconizava que era o marido quem detinha o dever sustentar a família, o chefe da sociedade conjugal conforme estabelecido pelo artigo 233, com o lucro de seu trabalho e os frutos de seus bens (VIRGILIO; GONÇALVES, 2014, p. 06 e 07).
A mulher era considerava relativamente incapaz, “a mulher era dona de casa, não possuía voz ativa, nem poder dentro do núcleo familiar. Todos seus atos deveriam ser consultados ao marido, que pensava por ela [...]” (GIUDICE, s.d., p. 02), prossegue a autora afirmando que a discriminação com a mulher estava distribuída em todo o conteúdo do Código, sendo competência do marido outorgar autorização para que sua esposa pudesse trabalhar ou efetuar transações financeiras e outras restrições contidas no artigo 242 e seus incisos.
Contudo, em 27 de agosto de 1962, fora promulgada a Lei nº 4.121, designada Estatuto da Mulher Casada, revogando diversos dispositivos do Código Civil de 1916, dentre eles atribuiu capacidade jurídica a mulher retirando esta do rol dos relativamente incapazes, passou a mulher a ser colabora dos encargos familiares, podendo a mesma adquirir trabalho sem necessitar da outorgar de seu marido, atribuindo-a o direito de exercer o poder familiar ainda que constituísse nova união, porém, o exercício do poder familiar ainda era bem moderado tendo em vista o texto normativo do artigo 380 do Código Civil de 1916 em seu parágrafo único, o qual narrava que divergindo os pais a questões relativas ao exercício do pátrio poder prevaleceria a vontade do pai, sendo resguardado à mãe o direito de recorrer ao Poder Judiciário para solucionar a divergência (BARRETO, 2012, p. 06).
Mais ainda, compreendia-se a família como unidade de produção, realçados os laços patrimoniais. As pessoas se uniam em família com vistas à formação de patrimônio, para sua posterior transmissão aos herdeiros, pouco importando os laços afetivos. Daí a impossibilidade de dissolução do vínculo, pois a desagregação da família corresponderia a desagregação da própria sociedade. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 40)
O desenho de família patriarcal continuava vigente, o matrimônio ainda era indissolúvel, só havia o denominado desquite no sentido de não quites, em débito com a sociedade, este instituto rompia o convívio marital, mas não obtinha o cunho de dissolver o casamento (DIAS, 2010, p. 01) “com o desquite, os cônjuges legitimavam a separação de corpos, partilhava -se o patrimônio comum, definia -se o sistema de guarda dos filhos e arbitravam-se os alimentos. O desquite poderia ser amigável ou litigioso” (LOBO, 2011, p. 150).
Até o ano de 1977, não existia a normatização do divórcio, pois no mencionado ano sob a vigência da Constituição Federal de 1967 surgiu a Emenda Constitucional número 09 (nove) aderindo ao ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de separação judicial e, após, consequentemente o divórcio, surgiu também a Lei número 6.515 com o intuito de regular a matéria pertinente ao divórcio, autorizando a Ação de Divórcio direto quando o casal estivesse separado de fato há 05 (cinco) anos ou mais (BRASIL, 1977).
Outra importante inovação que sobredita lei trouxe fora a possibilidade da mulher escolher sobre usar ou não em seu nome o patronímico do cônjuge, como também fixar o regime parcial de bens como o regime legal que antes da promulgação de tal lei era considerado como regime legal o de comunhão universal de bens, nos termos do artigo 258 do Código de Beviláqua, existindo ainda a possibilidade dos vínculos familiares cessarem com o divórcio (BARRETO, 2012, p. 05-07). Virgilio e Gonçalves (2014, p. 07) preconizam, ainda, que referida lei exprimia 04 (quatro) hipóteses de se cessar o vínculo conjugal, sendo elas a morte do homem ou da mulher, pela anulação ou nulidade do matrimônio, por divórcio e pela separação judicial. Dias, ainda, esclarece que:
O antigo Código Civil, que datava de 1916, regulava a família do início do século passado, constituída unicamente pelo matrimônio. Em sua versão original, trazia estreita e discriminatória visão da família, limitando-a ao casamento. Impedia sua dissolução, fazia distinções entre seus membros e trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessas relações. As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos, na vã tentativa da preservação do casamento. (DIAS, 2015, p. 32) (grifo no original).
Até o advento da Constituição Federal de 1988 não existia o instituto da União Estável, só existindo o concubinato e sendo marginalizado pelo ordenamento civil de 1916, porém, sendo este um fato social, sempre existiu união não matrimonializada, e nesse período histórico no Brasil, era amplo o número de casais que viviam como concubinos, dado o fato que até o ano de 1977 não se admitia o divórcio no Brasil, com isso homens e mulheres se separavam de fato, constituíam novas famílias, porém não poderiam contrair matrimônio novamente, sendo consideradas como famílias ilegítimas (VIRGILIO; GONÇALVES, 2014, p. 07- 08).
Com o passar do tempo, algumas leis iniciaram uma modificação deste cenário a começar com a “[...] legislação previdenciária, alguns direitos da concubina foram sendo reconhecidos, tendo a jurisprudência admitido outros, como o direito à meação dos bens adquiridos pelo esforço comum [...]” (GONÇALVES, 2012, p. 32), com isso as disposições existentes no Código Civil de 1916 passaram a ser aplicadas nas hipóteses de concubinato adulterino, quando o homem vivia com sua esposa e mantinha uma outra relação concomitantemente àquela, porém, quando o homem estava separado de fato de sua esposa e estabelecia uma nova união com outra mulher, essa passava a ser denominada como companheira (GONÇALVES, 2012, p. 32). Existia, também, a repulsa da legislação quanto aos filhos concebidos fora do casamento:
Os filhos que não procediam de justas núpcias, mas de relações extramatrimoniais, eram classificados como ilegítimos e não tinham sua filiação assegurada pela lei, podendo ser naturais e espúrios. Os primeiros eram os que nasciam de homem e mulher entre os quais não havia impedimento matrimonial. Os espúrios eram os nascidos de pais impedidos de se casar entre si em decorrência de parentesco, afinidade ou casamento anterior e se dividiam em adulterinos e incestuosos. Somente os filhos naturais podiam ser reconhecidos, embora apenas os legitimados pelo casamento dos pais, após sua concepção ou nascimento, fossem em tudo equiparados aos legítimos (art. 352). (GONÇALVES, 2012, p. 32)
Ressalta-se que somente os filhos concebidos no casamento eram considerados legítimos. O artigo 358 do Código de Beviláqua vedava expressamente o reconhecimento de filhos adulterinos e incestuosos. (GONÇALVES, 2012, p. 32). Quanto aos filhos adotados estes só possuíam direito a metade da herança legítima em concurso com os filhos denominados legítimos, em caso de sucessão (CUNHA, 2010, s.p.), essas descrições não eram somente para diferenciar os filhos legítimos, ilegítimos ou adotados, delas surtiam efeitos legais e jurídicos, tutelando diversos direitos e garantias a cada classe de filhos (RODRIGUES, 2005, p. 93). A filiação classificada como legítima necessitavam da outorga dos pais os filhos menores de 21 (vinte e um) anos que desejassem contrair matrimônio (GUIDICE, s.d., p. 02).
Para Prado (2012, p. 25), o Código Civilista de 1916 somente reconhecia e normatizava a família considerada legítima, ou seja, àquela que se constitui a partir do matrimônio, garantindo aos que a compõem a titularidade no tocante a direitos e obrigações. Neste sentido, apenas os filhos concebidos através do casamento eram considerados filhos legítimos, havendo assim, a descriminação com os demais filhos não concebidos na constância da relação conjugal.
Estavam sujeitos ao pátrio poder a prole legítima, legitimada, adotiva e legalmente reconhecida, sendo sua titularidade exercida pelo pai, cabendo esta a mãe somente nos casos de ausência, morte ou impedimento do chefe de família. O Código Civil de 1916, ao contrário das bases do Direito Romano, não estabelecia diferenciações entre os bens que englobavam o patrimônio da prole. Cabendo ao pai, a administração e o usufruto de tais bens (PRADO, 2012, p. 29). E, no tocante a pessoa dos filhos o artigo 384, a saber:
Art. 384. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I. Dirigir-lhes a criação e educação.
II. Tê-los em sua companhia e guarda.
III. Conceder-lhes, ou negar-lhes consentimento, para casarem.
IV. Nomear-lhes tutor, por testamento ou documento autentico, se o outro dos pais lhe não sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercitar o pátrio poder.
V. Representá-los nos atos da vida civil.
V. Representa-os, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-os, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento. (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 1919).
VI. Reclamá-los de quem ilegalmente os detenha.
VII. Exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (BRASIL, 1916)
No ano de 1949, passou a vigorar a Lei número 883, que tratava sobre o reconhecimento dos filhos ilegítimos, preconizando que quando dissolvida a sociedade conjugal era permitido a qualquer dos cônjuges o reconhecimento do filho concebido fora do matrimônio e a este filho o direito de ação para reconhecer a filiação, vedando conter qualquer menção sobre a filiação ilegítima na certidão de registro civil, reconhecendo-se a igualdade de direitos dos filhos (BRASIL, 1949).
Mais a frente, a Lei número 6.515 de 1977, já mencionada, permitiu além da dissolução do vínculo conjugal pelo divórcio, o reconhecimento dos filhos ilegítimos até sob a vigência do casamento, considerando estes como titulares de direitos, sobredita lei trouxe importante inovação no sentido de qualquer que seja o estado civil do genitor(a) há a possibilidade de reconhecimento da filiação (DILL; CALDERAN, 2011, s.p.). Quanto ao tema da família, no Código Civil de 1916:
Verifica-se que durante décadas a legislação brasileira protegeu a todo custo a instituição da família e os laços sanguíneos entre os parentes, vedando ou criando empecilhos para a dissolução da relação conjugal e para a adoção, ignorando a importância do afeto em tais relações. (CUNHA, 2010, s.p.)
As relações não matrimonializadas foram deixadas de lado, completamente esquecidas pelo legislador ao promulgar o Código Civil de 196, não atribuindo quaisquer direitos aos casais que não consumavam ou não podiam consumar o casamento. Salienta-se que mesmo diante das evoluções legislativas ocorridas na vigência do Código de 1916 até a promulgação da Constituição Federal de 1988, a única forma de se constituir família com proteção legislativa era o casamento (CUNHA, 2010, s.p.).
Elementos diversos contribuíram para a mutação da família brasileira e, um deles fora o desenvolvimento sócio-econômico, o qual inseriu a mulher, de maneira definitiva no mercado de trabalho, fazendo com que assim, esta participasse de maneira mais ampla na administração da família e, de certa forma, reduzindo as desigualdades entre o homem e a mulher no casamento. Arranjos familiares diversos do casamento surgiram, transmutando-se em uniões de fato, que necessitavam de tutela estatal (PRADO, 2012, p. 37).
Neste sentido, o modelo familiar adotado pelo Código Civil de 1916 não era harmônico com a realidade social encontrada à época, não só a família revestida em seu modelo tradicional e arcaico era legitima de proteção, necessária era a alteração da legislação civilista com fulcro em tutelar os demais arranjos familiares que se formavam (PRADO, 2012, p. 37). O Código Civil de 1916 vigorou até 10 de janeiro de 2003, porém, através da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Código de Beviláqua fora perdendo a força legislativa nas normas referentes ao direito das famílias (ZARIAS, 2009, s.p.).
3. NOVOS HORIZONTES: A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A RESSIGNIFICAÇÃO DO VOCÁBULO FAMÍLIA
Inicialmente é importante salutar que o advento da Constituição Federal de 1988 fora um marco de grande valor a evolução da família em termos legislativos, pois, conforme explana Yassue (s.d., s.p.), a Carta Magna apenas sistematizou o que já acontecia de forma costumeira na sociedade, valores já firmados, ampliando as formas familiares, tutelando assim, todos os membros da família. Ao lado disso, “a família patriarcal, que a legislação civil brasileira tomou como modelo, desde a Colônia, o Império e durante boa parte do século XX, entrou em crise, culminando com sua derrocada, no plano jurídico, pelos valores introduzidos na Constituição [...]” (LOBO, 2011, p. 17).
A Carta Política de 1988 projeta-se para o ordenamento civilista de modo a direcionar sua interpretação e a aplicação da legislação nos casos concretos. Neste sentido, a Lex Fundamentallis de 1988 se difere das que a antecederam, no contexto de não estabelecer que a família é constituída pelo casamento mas sim, caracterizar a família como sendo base da sociedade e possuindo especial proteção do Estado (PRADO, 2012, p. 39).
Os novos valores que a Constituição Federal preza aspiram da sociedade moderna, acabam por destituir a forma tradicional e ultrapassada de “família”, os delineados da contemporânea sociedade assinalam a necessidade de um modelo familiar descentralizado, igualitário, democrático e desmatrimonializado. O enfoque principal da família torna-se a solidariedade social e tudo mais que diga respeito ao desenvolvimento humano do ser, sendo o afeto o núcleo familiar, a mola propulsora da família (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 40-41) (grifo nosso).
A Carta Magna de 1988 reservou um capítulo somente para tratar do Direito de Família – Capítulo VII do Título VIII – a ideia de democracia, da justiça social e de igualdade entre os homens, os pactos e tratados internacionais sobre direitos humanos induziram intimamente no que diz respeito ao que o legislador tratou sobre direito de família (FONSECA, 2010, p. 41). “A família sofreu profundas mudanças de função, natureza, composição e, consequentemente, de concepção, sobretudo após o advento do Estado social ao longo do século XX” (LOBO, p. 17, 2011), a partir do século XX foi que a família em sentido amplo ganhou legítima proteção do Estado, sendo a partir daí inserida no texto Constitucional.
A nova base jurídica da Carta Magna visava zelar pelos princípios da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana, a mudança de rumos e conceitos da legislação acerca de direito de família acontecera para tutelar a proteção destinada pelo Estado a família e os filhos de modo igualitário, sem discriminações, de contrapartida ao contido no Código Civil de 1916 (BARRETO, 2012, p. 07-08). Para Dias (2015, p. 32) a forma hierarquizada da família contida na legislação de 1916 sai de cena, cedendo espaço a democratização, as entidades familiares possuem mais igualdade entre seus membros baseadas em respeito mútuo, tendo como peça chave a lealdade.
O tratamento constitucional que fora atribuído ao matrimônio gerou consequências também no que tange a sua dissolução, reduzindo os prazos para o requerimento do divórcio, em 01 (um) ano em casos de separação judicial prévia e 02 (dois) anos em casos de separação de fato. A manifestação de vontade dos cônjuges não era requisito suficiente para o divórcio, era necessário o cumprimento dos prazos, justificados como necessários para a reflexão das partes quanto ao desejo de divorciarem-se (PRADO, 2012, p. 39).
Somente em 2010, com a aprovação da Emenda Constitucional número 66 de 2010, a qual modificou o artigo 226, §6º, os prazos supramencionados foram extintos e o divórcio passou a ser permitido sem dependência de prévia separação judicial ou de fato, sendo a vontade das partes requisito suficiente para o requerimento do divórcio. Logo, a duração da relação matrimonial não está mais atrelada à culpa ou cumprimento de prazos, mas sim, a subsistência do afeto e os demais sentimentos que os une (PRADO, 2012, p. 39).
No corpo da Constituição Federal tratada aqui, é imprescindível abordar o sobredito artigo 226, pois tal artigo ressalta as maiores mudanças acerca da legislação familiar, já em seu caput o artigo vai afirmar que a família é base da sociedade possuindo assim, uma especial proteção do Estado, prosseguindo em seus parágrafos, o §3º vem a reconhecer a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, reconhecendo ainda, em seu parágrafo quarto a família monoparental como entidade familiar, reconhecendo mais ainda, a igualdade entre o homem e a mulher “§5º Os direitos e deveres referentes a sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher” (BRASIL, 1988).
Classifica o artigo sobredito, em seu parágrafo sétimo, princípios constitucionais atrelados ao direito de família sendo a dignidade da pessoa humana e a paternidade responsável preconizando que o planejamento familiar é livre decisão do casal, cabendo ao Estado proporcionar recursos tanto quanto bastem para o exercício de tal direito, por fim o “§8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” (BRASIL, 1988), o texto do parágrafo oitavo representa a preocupação do legislador em proteger cada membro da família. Maria Berenice Dias leciona acerca da legislação constitucional:
Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu proteção à família constituída pelo casamento, bem como à união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações. Essas profundas modificações acabaram derrogando inúmeros dispositivos da legislação então em vigor, por não recepcionados pelo novo sistema jurídico. (DIAS, 2015, p. 32) (grifo no original).
Promoveu a Carta Magna de 1988, a igualdade entre homens e mulheres e também entre os filhos. O homem e a mulher passaram a possuir a partir daí os mesmos direitos e obrigações no que tange a administração da relação familiar, bem como na criação e educação da prole. Com a equiparação de todos os filhos, independente da origem, tornaram-se assim, detentores dos mesmos direitos patrimoniais, pessoais e sucessórios, sendo vedada qualquer forma de discriminação (PRADO, 2012, p. 45).
A partir de então, a família passa a ter maior relevância jurídica e notoriedade de seus membros, sendo regulada em sentido amplo, homens e mulheres começam a possuir direitos iguais na tomada de decisões, no sustento e no caminho a seguir a entidade familiar. A Constituição não firmou hierarquia entre as espécies de família, mas firmou a idéia de pluralismo de arranjos familiares, idéia esta, pioneira no cenário jurídico, previsão normativa constitucional da união estável e da família monoparental serviu para consolidar a visão de pluralidade familiar (FONSECA, 2010, p. 43-44). Apesar disso, não se tutelou outras formas de arranjos familiares no texto constitucional como exemplo pessoas que vivem em união homoafetiva, ou seja, de pessoas do mesmo sexo, havendo assim um vácuo legislativo (DIAS, s.d., p. 07). Em seu magistério, Hironaka explicita que:
Parece não restar dúvida, enfim, de que o núcleo familiar que se descortina contemporaneamente, mostra-se desintoxicado do ancestral rigor da legitimidade. O modelo do legislador já não suporta se ofertar como único, ou melhor, mesmo porque o descompasso gravado entre ele e a multiplicidade de modelos apresentados na vida como ela é, de tão enorme, já não admitia a sobrevivência de outra saída que não esta, adotada, enfim, pelo legislador pátrio, de constitucionalizar relevantes inovações, entre elas: a) a desmistificação de que a família só se constituísse a partir do casamento civilmente celebrado; b) a elevação da união livre, dita estável pelo constituinte, à categoria de entidade familiar; c) a conseqüência lógica de que, por isso, a união estável passou a realizar, definitivamente, o papel de geratriz de relações familiares, ela também; d) a verificação de que efeitos distintos, além dos meramente patrimoniais, estão plasmados nestas outras – e constitucionalmente regulamentadas – formas de constituição da família, hoje. (HIRONAKA, 2004, p. 13-14)
Consagrou o legislador a realidade fática de que a família não se constitui apenas pelo casamento. A família assumia uma nova e destacada função a da afetividade, considerando que enquanto houver afeto haverá uma família unida por laços de liberdade e não amarras consangüíneas, uma comunhão de vida plena, busca a efetivação desse afeto no princípio constitucional da solidariedade (LOBO, 2011, p. 17 e 18). Para Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Faria (2012, p. 45) o conceito de família contemporâneo reveste-se de uma concepção múltipla, pluralizada, podendo abranger um ou mais indivíduos, com ligações biológicas, ou sociais, psicológicas ou afetivas, com fulcro em estabelecer, o máximo desenvolvimento da personalidade de cada ser.
De acordo com Lobo (2011, p. 26) “a restauração da primazia da pessoa, nas relações de família, na garantia da realização da afetividade, é a condição primeira de adequação do direito à realidade. Essa mudança de rumos é inevitável”, seja qual for a forma de família escolha o indivíduo pertencer essa deverá fonte de afeto, espaço para desenvolvimento do ser humano, valorização da pessoa humana, não se admitindo violação na dignidade do homem argumentando-se assegurar a proteção da família, caindo por terra os argumentos arcaicos que a tutela legislativa hierarquizada era justificada pelo interesse familiar (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 47), acerca do tema:
Biológica ou não, oriunda do casamento ou não, matrilinear ou patrilinear, monogâmica ou poligâmica, monoparental ou poliparental, não importa. Nem importa o lugar que o indivíduo ocupe no seu âmago, se o de pai, se o de mãe, se o de filho; o que importa é pertencer ao seu âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar sentimentos, esperanças, valores, e se sentir, por isso, a caminho da realização de seu projeto de felicidade pessoal. (HIRONAKA, s.d., p. 02) (grifo no original).
A família é elementar a formação concreta dos membros que a integram, após o nascimento é o primeiro contato de agregação social, por isso, desde o primeiro momento da criança em vida, a família possui a função de acolhimento e proporcionar afeto no sentido de assegurar ao máximo a dignidade da pessoa humana, buscando a igualdade (ALBINANTE, 2012, p. 17). As relações afetivas estão a frente nos planos familiares, conduzindo a afetividade responsável pela criação das famílias, bem como pela cessação ou ausência deste pode-se conduzir ao desfazimento do casamento ou da união estável assegurando a cada indivíduo pertencente na família o direito a recuperar ou retomar seu projeto pessoal de felicidade, não se esquecendo daqueles que dependem destes.
Em relação aos filhos, a lei inova para trazer igualdade a filiação independendo de sua origem, sejam eles advindos do casamento, fora dele ou adotados (HIRONAKA, 2004, p. 13). No ano de 1990, entrou em vigor a Lei número 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), representando um grande avanço na proteção dos direitos da prole, consagrando a doutrina da proteção integral da Criança e do Adolescente e tutelando o pleno crescimento físico, moral e intelectual destes (PRADO, 2012, p. 46).
Uma importante inovação introduzida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente foi o Artigo 27, em que informa que o direito ao reconhecimento de paternidade é direito personalíssimo e imprescritível: “art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.” (BRASIL, 1990), não cabendo mais ao pai a faculdade de reconhecer sua filiação.
Em relação à filiação, veio corrigir injustiças que filhos fora do casamento que acabavam pagando por elas. É que os nascidos de uma relação extraconjugal não podiam ser registrados com o nome do pai, mesmo que este quisesse. Isto em nome da preservação da “moral e dos bons costumes”, pois consideravam este registro uma afronta às famílias. Na verdade, uma hipocrisia jurídica que sempre esteve a serviço de ocultar uma realidade e uma falsa moralidade. O filho existia no mundo real, mas não existia no mundo jurídico, já que não podia ser registrado em cartório com o nome do pai. Até mesmo as ações de investigação de paternidade eram proibidas, a não ser que fossem para fins exclusivamente de busca de pensão alimentícia. É claro que a Constituição de 1988 não veio acabar com os filhos extraconjugais. Teria sido muito pretenciosa se assim tivesse estabelecido. Sabemos todos, que enquanto houver Desejo sobre a face da terra, continuarão nascendo filhos de relações extraconjugais, de pais não-casados ou solteiros, e de “produções independentes”. A modificação constitucional é no sentido de proibir designações discriminatórias e igualizar os direitos de todos os filhos. Assim, a partir de 1988, não se pode mais, no campo jurídico, nomear os filhos como legítimos ou ilegítimos, naturais, espúrios ou adotivos. Filho é filho, e não comporta mais aquelas adjetivações. (PEREIRA, s. d., s. p.)
Em complementação, a Lei nº. 8.560 de 29 de dezembro de 1992, regulando a investigação de filiação dos filhos havidos fora do casamento, a presente lei atribuiu ao Ministério Público legitimidade para adentrar com Ações de Investigação de Paternidade quando no registro civil constar apenas a filiação da genitora, as disposições viabilizaram reconhecer o direito de toda criança e adolescente possui em ter um pai e uma mãe presentes e com responsabilidades na criação desta (BARRETO, 2012, p. 08). Em 2002, surgiu a Lei nº 10.406, que instituía o novo Código Civil, nas palavras Carlos Roberto Gonçalves:
O Código Civil de 2002 procurou adaptar-se à evolução social e aos bons costumes, incorporando também as mudanças legislativas sobrevindas nas últimas décadas do século passado. Adveio, assim, com ampla e atualizada regulamentação dos aspectos essenciais do direito de família à luz dos princípios e normas constitucionais. As alterações introduzidas visam preservar a coesão familiar e os valores culturais, conferindo-se à família moderna um tratamento mais consentâneo à realidade social, atendendo-se às necessidades da prole e de afeição entre os cônjuges ou companheiros e aos elevados interesses da sociedade. (GONÇALVES, 2012, p. 26)
O anteprojeto do Código supramencionado tramitou no Congresso Nacional por 26 (vinte e seis) anos, entre 1975 e 2002, durante o transcurso destes anos, após o final do regime militar, promulgou-se a Constituição Federal em 1988, instaurando uma nova ordem democrática no Brasil, dos quais seus ideais e princípios, principalmente a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade e a solidariedade refletem na tutela constitucional atribuída a família. O Código Civil de 2002 em consonância com a Constituição Federal de 1988 atribuiu o poder familiar a ambos os genitores, pelo interesse da prole, independendo da sua origem (PRADO, 2012, p. 38-45).
Os valores e princípios que emanam da Carta Política de 1988 englobavam todas as famílias e, mais ainda, toda a sociedade civil e o Estado no papel de julgador, legislador e executor de políticas públicas. Deste modo, a família patrimonializada e patriarcal abre espaço a família afetiva e eudemonista, com seus interesses focados na realização pessoal de cada um de seus membros, com bases nos princípios da dignidade, igualdade, afetividade e solidariedade. As normas infraconstitucionais anteriores a Constituição de 1988, que continham em seus textos conteúdo incompatível a preservação da dignidade humana não foram recepcionados pela Carta Magna, que se tornará a lei fundamental das famílias até a promulgação do Código Civil de 2002 (PRADO, 2012, p. 39).
Ocorrendo a constitucionalização do direito civil fora afastada a concepção familiar individualista, tradicional, conservadora patriarcal do período histórico das codificações do século passado. Em virtude da nova gama de valores atribuídos na Constituição Federal, houve uma universalização e a humanização máxima do direito das famílias, que provocou uma quebra de paradigmas (DIAS, 2015, p. 36). Com a constitucionalização da família, a dignidade da pessoa humana possui proteção especial, as normas devem seguir os princípios constitucionais com fulcro em assegurar os direitos fundamentais, valor central do ordenamento jurídico (FONSECA, 2010, p. 51).
A Lex Fundamentallis não abrange somente os princípios reguladores das relações entre pessoas e o Poder Público, como também as normas de interação imprescindíveis à convivência humana. A Carta Magna sobrepõe sua aplicação à família, base de toda sociedade, elemento de formador do ser humano, ao Estado compele essa ordenação jurídica. O reconhecimento das formas familiares além do casamento aduz uma quebra de paradigmas, institucionalizando-se a realidade e organizando as relações sociais (YASSUE, s.d., s.p.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, as mudanças no desenvolvimento social e cultural no direito de família pressupõem o aforramento de todo o modelo hierarquizado e patriarcal das relações humanas. A constituição foi o grande marco na formação e conquista dos direitos familiares no que tange a integração dos pensamentos de igualdade e afeto, que universalizou e quebrou paradigmas, afastando a concepção familiar individualista, tradicional, conservadora e patriarcal do período histórico do século passado. A família constitui elemento essencial na formação dos membros, propicia o acolhimento e proporciona afeto para garantir. Com esta constitucionalização, a dignidade da pessoa humana advém uma proteção especial, as normas devem seguir os princípios constitucionais para assegurar os direitos fundamentais. As relações afetivas ganharam papel principal na formação familiar, a afetividade é responsável por esta criação, bem como sua ausência, e consequentemente a isto, causar ao desfazimento do casamento ou da união estável, não se esquecendo daqueles que dependem de sua formação, de modo a alcançar a felicidade plena.
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NOTAS:
[1] Cf. RAMOS, Anselmo Paulo. Os direitos da mulher no âmbito do direito romano. Disponível em: Acesso em 21 mar. 2017. “Na família romana a mulher casada é colocada sob a "manus" (mão) do "pater" (chefe) ou "paterfamilias" e tem nome de "materfamilias", sem, entretanto gozar de nenhum privilégio, regalia ou autonomia, estando também tutelada pelo "paterfamilias"”.
[2] SILVESTRE, Armando Araújo. Concílio de Trento. Disponível em: . Acesso em 08 fev. 2017. “Como naquele século 16 iniciou-se na Europa o movimento de renovação da Igreja cristã, a Reforma Protestante de 1517, houve essa reação católica, chamada Contrarreforma, como esforço teológico, político e militar de reorganização católica e de confronto ao protestantismo; e todas as suas doutrinas católicas foram discutidas para responder às críticas doutrinárias dos protestantes.”
Elaborado em: 19 de abril de 2018.
Data da conclusão/última revisão: 23/4/2018
Adriana Silva F. de Rezende; Sangella Furtado Teixeira; Oswaldo M. Ferreira; Tauã Lima Verdan Rangel
Adriana Silva Ferreira de Rezende é bacharela em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC.
Sangella Furtado Teixeira é Bacharela em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC; Pós-Graduanda em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes UCAM.
Oswaldo Moreira Ferreira é Mestre em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF; Pós-Graduando em Gestão Educacional pela Faculdade Metropolitana São Carlos; Especialista em Direito Civil pela Universidade Gama Filho; Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES; Servidor Público do Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo; Professor do curso de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC; Professor do curso de Direito da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim – FDCI.
Tauã Lima Verdan Rangel é Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da UFF - Linha de Pesquisa: Conflitos Socioambientais, Rurais e Urbanos. Mestre em Ciências Jurídica e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especialista em Práticas Processuais Civil, Penal e Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Pesquisador e Autor de diversos artigos e ensaios na área do Direito.