O direito sucessório no caso de fertilização in vitro post mortem
Resumo: O presente estudo consiste em desenvolver discussões acerca dos grandes questionamentos no que se refere a sucessão nos casos de fertilização in vitro post mortem, amparado por direitos fundamentais, de família e constitucionais. A concepção post mortem, remete a várias problemáticas, com relação ao concebido e os demais herdeiros. A falta de norma específica e a enorme divergência torna a tarefa árdua para garantir os que precisam de proteção de seus direitos fundamentais.
Palavras-Chave: Concepção, Herdeiros, Direitos Fundamentais.
Abstract: The present study consists of developing discussions about the major questions regarding succession, in cases of in vitro fertilization post mortem, supported by fundamental, family and constitutional rights. The post-mortem conception refers to several issues with regard to the conceived and the other heirs. The lack of specific rule and the huge divergence makes the task arduous to guarantee those who need protection and of their fundamental rights.
Keywords: Conception, Heirs, Fundamental Rights.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Preliminarmente, em tese de considerações iniciais acerca do assunto em analise, cumpre reafirmar que a relação de parentesco estabelecida entre pai e filho é concebida pelo ordenamento jurídico, reconhecendo a filiação da prole eventual, ou seja, do filho havido por inseminação artificial após a morte do doador do material genético, assim valendo-se a este de todos os direitos pessoais, como, por exemplo, o sobrenome familiar. Nesse sentido, preceitua o artigo 1597, III[2], do Código Civil, que ainda que falecido o marido, o filho concebido por fertilização artificial terá direito ao reconhecimento da filiação.
Como visto, a relação de filiação é reconhecida pelo ordenamento jurídico mesmo após a morte do pai biológico, no entanto, no que tange aos direitos sucessórios ainda há grande resistência quanto à legitimidade do filho concebido post mortem na ordem de vocação hereditária. Isto porque, o Código Civil em atual vigência no ordenamento jurídico dispõe consoante ao artigo 1798[3]que só serão legitimados a suceder as pessoas nascidas ou concebidas no momento da abertura da sucessão, ou seja, quando do falecimento do autor da herança. Desta forma, sobressai a discussão referente à legitimidade na ordem de vocação hereditária do feto concebido post mortem por inseminação artificial, visto que por presunção legal este goza da natureza de “filho” como prole eventual.
Nesta seara, em que se discute a capacidade sucessória na escala sucessória, imperioso relembrar que no momento da morte do autor da herança abre-se a sucessão, com a consequente transmissão imediata dos bens do espólio. Isto decorre como visto do postulado de saisine, que impõe a transferência imediata de todo acervo hereditário, impedindo que as relações jurídicas não se ausentem de titularidade, ainda que breve. São capazes de suceder, os herdeiros legítimos e testamentários.
A partir deste panorama, como mencionado em capítulos anteriores, à técnica de reprodução assistida não é regulamentada pela norma civil, sendo esta silente quanto ao procedimento que da origem a reprodução humana in vitro, bem como, não regulamenta aspectos sucessórios das proles que eventualmente poderão ser concebidas. Desta forma, tendo em vista essa lacuna legislativa, doutrinadores e juristas vão se posicionando sobre a possibilidade de suceder do filho póstumo. Nesse sentido, correntes doutrinárias tecem suas razões sobre o tema.
Em analise aos posicionamentos, segundo Gama (2003, p.100), o filho havido posteriormente a morte do genitor por fertilização in vitro não merece se habilitar no rol de sucessores tanto legítimos quanto testamentários, isto porque, o direito brasileiro deveria vedar a técnica de reprodução assistir post mortem, o que iria impossibilitar ao legislador criar lacunas, evitando esse tipo de discussão. No entanto, segundo Venosa (2009) este posicionamento é superado, visto que mesmo não sendo permitida a técnica de reprodução assistida, esta ainda poderá existir mesmo em desacordo com a normativa legal vedando a atividade de reprodução humana homologa, não podendo afastar o direito daquela criança em respeito à dignidade da pessoa humana.
A título de ilustração e conhecimento, ressalta-se a visão de Gama sobre o tema aqui debatido:
No estágio atual do direito brasileiro não há como se admitir a legitimidade do acesso da viúva ou da ex-companheira (por morte do ex-companheiro) à técnica de reprodução assistida homóloga post mortem, diante do princípio da igualdade de direitos entre os filhos. (GAMA, 2003, p.100).
De acordo com este doutrinador, violaria o princípio da igualdade de filhos a concepção havida após a morte, de outro filho que enquanto em vida do autor da sucessão não foi concebido para participar da linhagem hereditária, colando em eminente insegurança jurídica os demais filhos que quando da abertura da sucessão já eram vivos ou estavam concebidos. Desta forma, defende Gama (2003) que é defeso o filho póstumo participar da divisão da comunhão dos bens deixado pelo extinto.
Não obstante, no que toca a próxima corrente doutrinária, esta enfatiza que é direito do filho havido por inseminação post mortem suceder a todos os direitos, desde que, por testamento, caracterizando-o como capaz na ordem de sucessão legítima. Nesse diapasão, visto que se afigura como filho aquele concebido e nascido post mortem ao seu genitor, cabe a este a sucessão legitima, desde que autorizado sua concepção por instrumento de vontade, dando-o aptidão para herdar.
Nesse sentido, segundo Diniz (2009, p.550), ao filho póstumo é alçado o direito legítimo de suceder os bens deixados pelo falecimento ulterior de seu genitor, mas isto ocorrerá somente por testamento, e se respeitado o prazo observado de dois anos para sua concepção, como elenca o artigo 1800 do Código Civil. Na visão desta autora, não há outra forma senão a testamentária para que este possa gozar daquilo que foi pertencente ao seu genitor. Entendimento também apregoado pelo artigo 1.799, I do Código Civil, o qual versa que “na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão. ” (BRASIL, 2002).
De outra banda, outra corrente que vem ganhando espaço, está pautada na eventual desigualdade de tratamento existente entre os filhos, visto que ao embrião concebido post mortem só é permitido suceder com a presença de testamento, fragilizando assim a relação consanguínea entre as proles nascidas em quanto em vida do autor da herança. Sem dúvida alguma que essa solução propícia um tratamento desigual entre os filhos, vez que os filhos adotivos, naturais e os havidos por inseminação artificial heteróloga e até de fecundação in vitro terão direito à sucessão legítima, enquanto os filhos havidos de inseminação artificial homóloga post mortem somente terão direito à sucessão testamentária. Essa corrente se assenta na Constituição Federal que veda a desigualdade entre filhos. De acordo com Dias, veja-se:
Determinando a lei a transmissão da herança aos herdeiros (CC 1.784), mesmo que não nascidos (CC 1.798) e até a pessoas ainda não concebidas (CC 1.799 I), nada justifica excluir o direito sucessório do herdeiro por ter sido concebidos post mortem. Sob qualquer ângulo que se enfoque a questão, descabido afastar da sucessão de quem é filho e foi concebido pelo desejo do genitor (DIAS, 2008, p. 117).
Em complemento, salienta Albuquerque Filho (2007, p. 6-7) que a fundamentação de que o filho havido por inseminação após a morte do autor da herança prejudicaria ou excluiria o direito dos outros herdeiros já existentes é frágil e não deve prosperar, uma vez que não se pode excluir do rol dos legitimados o filho que veio a ser concebido ou nascido por fertilização in vitroapós o falecimento do autor da sucessão. Ademais, merece o filho póstumo tratamento em pé de igualdade com os demais herdeiros, não necessitando pra isso da existência de qualquer documento que atribua a ele legitimidade, visto que sua própria natureza de filho já é suficiente ao seu reconhecimento na sucessão hereditária, figurando como herdeiro legítimo necessário.
1- A DIFERENCIAÇÃO ENTRE AS ESPÉCIES SUCESSÓRIAS: SUCESSÃO LEGÍTIMA E TESTAMENTÁRIA E POSSÍVEL DESIGUALDE ENTRE FILHOS
A ordem de vocação hereditária é estabelecida consoante a sistemática civil. No atual ordenamento jurídico, como já apreciado em momento pretérito, existem herdeiros classificados como legítimos, e de outra banda como testamentários. No que toca aos sujeitos legítimos este são estabelecidos em razão de determinação legal, noutro giro os testamentários são aqueles que herdam por designação de vontade do extinto, que em vida lavrou um instrumento público ou particular destinando certa parte de seus bens a determinado indivíduo.
O vigente Código Civil, do ano de 2002, trata o assunto em seu artigo 1798, estabelecendo que são capazes de suceder as pessoas vivas ou concebidas no momento da morte do autor da herança. Nessa perspectiva, o filho póstumo não goza de capacidade sucessória para se habilitar a receber o que seria seu de direito se antes da morte de seu pai biológico tivesse nascido. Sob este parâmetro, com foco a solucionar a controvérsia que então se constituía, a redação do artigo 1799 do Código Civil estabelece que mesmo os nascidos pós-morte de seu pai poderão suceder, desde que, este em vida deixe um testamente determinando a legitimidade do filho póstumo.
Nessa toada, insta-se a discussão sob a capacidade sucessória do filho havido posteriormente ao falecimento do seu pai biológico por meio da inseminação artificial post mortem, uma vez que a esta prole é garantida o direito de herança somente por testamento. Assim sendo, sob os aspectos do direito comparadocumpre esclarecer brevemente algumas características que norteiam cada uma das espécies sucessórias, buscando ao final destacar princípios constitucionais para solucionar eventuais problemas decorrentes de tais procedimentos.
A sucessão legítima tem guarita nos termos do artigo 1829[4] do Código Civil de 2002, Sílvio Rodrigues (2009) preceitua ser uma sequência de preferencial entre sujeitos, que a própria legislação a determina a herdar. A ordem é determinada pela distância hereditária entre os sujeitos, sendo que os herdeiros mais próximos sempre afastaram os mais remotos. São legítimos os filhos, esposa, na ausência de filhos, os pais em concorrência com o cônjuge, e na falta de ascendentes o cônjuge se sobrevivente. Não existindo qualquer destes anteriormente citados, o acervo hereditário é destinado aos parentes colaterais. Sob o assunto preceitua Diniz:
Com a morte de alguém, verificar-se-á, primeiramente, se o de cujus deixou testamento indicando como será partilhado seu patrimônio. Em caso negativo, ou melhor, se faleceu sem que tenha feito qualquer declaração solene de última vontade; se apenas dispôs parte dos bens em testamento válido; se seu testamento caducou ou foi considerado ineficaz ou nulo ou, ainda, se havia herdeiros necessários, obrigando a redução da disposição testamentária para respeitar a quota reservatória, a lei promoverá a distribuição, convocando certas pessoas para receber a herança, conforme ordem estabelecida, que se denomina ordem de vocação hereditária. Em todas essas hipóteses ter-se-á sucessão legítima, que é a deferida por determinação legal. (DINIZ, 2006, p.103).
A sucessão legítima pode dizer-se que é um ato de vontade presumido, cujo sua constituição é derivada da lei. Desta forma, na inexistência de testamento expresso por parte do falecido, a destinação dos bens do espólio respeitará o elencado pelo Código Civil. Nesta seara afirma Diniz (2007, p.17) “a sucessão legítima é regra, enquanto que a testamentária, seria exceção no Direito Brasileiro”. Esta relação de verticalidade entre herdeiros é oriunda do direito civil antigo, onde foi pauto entorno da proteção da Família e a proteção de seus bens, garantido a destinação dos bens na ausência do pater de famílias a seus sucessores sanguíneos. Deste modo, legítimo é herdeiro designado por determinação legal.
De outro lado, o que se refere à sucessão testamentária, o autor Pereira (2005, p.13) conceitua como sendo “aquela que se dá em obediência à vontade do defunto, prevalecendo, contudo, as disposições legais naquilo que constitua ius cogens, bem como no que for silente ou omisso o instrumento.” Deste modo, está é caracterizada pela presença de um ato solene de última vontade do autor da herança, denominado de testamento, assim leciona Almeida (2003). De acordo com Gonçalves (2007) o testamento é um ato que somente o autor da herança tem capacidade de figurar como parte, juntamente com duas testemunhas que confirmaram sua vontade, ou seja, o liame subjetivo de deixar bens para depois de sua morte para determinada pessoa ou instituição jurídica. Se durante a vida subsistir à vontade, é facultado ao testador revogá-lo, exaurindo-se a expectativa de direito até então constituída.
Salienta Diniz (2006) que o testamento reafirma o direito de propriedade, visto que por ele o testador pode destinar seus bens a pessoas desconhecidas, atribuindo-lhes condições especiais para o substituírem patrimonialmente. Portanto, o testamento, é instrumento que garante a terceiro determinado pelo autor da herança, direito a habitar-se como herdeiro na sucessão de seu acervo patrimonial após a sua morte. Entretanto, com bem relembra Gonçalves (2007) o testador não poderá destinar senão somente 50% de seus bens, visto que a outra metade caberá aos herdeiros legítimos necessários protegidos legalmente. Neste sentido:
Assim sendo, o patrimônio do de cujus será dividido em duas partes iguais: a legítima ou reserva legitimária, que cabe aos herdeiros necessários, a menos que sejam deserdados, e a porção disponível, da qual pode livremente dispor, feitas as exceções concernentes à incapacidade testamentária passiva. A porção disponível é fixa, compreendendo a metade dos bens do testador, qualquer que seja o número e a qualidade dos herdeiros. (DINIZ, 2007, p. 16).
Deste modo, ainda como preconiza a supracitada autora, a transmissão do acervo hereditário, deve se pautar sob dois critérios e/ou princípios, a saber, da autonomia de vontade, vez que a lei garante ao testador a liberdade de deixar seus bens a terceiros como extensão ao direito de propriedade, e a supremacia da ordem pública sobre a privada, uma vez que esta liberdade encontra limitação no próprio ordenamento pátrio. Com isso, como assevera a autora:
[...] protege-se a propriedade e a família, ou melhor, o interesse do autor da herança e o da família. Tendo em vista o interesse social geral, acolhe o Código Civil o princípio da liberdade de testar limitada aos interesses do de cujus e, principalmente, aos de sua família, ao restringir a liberdade de dispor, no caso de ter o testador herdeiros necessários, [...] hipótese em que só poderá dispor de metade de seus bens, pois a outra metade pertence de pleno direito àqueles herdeiros, exceto se forem deserdados ou excluídos da sucessão por indignidade. (DINIZ, 2006, p.176).
Deste sentido, pode extrair-se que a sucessão por testamento deve respeitar a vontade do testador e a restrição da lei. A rigor da legislação, convém lembrar ainda que por este instrumento poderá instituir a título universal, herdeiro, ou a título singular, legatário. Quando a título universal a pessoa irá, em concorrência com os demais herdeiros legítimos, participar do rateio integral dos bens do espólio, oposto que, quando a título singular, receberá somente seu legado, ou seja, o bem determinado pelo testador.
Neste âmbito, superada a abordagem comparativa de ambos os institutos, pode-se dizer que o filho póstumo eventualmente seria, de alguma forma, desigualado da condição de filho, visto que sob o olhar frio da lei, ele não se instalaria como legitimo na ordem de vocação hereditária de pai biológico, podendo tornar-se somente herdeiro se não constância de instrumento solene cujo de cujus determina sua legitimação, deste modo com a prospecção dos avanços da tecnologia no que compreende a reprodução artificial, merece atenção o campo sucessório sob a exegese dos princípios constitucionais.
2- O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE ENTRE OS FILHOS
A Constituição Feral de 1988, consagrada como instrumento de garantia da efetividade dos direitos humanos, prevê nos termos do artigo 5º que todos são iguais diante a lei, sem qualquer distinção independente da natureza. Para Silva (2004) este mandamento é o pilar do Estado Democrático de Direito. Este postulado consagra o sentimento de igualdade na sociedade, requerendo tratamento equânime para todos os sujeitos, independente de raça, cor etnia, religião e etc., possibilitando que todos vivam uma vida digna.
O princípio em analise requer do aplicador do Direito uma leitura que vá alem da letra fria da lei, força o interprete a alcançar um sentimento de justiça, buscando, sobretudo o sentimento de cidadania e igualdade. De acordo com Silva (2004) a analise deste instrumento que norteia a aplicação do Direito deve se atentar a existência de desigualdades de um lado, em detrimento das injustiças que contemplam tal situação, para que desta forma consiga promover uma igualdade plena. Consoante às lições de Celso Bastos (2001), esta concepção baseia-se nas diferenças existentes entre as partes desfavorecidas por algum aspecto social, buscando atingir um patamar de igualdade entre as classes sociais desigualadas pelo sistema político e econômico. Desta forma, como apregoa José Afonso da Silva (2004, p.218) os critérios estabelecidos na legislação, seja ela qual for, deve se atentar a fixação de parâmetros razoáveis a atender o conceito de igualdade.
Nesse viés, buscando reafirmar o predito principio, a Carta Cidadã tem inserido no artigo 227, parágrafo 6º um dos princípios basilares nas relações familiares, o da não discriminação entre filhos, segundo este postulado é proibido qualquer ato que atente a desprivilegiar ou que julgue desatenciosa a origem da filiação, submetendo-a desrespeito e degradação. Prevê o predito artigo que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 1988). Complementando o texto constitucional, o artigo 1.596 do Código Civil em vigor tem exatamente a mesma redação, consagrando, ambos os dispositivos, o princípio da igualdade entre filhos.
De acordo com Rolf Madaleno (2001), a cultura brasileira necessitava de um instrumento que impunha dignidade e descendência nas relações filiais, visto que os filhos anteriormente eram difamados por uma sociedade que julgava as atitudes de seus genitores, mas em nada observava a inocência da criança. Hodiernamente, como expõe Hironaka (2000), no que toca a concepção de filiação no direito brasileiro só existem duas espécies, os filhos e aqueles que não são filhos, portanto, não há brechas para discriminações. Todos são iguais em direitos e deveres. Isto de acordo com Tartuce (2006) repercute tanto no campo patrimonial como pessoal, não sendo permitido qualquer ato que os distinga dos demais filhos, havidos na constância do casamento ou fora dele, biológico ou quer seja afetivo. Nesse viés, em vista da pluralidade de famílias existentes nos dias atuais, não existem espaço para que os filhos provenientes dessas relações sejam inferiorizados em detrimento de qualquer situação.
Segundo Loureiro (2009), em vista das recentes descobertas no campo médico tecnológico, a sociedade se submeteu a importantes avanços que refletiram na concepção moderna sobre a nova forma de filiação, qual seja, procriação artificial. Sustentada de igual forma pelo principio da igualdade entre filhos. Dias (2009, p 67) enfatiza que o postulado é essencial ao desenvolvimento do Direito de família, afirmando que o principio da igualdade entre filhos é mais que uma norma, é um mandamento Constitucional. Por sorte assim também entende Gonçalves (2009), aludindo que é o princípio edifica as relações de famílias.
Para Loureiro (2009) a igualdade entre filhos destaca-se sob duas formas, a formal e material, nesta é proibido qualquer regime jurídico que desfavoreça a prole, enquanto naquela é vedado qualquer discriminação que importe em atentar contra o respeito à pessoa, não podendo ser vitimizada em relação à origem do seu nascimento. Nesse aspecto, como afirma Dias (2009, p.65), é transmitido maior sentimento de justiça, uma vez que os filhos biológicos, não biológicos, havidos no matrimonio ou que seja fora dele, são respeitados independentemente de sua origem.
Ademais, o Direito de filiação confere aos sujeitos elevados sustentáculos pessoais e patrimoniais. Como ensina Gonçalves (2008) no campo das relações pessoais são efetivados os direitos: ao sobrenome da família, estabelecimento do poder familiar, criação de vínculos de parentesco. No que toca o aspecto patrimonial, conforme leciona Gama (2008) é de se afirmar que existam dois direitos inerentes ao sujeito, quais sejam, direito a pleitear alimentos, e de outro lado requerer sua parte na herança. Com efeitos esses institutos são contemplados isonomicamente em relação à prole, seja ela biológica ou afetiva. Segundo Gonçalves (2008) todos os filhos concorrem de forma igualitária à repartição dos bens deixados pelo autor da herança. Assim, destaca Diniz (2007, p. 476) que independente da natureza da filiação os filhos serão equiparados, existindo um direito sucessório recíproco em relação ao aspecto de parentesco constituído entre pais e filhos.
Diante o exposto, prova-se que a partir de um processo de constitucionalização do Direito de família, inserindo neste contexto o princípio da igual entre filhos, restou vedado qualquer tipo de discriminação ou restrição de direitos aos filhos havidos por qualquer meio, independentemente de sua natureza. No entanto, na parte da sucessão da prole eventual, ou seja, filho concebido post mortem, o Código Civil entra em contradição com a Constituição Federal, visto que apregoa que o filho concebido após a morte de seu pai somente pode sucedê-lo se contemplado em testamento.
3-A INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 1.798 ANTE A POSSIBILIDADE DE SUCESSÃO LEGITIMA DO FILHO HAVIDO POR FERTILIZAÇÃO ARTIFICIAL IN VITRO POST MORTEM
O artigo 1798 do Código Civil elenca que se legitimam a suceder os filhos nascidos ou concebidos no momento da abertura da sucessão. Em uma leitura legalista e taxativa, aqueles concebidos e nascidos posteriormente à morte do seu genitor seriam excluídos da participação na sucessão. Isto porque, a lei é clara quando expõe que no momento da abertura da sucessão o herdeiro já deverá existir de fato ao tempo da morte do de cujus, ou, pelo menos, deveria estar concebido quando da abertura da sucessão para que possa ser reconhecido como nascituro e, consequentemente como herdeiro, figurando como prole eventual.
Nessa toada, no que tange ao campo sucessório o Código Civil de 2002 prescreve que eventualmente na existência de um filho póstumo, este só será capaz de herdar mediante a constituição de um instrumento de vontade, ou seja, sob uma ordem testamentária. Está imposição por certo desiguala as condições dos filhos, e vai à contramão do preceito introduzido pela Carta Magna, que apregoa a igualdade entre filhos independentemente de qualquer natureza, exigindo tratamento isonômico e imparcial, vedando qualquer tipo de discriminação ou distinção, ou quer seja injustiças.
Esta disposição viola o sentido de igualdade apregoado pela Carta Constitucional, visto que coloca em situação desigual o filho concebido por inseminação in vitro post mortem, mesmo este guardando status sob presunção legal de “filho”. Desta forma, uma vez considerado filho, este sujeito deve ser contemplado com todos os direitos e qualificações de seus irmãos nascidos enquanto da vivência do pai. Sobre o assunto, assevera, em seu escólio, Gonçalves que:
[...] se o Código Civil de 2002 trata os filhos resultantes de fecundação artificial homóloga, posterior ao falecimento do pai, como tendo sido “concebidos na constância do casamento”, não se justifica a exclusão de seus direito sucessórios. Entendimento contrário conduziria à aceitação da existência, em nosso direito, de filho que não tem direitos sucessórios, em situação incompatível com o proclamado no art. 227, §6º, da Constituição Federal. (GONÇALVES, 2007, p. 58).
No entender deste doutrinador, os filhos concebidos post mortem do autor da herança deverão ser considerados herdeiros legítimos, visto que são pela lei classificados como filhos, não merecendo, portanto, tratamento desigual aos demais filhos havidos antes do falecimento do de cujus. Nesse sentido, dispõe Barbosa (2004) que de tamanha importância foi concepção do legislador em reconhecer como filho os concebidos post mortem do pai. Em sentimento de crítica sobre o assunto, Euclides de Oliveira (2009) remonta que se não for para os filhos concebidos post mortem por inseminação artificial gozarem do seu hipotético direito patrimonial, se faz contraditório a filiação presumida dessa prole.
Segundo Oliveira (2009) o direito a paternidade se baseia na dignidade da pessoa humana, desta forma, certa a paternidade, o Direito de suceder do filho havido por inseminação artificial post mortem é latente. Por essa vereda, como preconiza Gonçalves (2007), na eminencia de conflito entre leis, prevalece na relação de verticalidade a Constituição Federal, devendo sobrepor os preceitos fundamentais que regem o Estado Democrático de Direito aos ditames infraconstitucionais, tornando aquela norma inferior nula, sem efeitos no ordenamento pátrio. Assim não há como proibir acesso a prole eventual ao nome e a herança do pai finado, conforme assevera Barbosa (2004). Pois bem, visando estabelecer parâmetros sobre o assunto o Enunciado 267 da III Jornada em Direito Civil, expõe que:
A regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição da herança. (BRASIL, s.d.)
Em complemento preceitua Almeida:
Os filhos nascidos de inseminação artificial homóloga post mortem são sucessores legítimos. Quando o legislador atual tratou o tema, apenas quis repetir o contido no Código Civil anterior, beneficiando o concepturo apenas na sucessão testamentária porque era impossível, com os conhecimentos de então, imaginar-se que um morto pudesse ter filhos. Entretanto, hoje a possibilidade existe. O legislador, ao reconhecer efeitos pessoais ao concepturo (relação de filiação), não se justifica o prurido de afastar os efeitos patrimoniais, especialmente o hereditário. Essa sistemática é reminiscência do antigo tratamento dado aos filhos,que eram diferenciados conforme a chancela que lhes era aposta no nascimento. Nem todos os ilegítimos ficavam sem direitos sucessórios. Mas aos privados desse direito também não nascia relação de filiação. Agora, quando a lei garante o vinculo, não se justifica privar o infante de legitimação para recolher a herança. Isso mais se justifica quando o testamentário tem aptidão para ser herdeiro. (ALMEIDA, 2003, p. 104)
Em tempos pretéritos o legislador não tinha o conhecimento apurado para saber que em tempos modernos haveria a possibilidade de fecundação do óvulo por técnicas artificiais, deste modo, nada mais quis o parlamentar do que repetir o descrito no código anterior sobre a capacidade sucessória, resguardando, contudo, o direito do nascituro. Em vista disso, não tem sentido punir o filho póstumo cerceando-o da sua legítima. Nesse sentido, Albuquerque Filho (2011), assim se posiciona:
A possibilidade de não se reconhecer direitos à criança concebida mediante fecundação artificial post mortem pune, em última análise, o afeto, a intenção de ter um filho com a pessoa amada, embora eventualmente afastada do convívio terreno. Pune-se o desejo de ter um filho, de realizar um sonho. Pune-se o amor que transpõe barreiras temporais, o amor perene, o amor verdadeiro, a fim de se privilegiar supostos direitos- patrimoniais- dos demais herdeiros. (ALBUQUERQUE FILHO, 2011, s.p.).
Destarte, o supramencionado posicionamento caminha em consonância com os princípios do direito de família, especialmente aos princípios da igualdade de filiação, da afetividade e da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, conforme leciona Dias (2011, p.369) visto que não é negada a inseminação post mortem pelo ordenamento pátrio, as consequências deste ato estão a produzir efeitos no âmbito jurídico tanto pessoais como patrimoniais. Decerto, haja vista esta circunstância, não se pode permitir que direitos sejam restringidos ou limitados aos filhos concebidos por inseminação in vitro post mortem. Nessa mesma linha de raciocínio, Albuquerque Filho (2011) reconhece plenos efeitos à inseminação artificial homóloga post mortem e amplos direitos sucessórios, não se restringindo à sucessão testamentária.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que, o desenvolvimento nas relações familiares proporcionou um envolvimento da ciência para suprir as necessidades sociais, uma delas e a fertilização concebida após o falecimento do genitor, porém a legislação não adequou para estas novas vertentes. A reprodução assistida póstuma encontra insuficiente no Código Civil Brasileiro, o que gera inúmeros questionamentos por parte do ordenamento jurídico. A divergência doutrinária em que pese a falta de norma, encontra amenizada pelo princípio da igualdade, nos termos do artigo 227, § 6º, da Constituição Federal, devendo, portanto, possuir uma interpretação mais específica para resguardar os filhos concebidos post mortem. Desta forma, mesmo diante de toda a problemática na parte individual e jurisdicional, o pensamento deve ser regulamentado sob ótica do direito civil alicerçado a Constituição, como também impondo limites para esta espécie de concepção.
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NOTAS:
[1] Trabalho vinculado ao Grupo de Pesquisa “Faces e Interfaces do Direito: Sociedade, Cultura e Interdisciplinaridade no Direito”.
[2]BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em 25 ago. 2017. Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: [omissis] III- havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;
[3]Ibid. Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.
[4] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em 25 ago. 2017. Art. 1829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais.
Data da conclusão/última revisão: 4/8/2018
Amilton Lengruber Ferreira, Sangella Furtado Teixeira e Tauã Lima Verdan Rangel
Amilton Lengruber Ferreira é bacharel em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC.
Sangella Furtado Teixeira é Bacharela em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC; Pós-Graduanda em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes UCAM; Pós-Graduanda em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá.
Tauã Lima Verdan Rangel é Doutor (2015-2018) e Mestre (2013-2015) em Ciências Jurídica e Sociais pela Universidade Federal Fluminense; Especialista Lato Sensu em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) (2017-2018); Especialista Lato Sensu em Direito Administrativo pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018); Especialista Lato Sensu em Direito Ambiental pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018); Especialista Lato Sensu em Direito de Família pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018); Especialista Lato Sensu em Práticas Processuais Civil, Penal e Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015); Coordenador do Grupo de Pesquisa “Direito e Direitos Revisitados: Fundamentalidade e Interdisciplinaridade dos Direitos em Pauta” – vinculado ao Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo (MULTIVIX) – Unidade de Cachoeiro de Itapemirim-ES; Coordenador do Grupo de Pesquisa “Faces e Interfaces do Direito, Sociedade, Cultura e Interdisciplinaridade no Direito” – vinculado à Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Bom Jesus do Itabapoana-RJ; Professor Universitário, Pesquisador e Autor de diversos artigos e ensaios na área do Direito.