O reconhecimento da paternidade à luz da Constituição Federal de 1988

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo demonstrar as espécies de reconhecimento da paternidade após a constituição de 1988. Nota-se uma expressiva distinção da composição familiar antes da constituição de 1988 com o atual ordenamento jurídico que garante inúmeros direitos no campo familiar, principalmente em relação à equidade de seus componentes. Hoje não existem diferenças entre os filhos havidos dentro ou fora do matrimonio, tanto o genitor quanto o filho possui o direito de ação para ter a paternidade reconhecida, seja de modo voluntário por parte do genitor ou de maneira judicial. Nesse aspecto, é previsto no ordenamento jurídico a ação negatória de paternidade, onde por algum motivo ou vício o genitor busca contrariar o reconhecimento da paternidade. Para a confecção do presente artigo utiliza-se o método dedutivo com auxílio das doutrinas, revistas e ensaios que tratam do tema em questão, de igual modo, busca-se embasamento nas normas constitucionais e infraconstitucionais.

Palavras-chave: Paternidade; Código Civil; Constituição Federal; Família.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Código Civil de 1916 sofreu forte influência do Direito Romano que era patriarcal e matrimonial, o instituto da família fazia grande distinção entre os componentes familiar e a formação dessa entidade, bem como tratava da partilha dos bens excluindo os descendentes concebidos em relação extraconjugal. Com as grandes evoluções ocorridas nas seguintes décadas o ordenamento jurídico passou a abranger as novas concepções de família, um dos célebres avanços foi o reconhecimento dos filhos inexistindo diferenças entre eles. Essas modificações foram reconhecidas na Carta Magna de 1988 e posteriormente pelo novo Código Civil de 2002.

O conceito de paternidade ganhou novo contorno e inclinou-se para acolher as modificações surgidas. Com a edição do novo ordenamento jurídico o menor ganhou o direito de ter seu progenitor reconhecido, garantindo o direito de relação familiar concernente com os princípios que norteiam o direito de família. O reconhecimento do genitor é um ato que se relaciona a filiação extramatrimonial e não depende da vontade do genitor, sendo uma ação proposta pelo próprio menor no caso de um reconhecimento judicial.

Em outro contorno, tem-se o reconhecimento da paternidade de forma voluntária em que o próprio genitor busca espontaneamente o vínculo familiar com o menor, destaca-se que não é aspecto fundamental a ligação genética como condição para tal ato, mas a principal necessidade corresponde ao afeto visto como formador familiar. Também conhecida como perfilhação, esse ato gera efeito tanto na relação entre os sujeitos como no campo jurídico. Dentro do reconhecimento presumido há ainda a possibilidade de contrariar a paternidade, sendo proposta uma ação de negação de paternidade, onde através da verificação de um vício o suposto genitor pretende afastar o registro do menor em seu nome. 

1 TECENDO BREVES COMENTÁRIOS A RESPEITO DA EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Tem-se como família, a primeira esfera que qualquer indivíduo se relaciona, sendo ela a responsável pela organização social dos indivíduos que nela habitam. É devido a este instituto, que os primeiros ensinamentos são repassados, como os de cunho religioso, político, social e dos princípios utilizados no decorrer de toda vida. Mesmo sendo este termo muito respeitado por todos os doutrinadores, como também pelo legislador que assegura diversos direitos fundamentais, sofreu diversas mutações no decorrer da história. Cumpre salientar, que as mudanças a respeito do termo “família” principalmente os apontados na área do Direito, como Ciência. Gradativamente, a evolução foi demonstrada, não apenas por costumes aplicados em casos concretos, mas também, na cultura brasileira, “o Código Civil Brasileiro de 1916, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, que vigorou em nosso país por mais de 80 anos, fazia severas distinções quanto aos filhos ao estabelecer suas classificações” (ZENI, 2009, p. 61).

Para que fosse evitada inaplicabilidade da norma, constantes modificações foram sendo implantadas no Código Civil, pois com o passar dos anos dificuldades eram encontradas, em aplicar uma norma antiga em uma sociedade totalmente diferente em outra época. No aspecto familiar, é onde as modificações da sociedade mais influenciaram, uma vez que, anteriormente várias situações eram encaradas como normalidade para época, já na atualidade, são atitudes inadequadas. Neste ponto de vista merece destaque em primeiro lugar, distinções que a própria lei anteriormente trabalhava, como a acepção de filhos legítimos e ilegítimos, ou mesmo decorrência do poder paterno sobre a vida e a morte dos filhos (SANTOS, 2013, s.p.).

Legítimos eram os que nasciam da relação de casamento civil; ilegítimos eram os nascidos de relação extramatrimonial. Os ilegítimos dividiam-se em naturais ou espúrios. Filhos ilegítimos naturais eram nascidos de pais que não estavam impedidos de se casar. Os ilegítimos espúrios eram nascidos de pais que não podiam se casar, em virtude de impedimento. Os espúrios classificavam-se em adulterinos e incestuosos. Dava-se o primeiro caso, quando o impedimento decorria de casamento dos pais. (...) Se o impedimento para o matrimônio procedia de parentesco entre os pais, o filho nascido dessa relação era chamado incestuoso (QUEIROGA, 2004, p. 212 apud ZENI, 2009, p.61-62).

O principal motivo das modificações foi evitar o nascimento de uma Lei-morta, ora, na área do Direito familiar, temas ligados aos pais e filhos tiveram de ser adequados ao novo cenário social. No Brasil, era existente a premissa que apenas os filhos decorrentes de ligação sanguínea teriam garantias, consignando filiação a uma presunção de existência de laços sanguíneos. Posteriormente, houve um exitoso avanço medicinal, tornando cada vez mais simples a utilização de testes para descoberta da verdadeira paternidade de algumas crianças. Deixado de lado o paradigma que se encontrava em, qual melhor forma de assegurar a paternidade dos menores envolvidos nas relações matrimoniais. Com a edição da carta magna de 1988, outros problemas há muito esquecidos, foram trazidos à tona, em relação à paternidade.

Nunca foi tão fácil descobrir a verdade biológica, mas essa verdade tem pouca valia frente à verdade afetiva. Tanto assim que se estabeleceu a diferença entre pai e genitor. Pai é o que cria, o que dá amor, e genitor é somente o que gera. Se durante muito tempo por presunção legal ou por falta de conhecimentos científicos confundiam-se essas duas figuras, hoje possível é identificá-las em pessoas distintas (DIAS, 2008, p. 331).

Assim, houve um alargamento quanto ao estudo da paternidade, ultrapassando-se da esfera biológica e alcançando a afetividade como critério e não complemento. Segundo comentários da autora Maria Berenice Dias a respeito do princípio da dignidade da pessoa humana, aplicado no direito de família “o mais universal de todos os princípios. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos” (DIAS, 2008, p. 59).

As modificações referentes ao Direito de Família se iniciaram com a entrada do século passado, a edição do Código Civil de 1916, demonstra utilização das ideias de outros Estados que utilizam o Direito como instituto regulamentador, a título de exemplo, foi absorvido grande parcela dos ideais franceses, no que diz respeito à evolução de relações familiares, a título patriarcal. Demonstram-se pelos próprios escritos normativos, que a figura paterna detinha em sua maioria, ou até mesmo completamente, o instituto familiar, no tocante a área econômica, social e afetiva, uma vez que não existindo a figura masculina, não há que se falar, em núcleo familiar. Impressiona a qualquer indivíduo o simples fato que a mulher nada representava além de símbolo para procriação e algumas atividades no lar, cuidando exclusivamente de sua prole (SANTOS, 2013, s.p.).

O preceito adotado pelo Código Civil de 1916 tratava de um sistema fechado que abordava apenas disposições que favoreciam à classe dominante. Desta forma, não foram codificados institutos que a sociedade da época não queria ver disciplinados, como o modo de apropriação de bens e a vida em comunhão (FACHIN, 1995, p. 14).

Como dito acima, as influências obtidas para implantação do referido código, foram aduzidas pela cultura decorrente da época em que foi editada. A princípio, existiam muitas pessoas que viviam no campo, muitos escravos e índios, dependiam todos dos fazendeiros e senhores de engenho, tudo isso fez com que a sociedade existente na época, e os legisladores, elaborarem um código que fornecia um exorbitante poder patriarcal. Em decorrência disso, a diferenciação entre os filhos biológicos e ilegítimos, como também os adotivos, era absurda, já de início, no registro do nascimento constava se a existente filiação era legítima ou não. Outra grande diferenciação muito criticada pela doutrina era na sucessão hereditária, onde os filhos ilegítimos não concorriam na sucessão. Na moradia, eles também ficavam excluídos, tudo garantido apenas, para aqueles denominados filhos legítimos.

Dentre as principais diferenciações entre os filhos legítimos e os ilegítimos (adotivos), se encontrava a questão da sucessão hereditária e da moradia, pois segundo as disposições contidas no citado diploma, o filho ilegítimo não concorria na ordem de sucessão hereditária, nem tampouco, poderia residir no lar conjugal sem a anuência de ambos os cônjuges (SANTOS, 2013, s.p.).

O início das mudanças, a tais obscuridades existentes nos diplomas legais, eram as reivindicações feitas principalmente pelas mulheres buscando maior espaço social e profissional. Várias leis foram editadas, para que com sua complementação atingissem uma melhor distribuição de direitos. Porém, apenas com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que foi registrado o grande marco regulador de um novo modelo societário que se tornava totalmente adverso aos parâmetros previamente estabelecidos pelo Código Civil de 1916. Com a promulgação da Constituição de 1988, ficou completamente desconexo do Código Civil a regulamentação familiar, que antes era seu monopólio (FACHIN, 1994, p. 14).

Assim, a Magna Carta inovou com ao consagrar uma série de princípios constitucionais que anteriormente não eram adotados pelo Direito de Família e, assim sendo, a partir deles, o conceito de família anteriormente conhecido e difundido foi transformado, passando esta entidade a ser considerada uma união fundada no amor recíproco e não mais no conservadorismo. [...] Com efeito, conforme já tratado anteriormente, a legislação aplicável ao citado ramo do Direito, tem evoluído a passos largos, de modo que nos dias de hoje a paternidade, que anteriormente estava relacionada única e exclusivamente ao fator biológico, passou a ser mitigada neste aspecto, na medida em que o afeto, conforme tratado acima, se tornou um fator preponderante nas questões familiares, após a promulgação da Magna Carta (SANTOS, 2013, s.p.).

Atualmente, cumpre-se realizar comentários a respeito de um novo entendimento do que é paternidade, uma vez que, não é apenas fornecer alimentos, ou ter-se direito a partilha dos bens hereditários. Muito mais que isso é a responsabilidade de ensinamento de valores, criação de uma singularidade das pessoas, e ressalte como manutenção da dignidade humana. A principal forma de serem alcançados tais requisitos é a convivência em um ambiente, calmo e sadio, conjuntamente com a esfera familiar, durante toda infância e adolescência do indivíduo que necessita de tratamento especial.

2 RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, muitas garantias, antes inexistentes, surgiram para que fossem distribuídos em um contorno melhor os direitos fundamentais de todas as outras áreas do Direito, principalmente, a respeito do Direito de família. A proteção do Estado garantida às famílias parte do pressuposto de que é o mais especial dos institutos. No tocante ao tratado especificamente ao termo “paternidade”, sem dúvidas foi o maior avanço trazido pelo texto da recente Magna Carta.

Com a evolução da sociedade ao longo do tempo, as estruturas sociais foram se transformando, dentre elas a estrutura da família passou de uma concepção tradicional, composta por um modelo ideológico fundamentado na figura paterna e sua responsabilidade dentro da família e da sociedade, para um modelo monoparental. A figura materna assume todos os encargos decorrentes dessa estrutura familiar, com responsabilidade financeira, e também, a educacional e social dos integrantes desta família. Além dos aspectos acima mencionados, na família monoparental pode ocorrer o não reconhecimento da paternidade da criança, em face da opção da genitora ou da omissão do genitor. Diante disso, pensar o reconhecimento da paternidade e sua relação com a educação apresenta-se relevante a pesquisa. Todo ser humano possui pai e mãe. Mesmo a inseminação artificial ou as modalidades de fertilização assistida não dispensam o progenitor, o doador, ainda que essa forma de paternidade não seja imediata (GOMES, 2013, s.p.).

Houve por especificação do legislador uma proibição ao que diz respeito, na distinção entre os filhos, mesmo que sejam estes obtidos fora do regime matrimonial. Item disposto no artigo 227, § 6° da Constituição Federal, que tem o seguinte texto.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).

[...]

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (BRASIL, 1988).

Como já visto o texto constitucional, assevera e resguarda a igualdade entre os filhos, sendo esta deliberação interpretada e utilizada não apenas como norma, a fim de manter os filhos em um mesmo patamar como norma constitucional. Mas também, cumpre ser utilizada, a estabelecida ressalva como principio para criação e interpretação das normas infraconstitucionais que são e irão ser editadas. Principalmente as normas relacionadas à filiação é que esbanjam necessidade de atualização quanto ao principio jurídico da isonomia, subsistindo a qualquer tempo a proibição que qualquer dos filhos sofram qualquer tipo de discriminação ou outro tratamento diferente. Mesmo existindo na Lei Maior uma garantia e obrigação que todas as outras leis sigam o entendimento constitucional, o Código Civil, de certa forma, é posterior a tal entendimento e mesmo assim, concerne que a filiação é apenas daqueles filhos que tem seus pais casados.

Imperativo, portanto, que o Código Civil abandonasse a velha terminologia que os diferenciava. Os filhos nascidos na constância do casamento eram chamados de legítimos, enquanto os frutos de relações extrapatrimoniais eram pejorativamente rotulados de ilegítimos. Ainda assim, limitou-se o legislador a excluir as palavras legítima e ilegítima, reproduzindo, no mais, com ligeiros retoques e pequeníssimos acréscimos, o que dizia o Código Anterior. Os filhos decorrentes do casamento - antes tratados no capítulo "Da filiação legítima" - agora estão no capítulo "Da filiação" (CC 1.596 a 1.606). Os havidos fora do casamento - que constavam no capítulo "Do reconhecimento dos filhos ilegítimos" - estão referidos no capítulo "Do reconhecimento dos filhos" (CC 1.607 a 1.617) (DIAS, 2010, p. 368).

Mesmo que seja constitucional a ressalva que garante aos menores o direito ao reconhecimento da paternidade, a fim de resguardar todos os direitos familiares, cuidam de sua regulamentação as leis infraconstitucionais, a título de exemplo, têm-se a aplicação da Lei n° 8.069/90 (ECRIAD), Lei n° 8.560/92 (regulamentação de investigação da paternidade dos filhos fora do casamento) e o Código Civil de 2002 (referente a tal assunto, cuida os artigos 1.607 ao 1.617).

O reconhecimento dos filhos pode ser dado de duas maneiras, quais sejam, a maneira voluntária ou judicial. Este ato é utilizado para declarar a filiação extramatrimonial, estabelecendo a relação pai e filho e dando origem aos efeitos jurídicos dessa relação (SOARES, 2015, s.p.). A princípio é importante o estabelecimento da paternidade biológica, que é o principal fruto de estudos, este reconhecimento é apenas ato declaratório, que por sua vez não há validade alguma apenas o conhecimento geral, sendo necessária publicidade de tal ato, pelo registro civil em cartórios.

É, por isso, declaratório e não constitutivo. Esse ato declaratório, ao estabelecer a relação de parentesco entre os genitores e a prole, origina efeitos jurídicos. Desde o instante do reconhecimento válido, proclama-se a filiação, dela decorrendo consequências jurídicas, já que antes do reconhecimento, na órbita do direito, não há qualquer parentesco (DINIZ, 2012, p. 516 apud SOARES, 2015, s.p.).

Sobre o presente assunto complementa a autora Maria, Berenice Dias:

O reconhecimento, espontâneo ou judicial, tem eficácia declaratória, constando uma situação preexistente. Isto é, tem efeitos extunc, retroagindo à data da concepção. Pode ser, inclusive, levado a efeito antes do nascimento do filho, não sendo possível, contudo, condicioná-lo à sobrevivência do nascituro. Como a lei resguarda seus direitos (CC 2º), pode o genitor, com receio de falecer antes do nascimento do filho já concebido, não esperar o nascimento para reconhecê-lo. Mesmo que o filho nasça sem vida, o reconhecimento existiu e foi válido, devendo proceder-se ao registro do seu nascimento (LRP 53) (DIAS, 2010, p. 369).

Ressalta-se que o reconhecimento da paternidade é independente da voluntariedade do genitor, podendo ser declarado através de sentença, ou mesmo estabelecido pelo próprio pedido do filho. A declaração, não importando o ato que a resultou, estabelece decisão que produzirá os mesmos efeitos, respeitando desta forma, o principio da equidade. Deveras, o reconhecimento, em qualquer das hipóteses, será irrevogável, a menos que seja provado, vício de consentimento, ou falta de conformidade da filiação biológica. Sendo possível alvo de ação anulatória proposta por aqueles que de alguma forma mantém interesse. O principal legitimado em ações que versem nos processos de filiação é o Ministério Público, graças a sua posição de fiscal da lei, e participação em processos que menores, façam parte (SOARES, 2015, s.p.).

3 AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE

No ordenamento jurídico brasileiro pode ser admitido duas formas de ocorrência de filiação, sendo esta primeira a presunção, quando em decorrência dos filhos da união matrimonial do casal, sendo também nomeada pela doutrina de “presunção legal de paternidade”. A outra forma existe para ser utilizada quando haja filhos fora do casamento, chamada de reconhecimento. Existem duas formas de reconhecimento aceitas no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam, o voluntário também chamado de perfilhação, onde o indivíduo por sua própria espontaneidade assume a paternidade. A outra possibilidade é chamada de reconhecimento judicial também denominado reconhecimento forçado, onde é movida ação de investigação de paternidade, proposta pelo próprio menor, ou até mesmo em certos casos pelo Ministério Público (DIREITONET, 2006, s.p.).

A ação negatória de paternidade, também conhecida por “ação de contestação de paternidade” ou também “ação de impugnação de paternidade”, é utilizada para casos em que houver uma presunção legal de paternidade e o suposto genitor, por algum motivo ou vício deseja afastar o registro do menor em seu nome. Consta que o presente instrumento normativo no texto do artigo 1.601 do Código Civil que assevera: “Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. Parágrafo único. Contestada a filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação” (BRASIL, 2002).

Admite-se a presente ação nas causas que versarem sobre filiação decorrente desta presunção legal de paternidade, e sendo esta ação a única forma de afastar tal presunção legal. A competência é exclusiva do marido, e se apresenta no rito comum, sendo desta forma, permitido a contestação de uma paternidade contra filhos de sua esposa ou companheira. A competência da presente ação se estende mesmo em casos que o registro civil de pessoas naturais já tenha sido concretizado, pois visa exatamente extinguir a relação jurisdicional, entre um indivíduo e seu suposto filho (REIS, 2000, s.p.).

Ações de investigação de paternidade, em sentido genérico (afirmativas ou negatórias), são recorrentes na Justiça brasileira, de onde se concluiu que muitas são as situações de conflito, no seio da sociedade, que envolvem filhos nascidos de relacionamentos extraconjugais, que, se não superadas, acabam por romper vínculos, por vezes de longos anos, entre os cônjuges e, por via de consequência, entre pais e filhos, ante as pressões psicossociais. Em parecer social extraído dos autos de uma ação negatória de paternidade, concluiu a socióloga que, do ponto de vista sócio familiar, percebia-se, no relacionamento entre pai e filha, vínculos superficiais, passíveis de rupturas e conflitos por situações da própria dinâmica de relacionamento familiar estabelecido e por agentes e pressões externas. Ao finalizar seu estudo sobre o problema, concluiu que não se vislumbrava no autor disponibilidade para o desempenho afetivo do papel parental com relação à filha; no entanto, para a adolescente aquele foi o único pai que conheceu e lhe proveu, pelo menos nos treze anos anteriores à ruptura estabelecida pelo mesmo (FERNANDES, 2012, p. 11-12).

O funcionamento da presunção de paternidade é ocorrido na relação conjugal, e decai sobre os filhos oriundos da sua constância, uma vez que se presume filhos do marido e da esposa, quando estão ambos residindo em um mesmo local. Presume-se dessa forma, para que seja garantida de certa forma, a segurança e paz familiar, busca garantir a legislação brasileira, que seja evitada situação em “que se atribua prole adulterina à mulher casada e se introduza, desnecessariamente, na vida familiar, o receio da imputação de infidelidade” (RODRIGUES, 2004, s.p.).

Indiferente se torna a concepção mantida pelo Código Civil, ora, o Direito é uma Ciência que se mantém em constante mudança e evolução, principalmente para que seja mantida a segurança jurídica. Não há que se falar em aplicabilidade de uma norma editada há anos atrás, sendo que a realidade societária está totalmente modificada. Porém, ainda que o nome denominado na presente carta legislativa seja casamento, o entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça é de que aplicadas também serão as normas ao instituto da união estável. Ou seja, os filhos decorrentes da constância de um relacionamento classificado como união estável, também estão sujeitos à ação negatória de paternidade. Os dispositivos a título de exemplo que ensejam a referida situação são, o 1.597 “os nascidos 180 dias após a convivência familiar ou 300 dias após a dissolução da sociedade conjugal, etc.”, o art. 1.599 “não basta o adultério da mulher, ainda que confessado, para se afastar a presunção”, como também, o artigo 1.602 com o presente texto “não basta a mulher confessar que o filho não é de seu marido” (BRASIL, 2002).

Os processualistas classificam a sentença definitiva em três espécies segundo o seu conteúdo: meramente declaratórias, constitutivas e condenatórias. Na sentença meramente declaratória o que se busca é conferir certeza à existência ou inexistência de uma relação jurídica. Apenas a existência ou inexistência de uma relação jurídica pode ser objeto de uma sentença de mero acertamento, com exceção da regra contida no artigo 4.º, II do CPC (REIS, 2000, s.p.).

No tocante ao conteúdo das ações negatórias de paternidade, cumpre realizar, devidos apontamentos, de forma a explicitar as formas de explanação dos resultados. Primeiramente, aquelas que têm por sua natureza uma resolução com cunho declaratório, visam um termo final que diz existir ou não a paternidade, proferindo um efeito extunc, retroagindo seus efeitos à data do nascimento do menor, isentando o suposto genitor de qualquer responsabilidade com o indivíduo a ele relacionado. Em segundo lugar, existem também, ações que tem como estabelecimento final um resultado condenatório, visando o cumprimento de alguma prestação relacionada ao menor envolvido. As prestações podem ser com sentido positivo (dar, fazer), ou mesmo com sentido negativo (não fazer, abster-se). Seus efeitos são imediatos, para que se tenha possibilidade de execução forçada da presente condenação. Por fim, as ações de cunho constitutivos, são utilizadas para criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica a que os pais estejam relacionados aos menores (REIS, 2000, s.p.).

No âmbito das relações jurídicas que envolvem lides familiares, sua aplicação se mostra mais presente, tendo em vista que os operadores do Direito estarão diante de situações que envolvem não só questões patrimoniais, mas principalmente sentimentos, integridade psicossocial, valores culturais, enfim, seres humanos. E quando se analisam condutas humanas, inclusive no campo penal, o princípio da dignidade humana há de balizar qualquer decisão que ultrapasse as barreiras do razoável e permitido (FERNANDES, 2012, p. 14).

Assim, pode-se demonstrar que tal ação visa a definição de resoluções que irão constituir ou desconstituir relações jurídicas de filiação. O contestante a princípio almeja uma decisão extunc para que toda relação seja desconstituída, desde o nascimento com vida do menor. Porém, é fato que a maioria de todas as decisões proferidas nesse sentido tem o condão as ações constitutivas, operando efeito ex nunc, retroagindo apenas até a data da sentença, continuando válido todo o resto da relação jurídica entre o menor e o contestante (REIS, 2000, s.p.).

4 RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DA PATERNIDADE

O conceito apresentado pela doutrina referente ao reconhecimento voluntário da paternidade é reconhecido da seguinte forma pela autora Maria Helena Diniz: “o meio legal do pai, ou da mãe ou de ambos revelarem espontaneamente o vínculo que os liga ao filho, outorgando-lhe, por essa forma, o status correspondente.” (DINIZ, 2012, p. 521 apud SOARES, 2015, s.p.).

O reconhecimento voluntário da paternidade independe de prova da origem genética. É um ato espontâneo, solene, público e incondicional. Como regra o estado de filiação, não pode estar sujeito a termo, sendo descabido o estabelecimento de qualquer condição (CC 1.613). É ato livre, pessoal, irrevogável e de eficácia erga omnes. Não é um negócio jurídico, é um ato jurídico stricto senso. O ato do reconhecimento é irretratável e indisponível, pois gera o estado de filiação. Assim, inadmissível arrependimento. Não pode, ainda, o reconhecimento ser impugnado, a não ser na hipótese de erro ou falsidade de registro. O pai é livre para manifestar sua vontade, mas seus efeitos são os estabelecidos na lei (DIAS, 2010, p. 369).

Da mesma forma, complementa o autor Alisson Menezes Pagotto:

O reconhecimento voluntário ou perfilhação pode ser definido como o ato pelo qual o pai ou a mãe assume, observadas as formalidades legais, a paternidade ou a maternidade de filho havido fora do casamento, passando a relação biológica a constituir também relação jurídica, gerando efeitos no campo do direito. A legislação brasileira permite o reconhecimento antes mesmo do nascimento, ou após a morte do filho, caso deixe descendentes. Por se tratar de direito indisponível da pessoa, relativo à filiação, não pode ser objeto de transação ou renúncia. O ato de reconhecimento é também imprescritível, podendo ser praticado a qualquer tempo (PAGOTTO, 2004, s.p.).

É ato simplesmente declaratório, onde o pai apenas revela e confirma sua paternidade em relação ao menor. Demonstrando nesse ato que gerou aquele indivíduo, desta forma pode-se notar o porquê de este ato retroagir à data do nascimento. Tem por maior explicação, que a partir do nascimento toda a responsabilidade é por conta daquele genitor formalmente declarado, vez essa em que antes mesmo do reconhecimento já havia a paternidade. O reconhecimento de paternidade voluntário, também reconhecido pelo termo “perfilhação” é um ato dotado de grande pureza e simplicidade, não se admitindo qualquer condição, e tem prazo ilimitado para que haja sua devida manifestação (PAGOTTO, 2004, s.p.).

A incidência do presente ato sobre filhos que atingiram a maior idade civil depende de sua aceitação para completar sua validade, já em filhos menores, existe o direito resguardado de impugnação ao presente ato, em um prazo legal estabelecido de quatro anos após atingir a maior idade civil, sendo procedimentalmente encaminhado por ação própria.

O reconhecimento voluntário é o meio legal colocado à disposição dos pais para que possam reconhecer os filhos. Segundo o que preceitua o artigo 1609 do Código Civil, o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento poderá ocorrer nos seguintes casos: no próprio termo do nascimento; por escritura pública ou particular devendo desta forma ser arquivado no cartório; por testamento ainda que incidentalmente manifestado; por manifestação direta e expressa diante do juiz ainda que o reconhecimento não haja sido objeto único e principal do ato que o contém. Ademais é importante salientar que o reconhecimento voluntário se trata na realidade, uma confissão voluntária, da mãe ou do pai, na qual declara ser seu filho, determinada pessoa (ALTIERI, 2006, s.p.).

O reconhecimento voluntário é realizado no cartório de registro civil, e deve ser efetuado pela figura paterna, mas em algumas possibilidades desde que justificadas, pode ser aceito alguém em seu lugar, desde que ele tenha dado poderes por meio de mandado mediante procuração especial, o faça.            Nesse caso o tabelião deve estar presente, recolhendo assinatura no termo lavrado e com duas testemunhas presentes. De acordo com o artigo 1.607 do atual Código Civil de 2002, são legitimados qualquer dos genitores, na constância ou não do casamento, estando eles, separados ou juntos. Os membros do casal têm livre possibilidade de efetuar o registro em nome do pai e mãe desde que apresente certidão comprovando a ligação matrimonial entre os cônjuges. Confirmando tal pensamento Maria Berenice Dias explica que “qualquer um deles pode comparecer ao registro civil e registrar o filho em nome de ambos os genitores, mediante a apresentação da certidão de casamento” (DIAS, 2010, p. 370-371).

Porém, a lei, mesmo não demonstrando o termo união estável, auxilia quem nessas situações vive, e complementa Dias, “não sendo casados, mas vivendo os genitores em união estável, se há prova da vigência da união à época da concepção, mister reconhecer a possibilidade de o declarante proceder ao registro do filho também em nome do companheiro” (DIAS, 2010, p. 370-371). Essa garantia que o cartório tem, é apenas procedimental, evitando má-fé das partes, porém, mesmo quando não provada ligação assevera a autora, “porém, se o genitor que pretende fazer o registro não comprovar que o outro genitor é seu cônjuge ou seu companheiro, é inviável registrar o filho também em nome dele” (DIAS, 2010, p. 370-371).

Por fim, demonstra que tal reconhecimento conhecido por voluntário é ato irrevogável, não podendo ser contestado quando feito até nas hipóteses de testamento. Existe a possibilidade de impugnação por meio de ação própria quando houver ocorrência de vício no ato. Outra possibilidade é quando provada que a verdade biológica difere do declarado (PAGOTTO, 2004, s.p.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como já trabalhado, houve diversas mudanças após a promulgação da Constituição de 1988, antes, não existia a possibilidade de direitos iguais, para filhos fora do casamento ou aqueles que eram adotados, ficando totalmente fora da herança. Porém, acabaram as acepções de separação entre filhos legítimos, e ilegítimos, são agora, apenas, adotivos e biológicos, mas seus direitos são iguais perante a lei inexistindo distinção no campo jurídico.

Em relação a isso, com as novas interpretações do direito de família, sendo norteadas pelos princípios constitucionais que visam garantir a equidade e o máximo amparo das normas a todos os seus componentes, surge a paternidade sob o prisma da afetividade como formador familiar. A lei garante a possibilidade do reconhecimento da paternidade sem a necessidade de vínculo sanguíneo, ficando evidente no ordenamento jurídico a evolução da acepção de família.

Por outro caminho, o menor tem a garantia de ter seu genitor reconhecido em caso de uma filiação extramatrimonial, um direito que não existia antes da Carta Magna de 1988. Hodiernamente esse ato de reconhecimento possui plena eficácia no âmbito jurídico, fazendo com que a relação familiar, mesmo contra a vontade do genitor, venha a existir. 

REFERÊNCIAS

ALTIERI, Juliana Fernandes. Reconhecimento voluntário de filhos. Disponível em: . Acesso em: 13 abr. 2018.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em:

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Data da conclusão/última revisão: 4/10/2018

 

 

 

Maria Luiza Barbosa da Rocha; Jó Geovane Maciel da Silva e Oswaldo Moreira Ferreira

Oswaldo Moreira Ferreira: Mestre em Cognição e Linguagem da Universidade Estadual do Norte Fluminense DarcyRibeiro – UENF; Especialista em Direito Civil pela Universidade Gama Filho;Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES; Servidor Público doPoder Judiciário do Estado do Espírito Santo; Professor do curso de Direito daFaculdade Metropolitana São Carlos – FAMESC;

Maria Luiza Barbosa da Rocha: Graduada em Direito pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana.

Jó Geovane Maciel da Silva: Acadêmico de Direito da Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) – Unidade Bom Jesus do Itabapoana.