RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo realizar uma abordagem qualitativa de forma acadêmica sobre o conceito e a evolução de família, especificamente no aplicável à sociedade brasileira e suas interrelações com o direito pátrio. Assim como o direito, a família também evoluiu com o passar dos séculos e os avanços e desenvolvimentos humanos, transformação essa influenciada pelas mudanças sociais, políticas, culturais e econômicas e que, não poderia ser diferente, interferem diretamente na formulação e aplicação do direito de família. Através de uma breve abordagem histórica sobre a evolução da família patriarcal, desde a Roma ativa, até as diferentes concepções atuais de família, este trabalho também aborda o processo histórico do direito de família no Brasil, especialmente a partir da edição do Código Civil de 1916. Aborda também a identificação e aplicação dos principais princípios e normas reguladores do direito de família atual no Brasil, bem como as obrigações e deveres advindas da formação familiar. A família, no Estado Brasileiro, é entendida como o principal núcleo social e que merece especial proteção do Estado. Para a consecução deste trabalho foram analisados artigos acadêmicos de estudiosos e doutrinadores sobre o tema proposto, bem como textos legais que tratam do assunto pesquisado e a produção se deu de forma indutiva e qualitativa com base no material estudado.

ABSTRACT

This paper aims to carry out a qualitative academic approach to the concept and evolution of the family, specifically the one applicable to Brazilian society and its interrelations with the country law. Like law, the family has also evolved over the centuries and human advances and developments, a transformation that is influenced by social, political, cultural and economic changes, and which could not be otherwise interfered directly in the formulation and application of the right to family. Through a brief historical approach on the evolution of the patriarchal family, from active Rome to the different current conceptions of family, this paper also addresses the historical process of family law in Brazil, especially from the 1916 Civil Code edition. It also addresses the identification and application of the main principles and norms regulating the current family law in Brazil, as well as the obligations and duties arising from family formation. The family, in the Brazilian State, is understood as the main social nucleus and deserves special state protection. For the accomplishment of this work were analyzed academic articles of scholars and indoctrinators on the proposed theme, as well as legal texts that deal with the researched subject and the production was inductive and qualitative based on the studied material.

1.    INTRODUÇÃO

Ao se analisar a história de formação das sociedades humanas, o núcleo familiar possui um importante papel no desenvolvimento sociocultural e econômico das comunidades, afinal, ela é a primeira aglutinação de pessoas em que o indivíduo está inserido e é a partir dela que sua inclusão e visão de mundo é formada. Durante milênios, a família, sua formação e papeis vêm sofrendo constantes e importantes mudanças, em diferentes culturas, movimento este que é inerente ao próprio desenvolvimento humano, haja vista que a humanidade não é uma cultura única, muito menos estática. (SIERRA, 2011).

Neste sentido, a família pode ser considerada como o núcleo, a base de uma sociedade, uma vez que ela possui como uma de suas funções assegurar a formação e a evolução da personalidade de seus integrantes. É dentro do núcleo familiar, por exemplo, que se recebe as principais orientações para moldar valores e princípios como ser humano, sobre como se relacionar com o outro e com a comunidade ao redor, produzindo, dessa forma, o crescimento e a formação de uma sociedade. Sob essa ótica salienta Carlos Roberto Gonçalves (2017), que entende família como sendo uma realidade sociológica que constitui a base de um estado, sendo este o núcleo fundamental em que se constitui toda a organização social de uma sociedade, portanto, trata-se de uma instituição extremamente necessária e que merece especial proteção do Estado.

Entretanto, por ser a humanidade um complexo e contínuo emaranhado de relações e transformações, é necessário entender a família, como núcleo básico e importante que é, mas também como um resultado oriundo de um processo evolutivo inserido dentro de uma determinada sociedade. Deste modo, este trabalho tem por objetivo uma análise da família através de um prisma conceitual e evolucionista, a fim de entender e demonstrar seu importante papel núcleo no seio de uma sociedade, o que justifica, portanto, a especial proteção do estado para este instituto social, seja sob qual conceito ou formação for.

Para consecução desta análise, este trabalho aborda o conceito de família através de seu contexto histórico-evolucionista na sociedade brasileira, apresentando também os principais princípios norteadores do direito de família e também os direitos e deveres advindos do poder familiar. Para a elaboração  deste texto, foram utilizados como materiais artigos acadêmicos de estudiosos e doutrinadores jurídicos, além de normas legais que versam sobre o tema proposto. Como metodologia, as informações dos materiais referenciados ao final foram estudados de forma qualitativa e indutiva para possibilitar o desenvolvimento do presente trabalho.

2.    DESENVOLVIMENTO

Carlos Roberto Gonçalves, argumenta que “o vocábulo família abrange todas as pessoas ligadas por um vínculo de sangue, procedendo de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela adoção” (GONÇALVES, 2017, p. 301). Entrementes, Silvio Rodrigues, comungando da mesma linha de raciocínio, acrescenta que em um sentido mais amplo família pode ser entendida como:

Todas as pessoas ligadas por um vínculo de sangue, e continua o autor que em uma visão mais restrita diz que a família pode ser apresentada como sendo os pais e sua prole, cabendo também nessa analise incluir os consangüíneos em linha reta e os colaterais até o quarto grau. Analisando de maneira ainda mais restrita família pode ser entendida como o conjunto de pessoas compreendido pelos pais e sua prole. (RODRIGUES, 2008, p. 28)

Já na visão de Silvio Salvio Venosa, o vocábulo família pode ter vários significados. Dessa forma, sustenta que em um sentido mais amplo, como sendo:

O conjunto de pessoas unidas por um vínculo jurídico de natureza familiar, compreendendo nesse sentido, os ascendentes, os descendentes e colaterais de uma linhagem, incluindo-se os ascendentes e os descendentes e colaterais do cônjuge, que são denominados como parentes por afinidade ou afins. E de uma forma mais restrita, família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder ou poder familiar. (VENOSA, 2011, p. 15)

O autor supracitado prossegue dizendo que cabe ao direito de família explorar a relação das pessoas que são unidas pelo casamento, assim, como daqueles que vivem em união sem matrimônio (VENOSA, 2011). Dentro dessa mesma perspectiva Pablo Stolze (2013) afirma que “a entidade familiar se trata da célula-mater da sociedade, cuja manifestação é ditada pelo elo de afetividade que une seus membros”. Portanto, diante do exposto, fica evidenciado que a família é a principal ancora de uma sociedade, pois, é no seio familiar que o ser humano desenvolve valores que o acompanharam no decorrer da vida. E, mais contemporaneamente, como demonstrado por Stolze, o conceito de família supera, inclusive, os tradicionais laços sanguíneos, podendo existir núcleo de formação familiar ditado pelas relações de afetividade.

Nessa perspectiva aponta Sierra que:

Durante muito tempo, a família foi considerada uma instituição sagrada, formada a partir do casamento, destacando que os valores que eram transmitidos pela família asseguravam a submissão dos indivíduos à cultura, tornando-os mais humanos na medida em que se recusavam a obedecer aos próprios instintos, principalmente os sexuais. (SIERRA, 2011, p. 31).

Com decorrer do tempo e as diversas transformações culturais, legislativas e sociais, como um tudo, que a sociedade sofreu não é mais tão simples e restritivo definir “família”, já que não se trata de um conceito que se estabilizou em certo período, razão pela qual é de suma importância analisar o processo de evolução histórica do conceito de “família”, tendo em vista que esse instituto passou por profundas transformações, uma vez que a sociedade se expande conforme seu momento histórico.  Nesse sentido, Wald expõe que:

Na era romana, a família era estabelecida como um conjunto de pessoas que se encontram sob a pátria potestas do ascendente comum mais velho, que desempenha sua autoridade sobre todos os seus descendentes não emancipados, sobre sua esposa e sobre as mulheres casadas com manus com os seus descendentes. (WALD, 2015, p.26)

Dentro dessa mesma perspectiva pode se observar que toda a autoridade era dirigida ao homem, sendo a entidade familiar romana a reunião de tudo que estava ligado ao poder do pater família. Já que a ele era incumbido o desempenho de diversas atividades em diferentes funções. Conforme aponta Pereira:

O pater era, ao mesmo tempo, chefe, político, sacerdote e juiz, comandavam e oficiavam cultos domésticos (penates) e distribuía justiça. Exercia sobre os filhos o direito de vida e de morte (ius vitae acnecis), podendo impor-lhe pena corporal, vendê-lo, tirar-lhes a vida. Podendo somente o pater adquirir bens exercendo a domenicapotestas (poder sobre as pessoas dos filhos) e de manus (poder sobre a mulher). (PEREIRA, 2017, p. 54)   

Sendo oportuno mencionar que a mulher nesse período histórico era apenas uma figura subordinada ao marido, pois a mulher era considerada inferior ao homem, como aponta Pinho (2002), elas eram consideradas sempre como incapazes para o ato da vida civil necessitando de um tutor que representasse os direitos na sociedade romana (tutela perpétua), por multos séculos e muitas culturas, o papel da mulher na sociedade era ser ligada a um homem, como uma propriedade. Ou ela pertencia ao pai ou ela pertencia ao marido.

Em complemento, Wald (2015) aponta que a família, nos primórdios das formações sociais humanas, eram estruturadas em torno de uma ideia religiosa, uma vez que possuía a própria religião que se denominava de religião doméstica onde se venerava os antepassados como se ainda fossem integrantes da família. Cada lar tinha seu culto familiar, uma espécie de religião própria, cujo chefe era o homem, pai, chefe do lar, da cultura, da religião e da vida de sua família.  

Com a morte do pater seus filhos varões adquiriam personalidade e passavam a constituir outras famílias, denominadas como proprio jure, nas quais assumiam a função de pater famílias. (NADER, 2016), salientando ainda, que a principal tendência era a dissolução dos antigos membros da família e a fragmentação do patrimônio.

Wald (2015), aponta também a existência de duas espécies de parentesco existentes na Roma antiga, quais sejam: a agnação, que era vinculada as pessoas que estavam sujeitas ao mesmo pater, mesmo quando não fossem consanguíneas; e a cognação que era o parentesco pelo sangue que existia entre as pessoas que não deviam ser agnadas uma a outra (WALD, 2015).

É importante salientar que o Direito Romano passou por relevantes modificações com a chegada do imperador Constantino, com consequências para a dinâmica familiar de até então. Com a introdução de uma geração cristã da família, foi concedida a mulher certa independência, ainda que modesta, além de restringir os poderes do pater. A partir desse momento, a população e as famílias romanas romana passaram a desenvolver certo ar de importância do afeto para com a convivência familiar, contudo, ainda era latente a submissão da mulher à figura masculina, o que até em tempos atuais ainda surte reverberações (WALD, 2015) .

Prosseguindo na análise da evolução histórica da família, faz pertinente algumas ponderações acerca da família no direito canônico, onde diferente do direito romano, foi marcada pelo cristianismo.    Ao lado disso, é oportuno salientar que a Igreja Católica considerava a virgindade como sagrada, porém, seus fiéis teriam que gerar prole, razão pela qual Igreja passou a defender o casamento como ato constitutivo da família, somente através do casamento seria concebível a constituição de uma família (ALVES, 2009).

Nessa época, o casamento foi elevado pelo cristianismo à sacramento, onde o homem e a mulher selavam sua união sobre a benção dos céus, transformando-se em um só de maneira indissolúvel, pois o matrimônio não poderia ser desfeito, sendo as partes separadas apenas pela morte (DILL; CALDERAN, 2009).

Seguindo o mesmo entendimento, assevera Isabel Cristina Albinante, que o casamento era um patrimônio assegurador da família e também dos futuros filhos, razão pela qual vigia a preservação máxima do estado civil de casado, mesmo sem ter nenhuma relação de afeto, não sendo essencial nessa época o afeto nas relações familiares, apesar de já compreensíveis (ALBINANTE, 2012). Complementa, ainda, Wald (2015) que, sendo o casamento indissolúvel a doutrina canônica visou estabelecer um sistema de impedimentos, isto é, de motivos que impediam a sua realização, justificando sua nulidade ou anulabilidade.

Nessa perspectiva aponta Nogueira que no direito canônico se fomentou causas de impedimento para o casamento, incluindo as causas baseadas na incapacidade de um dos nubentes que eram a idade, infertilidade, diferença de religião, dentre outros (NOGUEIRA, 2007).

Wald(2015), frisa neste sentido, que, no entendimento da Igreja, o divórcio não deve ser concedido mesmo nos casos de adultério cometidos pela mulher, uma vez que a separação consistia em um ato judiciário da autoridade religiosa, dependendo a separação de corpos da autorização do bispo, somente sendo admitida em raros casos de adultério, de heresia e de tentativas de homicídio de um dos cônjuges em relação ao outro. Acentua, também, o aludido autor, que somente após o século XIV, é que passou a se admitir a separação nos casos de acordo entre os cônjuges (WALD, 2015).

2.1.       A família no Brasil

Já no Brasil, Rosenberg Rodrigues Alves (2009) cita que a família brasileira se desenvolveu a partir do regime patriarcal, de forte influência cristã católica, dentro desse contexto, a família se estruturou por meio de um núcleo composto pelo chefe da família (patriarca), sua mulher, filhos e netos, sendo este o núcleo primário da família. O autor ainda assegura a existência de um núcleo secundário que era formado por filhos ilegítimos (bastardos) ou de criação, parentes, afilhados, serviçais, agregados e escravos (ALVES, 2009).

Nessa perspectiva, Márcia Pinna Raspanti acrescenta que a família patriarcal não se restringia apenas ao núcleo principal constituído por pai, mãe e filho, uma vez que eram incluídos os parentes, os filhos ilegítimos ou de criação, afilhados e amigos com quem se nutria uma relação de compadrio. (RASPANTI, 2014). Tendo o patriarca poder sobre os filhos, a esposa, agregados e escravos. (ITABORAI, 2005). Nessa seara André Raboni destaca:

O patriarca tem um extenso número de agregados, criados, escravos que dependem dele como provedor. De forma que todos os seus agregados ficam subordinados a sua autoridade, pois é ele quem decide na maioria das vezes o destino de seus agregados, uma vez que ele desempenhava o papel de um pater. (RABONI, 2008, s.p)

Nessa época do modelo de família patriarcal, salienta Carlos Pianovsky Ruzyl (2005), citado por Souza e Waquim (2014), a família tinha a função de delegar seu patrimônio, servindo como fonte de manutenção do poder político, com a criação de laços de dependência. Tendo em vista que o patriarca desempenhava um papel de pater, se desenvolvia, conforme assevera Nobre (2014), a soberania do homem no casamento, de modo que, o marido era considerado chefe da sociedade conjugal, sendo ele o representante da família. Isto é, ainda de acordo com o autor supra, o homem era visto como detentor de autoridade, estando a entidade familiar circulando ao seu redor, deixando evidente a soberania masculina no casamento. Nota-se na formação da família “tradicional” brasileira, uma mistura da formação familiar romana antiga com os ditamos da família cristã romana, trazidas ao Brasil pelos movimentos de colonização europeus e, posteriormente, mesclando-se com o desenvolvimento de novas culturas locais (NOBRE, 2014).

Nesse contexto, Luciano Barreto (2012) esclarece que, também no Brasil, nessa época, o casamento era considerado a única forma de se constituir uma família legítima, sendo considerada ilegítima qualquer outra instituição familiar mesmo que estivesse presente laços de afeto. O autor prossegue apresentando que a família patriarcal era considerada nesse como a coluna central da legislação, tendo como prova disso, o fato de o matrimônio ser indissolúvel, e o fato de a mulher ser vista como sendo relativamente incapaz. (BARRETO, 2012).

Nesse cenário, Freire (2016) destaca que, na sociedade patriarcal, em especial a brasileira, a mulher desempenhava um papel de obediência e procriação, pertencendo desse modo, apenas ao ambiente doméstico. O autor prossegue apontando que a imagem fragilizada da mulher proporcionou o entendimento de que a sua natureza era inferior ao homem, devendo ela ser um exemplo de moral e de bons costumes. A sociedade patriarcal em conjunto com a igreja conferia à mulher o papel de subalterna, estipulando padrões de condutas sociais que deviam ser seguidos, complacentemente.

Entretanto, cabe mencionar que o autor acima mencionado salienta que, com a evolução do tempo, as mulheres não ficaram mais atreladas apenas ao ambiente doméstico, passando também a frequentar igrejas, festas e bailes, passando a conviver mais em sociedade de forma geral. Mais uma vez, é possível observar o caráter evolutivo das relações sociais e do desenvolvimento humano como um todo (BARRETO, 2012).

Com o passar dos anos e o crescimento dos centros urbanos, o impacto dos movimentos sociais, a conquista do mercado de trabalho pela mulher e a sua consequente e progressiva participação no universo econômico e político, dentre outras transformações sociais, a família patriarcal começa a manifestar seus mais fortes indícios de declínio (GONÇALVES, 2017).

Atualmente, o modelo de família patriarcal e matrimonial no Brasil tem perdido progressivamente sua hegemonia diante do reconhecimento de outras unidades e tipos de formação familiar, principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Seguindo com a análise dos tipos de famílias existentes no Brasil cabe salientar alguns apontamentos referentes à família matrimonial. Essa espécie de família era a única existente até 1988. A família matrimonial era conceituada como aquela proveniente do casamento, o qual os indivíduos ingressavam por vontade própria sendo nulo o matrimônio realizado mediante coação (GONÇALVES, 2017).

Nesse sentido complementa Albert Medeiros de Alcântara (2016) alegando que a família matrimonial é a primeira modalidade do instituto de família, sendo o casamento o instrumento responsável por formalizar a família matrimonial. Nessa mesma perspectiva Vitor Frederico Kumpel (2008), citado por Daniel de Souza (2008), expõe que a família matrimonial decorre do casamento que é um ato formal, litúrgico. O mencionado autor continua informando que essa entidade familiar surgiu no Concilio de Trento em 1563, através da contrarreforma da igreja, sendo até 1988 a única entidade familiar reconhecida pela legislação civilista brasileira. Esse modelo de entidade familiar é constituído de maneira voluntária pelo casamento entre pessoas de sexo opostos que se unem para viver uma vida em comum.

Tendo em vista que desde a promulgação da Constituição de 1824, que foi marcada pelo liberalismo, inaugurando o Estado laico onde foi instituído o casamento civil como a única forma de formar uma família. Nesse contexto, Lilian Casagrande (2011) destaca que com o advento da Constituição de 1891, ocorreu a separação da igreja do Estado, e é nesse aspecto que se faz menção a família quando menciona o casamento, a autora supramencionada ressalta ainda que com a desagregação do Estado com a igreja foi retirado o direito ao controle do ato jurídico válido do casamento (CASAGRANDE, 2011).

Sendo importante mencionar que foi sob a orientação da Constituição de 1981 que foi inaugurada a Lei n° 3. 701, de 01 de janeiro de 1916, que passou a regular as questões familiares da época. Cumpre ressaltar que o posicionamento do legislador no Código Civil de 1916, que detinha um olhar discriminatório em relação à família, uma vez que estabelecia que o casamento era a única instituição familiar reconhecida, e assim como ocorria na idade média, o matrimônio era indissolúvel. Nesse sentido, Dresch afirma que:

O Código Civil de 1916 foi editado numa época com estreita visão a entidade familiar, limitando-a ao grupo originário do casamento, impedindo sua dissolução, distinguindo seus membros e opondo qualificações desabonadoras às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessa relação. (DRESCH, 2015, s.p)

Nessa seara, aponta Matheus Antônio da Cunha que, durante décadas se verifica na legislação brasileira a proteção a todo custo à dissolução do vínculo conjugal, não reservando qualquer direito as uniões que não sejam formadas através do casamento. (CUNHA, 2009).

Em tal período, cabia ao homem à direção da família enquanto a mulher era equiparada aos relativamente incapazes e apenas os filhos havidos pelo casamento tinham legitimidade (ARAUJO, 2013). Luciano Barreto (2012) acrescenta que à mulher era atribuída apenas a função de colaboradora dos encargos familiares, e no que diz respeito à filiação a autora salienta que havia notória distinção entre os filhos legítimos e ilegítimos, naturais e adotivos, que era devidamente registrado no assento de nascimento a origem da filiação. (BARRETO, 2012).

Enfatizando que na época da vigência do referido diploma legal, a união da família girava em torno do pai que garantia o sustento da família, ressaltando que a mulher cabia o papel de dona de casa, sem voz ativa, onde todos os seus atos deviam ser consultados ao marido que pensava por ela. Araújo (2013), em seu escólio, salienta que:

O casamento não se dissolvia nem com desquite, sendo que o desquite podia ser consensual ou litigioso, sendo que na hipótese do litigioso havia sempre a associação de ideia de culpa, gerando um conjunto de sanções patrimoniais e não patrimoniais ao cônjuge faltoso, além disso, o cônjuge culpado não era permitido de exercer a guarda dos filhos, dentre outras limitações relacionadas à ideia de culpa na dissolução do vínculo conjugal (ARAUJO, 2013, s.p)

Dentro desse contexto é de suma importância destacar que em 27 de agosto de 1962, a Lei n° 4.121 mudou a situação acima contextualizada, conhecido como Estatuto da Mulher Casada, a lei contribuiu para emancipação feminina em diversas áreas como aponta Rafael Nogueira Gama (2007). O supracitado autor prossegue dizendo que com advento do Estatuto da Mulher Casada o marido deixou de ser o chefe absoluto da sociedade conjugal, além da mulher se tornar economicamente ativa sem necessitar de autorização do marido. (GAMA, 2007).

Dentro dessa mesma linha de raciocínio, Maria Berenice Dias conclui que a mais expressiva evolução legislativa àquela época foi o Estatuto da Mulher Casada, que devolveu a plena capacidade à mulher casada, deferindo bens reservados e a assegurar-lhe a propriedade exclusiva dos bens adquiridos com fruto de seu trabalho. (DIAS, 2016).

Araujo (2013) ressalta que com o advento da Lei n° 4.121/62, a mulher passa a poder recorrer à justiça quando discordar de questões afetas à sociedade conjugal, sendo que por esse diploma legal, no desquite com culpa de ambos os cônjuges à mulher é permitido o exercício da guarda dos filhos. (ARAUJO, 2013).

O divórcio surge no ordenamento jurídico brasileiro em 1977, com o advento da Lei n° 6.515/77, terminando com a indissolubilidade do casamento, acabando com a ideia de família como instituição sacralizada. (DIAS, 2016). Assim, de acordo com Delgado (2017), com a Emenda Constitucional n° 09 de 1977, foi instituído o divórcio, com restrições que dificultariam sua utilização, pois, a dissolução do casamento só era possível após prévia separação judicial por mais de três anos ou prévia separação de fato por mais de cinco anos.

Araújo (2013) assevera que, a grande evolução que ocorreu em relação a esse instituto é o fato que o indivíduo possui liberdade, pois, não é mais obrigado a permanecer casado se assim não desejar, sendo importante destacar que o divórcio não significa o fim da família, mas sim a sua reestruturação e sua reconstrução. (ARAUJO, 2013)

Entretanto, a mudança maior ocorreu com o advento da Constituição de 1988, que garantiu tratamento igualitário entre o homem e a mulher, abrindo o conceito de família e proporcionando a todos os seus membros o mesmo tratamento. Conforme demonstra Maria Berenice Dias:

A Constituição Federal de 1988, em um único dispositivo espancou séculos de hipocrisia e preconceito, instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e estendeu o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu proteção a família constituída do casamento, bem como da união estável entre o homem e a mulher e a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes. (DIAS, 2016, p. 41)

Dentro dessa perspectiva, Yassue (2010) admite que o legislador constituinte de 1988, positivou o que de fato já existia na sociedade, ampliando o conceito de família e protegendo de forma igualitária todos os seus membros. Prossegue a autora dizendo que a lei maior apenas codificou valores sedimentados e reconhecidos com a evolução da sociedade. Wald (2015) destaca ainda que a união estável entre o homem e a mulher foi reconhecida como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua convenção em casamento. E mais, ainda segundo o autor, foi estabelecida a igualdade entre homens e mulheres em relação a direitos e deveres, além de permitir que o decreto do divórcio viesse a se dar independente do transcurso do tempo. (WALD, 2015).

Nessa seara, frisa Castilho, que atualmente a família não se encontra vinculada ao matrimônio tendo em vista que hoje o direito de família vincula-se à noção de afeto e interesses em comum, existindo atualmente vários tipos de entidades familiares reconhecidas como tal pelo ordenamento jurídico brasileiro (CASTILHO, 2014). Destaca-se que o afeto possui valor considerável no direito de família brasileiro atual, razão pela qual, colocou nas relações extramatrimoniais um selo de oficialidade (DIAS, 2016).

A Magna Carta adotou essa nova ordem de valores em nome da dignidade da pessoa humana, conforme ratifica Gonçalves (2017), uma vez que a Constituição Federal de 1988, de maneira expressa, prevê novas formas de entidades familiares, como a formada por união estável ou por apenas um dos pais com seus filhos e também abre margem de interpretação para se entender que a entidade familiar pode ser vista de diversos ângulos, possuindo várias formas de constituição.

Em relação ao Código Civil de 2002, é interessante frisar que ele trouxe inovações no que diz respeito ao direito de família, uma vez que segundo Dresch (2015), as alterações visam preservar valores culturais, conferindo a família moderna um tratamento que atenda às necessidades da prole.

Seguindo essa linha, Wald (2015) diz que o atual Código Civil enfatiza desde o início a igualdade entre os cônjuges a não interferência das pessoas jurídicas de direito público na comunhão de vida instituída pelo casamento, prossegue o autor assegurando que atualmente, as questões essenciais são decididas em comum, sempre sendo necessária a colaboração da mulher na direção da sociedade conjugal.

Sendo um cenário bem diferente do que era exposto na época do direito romano, canônico e no Código Civil de 1916, onde a mulher era submissa ao marido, não possuindo nenhum tipo de autonomia, sendo encarregada apenas de afazeres domésticos e da criação dos filhos, sendo o homem o alicerce da família naquela época. No ponto de vista de Baumann, o direito civil disciplina o direito de família com a concessão de diretrizes que possibilitam a constituição da família sob um novo víeis uma vez que passou também a regulamentar as relações oriundas da união estável e das relações de parentesco. (BAUMANN, 2006).

Podendo se dizer que a Constituição de 1988, provocou uma profunda modificação no Código Civil de 2002, por considerar a família, base de uma sociedade, sob especial proteção do Estado, dando de acordo com Wald (2015) amplitude singular, não a conceituando apenas como aquela originária do casamento. Na visão de Nader as mudanças que se operaram provocam uma ruptura com o passado, que fundava no individualismo e não se atentava plenamente para a dignidade inerente aos seres humanos. (NADER, 2015)

2.2.       Princípios norteadores do direito de família

Os princípios de direito, de forma ampla, apresentam um peso valorativo no que diz respeito aos interesses da sociedade, retratando ideais filosóficos como a justiça e a ética. Figuram como diretriz fundamental do ordenamento jurídico estabelecendo os critérios de compreensão e interpretação normativa, sendo a estrutura principiológica um grande sustento para o ordenamento jurídico, uma vez que os princípios são considerados como fundamentos que elaboram regras ou preceitos para todo tipo de operação jurídica (FREIRE, 2016).

Os princípios constitucionais ultrapassam a esfera constitucional servindo de alicerce para outros ramos do direito, sendo assim, imprescindível a análise dos princípios constitucionais aplicáveis ao direito de família. Entretanto, delimitar os princípios norteadores do Direito de família é uma função difícil, tendo em vista que não existe um acordo na doutrina e na jurisprudência a respeito dos princípios consagrados na Constituição de 1988, pois, os princípios não são inertes, tendo que ser aplicados com a finalidade de privilegiar as relações decorrentes da família (FREIRE, 2016).

Alguns princípios atribuem a qualidade de princípios explícitos, outros, estimando a acepção de que há resguardo dentro de um contexto implícito a determinada matéria, mas todas com parâmetro jurídico no texto constitucional (REIS; MONTESCHIO, 2013). Salienta-se, ainda, que afirmem que não existe hierarquia entre os princípios, cumpre destacar que a magna carta e o direito de família são ajustados pelo princípio da dignidade da pessoa humana (LOBO, 2007), que é considerado um dogma que controla todo o ordenamento jurídico. Tal princípio foi introduzido pela Constituição Federal de 1988, na condição de fundamento da República Federativa do Brasil, posto que o legislador constituinte considerou o princípio da dignidade da pessoa humana como parâmetro de sustentação do Estado brasileiro, buscando assegurá-lo de maneira a contribuir com o bem-estar do ser humano e desenvolvimento social.

Nessa perspectiva, o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser considerado como sendo o pilar de sustentação do Estado Democrático de Direito, sendo instituído já no primeiro artigo da magna carta de 1988 (DELLANI, 2014). De modo que a Constituição Federal (BRASIL, 1988) apresenta como sendo um valor fundamental, expondo que:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]

III - a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988).

Entretanto, perdura uma imensa complexidade em definir com exatidão o princípio da dignidade da pessoa humana, em virtude de seu conceito ser composto por sentimentos e emoções de cada pessoa. Assim sendo, sublinha-se que a dignidade pode ser compreendida como sendo um valor moral que se evidencia na autodeterminação e no direito intocável das pessoas de se respeitarem, comportamentos estes evidenciados através do princípio da dignidade da pessoa humana (DELLANI, 2014).

Assim, o princípio supramencionado encontra-se umbilicalmente unido aos Direitos Humanos, que, aplicado ao direito de família, busca promover a igualdade para todas as entidades familiares. Com o princípio da dignidade da pessoa humana modificou-se a forma de enxergar a família, que passou a ser vista como a união de indivíduos ligados pelo afeto e não mais apenas como uma unidade interligada por laços sanguíneos (DIAS, 2016).

Importante destacar que a dignidade da pessoa humana alcança na família o ambiente apropriado para prosperar, pois, esse instituto recebe uma tutela especial do Estado, independente da origem, por ser considerada como entidade de sustentação da sociedade, proporcionando a plena evolução e a promoção de todos os membros da entidade familiar, principalmente das crianças e dos adolescentes. Nesse sentido, pode-se dizer que a formação familiar é uma das maneiras mais íntimas de exercício da dignidade e das personalidades humanos (GONÇALVES, 2017).

Dentro desse contexto é oportuno mencionar que a Magna Carta de 1988 ampliou de forma significativa a percepção de família, uma vez que, que “essa entidade era vista de forma restrita, contendo características próprias e sendo constituída apenas pelo casamento” (JATOBÁ, 2014). Entretanto, para que as normas constitucionais tenham eficiência são necessárias que esteja de acordo com os fatos sociais vivenciados por seus receptores sob pena de se tornar inútil.

Assim, devido os avanços legislativos que ocorreram no decorrer do tempo, a entidade familiar passou por uma ampliação avocando diferentes traços, de maneira que o matrimônio deixou de ser o exclusivo fato gerador da família, passando a existir no ordenamento jurídico, outros núcleos familiares diversos do oriundo com o casamento (MONTEIRO, 2013). Com essa diversidade de reconhecimento de unidades familiares, consagrou-se no direito de família o princípio da pluralidade de famílias. Ora, pode se considerar através desse princípio que a família se funda na probabilidade de convivência, devendo sua percepção ser mais instrumental do que finalísticas e tem como objetivo dar reconhecimento e proteção aos variados tipos de entidades familiares, tendo em vista que o rol previsto na magna carta não é taxativo (RODRIGUES, 2009).

Ainda que se entenda, como previsto na Constituição, que família é aquela proveniente do casamento entre homem e mulher, da união estável e também pelo corpo social constituído por qualquer um dos pais ou filhos, essa previsão não é taxativa, como dito, sendo possível abranger o direito de família para outros tipos de unidades familiares, especialmente por conta do princípio da dignidade da pessoa humana e do princípio da pluralidade das famílias. Nesse sentido, oportuno mencionar a grande inovação jurídica quanto ao reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares (LOBO, 2011).  Por muito tempo houve uma verdadeira batalha judicial para que fosse reconhecida a relação homossexual como uma entidade familiar, nesse sentido, Lobo destaca que:

O dilema judicial ficava entre os limites constitucionais que reconhecia como família três entidades familiares (casamento, união estável e a família monoparental) e admitindo muitos tribunais o pluralismo dessas entidades familiares que se compõem a partir do afeto, não sendo admitido, depois do pronunciamento do STF com o julgamento da ADPF 132 e da ADI 4. 477, deslocar uniões homoafetivas para o direito obrigacional e sob qualquer prisma negar a possibilidade da união estável homoafetiva, visto o reconhecimento da licitude do casamento homoafetivo (LOBO, 2011, p. 98).

Nessa perspectiva, cabe ressaltar que com o julgamento simultâneo da ADPF 132 e da ADI 4.477, ocorreu uma ruptura de padrões estabelecidos promovendo um grande progresso no direito de família, “pois o Supremo Tribunal Federal compreendeu que a união homoafetivas é uma entidade familiar, possuindo direitos e deveres equivalentes a união entre o homem e a mulher”, sendo uma forma de se consolidar o exercício da dignidade humana daqueles que assim se sentem realizados em constituir-se como família e, portanto, devendo também esta entidade familiar merecer a proteção estatal Constitucionalmente prevista, assim como toda e qualquer outra unidade familiar (ORTEGA, 2016).

Os avanços trazidos através do princípio da pluralidade das famílias é importante, pois com o decorrer do tempo, vão surgindo novos grupos sociais construídos por pessoas solteiras, sozinhas, divorciadas, dentre outras formas de constituição familiar. Compreende-se, assim, que a família vai além de uma união decorrente do matrimônio entre homem e uma mulher, sendo um elo de união e de companheirismo sendo constituído através do amor e da assistência. A família passa a ser vista como aquela em que as pessoas escolhem para se conviver como família (ORTEGA, 2016).

Destaca-se também o princípio da busca pela felicidade, que foi profetizado pela primeira vez na Declaração de Independência dos Estados Unidos como retorno aos anseios do povo que não aceitava mais ser uma colônia ligada a Inglaterra. A felicidade é objeto de desejo de todas as pessoas, embora seja árduo seu reconhecimento, pois, advém de pessoa para pessoa, podendo considerar como felicidade diversos fatores (ORTEGA, 2016).

No Brasil, a busca pela felicidade foi reconhecida com qualidade de princípio em virtude do julgamento referente ao reconhecimento da união estável homoafetivas, uma vez que este princípio é decorrente da dignidade da pessoa humana, sendo assim, não expressamente positivado, mas reconhecido de maneira implícita a partir das principiologias elencadas no texto constitucional (DIAS, 2016).

Como dito anteriormente, a formação familiar é um meio para a busca pela felicidade, de realização da dignidade humana, portanto, deve ser analisada e empregada no ordenamento jurídico brasileiro de forma democrática, sem sobrepor filosofias, preconceitos ou prioridades religiosas, sociais ou culturais uma sobre as outras. Toda forma de expressão familiar deve ser respeitada e protegida pelo Estado Democrático de Direito Brasileiro (LIMA, 2016).

Dentro desse cenário, cumpre enfatizar um outro princípio aplicado ao direito de família, o princípio da afetividade, que mostra, de forma geral, possuir uma ligação com o direito a felicidade, em virtude de respaldar o direito de família no que diz respeito à segurança nas relações socioafetivas. Assim, em relação à segurança dessas relações, o princípio da afetividade institui significativo aparato jurisprudencial que de maneira geral, expõe as modificações ocorridas na família, surgindo no ordenamento pátrio como um dos mais importantes princípios aplicáveis ao direito de família e que justamente justifica e fundamenta o reconhecimento das diferentes formas de constituição familiar existentes na sociedade brasileira (MULLER, 2017).

O princípio da afetividade atua como condutor que reformula a tutela jurídica no âmbito do direito de família, onde sua maior preocupação se encontra nos elos presos ao núcleo familiar do que a diversidade das entidades familiares ou nas relações consanguíneas. Ressalta-se, ainda, que também é um princípio que não está expresso na Constituição, entretanto, pode ser visualizado na constatação da tutela jurídica a união estável como entidades familiares e na igualdade entre os filhos, ou seja, extrai-se explicitamente do texto Constitucional (SERRÃO, 2016).

Logo, o princípio da afetividade é resultado da convivência familiar, de ações exteriorizadas, de atuações objetivas apresentadas pelo afeto familiar de seus entes na constituição e também na preservação da família Desse modo, a afetividade é visto no direito de família como alusão jurídica também vinculada à dignidade humana, que vai além dos laços biológicos, bastando que haja nesse vinculo a presença do amor, da paciência e da solidariedade, que são essenciais para que se possa viver em harmonia familiar (DIAS, 2016).

Do princípio da afetividade decorre também o princípio da isonomia dos filhos, que garante a igualdade de tratamento entre os filhos, independentemente de serem fruto do casamento ou não. Nessa seara, a disposição contida na Constituição Federal determina que não haverá qualquer forma de diferenciação entre os filhos sejam eles legítimos ou ilegítimos, sendo assegurado a todos os mesmos direitos (BOTELHO, 2013).

Nessa perspectiva, pode-se afirmar que atualmente não há mais distinção entre os filhos, independente se é fruto de um casamento ou não, tendo em vista que o texto constitucional reconheceu como família entidade diversa do matrimônio vencendo a distinção preconceituosa e segregacionista que existia em relação a filiação conforme estabelecia o código civil de 1916, que dividia os filhos como sendo legítimos ou ilegítimos. Na nova perspectiva legal, filho é filho e pronto. (TARTUCE, 2017).

É oportuno assinalar que a igualdade entre os filhos também é assegurada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e também no Código Civil de 2002 que garantem aos filhos o direito de integrar o núcleo familiar, assim como assegura o recebimento de pensão alimentícia que supre as necessidades básicas dos filhos menores. Desse modo, pode-se afirmar que a igualdade entre os filhos impede que atualmente ocorra tratamento desigual entre eles (LOPES, 2009).

Deve ser oportuno mencionar também o respeito ao princípio da isonomia entre os cônjuges que decorre da mudança ocorrida no ordenamento jurídico em virtude do advento da Constituição Federal de 1988. Este princípio instituiu a igualdade entre as pessoas, homens e mulheres, de forma expressa na Carta Magna. Desde então, as relações entre os indivíduos passaram a ter um novo tratamento, mais isonômico. Com a promulgação da Magna Carta de 1988, foi extinto do ordenamento jurídico a submissão da mulher ao homem, pois, não se agrega mais a ideia de uma família patriarcal e machista, uma vez que, a mulher passa a participar da sociedade de forma ativa, seja na polícia, na economia ou em outras áreas (LOPES, 2009).

Essa inserção da mulher na sociedade ocorreu através dos avanços “tecnológicos e principalmente sociais que, de certa maneira, contribuíram para a atribuição de novas funções destinadas a mulher dentro da família advinda da evolução ocorrida no campo social” (GONÇALVES, 2017). Assim, convém destacar que, em virtude do princípio da isonomia entre os cônjuges, eleva-se a igualdade dentro da entidade familiar de forma que a chefia familiar que antes era exercida apenas pelo homem, passa a ser exercido também pela mulher, de forma conjunta (TARTUCE, 2017).

A independência financeira da mulher é um fator preponderante para suas conquistas tendo em vista ser um mecanismo capaz de fazer valer suas reivindicações perante toda sociedade inclusive no seio familiar, não sendo ela mais submissa ao poder econômico do homem. Desse modo, em decorrência desse princípio se extingue a supremacia poder marital do homem sobre a mulher. O controle econômico da família passa a ser sucedido por um modelo onde as decisões devem ser tomadas em conjunto entre marido e mulher (BRAGANHOLO; DUTRA, 2013).

2.3.       Direitos e deveres advindos do poder familiar

A família desempenha um papel fundamental no crescimento da criança ou adolescente, assim como na formação do indivíduo-cidadão, uma vez que o menor deve receber de seus familiares e, principalmente, de seus pais, as principais orientações para que possam moldar seus valores e princípios como seres humanos. A família tem a função de assegurar a formação e a evolução da personalidade de seus integrantes. Cabe destacar que, anteriormente, o poder familiar denominado como pátrio, provinha da visão patriarcal, onde o pai detinha autoridade sobre os filhos, enquanto a mãe desempenhava apenas o papel de colaboradora e cuidadora, sendo subalterna diante do marido. A mulher não tinha voz ativa nas decisões familiares. (FERREIRA, 2016).

O pátrio poder passou por enormes transformações ao longo do tempo, nesse sentido, Venosa aponta:

Confrontando o pátrio poder desenvolvido em Roma, com a visão moderna do instituto nota-se, uma profunda modificação, uma vez que em Roma o pátrio poder detém uma conotação religiosa, além de deter sobre os filhos o direito de vida e de morte, além de ser titular de todo patrimônio destinado a família. (VENOSA, 2011, p. 312).

Assim, dentro do contexto brasileiro há existência expressa do pátrio poder em dois diplomas legais e que merecem destaque, que são o Código Civil de 1916 e a Constituição Federal de 1988. Na legislação civilista de 1916, “o marido era a figura que representava e orientava a sociedade conjugal. Na falta do marido, o controle da família passava para as mãos da mulher que avocava a execução do pátrio poder dos filhos”. A participação da mulher não era ativa, era subsidiária, pois, o pátrio poder a ela competia diante da ausência do homem (DIAS, 2016).

Entretanto, o Estatuto da Mulher Casada inseriu uma série de modificações no Código Civil de 1916, possibilitando que o exercício do pátrio poder pudesse ser desempenhado por ambos os pais(DIAS, 2016). Com o advento da Constituição Federal de 1988 e que estabelece que o desempenho da atividade familiar tem que ser impreterivelmente partilhado entre os pais, tendo em vista não haver mais no ordenamento jurídico distinção entre homem e mulher (RIBEIRO; CABRAL, 2013). Nesse sentido, a Magna Carta dispõe que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. (BRASIL, 1988)

Com a evolução do progresso social e em perfeita harmonia com o Texto Constitucional, em 1990 foi elaborado o Estatuto da Criança e do Adolescente, que evidencia a igualdade de condições entre os cônjuges, para executar o poder familiar (RIBEIRO; CABRAL, 2013), que em seu art. 21 dispõe que:

Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência. (BRASIL, 1990)

Na mesma seara, cabe salientar que, com a implantação do Código Civil de 2002 a modificação do vocábulo “pátrio poder” se concretizou oficialmente, transferindo o poder sobre os filhos aos pais e não a apenas ao pai, materializando o que hoje se denomina de “poder familiar”. Dentro desse contexto, é oportuno apresentar o conceito de poder familiar trazido por Carlos Roberto Gonçalves, que define poder familiar como sendo o conjunto de direitos e deveres concedido aos pais, no que diz respeito à pessoa e também aos bens dos filhos menores (GONÇALVES, 2017).

No mesmo ponto de vista, Paulo Nader (2016) sustenta que o poder familiar é um instituto público que confere aos pais o encargo de prover a criação e a educação dos filhos menores, além de administrar os eventuais bens de sua prole. Sendo o poder familiar de forma simultânea uma autorização e um dever legal para que se possa exercer a administração dos bens de seus filhos e também poder assegurar os direitos dos filhos incapazes .O poder familiar se justifica porque durante sua infância, o ser humano precisa de alguém que venha a ampará-lo, promovendo sua criação, educação e que também se encarregue de cuidar de seus interesses.

O poder familiar é uma incumbência dos pais a ser desempenhado em benefício de sua prole, sempre em observação ao melhor interesse da criança/adolescente, cabendo mencionar que os genitores possuem alguns direitos em relação aos filhos incapazes. Nesse seguimento Figueiredo e Alexandridis (2013) indicam que os genitores no exercício do poder familiar podem:

a) Coordenar a criação e a educação, tendo ciência do processo pedagógico, contribuindo com o processo de manifestação das orientações educacionais; b) Deter o menor sob sua guarda e companhia esclarecendo a razão de se utilizar medidas judiciais cabíveis para reivindicar de quem de forma ilegítima o detenha, podendo, inclusive, solicitar a busca e apreensão do menor; c) Gerenciar os bens dos filhos, enquanto permanecer a menoridade, sendo usuário desses patrimônios, podendo assim, recolher os frutos e rendimentos, empregando para a manutenção da família; d) Reivindicar respeito e obediência, por essa razão, os pais possuem liberdade para aplicar punições que podem ser proporcionados de diversas formas (FIGUEIREDO, ALEXANDRIDIS, 2013, p.19)

Trata-se de um encargo imprescritível, irrenunciável e indisponível, razão pela qual os pais não podem transferir suas obrigações de pais para terceiros, assim como não podem abrir mão do exercício dessa função. Independente do elo entre os genitores, eles atuam em conjunto nessa função, reforçando que o divórcio não modifica o poder familiar. Entretanto, ao se considerar que os términos dos vínculos conjugais ocorram com maior frequência, tem-se uma precaução no que tange aos filhos, pois, eles vivenciam uma alteração no contexto familiar sem ser notificado das decisões acarretaram a separação (GONÇALVES, 2017).

Dessa forma, visando restringir os efeitos negativos ocasionados pela dissolução da vida conjugal dos pais, faz-se necessário um cuidado simultâneo entre os genitores para que ambos possam seguir presentes na vida de seus filhos, buscando preservar o bem estar da criança ou adolescente (DALL’ORTO, 2013). Nesse sentido, a magna carta garante o direito do menor ao convívio familiar, como dispõe o art. 227:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão [...] (BRASIL, 1988).

O direito a convivência “não é assegurado apenas ao genitor ou a genitora, uma vez que é direito do próprio filho com seus pais, eis que a convivência deve ser preservada mesmo quando pai e filho não vivem sob o mesmo teto” (DIAS, 2016). Nesse sentido, dispõe o art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente que “é direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral” (BRASIL, 1990). Dentro desse contexto, fica evidente que o contato com seus genitores é fundamental para que o crescimento do menor, contribuindo para o seu desenvolvimento social e colaborando na formação de sua personalidade, como indivíduo e como cidadão (MESTRINER, 2017).

Assim, a ausência de um dos genitores pode gerar um desequilíbrio, ocasionando diversos problemas no desenvolvimento da personalidade da criança, razão pela qual a integração entre pai e filho é um dos motivos que facilitam a inserção da criança na sociedade, vindo também a refletir na vida adulta diante do modo em que se insere no contexto social. É importante ressaltar que o afastamento do pai ou da mãe pode trazer consequências para a saúde das crianças como “obesidade e também pode acarretar o desenvolvimento de sentimento de culpa, rejeição e abandono, além de ser mais propicio ao uso de drogas, álcool e do amadurecimento físico precoce”, segundo consta nesses estudos (DAMIANI; COLOSSI, 2015).

Diante dos breves apontamentos sobre a importância da convivência familiar, principalmente, com seus genitores, bem como possíveis consequências decorrentes da ausência desse convívio, cumpre enfatizar que, apesar de todo aparato desenvolvido pelos legisladores para garantir o efetivo exercício do poder familiar em benefício dos menores envolvidos, em algumas situações pode ocorrer dos pais terem suspensos ou até mesmo, perderem a titularidade do poder familiar (DAMIANI; COLOSSI, 2015).

Nessa perspectiva, cabe apontar que o Código Civil de 2002, estabelece que o poder familiar acaba nas hipóteses estabelecidas no art. 1.635 que prevê que “extingue o poder familiar pela morte dos pais ou do filho; pela emancipação; pela maioridade; pela adoção e por decisão judicial” (BRASIL, 2002). Já nas ocasiões em que qualquer um dos genitores passam a ser exceder do encargo que é a eles conferido, “compete ao poder judiciário mediante requerimento do Ministério Público promover medidas que resguardem a segurança do menor, vindo, inclusive a suspender o poder familiar” (MONTEIRO, 2015).

Suspender o poder familiar significa restringir o desempenho da função dos pais em relação aos filhos, seja por previsão expressa da lei ou fundamentada em decisão judicial que permanece até quando for necessária para o menor (CNJ, 2015). Nessa seara, o art. 1637 do Código Civil determina que:

Se o pai ou a mãe abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a ele inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha (BRASIL, 2002).

Já em relação à perda do poder familiar, está relacionada a algo com maior gravidade, uma vez que acarreta a destituição do poder familiar por meio de decisão judicial (CNJ, 2015), conforme preconiza o art. 1.638 do Código Civil “perderá o poder familiar pai ou mãe que castigar imoderadamente o filho; deixar o filho abandono; praticar ato contrário a moral e aos bons costumes” (BRASIL, 2002). O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, estabelece em seu art. 155 que “o procedimento para a perda e a suspensão do poder familiar terá início por provocação do Ministério Público, ou por quem tenha legitimo interesse” (BRASIL, 1990). Ressaltando que, nas hipóteses de suspensão do poder familiar, a decisão judicial pode ser revista e modificada pelo juiz quando forem revertidos os fatos que causaram tal medida (CNJ, 2015).

CONCLUSÃO

Diante do contexto apresentado, é sempre importante frisar o caráter mutável e evolucionista das relações humanas e, por consequência, do próprio desenvolvimento das sociedades. Seria ingenuidade imaginar que determinada realidade ou contexto social teria sido sempre da forma como se conhece no tempo em que vive o indivíduo que o observa. Não é assim que funciona e nunca foi. As pessoas mudam, as sociedades se modificam, a humanidade evolui e, junto dela, o direito, que transforma as relações sociais em estruturas jurídicas legítimas, a fim de conferir mais segurança e formalidade ao que, na prática, já existe no contexto social.

Essa evolução não seria diferente no direito de família, como pode ser observado no decorrer deste texto. Analisando a evolução do conceito e da formação familiar, desde a era primitiva romana, passando pela família de cunho cristã até chegar às diferentes concepções de família, fica bem clara a capacidade humana de se reinventar.

A formação familiar é uma das mais íntimas formas de se expressar em individualidade e personalidade da pessoa humana. Escolher constituir-se em família e como estrutura-la, bem como desenvolvê-la representa uma efetivação da garantia de dignidade. Assim, na família que é o núcleo central da sociedade, seu núcleo básico, o indivíduo pode se sentir realizado, digno, pertencente àquela estrutura, reverberando o seu comprometimento e as suas condutas no seio social em que está inserido.

O reconhecimento de novas estruturas familiares pela Constituição Federal de 1988, que não apenas a patriarcal matrimonial, foi um grande acerto do constituinte, assim como um grande acerto do Judiciário brasileiro em reconhecer a não taxatividade das estruturas familiares previstas no Texto Constitucional diante da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana e da isonomia. Assim, o Estado brasileiro cumpre o disposto na Norma Constitucional, garante especial proteção à família, seja ela qual for, como for, contra ataques públicos ou particulares.

Inclusão, um Estado Democrático de Direito não deve permitir que significativa parcela de sua população viva à margem da lei justamente em um seio de relações que o próprio Estado entende como núcleo e base de toda a sociedade. Seria também contraproducente, além de ignorar essa realidade social proibi-la, ferindo princípios básicos de liberdade democrática.

Deste modo, uma série de normas, tanto na constituição como em outras legislações, como demonstrado, buscam dar efetividade ao direito de família de forma ampla, assim como encontra-se fundamento e proteção em uma série de importantes princípios de base constitucional, sejam implícitos ou explícitos. Ademais, constituir-se em família trás uma série de deveres e responsabilidades, pois, por ser um ambiente de formação de personalidades, indivíduos e cidadãos, aos pais competem uma ampla gama de responsabilidades que devem ser observadas no processo de proteção e formação de sua prole.

Frise-se que, todas as medidas tomadas pela legislação vigente no ordenamento jurídico buscam preservar o bem estar da família que é a base estruturante de nossa sociedade, procurando resguardar o menor da melhor forma possível para que ele tenha um desenvolvimento sadio, dentro de um núcleo familiar harmônico e estruturado.

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Data da conclusão/última revisão: 7/8/2019

 

Como citar o texto:

SOARES, Jessyca Boechat; RIDOLPHI, Alencar Cordeiro; FERREIRA, Oswaldo Moreira; RANGEL, Tauã Lima Verdan..A família sob uma ótica conceitual e evolucionista. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1643. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/4492/a-familia-sob-otica-conceitual-evolucionista. Acesso em 14 ago. 2019.

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