A proliferação dos novos danos na responsabilidade civil e a massificação das ações individuais
Resumo: Ao tratarmos sobre responsabilidade civil somos remetidos a três grandes pilares, sendo eles a culpa, o dano e o nexo causal. A partir de cada elemento presente no referido sistema novas tendências são apresentadas a fim de proporcionar novas observações e aplicações para cada caso concreto. O cerne do presente trabalho visa discorrer acerca de novos interesses indenizatórios que vêm sendo tutelados pelo Poder Judiciário em decorrência de novos danos ressarcíveis e a consequente proliferação de demandas pouco sérias e merecedoras de amparo pelas vias judiciais.
Palavras-Chave: Responsabilidade Civil; Novos Danos; Massificação; Poder Judiciário
Abstract: When we treat about civil responsability we are sent to three major pillars, called guilt, the damage and the causation.From this elements new tendencies are presented to provide new observations and aplications for each case. The presente work aims to discuss about the new indemnity interests that come tutored by the Judiciary because of new reimbursable damages and the proliferation of unserious demands.
Keywords: Civil Responsability; New Damages; Massification; Judiciary
INTRODUÇÃO
Naturalmente, como resultado da erosão dos filtros tradicionais da responsabilidade civil, que oportuna a relativa perda de importância da culpa e do nexo de causalidade, um número maior de demandas passaram a ser acolhidas pelo Poder Judiciário.
Atualmente falamos de multiplicação das presunções de culpa, responsabilidade fundado no risco, formas de aferição da culpa e não menos importante, a responsabilidade objetiva.
Diante disto, novos posicionamentos jurisdicionais com uma maior flexibilização, seguidos até mesmo de uma presunção ou desconsideração dos pressupostos tradicionais da responsabilidade civil, vem dando ensejo a um número maior de pretensões indenizatórias que vêm sendo submetidas a tutela do Poder Judiciário.
Na medida em que novos interesses buscam proteção pelo Estado, o dano vem, pouco a pouco, ganhando maior destaque jurisprudencial e apresentando novos danos ressarcíveis.
Embora estas novas espécies de dano e suas novas decisões revelem uma maior sensibilidade dos tribunais, de outro lado, essas multiplicações de novas figuras do dano podem aumentar, de forma desnecessária, o aumento de litígios e ações repetitivas no direito brasileiro.
O presente estudo importa analisar as consequências da massificação de demandas em busca da proteção jurisdicional para resolução dos conflitos, que muitas vezes não passam de mero aborrecimento da vida cotidiana.
DESENVOLVIMENTO
Sem dúvidas que com o passar dos anos a massa litigiosa de demandas judiciais aumentou, e muito, em nosso atual sistema judiciário. Situações decorrentes da prosperidade da sociedade, seja no âmbito legislativo, urbano, tecnológico e social.
Quanto mais a sociedade evolui, mais se acentua a necessidade de intervenção e controle governamental (CAPPELLETTI, 1999). Imaginar que há 20 anos as decisões acerca do direito à privacidade, a imagem e perda do tempo estimado ainda engatinhavam nas decisões dos tribunais, e que atualmente tem sido pacificadas por enunciados e posicionamentos jurisprudenciais, nos faz crer que uma nova expansão do dano vem sido apreendida pelas cortes judiciais de todo o mundo.
Fala-se hoje em dano à vida sexual, dano por nascimento indesejado, dano à identidade pessoal, e esta quantidade de novas espécies de dano, se por um lado, mostra uma maior sensibilidade dos tribunais à tutela de aspectos existenciais da personalidade, de outro, faz com que essas novas figuras de dano venham a ter como limites a fantasia do intérprete e a flexibilização da jurisprudência (SCHREIBER, 2006).
Na medida que novos interesses vão surgindo novos conflitos vão merecendo ser resolvidos, verifica-se que há extrema necessidade da tutela pelos tribunais. Danos atinentes à pessoa humana, de ordem material, psíquica ou moral, com interesses individuais, difusos ou coletivos, que passam ser considerados dignos de proteção e merecem reparação.
Exemplos como aquele ocorrido em 2000 na Itália, criticamente batizado como “dano de moto nova”, onde dois sujeitos foram presos em flagrante ao tentar furtar uma moto recém adquirida e além da condenação penal, foram condenados pelo Tribunal de Milão à reparação “do dano moral afetivo”, decorrente do laço afetivo entre a vítima e o objeto furtado, que fora adquirido com o primeiro salário do seu proprietário (SCHREIBER, 2013).
Ainda, na França em 2002, onde a Cour de Cassation, reconheceu o direito de indenização de um adolescente deficiente em razão de rubéola não detectada durante o estado gestacional de sua mãe, tendo em vista que sua genitora havia expressamente declarado, por meio de contratos com o médico e o laboratório, o desejo de interromper a gestação caso o diagnóstico de rubéola fosse confirmado (SCHREIBER, 2013 apud Cour de Cassation, 2000).
No próprio Brasil, as recentes condenações de empresas ao pagamento de indenizações por danos morais pela perda do tempo útil de seus consumidores, seja nas reclamações, popularmente conhecidas como “ações de fila de banco”, ou ainda, em decorrência de call center ineficiente que pode configurar dano moral (enunciado 1.6 do Tribunal de Justiça do Paraná) e até mesmo a configuração do abalo moral pela anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito.
Diante de novas situações jurídicas que merecem amparo jurisdicional, o efetivo acesso ao Poder Judiciário como meio de realização da Justiça deve ser preservado. Diante disto, a criação dos Juizados Especiais, a gratuidade de justiça, as ações coletivas e outros instrumentos têm provocado, de forma quantitativa e qualitativa, o aumento das ações de indenização e dos danos efetivamente ressarcidos.
E neste sentido, diante desta imensa abertura provocada por estas novas espécies de interesses tutelados, que não encontram mais o freio em materializar a tradicional análise dos danos, passa-se a exigir das cortes a aplicação de métodos ou critérios de seleção dos danos ressarcíveis, que muitas vezes permanecem carentes de exame crítico (SCHREIBER, 2013).
Em razão da necessidade de defesa de interesses individuais, restou indispensável a intervenção do judiciário para a solução dos conflitos, demandas individuais em enorme número sob trâmite de uma estrutura do Poder Judiciário precária para atender a grande quantidade de demandas pelo amparo jurisdicional.
Destaca-se como proliferação de demandas de indenização por danos morais, com uma certa banalização do referido instituto, as ações que visam obter indenizações pelos acontecimentos mais banais da vida social como transtornos corriqueiros em estabelecimentos comerciais, na simples interrupção dos serviços de telefonia, a mera cobrança indevida sem existência de má-fé.
Embora haja casos nos quais o pleito e a configuração do dano é legítima, existem situações abusivas que incentivam as pessoas a buscar o Poder Judiciário para reparação de supostos danos percebidos em razão de qualquer dissabor.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A complexa vida em sociedade, independentemente do acerto ou desacerto das decisões judiciais, demonstra a evidente proliferação do que se tem chamado de novos danos.
Ainda que, em alguns destes novos danos, realmente haja uma situação lesiva, merecedora de amparo jurisdicional, o que se vê são proliferações de interesses fundados em meros aborrecimentos ou simples frustrações que fazem os indivíduos, postular, sem risco de haver prejuízo financeiro, ações infundadas que acabam incentivando o surgimento de demandas em excesso.
Como se não bastasse a falta de estrutura do Poder Judiciário para resolver tantos litígios, não são raros os mecanismos do Estado a fim de tentar canalizar os limites quantitativos às indenizações, como por exemplo o Projeto de Lei 150/1999 que tinha como propósito impor limites quantitativos às indenizações por dano não patrimonial, dividindo-os em dano moral leve, médio e grave.
Portanto, faz-se necessário uma maior seleção das demandas a serem tuteladas pelo Poder Judiciário, com base nos valores fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro e à dignidade da pessoa humana.
Além da extrema importância de instrumentos coletivos que implicariam em uma diminuição de demandas repetitivas e exigiriam do Estado uma atuação mais efetiva para solucioná-los (VIAFORE, 2013).
CONCLUSÃO
Nota-se que o presente tema merece tratamento mais preciso e sensível pela sociedade e pelo Estado, devendo o Direito, tutelar as demandas fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro.
A existência de novos danos na responsabilidade civil e suas consequentes demandas pela proteção do Poder Judiciário não é refletir sobre tetos indenizatórios ou áreas imunes à responsabilidade civil, mas sobre critérios que permitam a seleção dos interesses tutelados à luz dos valores constitucionais (SCHREIBER, 2006).
Demandas a fim de obter indenizações pelos acontecimentos mais banais da vida social, dos meros dissabores das relações de consumo, demonstra que a função patrimonial da responsabilidade civil estendeu-se a tempos à tutela de interesses não patrimoniais.
A necessidade do Poder Judiciário não deixar por banalizar um instituto tão importante é de grande importância, de modo que, por meio de decisões mais severas (litigância de má-fé), com exames mais críticos e apontamentos mais concisos em suas decisões diminuiriam a busca pelo lucro fácil nas demandas repetitivas.
Ainda que os direitos subjetivos das esferas individuais sejam extremamente importantes, quando decorrerem por uma origem comum, é dever da sociedade, utilizar de meios coletivos para uma melhor canalização das decisões judicias e consequente desafogamento das instâncias judiciais.
Assim, outros instrumentos que possam ajudar promovem ainda mais a ampla e justa proteção contra os novos danos que constantemente são desencadeados.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em Maio de 2016;
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores?. Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Fabris, 1999. p. 36;
SANTOS, Marina Pereira. A Banalização do Dano Moral. Migalhas, 12 de maio de 2011. Disponível em: . Acesso em maio de 2016;
SCHREIBER, Anderson. Novas Tendências da Responsabilidade Civil. In Responsabilità Civile e Previdenza, anno LXXI, n. 3, marzo 2006, Milano: Dott. A. Giuffrè, pp. 586-600. Disponível em: . Acesso em maio de 2016;
SCHREIBER, Anderson. Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil. Da Erosão dos Filtros da Reparação à Diluição dos Danos. 5ª Edição, São Paulo, Editora Atlas, 2013;
VIAFORE, Daniele. As Ações Coletivas e a Massificação Processual. Class Actions and Processual Massification. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 13, nº 1103, 31 de dezembro de 2013. Disponível em: . Acesso em maio de 2016>;
Data da conclusão/última revisão: 19/4/2018
Eduardo da Silva Calixto
Aluno especial do Programa de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina – UEL. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Campus Londrina. Advogado.