Destaca-se que, diante da situação excepcional enfrentada por todos nós em tempos de pandemia causada pela covid-19, uma boa saída para lidar com questões de ordem contratual é fazer uso da negociação, sobretudo considerando a celeridade e o menor desgaste do ponto de vista emocional.
A negociação direta é um método de solução de conflitos em que as partes resolvem as questões controversas sem a intervenção de um terceiro. A negociação direta é recomendada quando as partes conseguem dialogar. Em alguns casos faz-se necessária a intervenção de um terceiro com o objetivo de facilitar a comunicação entre as partes (negociação assistida).
A negociação assistida, repita-se, faz uso de um terceiro, estranho à relação. O terceiro pode ser um conciliador, um mediador ou um advogado. Tanto o mediador como o conciliador são imparciais, a diferença entre os dois reside no fato de que o conciliador tem uma postura mais ativa, podendo propor ou sugerir soluções, ao passo que o mediador atuará como um facilitador, auxiliando as partes a restabelecerem o diálogo para que, elas próprias, construam uma solução para a controvérsia.
O advogado também poderá atuar como terceiro numa negociação assistida, entretanto, o advogado será um terceiro parcial, uma vez que irá defender e zelar pelos interesses do seu cliente, cuidando das questões legais imbricadas ao caso.
A negociação pode ser competitiva ou distributiva em que as partes são tidas como adversárias, ou seja, resta evidenciada a dicotomia ganhar e perder. Nesse tipo de negociação há uma verdadeira disputa, de forma que cada parte persegue vantagens em detrimento da outra, o processo judicial é um exemplo típico desse tipo de negociação.
Por outro lado tem-se a negociação cooperativa ou integrativa em que as partes trabalham conjuntamente. A negociação integrativa centra-se nas pessoas e nos relacionamentos, baseia-se em princípios, concilia-se os interesses e necessidades das partes, de modo a resultar em ganhos mútuos.
No cenário atual, em face da instabilidade a qual estamos passando, muitas relações contratuais foram abaladas. É importante esclarecer que cada relação contratual tem sua peculiaridade, dada a natureza da relação jurídica no caso concreto, entretanto, de uma forma geral, podemos orientar a utilização da negociação como forma de flexibilizar as regras contratuais. Na negociação, as partes assumem o controle das decisões, estabelecendo os critérios objetivos a serem discutidos, devendo imperar a boa fé e a razoabilidade.
Para ter êxito numa negociação é necessário planejamento e estratégia. Um bom negociador adota medidas valiosas tais como: coleta informações importantes, estabelece critérios objetivos os quais servirão de parâmetro, cria opções de ganho mútuo, faz uso de uma comunicação assertiva, escolhe ambiente adequado, ajusta o tempo, dentre outros medidas.
Para Roger Fischer e William L. Ury, um método efetivo de negociação deve produzir um acordo sensato, se houver a possibilidade de acordo, deve ser eficiente, deve aprimorar ou, pelo menos, não prejudicar o relacionamento entre as partes.
A abordagem que iremos utilizar será sob o viés da negociação cooperativa ou integrativa. No que diz respeito às mensalidades escolares é possível que o consumidor requeira o abatimento do preço, caso o serviço não esteja sendo prestado ou tenha sido prestado de forma deficiente. Por tratar-se de relação de consumo aplica-se o disposto no art. 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor, o qual considera direito básico do consumidor a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
Recentemente, a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACOM) emitiu Nota Técnica estimulando a adoção dos meios autocompositivos, especialmente da negociação, através da plataforma consumidor. gov, para tratar de conflitos de consumo, especialmente de serviços com instituições de ensino.
A plataforma consumidor.gov, conforme noticia o site oficial, “é um serviço pública e gratuito que permite a interlocução direta entre consumidores e empresas para solução alternativa de conflitos de consumo pela internet”.
Entendimento semelhante se aplica às mensalidade de academias, recomenda-se a utilização de meios autocompositivos como a negociação, sendo possível o cancelamento do contrato, sem aplicação de multa, ou outra medida alternativa, visando à manutenção do contrato, optando-se pelo cancelamento em último caso.
No que concerne ao cancelamento de festas e eventos, o consumidor poderá requerer a devolução do valor pago ou a remarcação do evento, disponibilização de crédito, dentre outras alternativas. Como mencionado anteriormente, o ideal é que as partes cheguem a um consenso com acordo mutuamente satisfatório.
Em relação à negociação de contratos de aluguel é importante esclarecer que cuida-se de relação regida pela Lei do Inquilinato, ou seja, não se aplica o disposto no Código de Defesa do Consumidor. Recomenda-se a manutenção do contrato e seu fiel cumprimento, considerando que o locador também pode ter sofrido impactos financeiros oriundos da pandemia.
Caso o locatário esteja com dificuldade financeira para cumprir o contrato de locação sugere-se que o mesmo entre em contato com o locador ou com a imobiliária, se for o caso, para que seja feita uma negociação que contemple os interesses e necessidades de ambas as partes. É possível fazer um aditivo contratual incluindo novas cláusulas para que sejam válidas enquanto durar a pandemia. Se necessário procure um advogado de sua confiança ou procure a Defensoria Pública para auxiliá-lo nas questões legais.
Depreende-se, portanto, que a negociação se apresenta como uma boa saída para tratar de questões controversas relativas a contratos, tendo sempre em mira a boa fé e a razoabilidade, buscando-se a manutenção do contrato, sempre que possível. A negociação do tipo integrativa reforça a busca pelo diálogo e pelo consenso, bem assim estimula soluções criativas e personalizadas, conforme os interesses e necessidades dos envolvidos.
Data da conclusão/última revisão: 29/04/2020
Macela Nunes Leal
Graduação em Direito, Graduação em Letras Português, Pós graduada em Direito e Processo do Trabalho com formação em Magistério Superior, Mestrado em Resolução de Conflitos e Mediação - Universidad Europea del Atlántico e Mestrado em Mestrado em Gestão Estratégica. - Universidad Internacional Iberoamericana - UNINI Porto Rico. Mediadora extrajudicial e judicial. Atualmente é advogada orientadora da Centro Universitário Uninassau Teresina. Vice Presidente do Instituto Imediar.
Código da publicação: 10140
Como citar o texto:
LEAL, Macela Nunes..A negociação como instrumento de flexibilização de contratos em época de pandemia. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 18, nº 977. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/10140/a-negociacao-como-instrumento-flexibilizacao-contratos-epoca-pandemia. Acesso em 4 mai. 2020.
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