Resumo: O objetivo do presente artigo é analisar o direito fundamental de propriedade assegurada ao cidadão, constitucional e civilmente. Demonstrando suas questões legais e controvertidas, tendo por base a garantias estabelecidas pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e, ainda, ao princípio da função social da propriedade, apresentando assim, possíveis conflitos entre o interesse o público e o interesse privado sobre a utilização de tal propriedade, por meio de uma revisão bibliográfica. Destacando concepções atuais concernentes ao tópico em comento.

Palavras-chave: Propriedade Privada. Direitos Fundamentais. Função Social.

Abstract: The objective of this article is to analyze the fundamental right of property assured to the citizen, constitutional and civil. Demonstrating its legal and controversial issues, based on the guarantees established by the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988 and also on the principle of the social function of property, thus presenting possible conflicts between public interest and private interest in the the use of such property, through a bibliographic review.

Keywords: Private property. Fundamental rights. Social role.

Sumário: 1 Introdução; 2 Posse e Propriedade em pauta: da delimitação conceitual; 3 Direito à Propriedade Privada como Direito Fundamental; 4 Da Propriedade Privada no Ordenamento Jurídico Brasileiro: Uma análise à luz dos pilares caracterizadores do Código Civil de 1916; 5 Propriedade Privada em uma novel concepção: o reconhecimento da função social da propriedade à luz da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002; 6 Conclusão.

 

1 INTRODUÇÃO

O direito à propriedade privada tem sido objeto de estudo de vários historiadores, sociólogos, economistas, políticos e juristas. O objetivo primordial das investigações sobre o tema era procurar fixar-lhe o conceito, determinar-lhe a origem, caracterizar os elementos, acompanhar-lhe a evolução, justifica-la ou combatê-la.

Diversas teorias apresentadas pelas doutrinas buscam explicar a propriedade privada que é a razão pela qual leva um indivíduo a tornar-se dono de uma coisa ou a base jurídica do exercício do direito em análise, a teoria da primeira ocupação, a qual entendia que o homem exerce domínio sobre os bens ainda considerados sem dono, estabelecida por Grócio, a teoria do trabalho apresentada por Locke, estabelece que o domínio da coisa se daria no momento em que o trabalho humano, transformasse a matéria-prima e não por somente ocupação, a teoria da natureza humana, declara que a propriedade é dadiva divina, a teoria positivista defendida por Montesquieu, o direito à propriedade privada passou a ser regido e regulamentado pelo legislador, atendendo ao que seja considerado bem comum, enfim, a teoria da função social, defendida por Josserand, conceitua do direito à propriedade privada no sentindo de que o bem não é um direito, mas uma pratica voltada a atender o interesse público e coletivos.

O início da tentativa de instituir o conceito de propriedade do ordenamento jurídico foi influenciado pelo Direito Romano, em que o domínio sobre a propriedade era individual, pois, esse bem era uma dadiva oferecida pelos deuses protetores do proprietário. O direito à propriedade privada é o mais amplo dos direitos reais, pelo fato de fornecer ao proprietário maior autonomia em suas ações sobre o bem, podendo exercer sobre a propriedade qualquer atividade da forma como bem entender, e que a definição desse direito é bem complexa.

A estrutura do direito de propriedade é formada por um aspecto econômico e por um aspecto jurídico. O aspecto econômico identifica-se com: faculdade de usar, fruir e dispor, revelando a potencialidade de utilização econômica do bem. Já o aspecto jurídico traduz a possibilidade de utilizar-se das vias judiciais para repelir a ingerência alheia, para reaver a propriedade com a ação reivindicatória e protegê-la por meio das ações postas à disposição do proprietário. Assim dispõe, com efeito, o caput do artigo acima transcrito.

A Carta Magna de 1988 marcou a história constitucional brasileira no âmbito dos direitos humanos. Inicialmente estabeleceu um abrangente rol de direitos das mais diversas espécies, incluindo os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, além de prever várias garantias constitucionais. Desta feita, é possível reconhecer que os direitos humanos formam um conjunto de direitos apontados como indispensável para a manutenção da liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana, e dentre eles está elencado o direito à propriedade privada.

            A propriedade privada é considerada um direito fundamental por assim ser estabelecido constitucionalmente. No entanto, esse direito está condicionado ao atingimento da sua função social, de tal requisito uma vez cumprido, serve de garantia ao direito de propriedade. A aquisição de uma propriedade privada urbana tem por objetivo principal, realizar a promoção do acesso à moradia. As normas regulamentadoras do exercício da função social é Estatuto da Cidade que organização do solo urbano e função social da propriedade urbana, prevendo seu conteúdo e elencando as sanções impostas ao seu descumprimento.

 

2 POSSE E PROPRIEDADE EM PAUTA: DA DELIMITAÇÃO CONCEITUAL

É difícil precisar o momento histórico exato em que surgiu o instituto da propriedade, pois essa é uma das instituições mais antigas. O que se conhece é que na Antiguidade, as normas regulamentadoras eram completamente diferentes das atuais. Tal fato se dava em razão do entendimento de que propriedade privada estaria relacionado à própria religião, à primeira ocupação ou ainda à natureza humana e atualmente esse direito é estabelecido e regulamentado mediante lei. Segundo Castilho (2017, s.p.), com a evolução histórica da sociedade humana, surgiram certos grupos étnicos que já tratavam do direito de propriedade, porém não com a visão da sociedade contemporânea.

Rios (2014, s.p.) apresenta várias teorias que buscam explicar a origem do direito à propriedade privada e as razões que levam um indivíduo a dominar um bem ou a base jurídica do exercício desse direito. A primeira a ser tratada é teoria da primeira ocupação, indicado por Grócio, jurista e teólogo holandês considerado emblemático em uma época de transição entre a Idade Média e o Modernismo. Segundo a teoria supramencionada, o homem estendeu seu domínio mediante da ocupação primitiva dos bens ainda considerados sem dono. Com isso, contraíam o direito sobre a coisa, comunicável ao longo do tempo. Para a aquisição do domínio basta a mera ocupação.

A teoria da natureza humana traz o entendimento deque a propriedade é característica da natureza humana, essencial para a estruturação do núcleo familiar, fundamental para a existência humana e condiciona a essência e pressuposto de liberdade. Rios (2017, s.p.) afirma que essa teoria declara a propriedade como uma dadiva divina, sendo predominantemente praticada na cultura romano-germânico. No direito romano tinha-se uma ideia de propriedade ligada à religião, onde cada um dos imóveis de propriedade privada de cada família, estaria sob os cuidados da divindade ancestral.

Na obra “A cidade antiga”, Coulanges demonstra as concepções que se tinha sobre o direito de propriedade privada pelos povos da antiguidade, estritamente dos gregos e romanos, estava extremamente interligada com a religião. A religião ditava as regras a serem seguidas pelos membros da família, e em relação à propriedade privada, essa era uma dadiva oferecida pelos deuses, que protegiam o lar.

 

Há três coisas que desde as mais antigas eras, encontram-se fundadas e solidamente estabelecidas nas sociedades grega e italiana: a religião doméstica, a família e o direito de propriedade; três coisas que mostram manifesta relação entre si em sua origem e que parece terem sido inseparáveis. A ideia de propriedade privada estava implícita na própria religião. Cada família tinha seu lar e os seus antepassados. Esses deuses podiam ser adorados pela família se não por ela, e não protegiam se não a ela; eram sua propriedade exclusivas. (COULANGES, 2006, p.88)

 

Conforme o exposto pela obra de Coulanges, a propriedade privada era um bem tão sagrado que a família não poderia ao menos renunciar à sua posse, pois esta era considerada inalienável e imprescritível. “Tomemos, em primeiro lugar, o lar; esse altar é o símbolo da vida sedentária. Deve ser colocado sobre a terra, e, uma vez construído, não o deve mudar mais de lugar” (COULANGES, 2006, p.88). Esse entendimento era levando em consideração, pelo fato de crerem que o deus selador da família, desejava fixar uma moradia, ele estaria guardando o lar construído pelos antepassados dessa família.

Nessa época, os proprietários não se preocupavam em aferir lucro com seus bens, o interesse pessoal sobre eles era de proteger uma dadiva deixada pelos deuses à família. Em complemento, Costa (1984, p.06 apud, MARTINS, 2007, s.p.) estabelece que os grupos familiares davam importância a bens como a terra, os alimentos, a caça e a pesca, sendo esses de interesse fundamental, indispensável para a subsistência. O controle da propriedade, por conseguinte, situava-se no nível do grupo social. Nas sociedades primitivas, a propriedade privada como fonte de poder, tinha pouca importância. A distribuição da riqueza fazia de modo quantitativo dentro da família e do clã.

Como era materialmente impossível mover sobre a terra uma edificação, a família assim não poderia residir em outro imóvel, a menos que fosse expulso por um inimigo ou se a terra não produzisse o suficiente para a sua subsistência, não havendo tais necessidades de abandonar o lar, essa morada seria protegida enquanto durasse a família, enquanto restasse um indivíduo, o lar tomaria posse da terra e essa seria sua propriedade. “ Quando se constrói o lar, é com o pensamento e a esperança de que continue sempre no mesmo lugar. O deus ali se instala, não por um dia, nem por espaço de uma vida humana, mas por todo o tempo que dure essa família” (COULANGES, 2006, p.89).

            O povo de tal período histórico cumpria rigorosamente as regras religiosas de proteção à propriedade privada. Para tanto, o altar era isolado e separado de tudo o que não o pertencia era “necessário que ao redor do altar, a certa distância, houvesse uma cerca seja como for, ela marca a divisa que separa o domínio de um lar. Esse recinto é considerado sagrado. Ultrapassa-lo é ato de impiedade” (COULANGES, 2006, p.90). Não podendo uma parede ser comum para duas casas. “Em Roma, a lei fixa em dois pés e meio de largura do espaço que deve sempre separar duas casas, e esse espaço é consagrado ao deus da divisa” (COULANGES, 2006, p. 91).

            Segundo Martins (2007 s.p.), o ser humano tem a necessidade de possuir bens, de dominar, que o próprio instinto de sobrevivência leva o ser humano a apropriar-se de bens. Com isso, a teoria da natureza humana estabelecia que a propriedade só existe porque, sem ela, o homem não poderia sobreviver. Tal fato decorre da premissa que a natureza humana exige a apropriação de alguns bens, para a sua satisfação física e moral, tanto para a produção de alimentos como para sentir-se moralmente dominante.

Com a criação da Lei das Doze Tábulas, Roma estabeleceu um nível de igualdade civil, tendo uma grande evolução aos direitos adquiridos à população romana. “A lei das Dozes Tábulas (...) liberou o campo. Permitiu-se depois a divisão da propriedade, caso houvesse muitos irmãos, mas com a condição de se realizar nova cerimônia religiosa: somente a religião podia dividir o que a religião havia outrora proclamado indivisível” (COULANGES, 2006, p. 103).

Rios (2014, s.p) apresenta em sua obra, outra teoria a ser considerada, é a teoria do trabalho, adotada por Locke, esta se baseava no entendimento de que, o domínio da coisa se daria no momento em que o trabalho humano, transformasse a matéria-prima e não por somente ocupação. O filosofo John Locke traz mediante o segundo tratado sobre o governo civil que “Deus deu o mundo a Adão, a Noé e a seus filhos, fica muito claro que Deus, como diz o Rei Davi, Salmo 115,16, “Deu a terra aos filhos dos homens”, a toda a humanidade” (LOCKE, 2006, p.42). Com essa passagem, Locke defendia a ideia de que Deus havia tutelado o direito à propriedade privada a toda a humanidade e não a um grupo de pessoas ou família.

Locke (2006) entendia o direito à propriedade privada como um bem oferecido por Deus. Entrementes, de forma própria, sendo um direito particular de cada ser humano que impuser sobre algum bem, formas de trabalho para modifica-lo, esse se tornará propriedade do indivíduo que o modificou. Neste sentido, é importuno transcrever o magistério:

 

Ainda que a terra e todas as criaturas inferiores pertençam em comum a todos os homens, cada um guarda a propriedade de sua própria pessoa; sobre este ninguém tem qualquer direito, exceto ela. Podemos dizer que o trabalho de seu corpo e a obra produzida por suas mãos são propriedade sua. Sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e deixou, mistura nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso o tornando sua propriedade. (LOCKE, 2006, p.42)

 

Martins (2007, s.p.), em seus apontamentos, apresenta críticas em relação ao conceito de propriedade privada trazido por essa teoria, tendo em vista que, para trabalhar em uma coisa com o intuito de transforma-la em bem particular, há a necessidade de ter antes, a matéria bruta necessária a essa transformação. Se essa matéria fosse ilimitada, não haveria problema, pois todos poderiam se apropriar dela para realizar o trabalho, no entanto, tal matéria é limitada, impossibilitando a condição de proprietário para alguns. Em relação ao valor econômico do bem, esse se daria pelo somatório do valor da matéria bruta e o valor do trabalho, com isso entende-se que o produto final não resultou apenas do trabalho, logo, não é o trabalho a única justificativa dessa propriedade.

Como forma de justificar seu entendimento John Locke (2006) exemplifica o direito à propriedade como um caçador que se apropria de um bem encontrado na natureza, tornando sua concepção de propriedade privada ainda mais forte, assegurando que será proprietário aquele que aplicar mão de obra para modificar do estado natural do bem. Retratando que a forma de obtenção da propriedade privada de um bem é derivada da força de trabalho.

 

A lebre que alguém está caçando pertence àquele que a persegue durante a caça. Pois tratando-se de um animal considerado sempre um bem comum, não pertencendo individualmente a ninguém, quem consagrou tanto trabalho para encontrá-lo ou persegui-lo e assim o removendo do estado de natureza em que ele era um bem comum, criou sobre ele um direito de propriedade. (LOCKE, 2006, p.43)

Apesar de toda a terra ter sido oferecida a humanidade, não é correto apropriar-se e um pedaço da superfície terrestre e afasta-la do bem comum, foi condicionado ao ser humano o exercício de obrigações para que possa ser exercido o direito divino de proprietário, “quando Deus deu o mundo em comum a toda a humanidade, também ordenou que o homem trabalhasse, que o melhorasse para beneficiar sua vida, e, assim fazendo, ele estava investindo uma coisa que lhe pertencia: seu trabalho” (LOCKE, 2006, p.43).

O filósofo expõe, ainda, que ninguém deverá sentir-se lesado, pelo fato de alguém separar um terreno do bem comum e sobre ela aplicar formas de trabalho que futuramente o proporcionarão rendimentos necessários para o seu sustento. Se esse ser humano apropriar-se de um terreno, mas, não diminuir o terreno de outro e ainda deixar terra o suficiente para outros proprietários, não haverá o que se falar em injustiça. “Ninguém pode se sentir lesado por outra pessoa beber, ainda que em uma quantidade exagerada, se lhe é deixado todo um rio da mesma água para matar sua sede. O que vale para a água, vale da mesma forma para a terra, se há quantidade suficiente de ambas” (LOCKE, 2006, p.44).

O autor frisa inúmeras vezes em relação à importância da utilização da propriedade para sustento próprio do proprietário, não podendo este, adquirir terras para acumulo de riquezas, mas sim como necessidade para a sua sobrevivência, estabelecendo assim, punições para os donos que colhessem produtos além do vital, como forma de demonstrar o real sentido de propriedade.

 

Mas se esses bens viessem a perecer em sua propriedade sem o devido uso; se os frutos apodrecessem ou a caça ficasse putrefata antes de poder ser consumida, ele infringia a lei comum da natureza e era passível de punição: ele estaria invadindo a terra de seu vizinho, pois seu direito cessava com a necessidade de utilizar estes bens e a possibilidade de deles retirar os bens para sua vida. (LOCKE, 2006, p.45)

 

            Diferente de Locke, Costa (2003, s.p. apud, Martins, 2007, s.p.) acredita que a utilização da propriedade privada tem como finalidade a obtenção de lucro, justificando seu posicionamento no fato de que o salário é a recompensa pelo serviço prestado, e não o valor do bem produzido,

A utilização da propriedade privada foi sendo moldada com o decorrer do tempo, consoante o exposto pelo filosofo Locke, para que o proprietário não recebesse punição pelo excesso de suprimentos cultivados em sua terra, esse passou a trocar produtos entre os proprietários, começando assim a valorizar a propriedade mais produtiva, as mercadorias distribuídas, começando a gerar uma ideia de lucro na produção dos alimentos, valorizando cada vez mais a força de trabalho aplicada no pedaço de terra.

 

Se ele distribuísse a outras pessoas uma parte desses frutos, para que não perecessem inutilmente em suas mãos, esta parte ele também estaria utilizando; e se ele também trocasse ameixas que iriam perecer em uma semana, por nozes que durariam um ano para serem comidas, não estaria lesando ninguém; ele não estaria desperdiçando a reserva comum nem destruindo parte dos bens que pertenciam aos outros enquanto nada se estragasse inutilmente em suas mãos [...] podia guardar com ele a quantidade que quisesse desses bens duráveis, pois o excesso dos limites de sua justa propriedade não estava na dimensão de suas posses, mas na destruição inútil de qualquer coisa entre elas. (LOCKE, 2006, p.48)

Rios (2014, s.p.) apresenta a teoria positivista, definida por Montesquieu, foi delegada à lei o fundamento de existência da propriedade, ou seja, o direito à propriedade privada é originário da lei e regido e regulamentado pelo legislador, atendendo ao que seja considerado bem comum. A concepção do direito de propriedade privada, passou por várias alterações ao longo dos anos, até alcançar o entendimento de direito fundamental estabelecido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e regulamentado pelo Código Civil Brasileiro. O Código Civil brasileiro de 2002, em seu artigo 1.228, caput e § 1º, enumera direitos ao proprietário, no entanto esses poderes não são absolutos, devendo ser obedecidas algumas obrigações estipuladas em lei.

Artigo 1228 ? O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê?la de quem quer que a possua ou detenha.

§ 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. (BRASIL, 2002)

O direito de propriedade privada direcionado ao sentido econômico, aponta a ideia de domínio sobre um bem, quando esse proporciona ao proprietário ganhos futuros, quando a propriedade privada oferece ao dono condições de produtividade e possibilidades de lucro. Pontes de Miranda apresenta que o direito à propriedade privada é o domínio ou qualquer direito patrimonial exercido sobre um bem. Tal conceito desborda o direito das coisas. Em sentido amplo, propriedade é todo direito irradiado em virtude de ter incidido regra de direito das coisas. Em sentido quase coincidente, é todo direito sobre as coisas corpóreas e a propriedade literária, científica, artística e industrial. Em sentido estritíssimo, é só do domínio. (MIRANDA, 1958 apud, MELLO, 2017, p. 134)

A legislação civil apresenta elementos essenciais para o reconhecimento de um direito à propriedade privada, utilizando-se de verbos para defini-lo, e sem o exercício desses elementos o direito fundamental não é reconhecido. Baseado no estabelecido pelo artigo do Código civil, Gonçalves (2012) considera apenas como elementos essenciais, os enunciados no art.1.228, podendo assim definir o direito de propriedade como o poder jurídico atribuído a uma pessoa de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, em sua plenitude e dentro dos limites estabelecidos na lei, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha.

Por fim, Rios (2014, s.p.) expõe sobre a teoria da função social, defendida por Josserand, Duguit, Proudhon e outros, conceitua do direito à propriedade privada no sentindo de que o bem não é um direito, mas uma pratica voltada a atender o interesse público e coletivos. Consoante o entendimento da doutrinadora Maria Helena Diniz o conceito a propriedade é “o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar, dispor de um bem corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha” (DINIZ, 2007, p. 114).

 Para Flávio Tartuce “pode-se definir a propriedade como o direito que alguém possui em relação a um bem determinado. Trata-se de um direito fundamental, protegido no art. 5º, inc. XXII, da Constituição Federal, mas que deve sempre atender a função social, em prol de toda a coletividade” (TARTUCE, 2017, s.p.). Em um sentido amplo ao conceito, Álvaro Villaça Azevedo afirma que “a propriedade é, assim, o estado da coisa, que pertence, em caráter próprio e exclusivo, a determinada pessoa, encontrando-se em seu patrimônio e à sua disposição. O direito de propriedade é a sujeição do bem à vontade do proprietário, seu titular” (AZEVEDO, 2014 p. 38-39). 

Flavio Tartuce enfatiza os verbos enumerados pelo artigo 1.228, caput do código civil, usar, gozar, dispor e reivindicar, que definem o direito de propriedade, e explicada a aplicação de cada um desses elementos como essenciais para o reconhecimento do direito fundamental, entendo assim, que na falta de qualquer desses requisitos, não há o que se falar em direito à propriedade:

 

O primeiro atributo é derivado do verbo gozar ou fruir a coisa, consubstanciada na possibilidade de retirar os frutos da coisa, que podem ser naturais, industriais ou civis [...]. A segunda faculdade é a de usar a coisa, de acordo com as normas que regem o ordenamento jurídico [...]. Obviamente, essa possibilidade de uso encontra limites em lei, caso da Constituição Federal, do Código Civil e em leis específicas, como o Estatuto da Cidade. Como terceira faculdade, há a viabilidade de disposição da coisa, seja por atos inter vivos ou mortis causa. Entre os primeiros, podem ser citados os contratos de compra e venda e doação; entre os últimos, o testamento. Por fim, o art. 1.228, caput, do CC/2002 faz referência ao direito de reivindicar a coisa contra quem injustamente a possua ou detenha, visando retoma-la, quando terceira pessoa, de forma injustificada, a tenha, dizendo-se dono. (TARTUCE, 2017, p. 80)

            Mello (2017, p. 143) denomina esses elementos de faculdade, e na observância desses ele denomina a propriedade de duas formas, propriedade plena e limitada “o proprietário terá a propriedade plena no momento em que tiver todas as faculdades e o direito de reaver a coisa em seu; na falta de um destes elementos, a propriedade é denominada de limitada”. Observando o cumprimento desses elementos característicos do direito de propriedade privada, Tartuce (2017, s.p.) classifica a propriedade em restrita ou limitada, quando no exercício do domínio sobre o bem o proprietário não possui um dos tributos estipulados por lei, quando recai sobre a propriedade algum ônus, sendo assim na falta de um dos verbos elementares o direito à propriedade privada é limitado. Alguns dos atributos da propriedade passam a ser de outrem, constituindo-se em direito real sobre coisa alheia. A propriedade plena ou alodial, se dá quando o proprietário apresenta todos os atributos legalmente exigidos, onde o proprietário alcança os atributos de gozar, usar, reaver e dispor da coisa. Todos esses caracteres estão em suas mãos de forma unitária, sem que terceiros tenham qualquer direito sobre a coisa.

Além desses critérios apresentados, a doutrina estabelece outros a serem observados para que seja feita a adequada classificação do direito de propriedade privada. Inicialmente o doutrinador classifica a propriedade quanto ao bem que se tenha domínio, podem assim a propriedade ser "corpórea quando são os bens dotados de existência física, providos de materialidade, de corpo e que, por isso, ocupam espaço, enquanto os incorpóreos são alguns direitos que existem apenas enquanto conceitos” (COSTA, 2012, s.p.).

 Em seguida, o doutrinador subdivide a propriedade corpórea de acordo com a natureza do objeto em propriedade imobiliária, em que são tradados os bens imóveis. Segundo Ribeiro (2017, s.p.), por sua natureza, por sua natureza a propriedade corpórea compreende o solo com sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo e propriedade em mobiliária. Esta última alcança os bens móveis que, por natureza, são as coisas corpóreas que podem ser removidas sem danos, por força própria ou alheia, com exceção das que acedem aos imóveis, logo, os materiais de construção, enquanto não forem nela empregados, são bens móveis.

 

3 DIREITO À PROPRIEDADE PRIVADA COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Apesar de não ter força normativa, o conteúdo do prefácio[4] exposto pela Carta Magna introduz aos princípios que dominam o Texto Constitucional, como os princípios fundamentais tratados no artigo 1º.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (BRASIL,1988)

 

            É de competência do Estado assegurar que esses princípios não sejam feridos, tendo em vista o objetivo de resguardada a melhor forma de vivencia entre os membros da sociedade brasileira, com isso é de grande relevância que se atenda o princípio da dignidade da pessoa humana, pois, segundo o conceito apresentado por Marcelo Alexandrino, esse princípio representa a ideia de que o todo o exercício do poder público tem como fundamento central o bem estar do ser humano.

 

A dignidade da pessoa humana assenta-se no reconhecimento de duas posições jurídicas ao indivíduo. De um lado, apresenta-se como um direito de proteção individual, não só em relação ao Estado, mas, também, frente aos demais indivíduos. De outro, constitui dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. (ALEXANDRINO, 2017, p.90)

   

Segundo Bulygin (1991), o grande marco inicial para a constituição de uma legislação que assegurasse a dignidade da pessoa humana foi o terror global instalado pelas Guerras Mundiais, nesse momento de ataques desumanos e repedidos episódios de violência e tortura, tornou-se necessária discussões sobre a instauração de normas protetivas a vida humana, ditando assim, garantias essenciais que tutelassem o mínimo necessário para uma vivencia honrada de um ser humano. Neste sentido, transcreve-se o escólio:

 

No transcurso do século XIX a fundamentação jus naturalista perdeu sua força em razão do positivismo jurídico ter se convertido na concepção jus filosófica dominante. Nesse momento, os direitos humanos são recebidos pelos países sob a forma de direitos e garantias constitucionais. Contudo, as duas Grandes Guerras Mundiais vieram espalhando o horror e o caos; institucionalizaram a morte, a fome, o preconceito e a dor, marcando para sempre o século XX com a separação dos direitos fundamentais e a desconfiança de todos sobre as leis que não conseguiram evitar os massacres. O mundo sentiu uma necessidade urgente de proporcionar aos direitos humanos uma fundamentação mais sólida do que a prevista pelo direito positivo, que não os protegeu dos regimes totalitários. (BULYGIN, 1991, apud, BAHIA, 2017, p. 99).

Fábio Ulhoa (2012) apresenta que ao longo do século XX o Estado capitalista se viu obrigado a flexibilizar seu ordenamento jurídico para sobreviver ao avanço do socialismo. A flexibilização da legislação, “reclamou uma profunda alteração no direito de propriedade, cujo exercício passou a se subordinar ao atendimento da função social. Deixou de ser afirmado como um direito egoísta para se compatibilizar com a realização do interesse público” (ULHOA, 2012, s.p).

Com entendimento semelhante, Flavia Piovesan (2006) afirma que a queda do nazismo foi primordial para que o mundo tomasse medidas sérias para resguardar a aplicação dos princípios fundamentais para uma vivencia digna a sociedade em âmbito global. “A primazia jurídica do valor da dignidade da pessoa humana é resposta à profunda crise sofrida pelo positivismo jurídico, associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha. Esses movimentos ascenderam ao poder dentro do quadro da legalidade” (PIOVESAN, 2006, apud, BAHIA, 2017, p. 100).

De acordo com Dutra (2017), o conceito e a finalidade dos direitos e as garantias fundamentais tiveram uma grande evolução com o passar dos anos, deixando de objetivar somente a proteção à liberdade do individual, passando a exigir, além desse critério, uma atuação positiva por parte do poder público, migração do Estado Liberal para o Estado Social. Reconhecendo essa evolução elaborou-se uma classificação para os direitos e garantias fundamentais, levando em consideração o momento em que tais direitos foram reconhecidos como fundamentais e incorporados aos textos constitucionais.

Desta forma, os direitos e garantias fundamentais foram classificados em três distintas gerações ou ainda chamadas de dimensões por algumas doutrinas, pelo fato de uma complementar a outra evolutivamente, e não há uma geração superior a outro em âmbito conceitual. Dutra caracteriza a primeira dimensão como uma fase evolutiva em que o Estado passou a ter restrições em seu poder que anteriormente era absoluto sobre o poder da população.

 

Os direitos fundamentais de primeira geração foram os primeiros reconhecidos pelos ordenamentos constitucionais. Surgiram com as revoluções liberais do final do século XVIII, objetivando a restrição do poder absoluto do Estado, a partir do respeito das liberdades públicas dos cidadãos. Possuem as seguintes características: a) surgiram no final do século XVIII, no contexto da Revolução Francesa, fase inaugural do constitucionalismo moderno, e dominaram todo o século XIX; b) ganharam relevo no contexto do Estado Liberal, em oposição ao Estado Absoluto; c) estão ligados ao ideal de liberdade; d) são direitos negativos, que exigem uma abstenção do Estado em favor das liberdades públicas; e) possuíam como destinatários o indivíduo como forma de proteção em face da ação opressora do Estado; f) são os direitos civis e políticos, considerados como direitos de resistência perante o Estado. (DUTRA, 2017, s.p)

 

            Em seguida, na segunda dimensão, iniciou-se o processo de construção e reconhecimento dos direitos sociais, culturais e econômicos, ligados à igualdade entre os interesses individuais de cada membro da sociedade, assim como a prioridade desse interesse sobre o poder do Estado. Dutra (2017, s.p.) esclarece os requisitos dessa dimensão a) surgiram no início do século XX; b) apareceram no contexto do Estado Social, em oposição ao Estado Liberal; c) estão ligados ao ideal de igualdade; d) são direitos positivos, que passaram a exigir uma atuação positiva do Estado; e) correspondem aos direitos sociais, culturais e econômicos, como o direito às condições mínimas de trabalho, à previdência social, à assistência social, à habitação, ao lazer, a um salário que assegure um mínimo de dignidade ao homem, à sindicalização, à greve dos trabalhadores.

            Consoante Casado Filho (2012, s.p.), “a terceira dimensão, seria representada pelo direito ao desenvolvimento, pelo direito a um meio ambiente sustentável e pelo direito à paz, valores ligados diretamente à ideia de solidariedade e fraternidade”. Dutra reforça o entendimento da terceira geração expondo que as preocupações dessa etapa eram com os bens jurídicos da coletividade.

Cumpre, nessa sede, diferenciar as espécies de direitos metaindividuais:5 a) interesses difusos: são aqueles indivisíveis, cujos titulares são pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; b) interesses coletivos: são aqueles de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica; c) interesses individuais homogêneos: são aqueles de natureza divisível, cujos titulares são pessoas determinadas ligadas entre si por uma situação fática. (DUTRA, 2017, s.p)

Flávia Bahia (2017, p. 99) expõe que proteger a dignidade da pessoa humana é a principal finalidade dos direitos fundamentais e que apesar de ser um dos princípios mais fáceis de compreensão, elaborar uma definição para esse fundamento exige pouco mais de dificuldade, pelo fato de ser ligado ao sentimento humano. Entendendo assim, que essas garantias fundamentais condicionam ao ser humano, uma vida mais adequada, com igualdade e respeito entre os indivíduos da sociedade. Neste sentido,

 

Como unidade mais fundamental de valor do sistema jurídico, esse princípio universal funciona como paradigma, fundamento, limite e desiderato de um ordenamento jurídico, de um Estado e de uma sociedade aos quais confere legitimidade. Apesar de difícil conceituação, podemos compreender que o conteúdo do princípio diz respeito ao atributo imanente a todo ser humano e que justifica o exercício da sua liberdade e a perfeita realização de seu direito à existência plena e saudável. (BAHIA, 2017, p. 102)

 

A Constituição da República Federativa do Brasil, anuncia os direitos tidos como primordiais para o convívio harmônico de uma sociedade, estabelecidos do artigo 5º ao 17, os direitos fundamentais asseguram o exercício de direitos sociais e individuais direcionados a todo membro da sociedade. “Os direitos Fundamentais são os direitos considerados indispensáveis à manutenção da dignidade da pessoa humana, necessário para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual.” (PADILHA, 2014, p. 213).

Alexandrino (2017, p. 96) apresenta as distinções entre os direitos fundamentais e as garantias fundamentais estabelecidas doutrinariamente, em que os direitos são as disposições declaradas pela Constituição Federal resguardados à cada membro da sociedade brasileira. Isto é, são bens jurídicos em si mesmos considerados, conferidos às pessoas pelo texto constitucional, e as garantias fundamentais são os instrumentos utilizados pelo Poder Público para proteger e aplicar esses direitos, são dispositivos por meio dos quais é assegurado o exercício desses direitos, bem como a devida reparação, nos casos de violação. Enquanto aqueles nos asseguram direitos, as garantias conferem proteção a esses direitos nos casos de eventual violação.

O autor ainda, expõe que os direitos fundamentais foram reconhecidos no século XX e que “visavam restringir a atuação do Estado, exigindo deste um comportamento omissivo em favor da liberdade do indivíduo, ampliando o domínio da autonomia individual frente à ação estatal” (ALEXANDRINO, 2017, p. 94). E ainda, estabelece duas concepções do que se refere a relação entre o poder público e o particular na aplicação e exercício desse direito fundamental:

 

Os direitos fundamentais podem ser enxergados a partir de duas perspectivas: subjetiva e objetiva. A primeira dimensão é a subjetiva, relativa aos sujeitos da relação jurídica. Diz respeito aos direitos de proteção (negativos) e de exigência de prestação (positivos) por parte do indivíduo em face do Poder Público. A segunda dimensão é a objetiva, em que os direitos fundamentais são compreendidos também como o conjunto de valores objetivos básicos de conformação do Estado Democrático de Direito. Nessa perspectiva (objetiva), eles estabelecem diretrizes para a atuação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e, ainda, para as relações entre particulares. (ALEXANDRINO, 2017, p. 97)

 

A Constituição Federal catalogou os direitos fundamentais em cinco grupos diferentes: direitos individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitos políticos e direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos. O direito à propriedade faz parte de uns dos direitos individuais e coletivos, estabelecido ainda no primeiro capitulo dos direitos fundamentais. O legislador relaciona esse direito ao conteúdo econômico e patrimonial e que transfere a tutela ao Estado.

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [omissis]

XXII- é garantido o direito de propriedade

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; (BRASIL,1988)

Com o entendimento voltado ao âmbito patrimonial do direito de propriedade privada, Casado Filho menciona a relevância da proteção jurídica a esse direito de propriedade privada para a movimentar a economia de país com sistema capitalista “é dessa segurança jurídica que decorrem os negócios que trazem prosperidade às nações. Ciente disso, o constituinte brasileiro tratou de assegurar a todas as pessoas, físicas ou jurídicas, de direito privado ou público, o direito à propriedade” (CASADO FILHO, 2012, s.p). Igualmente, o autor afirma que o direito à propriedade privado deve ser considerado um direito fundamental, pelo fato de ser revoltante submeter-se a intervenção de terceiros em propriedade conquistada pelo esforço individual de cada cidadão. (CASADO FILHO, 2012, s.p.)

            André Ramos (2014) estabelece que, antes de a Constituição Federal da República Federativa do Brasil consagrar o princípio da função social o domínio sobre a propriedade privada era intocável, o interesse individual do dono era sagrado. No entanto, com a atualização da Carta Magna “o direito de propriedade não é mais absoluto e sagrado devendo o proprietário cumprir a função social da propriedade, assim, o direito de propriedade não é mais um direito liberal ou de abstenção tradicional, no qual seu titular pode exigir a ausência de turbação ao seu exercício” (RAMOS, 2014, s.p).

É de grande relevância considerar o direito à propriedade privada como um dos direitos fundamentais, tendo em vista a necessidade de utilização de um bem para que dele possa extrair produtos indispensáveis ao sustento de um grupo familiar. Segundo o doutrinador Fábio Ulhoa (2012. s.p.), “a propriedade privada é protegida no plano constitucional porque representa um dos meios de os sujeitos proverem seu sustento (entendido num sentido bastante amplo, que compreende o acesso à moradia, alimentação, saúde, lazer etc.) e o de sua família”.

Para Ulhoa (2012, s.p.), os aspectos conceituais de propriedade privada estão relacionados ao sustento das pessoas corresponde à sua função individual do bem, com isso a Constituição Federal prestigia o interesse do proprietário. O proprietário deve preocupar-se com os interesses que rodeiam as dependências de sua propriedade, cumprindo com essa obrigação, pode exercer sobre o bem atividades que proporcionam a ele o sustento de sua família, não podendo a legislação obstar esse direito resguardado a todo cidadão.

 

4 DA PROPRIEDADE PRIVADA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE À LUZ DOS PILARES CARACTERIZADORES DO CÓDIGO CIVIL DE 1916

Salgado (2012, s.p) apresenta as várias tentativas de instaurar a primeira legislação civil no Brasil até chegar ao código civil de 1916. Inicialmente Salgado afirma que a primeira tentativa de estabelecer a lei civilista foi em 1855 com a redação de Teixeira de Freitas, mediante a Consolidação das leis Civis. Seguidamente, em 1871, Visgonde de Seabra apresentou uma nova tentativa de se estabelecer uma legislação civil, que assim como o primeiro fica incompleto.

No ano subsequente, Nabuco de Araújo, conselheiro do Império, iniciou um novo projeto, no entanto, o autor falece antes de termina-lo. Em 1881, Felicio dos Santos redigiu seu entendimento acerca da área jurídica no intuito de elaborar um projeto de Código Civil em 1881, porém esse não é aceito e mesmo após o texto ser reformulado pelo autor, o novo projeto não tem andamento na câmara devido aos acontecimentos que cercaram a proclamação da República.

Salgado (2012, s.p), ainda, aponta a investida de Antônio Coelho Rodrigues em 1883 que apresentou seu projeto de Código Civil, que buscava a unificação do direito privado, no entanto, não foi aceito e o texto revisado foi arquivado. Em 1899, iniciaram os trabalhos na elaboração do projeto de Beviláqua, mas só seria aprovado em 1916. Essa lei, teve sua redação inicialmente redigida por Rui Barbosa e Clóvis Bevilaqua, e sequenciada por seus seguidores. Dall’Alba expõe algumas características e alguns procedimentos sofridos pelo Código de Beviláqua para alcançar a promulgação.

 

É uma obra de seu tempo, projetada em abril de 1889 e concluída em novembro daquele ano, e que foi aprovada em 1912 pelo Senado Federal com 186 emendas, vigendo a partir 1° de janeiro de 1917. O autor do Código foi professor de direito internacional, sendo, juntamente com Tobias Barreto, um dos baluartes da Escola de Recife, tendo sua obra cunho doutrinário, havendo nela “muitas influências, não só jurídicas, como filosóficas”. (DALL’ALBA, 2004, s.p)

 

Conforme estabelecido por Biondo (2006, s.p.), o ser humano sempre sentiu a necessidade em adquirir bens, o poder de proprietário traz ao cidadão a ideia de segurança e de progresso pessoal e o domínio sobre essas propriedades sempre foi assegurada pelo poder público, inicialmente de maneira individual, plena e absoluta, a exemplo do Código de Napoleão, e do próprio Código Civil Brasileiro de 1916. (BIONDO, 2006, s.p). Segundo Mello, o texto do Código de Civil de 1916 foi influenciado pelo Código Napoleônico mantendo características individualistas, onde o principal objetivo era a aquisição de riquezas.

 

O Código Civil de 1916, fruto das doutrinas individualistas e voluntaristas, tinha como seu valor fundamental o indivíduo (Código de Napoleão). Naquela época, as pessoas tinham por finalidade precípua desmantelar os privilégios feudais, ou seja, queriam contratar, adquirir bens, circular as riquezas sem os óbices legais. Melhor dizendo: O Código Civil de 1916 tinha uma visão individualista do direito e era baseado nos dogmas do Estado Liberal clássico. O princípio da autonomia da vontade era o alicerce de sustentação do Estado Liberal. (MELLO, 2017, p.147)

 

O Código civil francês, também chamado de Código Napoleônico, foi promulgado em 1804, e tinha como principais características ser individualista e elevava o direito privado em relação ao direito público. Conforme trazido por Venosa (2003, p. 94), o dispositivo foi muito “o Código francês formou, o pensamento jurídico dos séculos XIX e XX, atraindo inelutavelmente os legisladores que se seguiram, com suas respectivas codificações, até o aparecimento do Código alemão, que entrou em vigor no início do século XX”.

Pereira afirma que o Código Napoleão, inicia uma definição do direito de propriedade privada, e determine a característica de absoluto, ao poder de domínio exercido sobre a coisa pelo proprietário em seu artigo 544 como o sendo de ser esse proporcionado ao proprietário “o direito de gozar e dispor das coisas de maneira absoluta, desde que delas não faça uso proibido pelas leis e regulamentos” (PEREIRA, 2017, p. 93).

No Direito Civil Clássico, na era da codificação de 1916, Clóvis Beviláqua conceituava a propriedade como sendo o poder assegurado pelo grupo social à utilização dos bens da vida física e moral (BEVILÁQUA, 2003, p. 127). Apesar de ser categorização que remonta ao século passado, a construção é interessante, uma vez que leva em conta tanto os bens corpóreos ou materiais quanto aqueles incorpóreos ou imateriais. Sendo assim, a título de ilustração, os direitos de autor e outros direitos de personalidade também poderiam ser objeto de uma propriedade especial, com fortes limitações. (TARTUCE, 2017, s.p)

Miguel Reale (2004, s.p.), afirma que “superando-se a divisão cronológica, termina somente com a Primeira Guerra, quando finda a mentalidade oitocentista, por demais confiante nos valores da civilização burguesa, individualista e apegada a pressupostos formais”. Pedro estabelece o entendimento de que o Código Civil Brasileiro de 1916, foi estabelecido segundo conceitos oitocentistas do direito, estava em discordância com as modificações ao que se refere direitos humanos e a flexibilização social ocorridas em especial no século XX.

 

A visão eminentemente patrimonialista e patriarcal do direito destoava do contexto social em que produziam efeitos como aumento do fluxo da decodificação ou clamando por uma nova recodificação com a criação de um novo código que refletisse os anseios da sociedade e em compasso uma visão estrutural do direito, atendendo ao novo viés econômico, político, filosófico e cultural. (PEDRO, 2011 s.p.)

 

Gomes apresenta que o Código civil de 1916, foi uma obra escrita ainda no século XIX, foi iluminado nessa esteira pelas ideias de um país, “cujo tentáculo da sociedade colonial foi baseado no trabalho escravo” (2003, p.11 apud DALL’ALBA, 2004, s.p.). Jean Carbonnier (1974, apud DALL’ALBA, 2004, s.p) aponta como os pilares fundamentais para a instituição do sistema jurídico civil a família, a propriedade e o contrato. Além do que, os três pilares têm o condão de guarnecer qualquer sistema econômico e político, por mais diferentes que sejam. Luiz Edson Fachin descreve cada um dos principais direitos atingidos pelo texto legislativo do Código Civil de 1916.

 

Os três pilares fundamentais, cujos vértices se assenta a estrutura do sistema privado clássico, encontram-se na alça dessa mira: o contrato, como expressão mais acabada da suposta autonomia da vontade; a família, como organização social essencial à base do sistema, e os modos de apropriação, nomeadamente a posse e a propriedade, como títulos explicativos da relação entre as pessoas sobre as coisas. (FACHIN, 2003 apud DALL’ALBA, 2004, s.p.)

 

            Lima (2016, s.p.) apresenta a família como um dos pilares fundamentais do Código Civil de 1916. Segundo essa legislação o casamento era meio essencial, para estabelecer um núcleo familiar, ou seja, quem não casava não tinha família. Lima (2016, s.p.) estabelece que “o homem era o chefe da família, existindo uma visão verticalizada de família onde o homem se encontrava no vértice da pirâmide, sendo a esposa quase que propriedade do marido ”. O autor ainda afirma que para considerar o instituto da família no Código Civil de 1916 era necessariamente biológica e a existência do casamento, sexo e reprodução (LIMA, 2016, s.p.). Em relação a reprodução, essa só era considerada válida se concebida dentro do matrimonio, não existia hipóteses de adoção. Neste sentido, é o escólio,

 

No Código Civil de 1916 o filho adotivo não tinha os mesmos direitos do filho biológico: a morte dos pais adotivos extinguia a adoção. Com a extinção da adoção impedia-se que o filho adotivo tivesse acesso à herança. Tudo isso para deixar claro que o casamento estabelecia a proteção das relações sexuais em relação à reprodução. Essa tendência também era percebida quando o homem casado tinha filhos fora do casamento. (LIMA, 2016, s.p.)

No que se refere ao contrato no Código Civil de 1916, Gomes (1984, s.p.) defini que contrato é "o negócio jurídico bilateral, ou plurilateral, que sujeita as partes à observância de conduta idônea à satisfação dos interesses que regularam." Cabral (2014, s.p.), ainda, estabelece que na doutrina liberal do século XIX, esse pilar é ligado ao princípio da autonomia da vontade, sem limites. As partes estipulam livremente o conteúdo das cláusulas contratuais, que deveriam ser obedecidas obrigatoriamente por ambas. Não se levava em conta o desequilíbrio na formação ou na execução do contrato.

 

Como Rosa Maria de Campos Aranovich, pode-se dizer que “as relações privadas e especialmente obrigacionais assentam-se, como já referido, no princípio da autonomia da vontade. Este, de acordo com Carlos Alberto Mota Pinto, consiste no poder reconhecido aos particulares de auto-regulamentação de seus interesses, de autogoverno de sua esfera jurídica” (ARANOVICH, 1989 apud. DALL’ALBA, 2004, s.p.)

 

Fachin (2003 apud DALL’ALBA, 2004, s.p.) apresenta o conceito de propriedade estabelecido pelo código civil de 1916, “a disciplina jurídica da propriedade nasce do art. 554, do Código Civil francês de 1804, segundo o qual o direito de propriedade é um direto absoluto. Era exercido de maneira mais ampla possível”. Gomes (2006) menciona que o Código de 1916 foi constituído mediante o entendimento oitocentista, que tinha por finalidade resguardar os direitos conquistados pela burguesia frente ao Poder Público após a Revolução Francesa, “nesse contexto, de busca de segurança jurídica, o direito civil estava centrado no código, pois somente com uma codificação fechada seria possível atingir a estabilidade normativa perseguida” (GOMES, 2006, s.p.).

No entanto, mesmo a lei estabelecendo um caráter absoluto ao direito de propriedade privada, Dall’Alba afirma que o Código Civil de 1916 previa algumas limitações em relação ao poder ilimitado de domínio do proprietário sobre o bem, no campo destinado ao direito de vizinhança.

A começar que o proprietário, ou inquilino de um prédio teria o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha pudesse prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam (art. 554). Além do que, o dono do prédio rústico, ou urbano, que se achasse encravado em outro, sem saída pela via pública, fonte ou porto, teria o direito de reclamar do vizinho que lhe deixe passagem forçada (art. 559). Outro artigo, cujo conteúdo implica limitação ao direito de propriedade, é o 572, pois o proprietário poderia levantar em seu terreno as construções que lhe aprouvesse, salvo direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos. (DALL’ALBA, 2004, s.p.)

 

Gomes esclarece que com as modificações de âmbito social ocorridas na primeira metade do século XX, a segurança jurídica e a igualdade formal tornaram-se insuficientes para regular as relações de modo satisfatório. O Estado Liberal deu lugar ao Estado Social, e a segurança jurídica deu lugar à busca da justiça, buscando além da proteção de seus próprios interesse, mas também, dos outros indivíduos, “se, em um momento anterior, a igualdade formal satisfazia os indivíduos, pois fazia com que sentissem protegidos perante o Estado, hoje isso não é o bastante. ” (GOMES, 2006, s.p.)

 

5 PROPRIEDADE PRIVADA EM UMA NOVEL CONCEPÇÃO: O RECONHECIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

A consideração de propriedade como um dos direitos fundamentais, sofreu grande contestação entre os doutrinadores principalmente a certa do caráter absoluto do poder que o proprietário exercício sobre o seu bem, assegurando o privilégio de seu interesse particular sobre o interesse da coletividade. Segundo Alexandrino (2017), vários textos constitucionais passaram a dispor sobre a função social que juntamente com os outros poderes de uso, gozo, disposição e persecução integra o direito de propriedade, limitando, assim, o poder de uso do proprietário.  

 

No âmbito do nosso Direito Constitucional positivo, não mais é cabível a concepção da propriedade como um direito absoluto. Deveras, nossa Constituição consagra o Brasil como um Estado Democrático Social de Direito, o que implica afirmar que também a propriedade deve atender a uma função social. Essa exigência está explicitada logo no inciso XXIII do art. 5º, e reiterada no inciso III do art. 170 (que estabelece os princípios fundamentais de nossa ordem econômica). (ALEXANDRINO, 2017, p.146)

            Alexandrino estabelece, ainda, que, mesmo estando o direito à propriedade privada, entre os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal, esse não pode ser considerado ilimitado, pois, a própria Carta Magna apresenta em outros dispositivos, condições a serem observadas para que seja exercido o domínio sobre o bem, sem que o proprietário atinja o bem-estar da sociedade ao redor, não sendo necessária assim, intervenção do Poder Público.

 

Embora o inciso XXII do art. 5º afirme peremptoriamente que "é garantido o direito de propriedade", sem conter nenhuma cláusula do tipo "nos termos da lei", a própria Constituição, em outros dispositivos, aduz os elementos que permitem afirmar que a norma é de eficácia contida. Por exemplo, ao estatuir que "a propriedade atenderá a sua função social" (art. 5º, XXIII), a Constituição utiliza um conceito jurídico de larga difusão no direito público "função social" - que autoriza a imposição, pelo Poder Público, de restrições ao direito de propriedade. O mesmo ocorre quando dispõe acerca da desapropriação da requisição administrativa, quando trata, na "Ordem Econômica", da propriedade urbana e da propriedade. (ALEXANDRINO, 2017, p.148)

Ramos (2014, s.p.) entende que “a função social da propriedade consiste na exigência do exercício, pelo proprietário, dos atributos inerentes ao direito de propriedade de modo compatível com o interesse da coletividade”. É assegurado ainda, que para cumprir com tal princípio, o proprietário deve respeitar às limitações impostas pelo Estado sobre seu poder de domínio, objetivando atender não apenas ao seu interesse individual, mas também, ao interesse da coletividade.

Outros autores, no entanto, consideram que a propriedade é assegurada por si mesma e que há uma prioridade a ser atingida que são os interesses sociais pelo exercício normal dos interesses individuais. Ulhôa (2012, s.p.) estabelece que a Carta Magna exalta os interesses dos não proprietários, ou seja, o bem comum de toda a sociedade pode ser afetado pelo exercício do direito individual de propriedade. A Constituição de 1988, ao proteger a propriedade privada e determinar que seu uso atenda à função social, prevê que não se podem sacrificar os interesses coletivos para atender aos interesses do proprietário individualmente; no entanto, não pode inibir o poder de domínio do proprietário, para alcançar o bem-estar social, o bem deve cumprir simultaneamente as funções individual e social que dela se espera.

De acordo com o art. 182, §2º, da Constituição Federal de 1988 Ramos (2014, s.p.) entende que “a propriedade privada urbana cumpre a função social quando obedece às diretrizes fundamentais de ordenação da cidade fixadas no plano diretor. O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes”. Flávia Bahia (2017, p. 144) estabelece que a função social se encontra agregada ao conceito de propriedade privada “não há propriedade hoje vista sob o ângulo meramente privado, com poderes ilimitados de uso e fruição do bem, tendo em vista que o direito foi remodelado em razão da função social da propriedade, que passa a integrar o seu próprio conceito”.

Ramos (2014, s.p.) afirma que “o Estado tem o poder/dever de intervir na propriedade para adequar seu uso ao interesse público se a intervenção ocorrer em virtude de a propriedade não atender à função social, não há falar em indenização prévia”. O poder público, estabelece normas e limites para o uso e o gozo dos bens e riquezas particulares, intervém na propriedade através de atos que visam satisfazer o bem de uma coletividade e reprimir as condutas individuais do particular e nos casos onde a intervenção sobre o direito de propriedade privada é realizada com o intuito de cobrar o exercício da função social do bem, o Estado não estará incumbido de indenizar ao proprietário.

A intervenção do Poder Público é instituída pela Constituição e regulada por leis federais que regulamentam as medidas intervenção e determinam o procedimento e condições para a sua execução, estipulando o atendimento do interesse público, mas respeitando as garantias constitucionais do proprietário particular. A Constituição Federal, em seu artigo 170, prevê e protege a propriedade privada e a livre empresa e condicionam o uso destas ao bem-estar social.

 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; (BRASIL, 1988)

 

Tepedino (2004, s.p.) discorre que o direito à propriedade consiste em “um direito fundamental, protegido no art. 5.º, inc. XXII, da Constituição Federal, mas que deve sempre atender a uma função social, em prol de toda a coletividade. A propriedade é preenchida a partir dos atributos que constam no artigo 1.228 do Código Civil de 2002”. Segundo Bahia (2017, p. 144), “não há propriedade privada, com poderes ilimitados de uso e fruição do bem, tendo em vista que o direito foi remodelado em razão da função social da propriedade”. Nesse sentido de poder limitado do proprietário, em que esse deve esse exercer seu direito nos limites impostos pela lei, como a observância do o princípio constitucional da função social da coisa, Tartuce traz a previsão implícita no Código Civil sobre esse princípio:

 

O Código Civil de 2002 foi além de prever essa função social, pois ainda trata da sua função socioambiental. Há tanto uma preocupação com o ambiente natural, como com o ambiente cultural. [...], o proprietário de um imóvel, deve ter o devido cuidado para não causar danos a um prédio vizinho que seja tombado, sobre o qual há interesse de toda a humanidade. (TARTUCE, 2017, p.634)

 

Eros Roberto Grau afirma que o princípio da função social da propriedade “impõe ao proprietário o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem. Isso significa que a função social da propriedade atua como fonte da imposição de comportamentos positivos ao detentor do poder que deflui da propriedade” (GRAU, 2000 apud MELLO, 2017, p. 40).

O princípio da função social foi estabelecido pela constituição federal como forma de condicionar o direito fundamental de propriedade, alguns autores defendem que a obediência ao princípio da função social, vai descaracterizando de maneira fundamental a natureza privada e individual do direito à propriedade, aproximando-o do direito público. Fabio Ulhôa esclarece que, a propriedade deve atender os interesses sociais, assim, como os interesses particulares do proprietário, do contrário estaria sendo ferido os direitos fundamentas resguardados pela constituição a ambos os interessados.

 

A Constituição, ao proteger a propriedade privada e determinar que seu uso atenda à função social, prescreveu: de um lado, não se podem sacrificar os interesses público, coletivo e difuso para atendimento do interesse do proprietário; mas também não se pode aniquilar este último em função daqueles. A propriedade, em suma, deve estar apta a cumprir simultaneamente as funções individual e social que dela se espera. (ULHOA, 2012, s.p)

 

O artigo 182 da Carta Magna expõe sobre o exercício da função social da propriedade privada, e em seu parágrafo 2º determina o que se considera função social da propriedade privada urbano.

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. [omissis]

§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. (BRASIL, 1988)

O objetivo principal do princípio da função social da propriedade privada serve como forma de coibir qualquer prática que imponha apenas o interesse individual do proprietário, sendo assim a função social um conjunto de normas constitucionais que visa recolocar a propriedade no exercício de sua finalidade. Com isso, Alexandrino (2017, p. 146) estabelece que, a legislação constitucional impõe direitos assegurados ao proprietário, e a ele deveres essencialmente equiparados como dever de uso adequado da propriedade. Assim, não pode o proprietário de terreno urbano mantê-lo não edificado ou subutilizado, sob pena de sofrer severas sanções administrativas; não pode o proprietário de imóvel rural mantê-lo improdutivo, devendo atender às condições estabelecidas no art. 186 da Carta Política. O desatendimento da função social da propriedade pode dar ensejo a uma das formas de intervenção do Estado no domínio privado.

 

6 CONCLUSÃO

O direito fundamental de propriedade é tido como um dos direitos mais antigos reconhecidos pela humanidade, tendo em vista a desde a bíblia cita-se o domínio do ser humano sobre trechos de terra e bens particulares, com a evolução do ser humano o conceito desse direito foi sendo moldado, sendo considerado um bem divinamente oferecido a um indivíduo até o momento em que se criou o entendimento de a propriedade poder ser adquirida, com a atualização das leis Maior, o exercício do domínio sobre a propriedade passou a ser condicionado com o exercício da função social do bem, assim como o interesse público sobre a propriedade particular.

A função social da propriedade consiste na exigência do exercício, pelo proprietário, dos atributos inerentes ao direito de propriedade de modo compatível com o interesse da coletividade. A Constituição Federal de 1988 inseriu entre os princípios gerais da atividade econômica da propriedade, a função social, a propriedade urbana atende à função social constitucionalmente imposta, quando cumprir a ordenação da cidade expressas no plano diretor e Estatuto das Cidades.

O princípio da função social do bem determina que a propriedade deve ser utilizada com uma finalidade, o direito de ser dono, condiciona a utilização da propriedade para produzir, no entanto observando o bem comum da sociedade. A função social da propriedade dispõe que o direito de propriedade não se resume apenas em “tê-la”, mas que a utilize de forma útil, concorrendo para o bem comum, haja vista que um pedaço de terra improdutivo é grande desperdício a toda uma sociedade.

 

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[4] O preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil exibe um texto inicial que apresenta os valores que norteiam a aplicação das normas constitucionais.

Data da conclusão/última revisão: 1/2/2018

 

Como citar o texto:

CAMPOS, Ruth Roeles; RANGEL, Tauã Lima Verdan..Da delimitação da propriedade privada: da reserva patrimonial à função social. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1505. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/3904/da-delimitacao-propriedade-privada-reserva-patrimonial-funcao-social. Acesso em 6 fev. 2018.

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