Breve Histórico sobre o Controle Jurisdicional de Constitucionalidade no Brasil

                    A Constituição de 1824 não regulou sobre o Controle de Constitucionalidade a ser exercido pelo Poder Judiciário, quando em seu artigo 15, ns. 8 e 9 atribuía ao Poder Legislativo a prerrogativa de fazer as leis, interpretá-las, suspende-las, revogá-las e de zelar pela guarda da Constituição.

                    Com efeito, partindo-se do pressuposto de que a Carta de 1824 sofreu influência de doutrinadores da Inglaterra e da França, sendo que os juízes ignoravam as premissas do Direito Constitucional dos Estados Unidos, em especial, relacionadas ao Controle de Constitucionalidade, é que OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELO (A teoria das constituições rígidas. 2. ed., 2ª tiragem, São Paulo: José Bushatsky, 1997, p. 148) concluiu: “Por isso, não obstante, de há muito, nesse país, o judiciário exercesse o controle de constitucionalidade dos atos dos outros poderes, no Brasil se ignorava essa prerrogativa, ou mesmo conhecendo-a os governantes, não se afeiçoaram a ele.

                    A primeira Constituição Republicana do Brasil, de 1891, influenciada diretamente pelo Direito norte-americano estabeleceu nos artigos 59, § 1º, a e b, e 60, a, o controle incidental ou difuso de constitucionalidade.

                    Neste sentido, JOÃO BARBALHO (Constituição Federal Brasileira: comentários. 2. ed., Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia., 1924, p. 333) entendeu:

“Quando a ação ou a defesa fundar-se em disposição constitucional, que haja sido violada por ato do legislativo ou executivo do poder federal, a competência é das justiças da União (art. 60, a). Quando se fundar em disposição constitucional que haja sido violada por ato do poder legislativo ou executivo dos poderes dos Estados, a competência é das justiças estaduais, com recurso para o supremo tribunal (art. 59, § 1º)”.

                    Para ZENO VELOSO (Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. 3. ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 30): “A famosa Emenda Constitucional de 1926 conferiu, expressamente, a todos os tribunais, federais ou estaduais, competência para decidir sobre a constitucionalidade das leis federais, aplicando-as, ou não, no caso concreto, aprimorando a redação das normas constitucionais sobre o assunto”.

                    Por sua vez, OLAVO ALVEZ FERREIRA (Controle de Constitucionalidade e Seus Efeitos. São Paulo: Editora Método, 2003, p. 32) salienta que: “A Emenda Constitucional de 1926 não trouxe profundas alterações para o sistema, dando mais clareza aos dispositivos que versavam sobre a competência do Supremo Tribunal Federal e o recurso extraordinário.”

                   Não obstante, é de suma importância ressaltar que a Lei 221, de 20/11/1894, a qual dispôs no seu artigo 13, § 10, sobre a organização da Justiça Federal, segundo a doutrina especializada, é considerada relevante ao sistema de controle de constitucionalidade no Brasil ao revelar a supremacia do Judiciário senão vejamos:

“Os juízes e tribunais apreciarão a validade das leis e regulamentos e deixarão de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconstitucionais e os regulamentos manifestamente incompatíveis com as leis e com a Constituição.”

                   Na Constituição de 1934 foi mantido o controle difuso ou incidental, todavia, trouxe algumas inovações importantes para o sistema, quais sejam: exigência de quorum da maioria absoluta dos membros dos tribunais para as decisões de inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público (art. 179); a possibilidade de suspensão, pelo Senado, da execução de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, declarados inconstitucionais pelo Judiciário, atribuindo-se o efeito erga omines (art. 91, IV); introduziu o Mandado de Segurança (art. 113, n. 33) e, segundo o jurista ZENO VELOSO (Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, p. 31), “regulou a intervenção da União em negócios peculiares aos Estados”, no sentido de possibilitar ao Supremo Tribunal Federal, mediante a provocação do Procurador Geral da República, declarar a inconstitucionalidade de lei estadual (art. 12) que atentasse contra algum dos princípios constitucionais sensíveis, especificados em seu artigo 7º, n. 1, alíneas a a h, além de garantir a execução de leis federais.                                    

                   Para PAULO BONAVIDES (Curso de Direito Constitucional. 4. ed., refundida, do Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 257): “porquanto o exame de constitucionalidade pelo Pretório Supremo já não ocorreria apenas incidentalmente, no transcurso de uma demanda, mas por efeito de uma provocação cujo objeto era a declaração mesma de constitucionalidade da lei que decreta a intervenção federal”.   

                  No entendimento da maioria dos doutrinadores, a Constituição de 1934 revelou-se como um verdadeiro marco na progressão do país em direção a um controle direto de constitucionalidade, sendo que das inovações por ela trazida, a mais importante, neste sentido, foi a representação interventiva.

                  Por sua vez, tivemos a Constituição de 1937, estatuída durante o Estado Novo e conhecida como “polaca”, sendo marcada pelo autoritarismo caracterizado por uma superconcentração do poder nas mãos do chefe do Poder Executivo que não permitia a atuação de um controle de constitucionalidade, dotado de liberdade e independência, como naturalmente deveria ser.

                 O seu artigo 96 dispôs que só por maioria absoluta de votos da totalidade dos juízes, poderiam os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do Presidente da República, todavia, o parágrafo único deste mesmo dispositivo ressalvava:

“No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa do interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.” 

                 Com efeito, mister se faz observar que tínhamos um Poder Judiciário enfraquecido em suas prerrogativas essenciais de exercer um controle de constitucionalidade livre e independente, uma vez que, por iniciativa do Chefe do Executivo, o Parlamento poderia tornar sem efeito a decisão do Tribunal, o que fatalmente comprometia a eficiência de um verdadeiro controle jurisdicional de constitucionalidade e, por conseguinte, a Segurança Jurídica em prol de um sistema hiperpresidencialista, usando, in casu, a manipulação de interesses como uma de suas principais armas.

                 Em tempos de redemocratização do Brasil surge a Constituição de 1946, sendo que o sistema de controle de constitucionalidade continuou sendo o difuso (incidenter tantum), mantendo-se assim os mesmos preceitos trazidos pela Carta Magna de 1937. 

                 A grande novidade foi a Emenda Constitucional 16, de 26.11.1965, a qual alargou a Competência Originária do STF, através de nova redação dada à alínea k, do art. 110, inc. I, da Constituição de 1946, determinando que O Supremo Tribunal poderia processar e julgar “a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República”.

                  Observa-se que, no que concerne a intervenção federal, tratava-se de uma ação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual que atentasse contra os princípios sensíveis, haja vista que, o Supremo Tribunal Federal não só examinava a lei federal interventiva, mas também declarava a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual para efeito de intervenção (art. 8º, parágrafo único).

                  Para o professor ZENO VELOSO (Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. cit., p. 33):

“O objetivo, como se vê, não era o de estabelecer um verdadeiro controle concentrado de constitucionalidade, pois a manifestação do STF, atendendo a representação do Procurador-Geral da República, não operava erga omnes, e tinha o escopo de constatar a violação de princípio constitucional sensível, para legitimar a decretação da intervenção da União no ente federativo. Mas a solução da Constituição de 1946 significou um novo e vigoroso passo para a instituição do controle concentrado.”                  

                  Não resta dúvida que a reforma constitucional, através da EC 16/65, introduziu no Brasil o controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade, da norma em tese, sem prejuízo do controle incidental, aproveitando tanto o modelo americano como o austríaco, ou seja, a partir da Constituição de 1946 passamos a ter em nosso Ordenamento Jurídico um sistema híbrido de controle de constitucionalidade, reforçando assim a idéia de preservar a Ordem Jurídica em consentâneo à supremacia do Texto Fundamental.

                  CLÈMERSON MERLIN CLÈVE (A fiscalização abstrata de constitucionalidade das leis no direito brasileiro. São Paulo: RT, 1995, p. 70) faz a seguinte e interessante observação:

“Não deixa de ser curioso o fato de a representação genérica de inconstitucionalidade ter sido instituída em nosso país pelo regime militar, especialmente, porque esse mecanismo, contrariando a dinâmica de qualquer ditadura, pode prestar-se, se bem manejado, admiravelmente para a proteção e garantia dos direitos fundamentais”.

                   A Constituição de 1967 (art. 114, I, 1) e a EC n. 1/69 (art. 119, I, 1) mantiveram o sistema misto de controle de constitucionalidade, prevendo inclusive a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, perante o Supremo Tribunal Federal, tendo como legitimado ativo exclusivo o Procurador-Geral da República.

                   Neste sentido ressalta CLÈMERSON CLÈVE (Op. Cit., p.89):

“A Emenda Constitucional 7/77 trouxe algumas novidades. Em primeiro lugar, atribuiu ao Supremo Tribunal Federal competência para a interpretação, com efeito vinculante, de ato normativo. De fato, diante do art. 119, I, XXX, 1, da Constituição de 1967/69, com a Emenda 7/77, competia à Suprema Corte julgar ‘a representação do Procurador-Geral da República, por inconstitucionalidade ou para interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual’”(...)

“A segunda novidade consiste na previsão expressa de medida cautelar (liminar), solicitada pelo Procurador-Geral da República, nas representações encaminhadas por essa autoridade (art. 119, I, p)”.   

                   ANDRÉ RAMOS TAVARES (Curso de Direito Constitucional, p. 245) acrescenta:

“Foi também a partir dessa Emenda que passou a haver referência expressa ao órgão especial dos Tribunais de Justiça dos Estados, com atribuições do Tribunal Pleno, para fins de reconhecimento de inconstitucionalidade de lei, observado o quorum especial”.

                   Por fim, chegamos à Constituição de 1988, a qual além de manter o sistema híbrido ou misto de controle de constitucionalidade trazido ao nosso ordenamento jurídico pela EC n. 16/65, trouxe outras novidades que contribuíram para um verdadeiro avanço com vistas ao aperfeiçoamento e à democratização da fiscalização constitucional.

                   Extinguiu o monopólio do Procurador-Geral da República em possuir legitimidade para ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade, pois ampliou o número dos legitimados ativos (art. 103).

                   No artigo 103, § 2º, introduziu uma nova modalidade de ação como instrumento de controle constitucional abstrato, qual seja: a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão; além do mais, também introduziu o mandado de injunção (art. 102, I, q) e a argüição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição (art. 102, § 1º).

                   Finalmente, previu a possibilidade de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição estadual (art. 125) assim como introduziu, através da EC n. 3/93, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, dando nova redação ao artigo. 102, I, a.

                   É importante ressaltar que o modelo de controle de constitucionalidade adotado pelo Brasil (misto) também é adotado em alguns outros países como no México e na Irlanda, bem como, em alguns países do Mercosul.

                   Atualmente, as Leis n. 9.868 e n. 9.882, ambas de 1999, é que regulamentam, respectivamente, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade e as Ações Declaratórias de Constitucionalidade, e a de Argüição de Preceito Fundamental, sendo que a Lei n. 9.882/99 se encontra com sua constitucionalidade sendo questionada no Supremo Tribunal Federal.

                   No que tange a realidade brasileira, dentro do aspecto que estamos abordando, a Professora GISELA MARIA BESTER (Direito Constitucional. São Paulo: Manole, 2005, p. 410) já se manifestou com a seguinte opinião:

“Observamos ao leitor, de antemão, que já na implantação de cada desses modelos no Brasil se deram falhas de origem, notadamente porque copiamos cada deles de maneira um tanto diferenciada em relação aos modelos originais. Isto vinha gerando sérios problemas em nosso sistema jurisdicional de controle de constitucionalidade (...)”.

“(...) No entanto, desde agora, podemos registrar nossa opinião no sentido de que atualmente – e particularmente porque a própria Lei n.9.882/99 está sendo questionada no STF quanto á sua constitucionalidade -, mais do que modelo difuso e modelo concentrado, o que temos no Brasil é um sistema confuso de controle de constitucionalidade. Disto decorre, naturalmente, que atualmente o tema do controle de constitucionalidade é, em nossa opinião, o mais difícil assunto a ser encarado e compreendido no campo do Direito Constitucional, carecendo, por isso mesmo, de redobrada atenção dos estudantes.”   

                   A breve abordagem a respeito da evolução histórico-jurídica do Controle Jurisdicional de Constitucionalidade no Brasil se faz necessária na medida em que além de vislumbrar a sua importância, permite que possamos compreender melhor as transformações ocorridas atualmente no que tange a função originária de nossos Tribunais de zelarem pela supremacia de nossa Constituição, seja pela forma difusa ou concentrada.     

(Texto elaborado em: Maio/2005)

 

 

 

Caio Rogério da Costa Brandão

Bacharel em Direito pela UNAMA – Universidade de Amazônia, Advogado em São Paulo, Especialista e pós-graduado lato sensu em Direito Tributário e Direito Processual Civil pelo Centro de Extensão Universitária – CEU e pós-graduando em Direito do Consumidor pela FMU-SP.