Tema de diversos debates doutrinários, os direitos fundamentais são considerados como a base de um ordenamento jurídico, se estabelecem para concretizar a dignidade da pessoa humana e não por menos são alvos de dúvidas e erros por parte dos operadores do direito. Dessa forma é importante traçar linhas gerais a respeito das teorias que abarcam o tema e os aspectos doutrinários para um melhor entendimento da matéria.

A historicidade dos direitos fundamentais é marcada como uma construção e conquista, que os ideais libertários da Revolução Francesa, deram origem à Declaração Universal dos Direitos do Homem, em Paris, representando a primeira tentativa do homem de estabelecer parâmetros humanitários, independentes de raça, sexo, poder, crença etc., sendo adotada e proclamada pela Organização das Nações Unidas.

O desenvolvimento dos direitos fundamentais se sobressai a partir da segunda guerra mundial, nesse marco histórico, a utilização e promoção dos determinados direitos são buscados para a existência de uma efetividade, como diz SARLET, 2005, p.70:

“Os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos (daí seu conteúdo axiológico), integram, ao lado dos princípios estruturais e organizacionais (a assim denominada parte orgânica ou organizatória da Constituição), a substância propriamente dita, o núcleo substancial, formado pelas decisões fundamentais, da ordem normativa, revelando que mesmo num Estado constitucional democrático se tornam necessárias (necessidade que se fez sentir da forma mais contundente no período que sucedeu à Segunda Grande Guerra) certas vinculações de cunho material para fazer frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo”.

Dessa forma, os direitos fundamentais são frutos da conquista da sociedade e por tal razão, na ordem histórico-cronológica são estabelecidas as chamadas gerações dos direitos, com o fim de uma organização metodológica, que podem ser compreendidas como:  Os direitos da primeira geração ou primeira dimensão, seriam os Direitos da Liberdade, liberdades estas religiosas, políticas, civis clássicas como o direito à vida, à segurança, à propriedade, à igualdade perante a lei, as liberdades de expressão coletiva, etc. São os primeiros direitos a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos.

Segunda geração ou segunda dimensão: seriam os Direitos da Igualdade, no qual estão o direito à educação contra o analfabetismo, direito à saúde, cultura, etc. São os direitos sociais, culturais, econômicos e os direitos coletivos. Terceira geração ou terceira dimensão, que foram desenvolvidos no século XX: seriam os Direitos da Fraternidade, no qual está o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, entre outros. Essa geração é dotada de universalidade, pois se destinavam ao patrimônio humanitário.

 Quarta geração ou quarta dimensão, que surgiu nas últimas décadas, pelo avanço tecnológico: seriam os Direitos da Responsabilidade, tais como, a informação, a autodeterminação dos povos, promoção da ética da vida, bioética, direitos difusos e o pluralismo entre outros. Ligado a pesquisa genética, com a necessidade de impor um controle na manipulação dos seres, especialmente o homem.

 

1) Classificações

As classificações feitas no âmbito doutrinário partem da teoria dos status do Georg Jellinek que podem ser:

Status Passivo (subjections); O indivíduo é visto como um detentor de deveres perante o estado, uma espécie de situação de subordinação e sujeição em relação ao Estado. Um Exemplo seria o alistamento eleitoral e o voto sendo obrigatório, muito embora seja um direito, também é um dever.

Status Ativo; Neste caso, o indivíduo possui competências para influenciar a formação da vontade política do estado. Um exemplo seria os direitos políticos: Voto é um direito, uma ação para exercer a vontade política social englobando o direito de participar de plebiscito, referendo e inciativa popular. Percebe-se que desta forma o voto, se enquadra nos dois status, primeiramente como aspecto de dever e obrigação, mas também como direito.

Status Negativo; O indivíduo goza de um espaço de Liberdade contra as ingerências dos poderes públicos, não devendo sofrer uma intromissão estatal. Dessa forma, o estado não pode censurar, não pode interceptar. Protege assim contra a intervenção por parte do estado, são os Direitos e garantias individuais e os Direitos de liberdade.

Status Positivo; O indivíduo tem o direito de exigir uma atuação positiva por parte do estado, enquanto no negativo tem direito de exigir uma abstenção, o positivo, significa que o indivíduo tem o direito de exigir do estado, prestação. Como exemplo: merenda escolar, construção de hospital, prestações materiais, assistência jurídica, segurança pública entre outros. Da teoria dos status se derivam três classificações, só a primeira não se baseia na teoria do Georg Jellinek, são elas:

1.1) Unitária de Jairo Schafer

Defende uma classificação unitária dos direitos fundamentais, não devem ser divididos em diferentes espécies com a justificativa de que a profunda semelhança entre todos os direitos fundamentais impede sua classificação em categorias estruturalmente diversas, devendo todos eles serem tratados de uma maneira unitária.

1.2) Dualista de Ingo Sarlet

Seriam divididos em Direitos de Defesa e Direitos Prestacionais. Nos Direitos de defesa se enquadrariam as liberdades negativas e os direitos políticos. Já os Direitos Prestacionais seriam as Liberdades Positivas, liberdades que o indivíduo só pode usufruir se o estado fornecer os direitos sociais básicos.

1.3) Trialista

Classificação mais adotada, dividindo os direitos fundamentais em: Direitos de Defesa, Direitos Prestacionais e os Direitos de Participação. Teoria adotada, entre outros, por Dimitri Dimoulis e o Leonardo Martins.

Os chamados Direitos de Defesa exigem abstenção por parte do estado, nesse caso são as liberdades individuais. Os Direitos prestacionais seriam os que conferem ao indivíduo status positivo, determinadas prestações materiais. Geralmente os direitos prestacionais são os direitos sociais, no entanto, não se esgota nestes, existem direitos de prestação que não são direitos sociais, como exemplo a assistência judiciária gratuita, que é considerado um direito individual, ou mesmo o inverso como a liberdade de associação que é um direito social, mas não um direito prestacional, é um direito de liberdade.

Por fim os Direitos de Participação, que asseguram a participação do indivíduo na vida política do estado. Aqui englobam basicamente os direitos de nacionalidade e os direitos políticos.

 

2) Características dos Direitos Fundamentais

Ao se falar em teoria dos direitos fundamentais é preciso demonstrar as características principais sobre o tema, elencadas e sistematizadas para uma melhor compreensão da matéria. São características gerais que norteiam o direito fundamental como tal, podem ser divididas em seis e guardam em si pontos controversos. São elas:

2.1) Universalidade

A vinculação a liberdade e a dignidade da pessoa humana conduz os direitos fundamentais a sua universalidade. Todo indivíduo possui dignidade, sendo dignidade qualidade intrínseca de todo ser humano. Em todas as sociedades pelo menos um núcleo mínimo de dignidade deve existir, por isso que seria universal independente da sociedade e cultura. A crítica e questionamentos sobre essa característica, seria a influência ocidental sobre outras sociedades diversas ou uma tentativa de imposição cultural do ocidente em relação a outras culturas.

2.2) Historicidade

Os direitos fundamentais são históricos por terem surgido em épocas diferentes e por poderem ter o seu conteúdo e sentido modificados com o passar do tempo. Nesse sentido, não seriam direitos eternos universais imutáveis como defendem os autores jus naturalistas.

Foram modificados ao passar do tempo, primeiro as revoluções francesa e norte americana com a estabelecida liberdade meramente formal, com o passar do tempo foi tendo um sentido diferente. Hoje se fala em liberdade formal e liberdade material. Ou mesmo o sentido de democracia que era a vontade da maioria, atualmente ela também tem como finalidade a defesa de direitos fundamentais básicos inclusive das minorias. Dessa forma a historicidade dos direitos fundamentais faz que exista uma evolução com o passar do tempo e outros tenham o seu surgimento, como exemplo o direito ao meio ambiente e novas lógicas da contemporaneidade. Este é o sentido aplicado para a classificação das dimensões dos direitos fundamentais.

As três próximas características são melhor estudadas em conjunto, por se entrelaçarem em seus sentidos e semelhanças, sendo divididas em:

2.3) Inalienabilidade 2.4) Imprescritibilidade 2.5) irrenunciabilidade

Por não possuírem conteúdo patrimonial os direitos fundamentais são intransferíveis, inegociáveis e indisponíveis.

Nesse ponto, também gera uma certa divergência na doutrina já que como exemplo o direito à privacidade é um direito fundamental, mas para o indivíduo é possível abrir mão da privacidade e participar de um reality show na televisão. Ao se falar em irrenunciabilidade é preciso então entender a diferença entre a titularidade e o exercício. Essas características se estabelecem em relação a titularidade, o exercício do direito vai ser posto e analisado em cada caso concreto resguardado a manifestação livre e a capacidade plena.

2.6) Relatividade ou Limitabilidade

Os direitos fundamentais não podem ser considerados absolutos por encontrarem limites em outros direitos e interesses coletivos também consagrados na Constituição. Se assemelha ao princípio da relatividade ou da convivência das liberdades públicas. Vale ressaltar que o Noberto Bobbio apontava dois direitos que seriam exceção:  direito a não ser escravizado e o direito a não ser torturado.

Diretamente relacionada às características se encontra a expressão “Limites dos Limites” do Karl August Betterman,  autor alemão importante na Europa e citado por alguns autores no Brasil.

Aqui é verificado um paradoxo interessante em relação aos direitos fundamentais. Surgiram para limitar o poder do estado, mas ao mesmo tempo que limitam o arbítrio do estado, este pode limitar os direitos fundamentais. Significa dizer que essa atividade limitadora do estado também encontra limites, ou seja, a atividade limitadora deve ser também uma atividade limitada, porém ainda há uma divergência em relação ao limite ou até que ponto este se estabelece. Sendo preciso então respeitar certos requisitos como:

Princípio da Legalidade; Só pode ocorrer através de lei em sentido amplo, porque a constituição o consagra no artigo 5°. O sentido amplo se refere a qualquer lei, o que não pode é um ato infra legal como um decreto, limitar um direito fundamental.

Princípio da não retroatividade; Consagrado no artigo 5, XXXVI, em regra, quando o estado cria uma lei, esta deve ter eficácia da sua criação em diante.

Princípio da Proporcionalidade; Uma medida estatal de intervenção dos direitos deve ser adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.

Princípio da Generalidade e Abstração; Toda norma restritiva de direitos fundamentais deve ser geral e abstrata. Elas devem ser para todos ou para todas as pessoas que se encontrem naquela situação.

Princípio da Salvaguarda do conteúdo essencial; O conteúdo essencial não pode ser afetado pela limitação. Seria um conteúdo protegido contra a intervenção estatal. Pela teoria absoluta, não pode o todo do conteúdo essencial e pela teoria relativa só precisaria ser feito através da medida restritiva, o teste da proporcionalidade.

 

3) Localização Topográfica

No Brasil na Constituição Federal de 1988, trouxe em seu Título II, os Direitos e Garantias Fundamentais, divididos em 5 capítulos:

Direitos individuais e coletivos: são os direitos ligados ao conceito de pessoa humana, tais como à vida, à igualdade, à dignidade, à liberdade e à propriedade; Direitos sociais: o Estado Social de Direito deve garantir as liberdades positivas aos indivíduos. Esses direitos são referentes à educação, saúde, trabalho, entre outros. Sua finalidade é a melhoria das condições de vida para o alcance da chamada igualdade social. Presentes a partir do artigo 6º; Direitos de nacionalidade: nacionalidade, significa, o vínculo jurídico político este indivíduo se torne um componente do povo; Direitos políticos: permitem ao indivíduo, através de direitos públicos subjetivos, exercer sua cidadania e a participação na vontade política do estado; Direitos relacionados à existência, garante a autonomia e a liberdade dos partidos políticos como instrumentos importantes na preservação do Estado democrático de Direito.

Apesar da Constituição estabelecer sistematização no Título II, não excluem outros dependentes dos regimes e dos tratados internacionais que a república federativa do brasil seja parte, consagra uma teoria material dos direitos fundamentais, sejam eles explícitos, implícitos ou tratados internacionais de direitos humanos, da mesma forma que os direitos individuais não se restringem ao artigo 5° da Constituição. É preciso assim analisar o conteúdo e dessa forma relacionar ao que seria um direito fundamental.

 

REFERÊNCIAS:

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 10. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

FRANZOI, Jackeline Guimarães Almeida. Dos direitos humanos: breve abordagem sobre seu conceito, sua história, e sua proteção segundo a Constituição brasileira de 1988 e a nível internacional. Revista Jurídica Cesumar, Paraná, v. 3, n. 1, 2003.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

NOVELINO, Marcelo.Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: JUS PODIVM, 2017

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

Data da conclusão/última revisão: 30/1/2018

 

Como citar o texto:

PAULINO FILHO, Ronaldo..Características dos direitos fundamentais: aspectos doutrinários. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1504. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/3894/caracteristicas-direitos-fundamentais-aspectos-doutrinarios. Acesso em 2 fev. 2018.

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