Mínimo existencial socioambiental: o acesso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a solidariedade intergeracional
RESUMO: O trabalho aqui desenvolvido toma como ponto de partida a crescente inclusão dos assuntos pertinentes ao meio ambiente em diversas discussões no seio das sociedades, sem perder de vista a elevação ao plano internacional, responsável por chamar a atenção para a necessidade de preservação do meio ambiente. Diante desse quadro, um novo olhar é lançado em relação a diversos institutos jurídicos em termos de evolução, sendo transformados a fim de englobarem, além de suas características próprias, elementos derivados da preocupação de preservação do meio ambiente. O propósito do presente trabalho é, por meio de uma rápida análise das noções de acesso ao meio ambiente e solidariedade intergeracional, examinar a construção do mínimo existencial ambiental, intimamente ligado ao princípio da dignidade humana.
Palavras-chave: Meio Ambiente; Mínimo Existencial; Justiça Ambiental; Solidariedade.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O meio ambiente pode ser considerado um dos paradigmas mais importantes hodiernamente. O tratamento dispensado na proteção e preservação ambiental implica diretamente e também indiretamente nas próprias condições de vida do ser humano. Não obstante, as consequências oriundas da exploração abusiva dos recursos da natureza, as catástrofes ambientais e os demais problemas acarretados pelo desequilíbrio causado pela ação do homem acabam por gerar, no atual panorama histórico, uma situação delicada. Essa situação fica evidenciada em diferentes níveis de percepção, seja em grande ou pequena escala, seja em ameaças visíveis ou invisíveis. Não existem barreiras, ou, em melhor colocação, os limites territoriais já não mais importam, os problemas ambientais vivenciados em determinada localidade dificilmente produzirão seus efeitos em relação apenas aos que ali estão situados. O grau de complexidade também aumentou. É tarefa razoavelmente tranquila imaginar um problema ambiental desencadeado pela ação humana que projeta seus efeitos globalmente e, ainda mais preocupante, rompem os limites, não só do espaço, mas também do tempo. Aqueles que ainda sequer foram concebidos, já estão destinados a sofrer também com o desequilíbrio ambiental e todos os seus efeitos negativos. Aliás, as presentes gerações já arcam com as consequências do desenvolvimento ocorrido em um momento em que a natureza era tida como objeto de exploração, e nada mais.
Apesar das considerações até aqui feitas, o caminho a ser percorrido no presente trabalho é extraído de dois pontos muito importantes, pois se trata do acesso ao meio ambiente e a solidariedade intergeracional. A comunhão desses assuntos permite tratar tanto do presente quanto do futuro em matéria de preocupação ambiental. De um lado as considerações acerca da justiça ambiental, a importância de trazer para a discussão e incluir como objeto de tutela, aqueles menos afortunados que sofrem com os efeitos da destruição da natureza. Do outro lado, o futuro, a inclusão das gerações vindouras na tomada de decisões e ações no momento atual. Em ambos, a solidariedade desponta como importante elo, demonstrando, por seu turno, importante característica da tutela ambiental. O último ponto colocado em debate no presente trabalho é a construção do denominado mínimo existencial socioambiental, no contexto de um modelo de Estado mais preocupado com as questões ambientais, com a inclusão e igualdade entre indivíduos e a responsabilidade com as presentes gerações, bem como aquelas que ainda estão por vir.
1 DELIMITAÇÃO DO VOCÁBULO MEIO AMBIENTE
As primeiras considerações devem ser feitas a partir do conceito basilar nas discussões que envolvam a problemática ambiental, pois, é justamente na delimitação do conteúdo compreendido na noção de meio ambiente que está o ponto de partida. Dessa maneira, dois importantes marcos serão apresentados, sendo, o primeiro deles, de 1981, situada dentre as normas infraconstitucionais e, o segundo marco, de 1988, a Constituição Federal de 1988.
Em termos legais, a opção foi pela adoção do termo meio ambiente, conforme a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938 de 1981), em que, no seu art. 3º delimita alguns conceitos em seu contexto, constando, logo no inciso I do referido artigo, a apresentação do conceito de meio ambiente como, em seus próprios termos, “[…] um conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981). Representa a Lei Nacional de Política Pública um grande propulsor no que diz respeito à tutela dos direitos metaindividuais (FIORILLO, 2008, p. 3). A Constituição Federal de 1988, por seu turno, tutela o meio ambiente ecologicamente equilibrado, em seu art. 225, tendo o seu caput a seguinte redação:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).
Ao analisar, sob a perspectiva da sistematização dada pela Constituição Federal de 1988, de forma tranquila é possível considerar que o conceito trazido pela Lei nº 6.938 de 1981 de meio ambiente foi recepcionado, haja vista que a Carta da República tutelou não apenas o meio ambiente natural, mas também o meio ambiente artificial, cultural e do trabalho (FIORILLO, 2008, p. 19). Quanto ao tratamento jurídico do meio ambiente na Constituição Federal de 1988, nas palavras de Antônio Herman Benjamin (2015, p. 110), assim como em outros campos, mudou de rumo, metamorfoseou, se valendo de técnicas multifacetárias. Vale ainda pontuar:
Capítulo dos mais modernos, casado à democrática divisão de competências legislativas e de implementação no terreno ambiental, e a tratamento jurídico abrangente, a tutela do meio ambiente […] não foi aprisionada somente no art. 225. Na verdade, saltou-se do estágio da miserabilidade ecológico-constitucional, próprio das Constituições liberais anteriores, para um outro que, de modo adequado, pode ser apelidado de opulência ecológico-constitucional […]
De toda sorte, o capítulo do meio ambiente nada mais é que o ápice ou a face mais visível de um regime constitucional que, em vários pontos, dedica-se, direta ou indiretamente, à gestão dos recursos ambientais […] (BENJAMIN, 2015, p. 112).
O conceito de meio ambiente não fica restrito apenas a noção de recursos naturais, sendo resultante da organização e ação humana, se relaciona com as condições de vida (SOARES, 2008, p. 4-5). Conforme Édis Milaré (2016, p. 6), “[…] o meio ambiente é tudo o que nos envolve e com que interagimos. É um universo de certa forma intangível”. Trata-se de conceito jurídico indeterminado o termo meio ambiente, de maneira que o seu conteúdo é delimitado pelo intérprete, cabendo a classificação quanto aos seus aspectos, ressaltando que o conceito de meio ambiente é unitário, regido por princípios, diretrizes e objetivos da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (FIORILLO, 2008, p. 20).
Importante nesse momento recortar uma ponderação pertinente que pode ser feita a respeito da expressão “meio ambiente”, no sentido de, conforme apresentado por Édis Milaré (1992, p. 59), resultar em certa redundância, tendo em vista o conceito de ambiente compreender, em seu conteúdo, a própria noção de meio, sendo, contudo, essa expressão conjunta adotada pelo legislador nas legislações infraconstitucionais, além de ser opção também acolhida pelo constituinte na elaboração da Carta Política de 1988. De forma similar, Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2008, p. 19), aponta a existência de um costume de criticar o termo meio ambiente, “[…] porque pleonástico, redundante, em razão de ambiente já trazer em seu conteúdo a idéia (sic) de “âmbito que circunda”, sendo desnecessária a complementação pela palavra meio”.
Primeiramente, o meio ambiente, encarado sob seu aspecto natural, concentra o fenômeno da homeostase, ou seja, corresponde ao dinâmico equilíbrio entre os seres vivos e o meio que se encontram, vivem (FIORILLO, 2008, p. 20). Sob a perspectiva artificial, o meio ambiente pode ser entendido como o “[…] espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações (chamados de espaço urbano fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto)” (FIORILLO, 2008, p. 21). O meio ambiente cultural é considerado com base nos elementos que integram a vida humana, fazendo parte da história e dos costumes, desenvolvidos e colocados a sua disposição pela própria criatividade humana, sendo formadores da sua identidade (TRINDADE, 2005, s.p.), os elementos capazes de identificar a cidadania de um povo (FIORILLO, 2008, p. 22). Por fim, a última perspectiva diz respeito ao meio ambiente do trabalho, que nas lições de Celso Antônio Pacheco Fiorillo:
Constitui meio ambiente do trabalho o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais relacionadas à sua saúde, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.) (FIORILLO, 2008, p. 22).
A compreensão de meio ambiente do trabalho engloba o local em que o trabalhador desenvolve o seu trabalho ou no qual exerce sua profissão, integrando, ainda, tal conceito, a segurança e higidez do ambiente de trabalho (FARIAS, 2007, p. 445).
2 O RECONHECIMENTO DO ACESSO AO MEIO AMBIENTE
A problemática do acesso ao meio ambiente passa pela discussão promovida no debate em torno da justiça e injustiça ambiental. A Justiça Ambiental pode ser compreendida a partir do conjunto de princípios asseguradores dos grupos de pessoas, sendo, esses grupos, étnicos, raciais ou de classe, no que diz respeito a desproporcionalidade no fardo de suportar consequências ambientais negativas oriundas de operações de caráter econômico ou por meio de políticas e programas das esferas federais, estaduais e locais, não obstante também, a ausência ou omissão dessas políticas (HERCULANO, 2002, p. 143). Com base no acesso igualitário aos recursos naturais e à qualidade ambiental é que se tem a justiça ambiental, que pelo seu marco normativo possui o escopo fortalecer a relação entre direitos e deveres ambientais, a fim de redistribuir bens sociais e ambiental rumo à equalização de direitos entre os pobres e ricos, sendo todos, mesmo em medidas distintas, reféns das condições ambientais (FENSTERSEIFER, 2011, p. 326-327).
É no conceito de Injustiça Ambiental que, de maneira complementar à própria noção de Justiça Ambiental, será possível definir aquela (HERCULANO, 2002, p. 143). A definição, pois, de Injustiça Ambiental consiste no
[…] mecanismo pelo qual as sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos sociais discriminados, populações marginalizadas e mais vulneráveis (HERCULANO, 2002, p. 143).
Apesar de se revelar de formas distintas, a injustiça ambiental, tal como a injustiça social, atinge de forma mais intensa os indivíduos sócio e economicamente vulneráveis, já possuidores de um acesso mais restrito aos seus direitos sociais básicos, além de disporem de um acesso mais limitado quando se refere ao acesso de informações ambientais, resultando, dessa forma, por comprimir a autonomia e liberdade de escolha, impedindo, seja por total ou parcial ausência de informação e conhecimento, que certos riscos ambientais possam ser evitados (SARLET, FENSTERSEIFER, 2014, p. 146). A partir dessas noções, as lições de Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer ao estabelecer um paralelo com a dignidade merecem ser destacadas:
Em regra, a miséria e a pobreza (como projeções da falta de acesso aos direitos sociais básicos, como saúde, saneamento básico, educação, moradia, alimentação, renda mínima etc.) caminham juntas com a degradação e poluição ambiental, expondo a vida das populações de baixa renda e violando, por duas vias distintas, a sua dignidade. Dentre outros aspectos a considerar, é perceptível que é precisamente (também, mas não exclusivamente!) neste ponto que reside a importância de uma tutela compartilhada e integrada dos direitos sociais e dos direitos ecológicos, agrupados sob o rótulo genérico de direitos fundamentais socioambientais (DESCA), assegurando as condições mínimas para a preservação da qualidade de vida, aquém das quais poderá ainda haver vida, mas essa não será digna de ser vivida […] (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 117).
Como fator agravante, pode ser acrescido aquilo que é destacado por Ulrich Beck (2011, P. 24) ao cuidar de uma problemática existente no chamado Terceiro Mundo, em que a falta material funciona como norte na ação e pensamento dos indivíduos, tendo como maior preocupação a distribuição e os conflitos distributivos em torno da riqueza socialmente produzida. Além disso, vale ressaltar que o atual estágio de modernização, ocorrida no transcorrer do século XXI, decorre de um processo iniciado ainda no século XIX, em que, essa modernização se chocava com um pano de fundo contrário a si mesma, pois se tratava da natureza, do mundo tradicional, que de objeto de conhecimento e controle no século XIX foi, agora, no século XIX, consumida e perdida (BECK, 2011, p. 13).
3 SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL E O MEIO AMBIENTE
O direito ao meio ambiente, ao lado de outros, tais como, o direito a paz, o direito ao desenvolvimento e o direito intergeracional, em razão de suas afinidades e finalidades estão compreendidos em um mesmo espectro de direitos, os denominados direitos de solidariedade (WOLFF, 2004, s.p.). É possível compreender a solidariedade como “[…] um princípio jurídico que diz respeito à relação dos integrantes de um conjunto entre si, e da relação do todo com cada uma de suas partes […]” (BOITEUX, 2010, p. 530). Eis que a solidariedade, tida como um valor, concede a estrutura basilar da convivência social, que pela sociedade e pelo constituinte é reconhecida e prefigurada, deixando de lado a ótica atomística para trabalhar o senso, ou mesmo vínculo, de comunidade (DINIZ, 2007, p. 179).
A Constituição Portuguesa, conforme anota José Joaquim Gomes Canotilho (2015, p. 24-25), quando trata dos interesses das gerações futuras, se refere a solidariedade para com as gerações futuras, colocando um quadro normativo-ambiental como cerne do desenvolvimento sustentável, no aproveitamento dos recursos naturais de maneira racional e na salvaguarda na capacidade de renovação e estabilidade ecológica, que se encontram, respectivamente, nos arts. 66º-2[4] e 66º-2/d[5], ambos contidos na referida Carta Portuguesa. Tido como um dos marcos axiológico-normativos, o princípio e dever constitucional da solidariedade exsurge, no contexto do Estado Socioambiental de Direito, tensionando a liberdade e a igualdade de forma a concretizar a dignidade com todos os seres humanos, eis, pois, que os deveres constitucionais reaparecem superando a hipertrofia dos direitos referentes ao Estado Liberal, vinculando o Estado e dos particulares na concretização de uma vida saudável e digna para todos os integrantes da comunidade política (SARLET; FENTERSEIFER, 2014, p. 124).
Interessante, nesse ponto, retomar as considerações de José Joaquim Gomes Canotilho (2015, p. 30-31), que o princípio da solidariedade, no contexto português, se encontra expressamente mencionado, em sede constitucional, se traduzindo, em termos gerais, em uma obrigação dada às presentes gerações de incluir os interesses das futuras gerações como medida de ação e ponderação, veja, nesse caso, que a Constituição Portuguesa não faz referência a direitos das gerações futuras, de modo a levar muitos autores considerarem que estão os interesses das gerações futuras inclusos nos princípios materiais de atuação político-constitucional relevantes, tendo em vista as dificuldades, tanto teórico-dogmáticas quanto jurídico-dogmáticas, em relação ao destaque de um sujeito de direitos e relações jurídicas tido por gerações futuras. Continua o autor apontando três campos problemáticos em que é possível identificar o interesse das futuras gerações, quais sejam, o campo das alterações irreversíveis dos ecossistemas em decorrência da cumulação dos efeitos das atividades e humanas; o campo do esgotamento dos recursos pelo uso de maneira não racional e indiferença quanto à capacidade de renovação e a estabilidade ecológica; e, como terceiro campo, são colocados os riscos duradouros (CANOTILHO, 2015, p. 30).
Por seu turno, a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992, em seu princípio três (3) demonstra a preocupação com as futuras gerações naquilo que se refere ao desenvolvimento e o balanceamento no atendimento das necessidades de meio ambiente e de desenvolvimento (ONU, 1992). Compartilhando da importância de manter sob perspectiva o interesse das gerações futuras, cumpre destacar que
A responsabilidade pela preservação de um patamar ecológico mínimo deve ser atribuída, tanto na forma de deveres de proteção do Estado como na forma de deveres fundamentais dos particulares, às gerações humanas presentes, implicando para estas o dever de preservar as bases naturais mínimas para o desenvolvimento e mesmo a possibilidade – da vida das gerações futuras (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 124).
A procura pelo desenvolvimento sustentável é que permitiria a mudança dos padrões de comportamento atuais, se, pelo menos, não de uma maneira completa, mas ao menos capaz de reduzir o consumo excessivo, a pobreza, a ausência de equilíbrio na exploração dos bens naturais e divisão dos frutos provenientes do desenvolvimento, levando em consideração o plano de igualdade, respeito, fraternidade para com as gerações vindouras e de responsabilidade com o meio ambiente (WOLFF, 2004, s.p.).
4 MÍNIMO EXISTENCIAL SOCIOAMBIENTAL? CARACTERIZAÇÃO DE UM PISO MÍNIMO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO
A ideia de mínimo existencial não encontra formulação expressa no texto constitucional e carece de um conteúdo definido, sendo, todavia, retirado dos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal e livre iniciativa, bem como nas noções de liberdade, na Declaração de Direitos Humanos e nas imunidades e privilégios pertencentes aos cidadãos (TORRES, 1989, p. 29). Deve ser ressaltado que, em termos constitucionais, o Estado brasileiro atua como guardião tanto dos direitos fundamentais quanto da dignidade humana, cabendo, como seu dever, garantir a todas as pessoas condições de bem-estar mínimas (FENSTERSEIFER, 2011, p. 339).
O ser humano possui incontáveis necessidades e, por outro lado, são escassos os recursos financeiros para atender tal demanda, não perdendo de vista que, o desenvolvimento da tecnologia faz surgir um novo leque de necessidades ao lado de novas soluções, sem, contudo, resultar no atendimento de outras necessidades humanas, concluindo, dessa forma, ao fato de sempre existir essa relação entre necessidades humanas a serem atendidas e disponibilidade escassa de recursos financeiros para esse fim (SCAFF, 2005, p. 84). As importantes lições de Ricardo Lobo Torres merecem destaque, pois, conceitua o autor:
O mínimo existencial é direito protegido negativamente contra a intervenção do Estado e, ao mesmo tempo, garantido positivamente pelas prestações estatais. Diz-se, pois, que é direito de status negativus e de status positivus, sendo certo que não raro se convertem uma na outra ou se co-implicam mutuamente a proteção constitucional positiva e negativa (TORRES, 1989, p. 35).
Novos elementos normativos são agregados ao conteúdo do mínimo existencial social a partir do momento em que o meio ambiente ecologicamente equilibrado passa a ter reconhecida sua jusfundamentalidade, resultando em uma nova perspectiva, em que o mínimo existencial se encontra em um novo caminho para a noção de uma dimensão ecológica, derivada da comunhão das agendas de proteção e promoção da existência digna não mais restrita a um mínimo fisiológico, mas considerado também em termos socioculturais, sendo rotulado como mínimo existencial socioambiental (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 132). O exercício da dignidade humana possui como elementar condição a vida, não havendo, contudo, limitação da dignidade humana para comportar apenas questões relacionadas a ordem física ou biológica, exigindo uma proteção com espectro mais amplo, seja aspectos de ordem física, psíquica, social, cultural, política, ecológica e outras, a se evidenciar um somatório dos direitos sociais e ambientais (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 135).
Em razão da convergência das noções sociais e ambientais no projeto jurídico-político em prol do desenvolvimento humano, a denominação socioambiental se torna preferencial, de forma a não ter, no Estado contemporâneo, sua redução a um Estado Pós-Social, pois, considerando o projeto de realização dos direitos fundamentais sociais, a sua realização satisfatória ainda se encontra distante de um patamar adequado (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 117). A formulação de uma política de meio ambiente que toma como base princípios estruturados a partir de questões levantadas pela crise do meio ambiente é o meio necessário para que, com justiça ambiental, seja edificado um Estado de Direito Ambiental, sendo marcado, esse novo viés, pela “[…] responsabilidade do homem como guardião da biosfera, independentemente de sua utilidade para a espécie humana, sendo indispensável à construção de um Estado de Direito Ambiental […]” (LEITE, 2015, p. 184). Eis que
A edificação do Estado Socioambiental de Direito, é importante consignar, não representa uma espécie de “marco zero” na construção da comunidade político-jurídica estatal, mas apenas mais um passo de uma caminhada contínua, embora marcada por profundas tensões, conflitos, avanços e retrocessos, iniciada sob a égide do Estado Liberal, muito embora suas origens sejam, em grande parte, mais remotas (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 122).
As disposições do texto constitucional são essenciais para a construção de um Estado de Direito Ambiental, já que “O status que uma Constituição confere ao ambiente pode denotar ou não maior proximidade do Estado em relação à realidade propugnada pelo conceito de Estado de Direito Ambiental […]”, tendo em vista que o aspecto jurídico ocupa singular posição, importante para, no âmbito do Estado e da sociedade, configurar e solidificar a estrutura de proteção ao ambiente efetiva (LEITE, 2015, p. 183).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mínimo existencial socioambiental desponta como importante marco na reformulação de conceitos frente a necessidade de proteção ambiental. Não obstante todo o conteúdo do fundamento e princípio da dignidade humana, novos desdobramentos ocorrem em razão da natural evolução das sociedades. Paralelamente ao processo de reformulação dos limites do mínimo existencial, a estrutura do próprio Estado começa a se tornar objeto de discussão no sentido de também se transformar, acompanhando a mencionada mudança na construção do novo modelo de mínimo existencial.
A simples reformulação ou reestruturação, para se tornar efetiva, não deve ficar aprisionada nos debates em torno das temáticas ambientais. Como já visto, a inclusão na agenda política de pontos referentes aos indivíduos em estado de desequilíbrio ambiental mais crítico ou dos interesses das gerações futuras não bastam, apenas por si. Em verdade, é de suma importância também o alinhamento de vontades na busca pela melhor solução do problema, não apenas em negociações internacionais, mas principalmente no reconhecimento da necessidade de proteção e tutela do meio ambiente pelos ordenamentos jurídicos, sendo crucial, para tanto, a colocação do devido grau de relevância no tratamento dispensado na efetivação da proteção e preservação da natureza, o que pode resultar (ou não) na adoção por um grande número de países, um novo modelo de Estado.
REFERÊNCIAS
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[4] Dispõe o Artigo 66º-2 da Constituição de Portugal: “Para assegurar o direito do ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos: […]” (PORTUGAL, 1976).
[5] Dispõe o Artigo 66º-2 da Constituição de Portugal: “[…] d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações; […]” (PORTUGAL, 1976).
Data da conclusão/última revisão: 9/2/2018
Vitor Pimentel Oliveira e Tauã Lima Verdan Rangel
Vitor Pimentel Oliveira: acadêmico do Curso de Direito. Técnico em Informática pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense.
Tauã Lima Verdan Rangel: professor Orientador. Doutorando vinculado ao programa de Pós-Graduação e Sociologia em Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF).